Discursos Bento XVI 17708

CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Government House de Sidney Quinta-feira, 17 de Julho de 2008

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Ilustríssimos Senhores e Senhoras,
Queridos Amigos Australianos,

É com grande alegria que hoje, finalmente, vos posso saudar. Desejo agradecer ao Governador Geral, General Supremo Michael Jeffersey, e ao Primeiro-Ministro Rudd a honra que me dão com a sua presença nesta cerimónia e as amáveis boas-vindas que me dirigiram. Como sabeis, pude dispor de qualquer dia de repouso desde a minha chegada à Austrália no passado Domingo. Sinto-me verdadeiramente agradecido pela hospitalidade que me proporcionaram. Aguardo agora o momento de poder participar, hoje de tarde, nas «Boas-vindas ao País» dadas pela população indígena e celebrar, depois, os grandes eventos que constituem o objectivo da minha Visita Apostólica a esta Nação: a XXIII Jornada Mundial da Juventude.

Alguém poder-se-ia perguntar pela razão que impele milhares de jovens a empreenderem uma viagem – para muitos deles – longa e cansativa, a fim de poderem participar num acontecimento deste género. Desde a primeira Jornada Mundial da Juventude, em 1986, ficou patente que um grande número de jovens aprecia a oportunidade de se encontrar para juntos aprofundarem a própria fé em Cristo e partilharem uns com os outros uma jubilosa experiência de comunhão na sua Igreja. Anelam por ouvir a palavra de Deus e aumentar os conhecimentos a respeito da sua fé cristã. Anseiam por tomar parte num acontecimento que ressalta os grandes ideais que os inspiram, e voltam depois para suas casas repletos de esperança, com uma renovada decisão de construir um mundo melhor. Para mim, é uma alegria estar com eles, rezar com eles e celebrar a Eucaristia juntamente com eles. A Jornada Mundial da Juventude enche-me de confiança no futuro da Igreja e no futuro do mundo de todos nós.

Revela-se particularmente oportuno celebrar aqui a Jornada Mundial da Juventude, uma vez que a Igreja na Austrália, além de ser a mais jovem de entre as Igrejas dos vários continentes, é também uma das mais cosmopolitas. Desde o primeiro aglomerado europeu aqui formado ao findar do século XVIII, este país tornou-se a habitação não só de sucessivas gerações de imigrantes da Europa mas também de pessoas vindas de todos os cantos da terra. A imensa diversidade da actual população australiana confere um vigor particular a esta que poderia, comparada com maior parte do resto do mundo, ser ainda considerada uma nação jovem. Mas, já durante milhares de anos antes da chegada dos colonos ocidentais, os únicos habitantes deste solo foram pessoas originárias do país, aborígenes e insulares do Estreito de Torres. O seu antigo património faz parte essencial do panorama cultural da Austrália moderna. Graças à corajosa decisão tomada pelo Governo australiano de reconhecer as injustiças cometidas no passado contra os povos indígenas, tem-se dado agora passos concretos para se chegar a uma reconciliação baseada no respeito recíproco. Justamente tendes procurado colmatar o desnível que existe entre australianos indígenas e não indígenas relativamente a expectativas de vida, metas educativas e oportunidades económicas. Este exemplo de reconciliação gera esperança nos povos de todo o mundo que anelam por ver afirmados os seus direitos e reconhecida e valorizada a sua contribuição para a sociedade.

Entre os colonos que aqui chegavam vindos da Europa havia sempre uma proporção significativa de católicos e deveremos justamente ser orgulhosos da contribuição que estes ofereceram para a construção da nação, particularmente nos campos da educação e da saúde. Uma das figuras eminentes da história deste país é a Beata Mary MacKillop, em cuja sepultura deter-me-ei a rezar ainda hoje. Sei que a sua perseverança diante das adversidades, as suas intervenções em defesa de quantos eram tratados injustamente e o exemplo prático de santidade se tornaram fonte de inspiração para todos os australianos. Gerações de australianos têm motivo para sentir-se agradecidos a ela, às Irmãs de São José do Sagrado Coração e a outras congregações religiosas pela rede escolar que aqui fundaram e também pelo testemunho da sua vida consagrada. No contexto actual mais secularizado, a comunidade católica continua a prestar um contributo importante para a vida nacional, não só através da educação e da saúde mas especialmente apontando a dimensão espiritual das questões que estão mais em evidência no debate contemporâneo.

