Discursos Bento XVI 7918

ENCONTRO COM OS JOVENS NA PRAÇA YENNE Domingo, 7 de Setembro de 2008

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Queridos jovens!


Antes de me dirigir a vós, queridos jovens de Cágliari e da Sardenha, tenho a obrigação e o prazer de dirigir uma saudação particular ao Presidente da Região Sarda, Dep. Renato Soru, assim como a todas as Autoridades regionais, que com a sua generosa contribuição e apoio permitiram o bom êxito desta minha visita pastoral. Obrigado, Senhor Presidente: os jovens aqui presentes recordarão este dia, eles que são o futuro desta terra, que Vossa Excelência administra com competência.

E agora a vós, queridos jovens. É para mim uma grande alegria encontrar-me convosco, no final desta breve mas intensa estadia na vossa bonita Ilha. Saúdo-vos a todos com afecto e agradeço-vos este caloroso acolhimento. Em particular, agradeço a todos os que, em vosso nome, me expressaram os fervorosos sentimentos que vos animam. Sei que alguns de vós participaram na Jornada Mundial da Juventude em Sidney, e estou certo de que beneficiaram de uma experiência eclesial tão extraordinária. Como eu mesmo pude ver, os Dias Mundiais da Juventude constituem singulares ocasiões pastorais para consentir que os jovens do mundo inteiro se conheçam melhor, partilhem juntos a fé e o amor a Cristo e à sua Igreja, confirmem o compromisso comum de se empenharem por construir um futuro de justiça e de paz. Hoje não se trata de uma Jornada mundial, mas sarda, da juventude. E experimentamos a beleza de estar juntos.

Portanto, saúdo-vos deveras com afecto, queridos jovens e moças: vós constituís o futuro cheio de esperança desta Região, não obstante as dificuldades que todos conhecemos. Estou ao corrente do vosso entusiasmo, dos desejos que alimentais e do empenho que empregais para os realizar. E não ignoro as dificuldades e os problemas que encontrais. Penso, por exemplo e ouvimos falar disto no flagelo do desemprego e da precariedade do trabalho, que põem em perigo os vossos projectos; penso na emigração, no êxodo das forças mais jovens e empreendedoras, com o relativo desenraizamento do ambiente, que por vezes causa danos psicológicos e morais, ainda antes que sociais. Que dizer depois do facto que na actual sociedade consumista, o lucro e o sucesso se tornaram os novos ídolos face aos quais tantos se prostram? A consequência é que se é levado a dar valor só a quem como se costuma dizer "fez fortuna" e se tornou "famoso", não certamente a quem tem que combater fadigosamente todos os dias com a vida. A posse dos bens materiais e o aplauso do povo substituíram aquela acção sobre nós mesmos que serve para temperar o espírito e formar uma personalidade autêntica. Corre-se o risco de ser superficial, de percorrer atalhos perigosos na busca do sucesso, entregando assim a vida a experiências que suscitam satisfações imediatas, mas em si são precárias e falazes. Cresce a tendência ao individualismo, e quando nos concentramos só em nós mesmos tornamo-nos inevitavelmente frágeis; falta a paciência da escuta, fase indispensável para compreender o próximo e trabalhar juntos.

A 20 de Outubro de 1985, o amado Papa João Paulo II, ao encontrar-se aqui em Cágliari com os jovens provenientes de toda a Sardenha, quis propor três valores importantes para construir uma sociedade fraterna e solidária. São indicações actuais como nunca, que hoje retomo de bom grado evidenciando em primeiro lugar o valor da família, que se deve preservar disse o Papa como "herança antiga e sagrada". Todos vós experimentais a importância da família, como filhos e irmãos; mas a capacidade de formar uma nova, não pode ser dada por certa. É preciso preparar-se para ela. No passado a sociedade tradicional ajudava mais a formar e a manter uma família. Hoje já não é assim, ou só é "no papel", mas nos factos domina uma mentalidade diversa. São admitidas outras formas de convivência; por vezes é usada a palavra "família" para uniões que, na realidade, família não são. Sobretudo, no nosso contexto, limitou-se muito a capacidade dos cônjuges de defender a unidade do núcleo familiar à custa também de grandes sacrifícios. Reapropriai-vos, queridos jovens, do valor da família; amai-a não só por tradição, mas por uma escolha madura e consciente: amai a família de origem e preparai-vos para amar a que, com a ajuda de Deus, vós mesmos formareis. Digo: "preparai-vos", porque o amor verdadeiro não se improvisa. O amor é feito não só com o sentimento, mas com a responsabilidade, a constância e também com o sentido do dever. Tudo isto se aprende através da prática prolongada das virtudes cristãs da confiança, da pureza, do abandono à Providência, da oração. Neste compromisso de crescimento para o amor maduro amparar-vos-á sempre a Comunidade cristã, porque nela a família encontra a sua mais alta dignidade. O Concílio Vaticano II chama-lhe "pequena Igreja", porque o matrimónio é um sacramento, ou seja, um sinal santo e eficaz do amor que Deus nos doa em Cristo através da Igreja.