Atendendo aos numerosos milhares de jovens que visitam a Austrália nestes dias, é imperioso reflectir sobre o género de mundo que estamos a entregar às futuras gerações. Segundo palavras do vosso hino nacional, esta terra «abunda, nos dons da natureza, de uma beleza rica e rara». As maravilhas da criação de Deus recordam-nos a necessidade de proteger o ambiente, realizando uma administração responsável dos bens da terra. A tal respeito, apraz-me notar que a Austrália se empenha seriamente em assumir a responsabilidade que lhe cabe no cuidado do ambiente natural. De igual modo, relativamente ao ambiente humano, este país sustentou generosamente operações internacionais em prol da manutenção da paz, contribuindo para a resolução de conflitos no Pacífico, no sudeste da Ásia e noutros lados. Devido às numerosas tradições religiosas presentes na Austrália, esta constitui um terreno particularmente fértil para o diálogo ecuménico e inter-religioso. Aguardo ansiosamente o momento em que poderei encontrar, durante esta minha estadia, os representantes locais das diversas comunidades cristãs e das outras religiões, para encorajar este importante empenho, sinal da acção reconciliadora do Espírito que nos impele a procurar a unidade na verdade e na caridade.

Mas primariamente estou aqui para me encontrar com os jovens, quer da Austrália quer das diversas partes do mundo, e para pedir uma renovada efusão do Espírito Santo sobre quantos tomarem parte nas nossas celebrações. O tema escolhido para esta Jornada Mundial da Juventude de 2008 é tomado das palavras que o próprio Jesus dirigiu aos seus discípulos, tal como aparecem registadas nos Actos dos Apóstolos: «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas (…) até aos confins do mundo» (1, 8). Rezo para que o Espírito Santo proporcione uma renovação espiritual a este país, ao povo australiano, à Igreja na Oceânia e verdadeiramente até à extremidade da terra. Actualmente os jovens têm pela sua frente uma variedade de tal modo desconcertante de opções de vida, que às vezes se lhes torna árduo saber como melhor orientar o seu idealismo e a sua força. É o Espírito que dá a sabedoria para discernir a senda justa e a coragem para a percorrer. Ele coroa os nossos pobres esforços com os seus dons divinos, tal como o vento, insuflando as velas, impele o barco para diante, superando de longe aquilo que poderiam obter os remadores com o seu fatigoso remar. É assim que o Espírito Santo torna possível a homens e mulheres de cada terra e geração serem santos. Através da acção do Espírito, possam os jovens aqui reunidos para a Jornada Mundial da Juventude ter a coragem de se tornarem santos! Mais do que qualquer outra coisa, o mundo precisa disto.

Queridos amigos australianos, uma vez mais vos agradeço as calorosas boas-vindas e me preparo com alegria para transcorrer estes dias convosco e com os jovens do mundo inteiro. Que Deus vos abençoe a quantos estais aqui presentes, a todos os peregrinos e aos habitantes deste país. E sempre abençoe e proteja a Commonwealth da Austrália.




FESTA DE ACOLHIMENTO DOS JOVENS Cais de Barangaroo de Sidney Quinta-feira, 17 de Julho de 2008

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Queridos jovens,

Que grande alegria é para mim poder saudar-vos aqui em Barangaroo, nas margens desta magnífica baía de Sidney, com a sua famosa ponte e a Opera House! Muitos de vós são deste país, do seu interior ou das dinâmicas comunidades multiculturais das cidades australianas. Outros chegaram das ilhas disseminadas pela Oceânia, outros ainda vieram da Ásia, do Médio Oriente, da África e das Américas. Entretanto um certo número chegou de tão longe como eu, ou seja, da Europa! Seja qual for o país donde vindes, finalmente estamos aqui, em Sidney! E juntos estamos presentes neste nosso mundo como família de Deus, como discípulos de Cristo, confirmados pelo seu Espírito para sermos testemunhas do seu amor e da sua verdade diante de todos.

Desejo em primeiro lugar agradecer aos Anciãos dos Aborígenes que me deram as boas-vindas antes de eu subir para o barco na Rose Bay. Sinto-me profundamente emocionado por me encontrar na vossa terra, sabendo dos sofrimentos e injustiças que esta suportou, mas ciente também da beneficiação e esperança agora em acto, de que justamente todos os cidadãos australianos podem ser orgulhosos. Aos jovens indígenas – aborígenes e habitantes das Ilhas do Estreito de Torres – e Tokelauanos, exprimo o meu obrigado pela tocantes boas-vindas. E, através de vós, envio cordiais saudações aos vossos povos.

Senhor Cardeal Pell e Senhor Arcebispo D. Wilson: agradeço as vossas calorosas expressões de boas-vindas. Sei que os vossos sentimentos são o eco de quanto vai no coração dos jovens reunidos aqui nesta tarde e, por isso, a todos vos agradeço. Vejo diante de mim uma imagem vibrante da Igreja universal. A variedade de nações e culturas donde provindes demonstra que a Boa Nova de Cristo é verdadeiramente para todos e cada um; ela chegou aos confins da terra. E, no entanto, sei também que um bom número de vós ainda anda à procura duma pátria espiritual. Alguns dentre vós, sem dúvida alguma bem-vindos entre nós, não são católicos nem cristãos. Talvez outros de vós se movam na periferia da vida da paróquia e da Igreja. A vós desejo oferecer o meu encorajamento: aproximai-vos do abraço amoroso de Cristo; reconhecei a Igreja como vossa casa. Ninguém é obrigado a ficar de fora, porque desde o dia do Pentecostes a Igreja é una e universal.

Nesta tarde, desejo abarcar também quantos não estão aqui presentes entre nós. Penso de modo especial nos doentes ou nos deficientes psíquicos, nos jovens encarcerados, em quantos penam à margem das nossas sociedades e naqueles que por qualquer razão se sentem alienados da Igreja. A eles digo: Jesus está perto de ti! Experimenta o seu abraço que cura, a sua compaixão, a sua misericórdia!

Há quase dois mil anos, os Apóstolos, reunidos na sala superior da casa juntamente com Maria (cf.
Ac 1,14) e algumas mulheres fiéis, ficaram cheios de Espírito Santo (cf. Ac 2,4). Naquele momento extraordinário que marcou o nascimento da Igreja, a confusão e o medo, que se tinham apoderado dos discípulos de Cristo, transformaram-se numa convicção vigorosa e na certeza de um objectivo. Sentiram-se impelidos a falar do seu encontro com Jesus ressuscitado, que afectuosamente já tratavam por Senhor. Na sua diversidade, os Apóstolos eram pessoas comuns. Nenhum podia afirmar que fosse o discípulo perfeito. Não tinham conseguido reconhecer Cristo (cf. Lc 24,13-32), deveriam envergonhar-se da sua ambição (cf. Lc 22,24-27), tinham-No até negado (cf. Lc 22,54-62). E todavia, quando ficaram cheios de Espírito Santo, sentiram-se trespassados pela verdade do Evangelho de Cristo e inspirados a proclamá-lo sem medo. Revigorados, gritaram: Arrependei-vos, fazei-vos baptizar, recebei o Espírito Santo (cf. Ac 2,37-38)! Fundada sobre o ensino dos Apóstolos, a união fraterna, a fracção do pão e a oração (cf. Ac 2,42), a jovem comunidade cristã saiu a terreiro para se opor à perversidade da cultura que a rodeava (cf. Ac 2,40), para cuidar dos seus próprios membros (cf. Ac 2,44-47), para defender a sua fé em Jesus que era hostilizada (cf. Ac 4,33) e para curar os doentes (cf. Ac 5,12-16). E, dando cumprimento ao mandato recebido do próprio Cristo, partiram testemunhando a maior história de todos os tempos: que Deus Se fez um de nós, que o divino entrou na história humana para poder transformá-la e que somos chamados a mergulhar no amor salvífico de Cristo que triunfa do mal e da morte. No famoso discurso feito no areópago, São Paulo introduziu a mensagem assim: Deus a todos dá a vida, a respiração e tudo o mais, para que todas as Nações procurem a Deus e se esforcem por encontrá-Lo, mesmo tacteando, embora não Se encontre longe de cada um de nós, porque é n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos (cf. Ac 17,25-28).

A partir de então, homens e mulheres partiram para contar a mesma história, testemunhando o amor e a verdade de Cristo e contribuindo para a missão da Igreja. Ao nosso pensamento vêm hoje os pioneiros – sacerdotes, freiras e frades – que chegaram a estas praias e a outras partes do Pacífico, vindos da Irlanda, da França, da Grã Bretanha e doutros lados da Europa. A maior parte deles eram jovens – alguns não tinham sequer vinte anos – e, quando se despediram para sempre dos pais, dos irmãos, das irmãs, dos amigos, bem sabiam que seria improvável o seu regresso a casa. As suas vidas foram um testemunho cristão livre de interesses egoístas. Tornaram-se construtores humildes mas tenazes duma herança social e espiritual tão grande que ainda hoje proporciona bondade, compaixão e orientação a estas nações. E foram capazes de inspirar uma geração nova. Vem à mente imediatamente a fé que sustentou a Beata Mary MacKillop na sua resoluta determinação de educar especialmente os pobres, e o Beato Peter To Rot na sua firme convicção de que o chefe duma comunidade deve pautar-se sempre pelo Evangelho. Pensai ainda nos vossos avós e nos vossos pais, os vossos primeiros mestres na fé. Também eles sacrificaram muito do seu tempo e das suas forças, movidos pelo amor que vos têm. Com o apoio dos sacerdotes e catequistas da vossa paróquia, eles têm o dever, nem sempre fácil mas altamente gratificante, de vos guiar para tudo o que é bom e verdadeiro, através do seu exemplo pessoal, do seu modo de ensinar e viver a fé cristã.

Hoje é a minha vez. A alguns de nós, pode parecer que chegamos ao fim do mundo! Para as pessoas da vossa idade, qualquer voo reveste-se sempre de uma perspectiva excitante. Mas, para mim, este voo foi em certa medida causa de apreensão. E todavia a vista do alto sobre o nosso planeta foi verdadeiramente magnífica. As águas tremeluzentes do Mediterrâneo, a magnificência do deserto norte-africano, a floresta luxuriante da Ásia, a vastidão do Oceano Pacífico, o horizonte onde o sol se levanta e desce, o majestoso esplendor da beleza natural da Austrália de que pude gozar nos últimos dias; tudo isto gera um profundo sentido de reverente temor. É como se se captassem rápidas imagens da história da criação narrada no Génesis: a luz e as trevas, o sol e a lua, as águas, a terra e as criaturas vivas. Tudo isto é «bom» aos olhos de Deus (cf. Gen Gn 1,1 – 2, 4). Imersos em tal beleza, era impossível não dar voz às palavras do Salmista que assim louva o Criador: «Como é grande o vosso nome em toda a terra!» (Ps 8,2).

Mas há mais; algo cuja percepção é difícil quando visto do alto dos céus: homens e mulheres criados nada menos que à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen Gn 1,26). No coração desta criação maravilhosa, estamos nós: vós e eu, a família humana «coroada de glória e honra» (cf. Sal Ps 8,6). Que maravilha! Com o Salmista, sussurramos para Deus: «Que é o homem para Vos lembrardes dele?» (cf. Sal Ps 8,5). Imersos no silêncio, num espírito de gratidão, na força da santidade, pomo-nos a reflectir.

E que descobrimos? Com relutância talvez, mas chegamos a admitir que existem também feridas que desfiguram a superfície da terra: a erosão, o desflorestamento, o esbanjamento dos recursos minerais e marítimos para alimentar um consumismo insaciável. Alguns de vós chegam das ilhas-Estado, que se vêem ameaçadas na sua própria existência pelo aumento do nível das águas; outros de nações que sofrem os efeitos de secas devastadoras. Às vezes a criação maravilhosa de Deus é sentida quase como uma realidade hostil aos seus guardiões, senão mesmo como algo perigoso. Como pode o que é «bom» aparecer assim tão ameaçador?

E mais… Que dizer do homem, do vértice da criação de Deus? Todos os dias deparamos com o génio das conquistas humanas. Devido aos avanços nas ciências médicas e à sábia aplicação da tecnologia até à criatividade que se espelha nas artes, cresce de muitos modos e constantemente a qualidade de vida para satisfação das pessoas. Em vós mesmos, há uma pronta disponibilidade para acolher as abundantes oportunidades que vos são oferecidas. Alguns sobressaem nos estudos, no desporto, na música, ou na dança e no teatro; outros têm um sentido agudo da justiça social e da ética, sendo muitos os que assumem compromissos de serviço e de voluntariado. Todos nós, jovens e idosos, temos momentos em que a bondade inata da pessoa humana – perceptível talvez no gesto de uma criança ou na disponibilidade de um adulto a perdoar – nos enche de profunda alegria e gratidão.

Mas tais momentos não duram muito. Por isso, levando por diante a nossa reflexão, descobrimos que não é só o ambiente natural que tem as suas cicatrizes, mas também o ambiente social, o habitat que nós mesmos criamos; feridas essas que indicam que alguma coisa não está certa. Também aqui, nas nossas vidas pessoais e nas nossas comunidades, podemos encontrar inimizades por vezes perigosas; um veneno que ameaça corroer o que é bom, plasmar de modo diferente o que somos e alterar a finalidade para a qual fomos criados. Os exemplos não faltam, como bem sabeis. Entre os mais salientes, contam-se o abuso de álcool e de drogas, a exaltação da violência e a degradação sexual, frequentemente apresentados na televisão e na internet como divertimento. Pergunto-me como alguém, colocado face a face com pessoas que estão realmente sofrendo violência e exploração sexual, poderá explicar que tais tragédias, reproduzidas de forma virtual, devem considerar-se simplesmente como «divertimento».

Além disso, há algo de sinistro que nasce do facto de liberdade e tolerância serem tantas vezes separadas da verdade. Isto é alimentado pela ideia, hoje largamente espalhada, de que não há uma verdade absoluta para guiar as nossas vidas. Na prática dando indiscriminadamente valor a tudo, o relativismo fez da «experiência» a coisa mais importante. Na realidade, as experiências, desligadas de qualquer consideração do que é bom ou verdadeiro, podem conduzir, não a uma liberdade genuína, mas a uma confusão moral ou intelectual, a uma atenuação dos princípios, à perda da auto-estima e mesmo ao desespero.

Queridos amigos, a vida não é governada pela sorte, nem é casual. A vossa existência pessoal foi querida por Deus, abençoada por Ele, tendo-lhe dado uma finalidade (cf. Gen Gn 1,28). A vida não é uma mera sucessão de factos e experiências, por mais úteis que muitos deles se possam revelar. Mas é uma busca da verdade, do bem e da beleza. É precisamente para tal fim que fazemos as nossas opções, exercemos a nossa liberdade e nisso mesmo, isto é, na verdade, no bem e na beleza, encontramos felicidade e alegria. Não vos deixeis enganar por quantos vos olham como meros consumidores num mercado de possibilidades indiferenciadas, onde a escolha em si mesma se torna o bem, a novidade se contrabanda como beleza, e a experiência subjectiva suplanta a verdade.

Cristo oferece mais… antes, oferece tudo! Só Ele, que é a Verdade, pode ser o Caminho e, consequentemente, também a Vida. Assim, o «caminho» que os Apóstolos estenderam até aos confins da terra é a vida em Cristo. É a vida da Igreja. E a entrada nesta vida, na vida cristã, é o Baptismo.

Por isso, nesta tarde, desejo recordar-vos brevemente algo da nossa noção do Baptismo, antes de considerar amanhã o Espírito Santo. No dia do Baptismo, Deus introduziu-vos na sua santidade (cf. 2P 1,4). Adoptados como filhos e filhas do Pai, fostes incorporados em Cristo. Tornastes-vos morada do seu Espírito (cf. 1Co 6,19). Por isso, na parte final do rito do Baptismo, o sacerdote, dirigindo-se aos vossos pais e demais participantes e chamando-vos pelo nome, disse: «És nova criatura» (Rito do Baptismo, 99).

Queridos amigos, em casa, na escola, na universidade, nos lugares de trabalho e de diversão, recordai-vos que sois criaturas novas. Como cristãos, encontrais-vos neste mundo sabendo que Deus tem um rosto humano: Jesus Cristo, o «caminho» que satisfaz todo o anseio humano e a «vida» da qual somos chamados a dar testemunho, caminhando sempre na sua luz (cf. ibid., 100). A tarefa de testemunha não é fácil. Hoje, há muitos que pretendem que Deus deva ficar de fora e que a religião e a fé, embora aceitáveis no plano individual, devam ser excluídas da vida pública ou então utilizadas somente para alcançar determinados objectivos pragmáticos. Esta perspectiva secularizada procura explicar a vida humana e plasmar a sociedade com pouco ou nenhum referimento ao Criador. Apresenta-se como uma força neutral, imparcial e respeitadora de todos e cada um. Na realidade, porém, como qualquer ideologia, o secularismo impõe um visão global. Se Deus é irrelevante na vida pública, então a sociedade poderá ser plasmada segundo uma imagem alheada de Deus. Mas quando Deus fica eclipsado, começa a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o «bem». Aquilo que fora pomposamente exaltado como engenho humano, bem depressa se manifestou como loucura, avidez e exploração egoísta. E assim fomo-nos consciencializando cada vez mais da necessidade de humildade perante a delicada complexidade do mundo de Deus.

E que dizer do nosso ambiente social? Permanecemos igualmente alerta quanto aos sinais do nosso voltar as costas à estrutura moral de que Deus dotou a humanidade (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2007, 8)? Sabemos reconhecer que a dignidade inata de cada indivíduo assenta na sua dignidade mais profunda de imagem do Criador e que, por isso mesmo, os direitos humanos são universais, baseados sobre a lei natural, e não algo dependente de negociações ou de condescendência, e menos ainda de compromissos? Deste modo somos levados a reflectir sobre o lugar que têm nas nossas sociedades os pobres, os idosos, os imigrantes, os sem voz. Como é possível que a violência doméstica atormente tantas mães e crianças? Como é possível que o espaço humano mais admirável e sagrado, o ventre materno, se tenha tornado lugar de violência indizível?

Queridos amigos, a criação de Deus é única e é boa. As preocupações com a não violência, o progresso sustentável, a justiça e paz, o cuidado do nosso ambiente são de importância vital para a humanidade. Tudo isto, porém, não pode ser compreendido prescindindo duma reflexão profunda sobre a dignidade congénita de cada vida humana desde a sua concepção até à morte natural, uma dignidade que lhe é conferida pelo próprio Deus e, por conseguinte, inviolável. O nosso mundo está cansado da ambição, da exploração e da divisão, do tédio de falsos ídolos e de respostas parciais, e da mágoa de falsas promessas. O nosso coração e a nossa mente anelam por uma visão da vida onde reine o amor, onde os dons sejam partilhados, onde se construa a unidade, onde a liberdade encontre o seu próprio significado na verdade, e onde a identidade seja encontrada numa comunhão respeitosa. Esta é obra do Espírito Santo. Esta é a esperança oferecida pelo Evangelho de Jesus Cristo. Foi para dar testemunho desta realidade que fostes regenerados no Baptismo e fortalecidos com os dons do Espírito no Crisma. Seja esta a mensagem que de Sidney levareis pelo mundo!




ENCONTRO ECUMÉNICO Cripta da Catedral de Sidney Sexta-feira, 18 de Julho de 2008

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Amados irmãos e irmãs em Cristo,

Elevo a Deus fervorosas acções de graças por esta oportunidade de me encontrar e rezar juntamente convosco, que viestes aqui em representação de várias comunidades cristãs da Austrália. Agradecido pelas cordiais palavras de boas-vindas do Bispo Forsyth e do Cardeal Pell, é com sentimentos de alegria que vos saúdo no nome do Senhor Jesus, «a pedra angular» da «casa de Deus» (cf. Ef
Ep 2,19-20). Desejo enviar daqui uma saudação particular ao Cardeal Edward Cassidy, Presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que se viu impedido, pela sua saúde precária, de estar hoje connosco. Recordo com gratidão o seu resoluto empenho em promover a mútua compreensão entre todos os cristãos e queria convidar-vos a todos para vos unirdes comigo na oração pelo seu rápido restabelecimento.

A Austrália é um país caracterizado por grande diversidade étnica e religiosa. Os imigrantes chegam às praias desta majestosa terra com a esperança de nela encontrar felicidade e boas oportunidades de trabalho. A vossa nação reconhece a importância da liberdade religiosa. Esta é um direito fundamental que, se respeitado, permite aos cidadãos agirem tomando por base valores radicados nas suas convicções mais profundas, contribuindo assim para o bem-estar da sociedade inteira. Deste modo os cristãos contribuem, juntamente com os membros das outras religiões, para a promoção da dignidade humana e para a amizade entre as nações.

Os australianos gostam da discussão franca e cordial. Isto prestou um bom serviço ao movimento ecuménico. Um exemplo que se pode dar disto mesmo é o Acordo assinado em 2004 pelos membros do Conselho Nacional das Igrejas na Austrália. Este documento reconhece um compromisso comum, indica objectivos, declara pontos de convergência, demorando-se também nas diferenças. Um tal procedimento demonstra que é possível encontrar soluções concretas para uma colaboração frutuosa no presente, e ainda que temos necessidade de continuar pacientemente as discussões sobre os pontos teológicos divergentes. Possam as deliberações, que empreendereis no Conselho das Igrejas e noutros fóruns locais, serem sustentadas pelos resultados já alcançados.

Neste ano, celebramos o bimilénio do nascimento de São Paulo, trabalhador incansável em favor da unidade na Igreja primitiva. No texto da Escritura que acabámos de ouvir, Paulo recorda-nos a graça enorme que recebemos ao tornar-nos membros do Corpo de Cristo por meio do Baptismo. Este sacramento, que é a porta de ingresso na Igreja e o «vínculo de unidade» para quantos renasceram por ele (cf. Unitatis redintegratio UR 22), é consequentemente o ponto de partida de todo o movimento ecuménico. Mas não é o destino final. O caminho do Ecumenismo visa em definitivo chegar à celebração comum da Eucaristia (cf. Ut unum sint UUS 23-24 UUS 45), que Cristo confiou aos seus Apóstolos como o sacramento por excelência da unidade da Igreja. E, embora haja ainda obstáculos a superar, podemos estar certos de que uma Eucaristia comum há-de um dia selar a nossa decisão de nos amarmos e servirmos uns aos outros à imitação do Senhor nosso: com efeito, o mandato que Jesus nos deu – «fazei isto em memória de Mim» (Lc 22,19) – está intrinsecamente ligado com a sua recomendação de «lavarmos os pés uns aos outros» (Jn 13,14). Por esta razão, um diálogo sincero sobre o lugar da Eucaristia – estimulado por um renovado e atento estudo da Escritura, dos escritos patrísticos e dos documentos dos dois milénios da história cristã (cf. Ut unum sint UUS 69-70) – será útil sem dúvida para fazer avançar o movimento ecuménico e unificar o nosso testemunho diante do mundo.

Queridos amigos em Cristo, penso que estareis de acordo em considerar que o movimento ecuménico chegou a um ponto crítico. Para avançar, devemos pedir continuamente a Deus que renove as nossas mentes com a graça do Espírito Santo (cf. Rom Rm 12,2), que nos fala através das Escrituras e nos guia para a verdade total (cf. 2P 1,20-21 Jn 16,13). Devemos precaver-nos contra toda a tentação de considerar a doutrina como fonte de divisão e, consequentemente, como impedimento daquilo que parece ser a tarefa mais urgente e imediata: melhorar o mundo onde vivemos. Na realidade, a história da Igreja demonstra que a praxis não só é inseparável da didaché, da doutrina, mas antes dimana dela. Quanto mais assiduamente nos dedicarmos a alcançar uma percepção comum dos mistérios divinos, tanto mais eloquentemente hão-de as nossas obras de caridade falar da imensa bondade de Deus e do seu amor para com todos. Santo Agostinho exprimiu a recíproca ligação entre o dom do conhecimento e a virtude da caridade, quando escreveu que a mente retorna a Deus através do amor (cf. De moribus Ecclesiae catholicae, 12, 21), e que onde se vê a caridade, vê-se a Trindade ( cf. De Trinitate, 8, 8, 12).

Por este motivo, o diálogo ecuménico avança não só mediante um intercâmbio de ideias, mas também partilhando dons que nos enriquecem mutuamente (cf. Ut unum sint UUS 28 UUS 57). Uma «ideia» tem em vista alcançar a verdade; um «dom» exprime o amor. Ambos são essenciais para o diálogo. A abertura de nós mesmos para aceitarmos dons espirituais de outros cristãos estimula a nossa capacidade de receber a luz da verdade que vem do Espírito Santo. São Paulo ensina que é na koinonia da Igreja que temos o acesso à verdade do Evangelho e os meios para a defender, porque a Igreja está edificada «sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas», tendo o próprio Cristo como pedra angular (Ep 2,20).

À luz disto, talvez possamos tomar em consideração as imagens bíblicas complementares de «corpo» e de «templo» usadas para descrever a Igreja. Quando usa a imagem do corpo (cf. 1Co 12,12-31), Paulo chama a atenção para a unidade orgânica e a diversidade que permite à Igreja respirar e crescer. Todavia é igualmente significativa a imagem de um templo firme e bem estruturado, composto de pedras vivas, assentes sobre um alicerce seguro. O próprio Jesus reúne em Si mesmo, em perfeita unidade, estas imagens de «corpo» e de «templo» (cf. Jn 2,21-22 Lc 23,45 Ap 21,22).

Cada um dos elementos da estrutura da Igreja é importante; mas todos vacilariam e ruiriam sem a pedra angular que é Cristo. Como «concidadãos» desta «casa de Deus», os cristãos devem trabalhar juntos para fazer com que o edifício permaneça seguro de tal modo que outras pessoas sintam a inclinação para entrar nela e descobrir os abundantes tesouros de graça que se encontram no seu seio. Ao promover os valores cristãos, não devemos transcurar a proclamação da sua fonte, prestando unânime testemunho a Jesus Cristo Senhor. Foi Ele quem confiou a missão aos apóstolos, foi d’Ele que falaram os profetas, e é Ele o que oferecemos ao mundo.

Queridos amigos, a vossa presença aqui hoje enche-me de ardente esperança que, se prosseguirmos juntos no caminho rumo à plena unidade, teremos a coragem de oferecer a Cristo um testemunho comum. Paulo fala da importância dos profetas na Igreja dos primórdios; também nós recebemos uma vocação profética por meio do Baptismo. Confio que o Espírito Santo abra os nossos olhos para verem os dons espirituais dos outros, abra os nossos corações para receberem a sua força e abra totalmente as nossas mentes para acolherem a luz da verdade de Cristo. Exprimo a minha viva gratidão a cada um de vós pelo empenho de tempo, de ensino e de talento que prodigalizou ao serviço do «único corpo e do único espírito» (cf. Ef Ep 4,4 1Co 12,13), que o Senhor quis para o seu povo e pelo qual entregou a sua própria vida. Glória e poder sejam dados a Ele pelos séculos dos séculos. Amen.





ENCONTRO INTER-RELIGIOSO Sala Capitular da Catedral de Sidney, Sexta-feira, 18 de Julho de 2008

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Queridos amigos,

Dirijo uma cordial saudação de paz e amizade a todos vós que aqui estais em representação de várias tradições religiosas presentes na Austrália. Sinto-me feliz por este encontro e agradeço ao Rabino Jeremy Lawrence e ao Xeque Mohamadu Saleem as palavras de boas-vindas que me formularam em nome próprio e das vossas respectivas comunidades.

A Austrália é conhecida pela afabilidade dos seus habitantes para com o próximo e o turista. É uma nação que tem em grande consideração a liberdade de religião. O vosso país reconhece que o respeito deste direito fundamental dá aos homens e mulheres a possibilidade de adorarem Deus segundo a sua consciência, de educarem o espírito e de agirem conforme às convicções éticas derivadas do seu credo.

A harmoniosa correlação entre religião e vida pública é ainda mais importante numa época como a nossa em que alguns chegaram a considerar a religião causa de divisão em vez de força de unidade. Num mundo ameaçado por sinistras e indiscriminadas formas de violência, a voz concorde daqueles que possuem espírito religioso incita as nações e as comunidades a resolverem os conflitos através de instrumentos pacíficos no pleno respeito da dignidade humana. Uma das várias modalidades com que a religião se coloca ao serviço da humanidade é oferecer uma visão da pessoa humana que ponha em evidência a nossa congénita aspiração a viver com magnanimidade, tecendo laços de amizade com o nosso próximo. Na sua essência íntima, as relações humanas não se podem definir em termos de poder, domínio e interesse pessoal. Pelo contrário, reflectem e aperfeiçoam a inclinação natural que o homem tem de viver em comunhão e harmonia com os outros.

Radicado no coração do ser humano, o sentido religioso desperta homens e mulheres para Deus, ensinando-os a descobrir que a realização pessoal não consiste na gratificação egoísta de desejos efémeros; mas está em ir ao encontro das necessidades dos outros e procurar caminhos concretos capazes de contribuir para o bem comum. As religiões desempenham aqui um papel particular, enquanto ensinam às pessoas que o autêntico serviço exige sacrifício e autodisciplina, que por sua vez se devem cultivar através da abnegação, da temperança e do uso moderado dos bens naturais. Deste modo, homens e mulheres são levados a considerar o ambiente mais como algo maravilhoso para admirar e respeitar do que como uma coisa útil simplesmente para consumir. A quantos têm espírito religioso impõe-se o dever de demonstrarem que é possível encontrar alegria numa vida simples e modesta, partilhando generosamente o que lhes é supérfluo com quem está necessitado.

Amigos, este valores – estou certo que concordais comigo – são particularmente importantes para uma adequada formação dos jovens, que muitas vezes são tentados a considerar a própria vida como um produto de consumo. E todavia eles possuem também a capacidade de autocontrole; basta vê-los no desporto, nas artes criativas, nos estudos: estão prontos a abraçar de boa vontade tais compromissos como um desafio. Porventura não é verdade que, quando se lhes apresentam ideais elevados, muitos jovens se sentem atraídos para o ascetismo e a prática da virtude moral através do respeito para com eles mesmos e da atenção aos outros? Deleitam-se na contemplação do dom da criação, e sentem-se fascinados pelo mistério do transcendente. Nesta perspectiva, as escolas tanto confessionais como estatais poderiam fazer mais para se desenvolver a dimensão espiritual de cada jovem. Na Austrália, como noutros lugares, a religião foi um factor que motivou a fundação de muitas instituições educativas e, em bom direito, continua hoje a ocupar um lugar próprio nos currículos escolares. O tema da educação surge frequentemente nas deliberações da Organização Interfaith Cooperation for Peace and Harmony, e encorajo vivamente quantos tomam parte nesta iniciativa a prosseguir o seu confronto sobre os valores que integram as dimensões intelectuais, humanas e religiosas duma sólida educação.

As religiões do mundo debruçam-se repetidamente sobre esta maravilha que é a existência humana. Como pode alguém deixar de maravilhar-se ao ver a força da mente que compreende os segredos da natureza através das descobertas da ciência? Quem não prova entusiasmo pela possibilidade de delinear uma visão do futuro? Haverá alguém que não se impressione com a força do espírito humano que estabelece objectivos e descobre caminhos para os alcançar? Homens e mulheres são capazes não só de imaginar como poderia ser melhor a realidade, mas também de investir as suas energias para o conseguirem. Temos consciência do carácter único da nossa relação com o reino da natureza. Por isso, reconhecendo que não estamos sujeitos às leis do universo material do mesmo modo que o resto da criação, não deveremos nós também fazer da bondade, da compaixão, da liberdade, da solidariedade, do respeito por cada indivíduo uma componente essencial da nossa visão dum futuro mais humano?

Entretanto, ao lembrar-nos a limitação e a fragilidade do homem, a religião impele-nos também a não fixar as nossas esperanças supremas neste mundo que passa. O homem é «semelhante a um sopro, os seus dias são como a sombra que passa» (Sal 143/144, 4). Todos nós experimentámos já quer a desilusão por não ter conseguido cumprir aquele bem que nos tínhamos proposto realizar, quer a dificuldade em fazer as opções justas no meio de situações complexas.

A Igreja partilha estas considerações com as outras religiões. Movida pela caridade, entra em diálogo convencida de que a verdadeira fonte da liberdade se encontra na pessoa de Jesus de Nazaré. Os cristãos acreditam que é Ele quem nos revela plenamente as potencialidades humanas para a virtude e o bem; é Ele quem nos liberta do pecado e das trevas. A universalidade da experiência humana, que transcende qualquer fronteira geográfica e especificidade cultural, dá aos seguidores das religiões a possibilidade de se empenharem no diálogo para enfrentar o mistério das alegrias e dos sofrimentos da vida. Deste ponto de vista, é com paixão que a Igreja procura toda a oportunidade para prestar ouvidos às experiências espirituais das outras religiões. Poderemos afirmar que todas a religiões visam penetrar no significado profundo da existência humana, remetendo para uma origem ou princípio externo a elas mesmas. As religiões apresentam uma tentativa de compreensão do universo enquanto proveniente de e prosseguindo para tal origem ou princípio. Os cristãos acreditam que Deus revelou esta origem e princípio em Jesus, que a Bíblia define «Alfa e Ómega» (cf.
Ap 1,8 Ap 22,1).

Queridos amigos, vim à Austrália como embaixador de paz. Por isso, sinto-me feliz por me encontrar convosco, que de igual modo partilhais este anseio e conjuntamente o desejo de ajudar o mundo a conseguir a paz. A nossa busca da paz procede de mãos dadas com a busca de sentido, porque é descobrindo a verdade que encontramos a estrada segura para a paz (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2006). O nosso esforço para chegar à reconciliação entre os povos brota de e aponta para aquela verdade que dá uma finalidade à vida. A religião oferece a paz, mas – mais importante ainda – gera no espírito humano a sede da verdade e a fome da virtude. Possamos nós encorajar a todos, especialmente os jovens, a admirarem com assombro a beleza da vida, a procurarem o seu sentido último e a empenharem-se por realizar o seu sublime potencial.

Com estes sentimentos de respeito e encorajamento, confio-vos à providência de Deus omnipotente com a certeza da minha oração por vós e pelos vossos entes queridos, pelos membros das vossas comunidades e por todos os habitantes da Austrália.





Discursos Bento XVI 17708