Estreitamente relacionado com este primeiro valor do qual quis falar está outro valor que pretendo realçar: a séria formação intelectual e moral, indispensável para projectar e construir o vosso futuro e o da sociedade. Quem é "tolerante" nestes aspectos não deseja o vosso bem. De facto, como se poderia projectar seriamente o futuro, se se descuidasse o desejo natural que está em vós de saber e de vos confrontardes? A crise de uma sociedade começa quando ela já não sabe transmitir o seu património cultural e os seus valores fundamentais às novas gerações. Não me refiro só e simplesmente ao sistema escolar. A questão é mais ampla. Existe, sabemo-lo, uma emergência educativa, que para ser enfrentada exige pais e formadores capazes de partilhar o que de bom e verdadeiro eles experimentaram e aprofundaram pessoalmente. Exige jovens interiormente abertos, curiosos de aprender e reconduzir tudo às exigências e evidências originárias do coração. Sede deveras livres, isto é, apaixonados pela verdade. O Senhor Jesus disse: "A verdade libertar-vos-á" (
Jn 8,32). O niilismo moderno contudo prega o oposto, ou seja, que é a liberdade que vos torna livres. Há até quem defenda que não existe verdade alguma, abrindo assim o caminho ao esvaziamento dos conceitos de bem e de mal e tornando-os até intercambiáveis. Disseram-me que na cultura sarda há este provérbio: "É melhor que falte o pão, mas não a justiça". De facto, um homem pode suportar e superar o aperto da fome, mas não pode viver onde a justiça e a verdade são eliminadas. O pão material não é suficiente, não basta para viver humanamente de modo pleno; é preciso outro alimento do qual estar sempre faminto, do qual se alimentar para o próprio crescimento pessoal e para o da família e da sociedade.

Este alimento e é o terceiro grande valor é uma fé sincera e profunda, que se deve tornar substância da vossa vida. Quando se perde o sentido da presença e da realidade de Deus, tudo se "oprime" e se reduz a uma só dimensão. Tudo permanece "esmagado" ao nível material. Quando todas as coisas são consideradas unicamente pela sua utilidade, já não se capta a essência do que nos circunda, e sobretudo das pessoas que encontramos. Perdendo o mistério de Deus, desaparece também o mistério de tudo o que existe: as coisas e as pessoas interessam-me na medida em que satisfazem as minhas necessidades, e não por si mesmas. Tudo isto constitui um facto cultural, que se respira desde o nascimento e produz efeitos interiores permanentes. A fé, neste sentido, antes de ser uma crença religiosa, é um modo de ver a realidade, um modo de pensar, uma sensibilidade interior que enriquece o ser humano como tal. Pois bem, queridos amigos, Cristo é também nisto Mestre, porque partilhou em tudo a nossa humanidade e é contemporâneo do homem de todas as épocas. Esta realidade tipicamente cristã é uma graça maravilhosa! Estando com Jesus, frequentando-O como um amigo no Evangelho e nos Sacramentos, podeis aprender, de modo novo, o que muitas vezes a sociedade já não é capaz de vos dar, ou seja, o sentido religioso. E precisamente porque é algo novo, descobri-lo é maravilhoso.

Queridos jovens, como o jovem Agostinho com todos os seus problemas no seu caminho difícil, cada um de vós ouve a chamada simbólica de cada criatura para o alto; cada criatura bela remete para a beleza do Criador, que está como que concentrada no rosto de Jesus Cristo. Quando a experimenta, a alma exclama: "Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde amei-vos!" (Conf. X, 27.38). Possa cada um de vós redescobrir Deus como sentido e fundamento de cada criatura, luz de verdade, chama de caridade, vínculo de unidade, como canta o hino do Ágora dos jovens italianos. Sede dóceis à força do Espírito! Foi Ele, o Espírito Santo, o Protagonista da Jornada Mundial da Juventude de Sidney; Ele fará de vós testemunhas de Cristo. Não com palavras, mas com acções, com um novo tipo de vida. Já não tereis receio de perder a vossa liberdade, porque a vivereis plenamente doando-a por amor. Já não sereis apegados aos bens materiais, porque sentireis dentro de vós a alegria de os partilhar! Já não sentireis a tristeza do mundo, mas sentireis dor pelo mal e alegria pelo bem, sobretudo pela misericórdia e pelo perdão. E se assim for, se descobrirdes realmente Deus no rosto de Cristo, já não considerareis a Igreja como uma instituição que vos é externa, mas como a vossa família espiritual, como a vivemos agora, neste momento. Esta é a fé que vos transmitiram os vossos pais. Vós estais chamados a viver hoje esta fé, em tempos muito diferentes.

Família, formação e fé. Eis, queridos jovens de Cágliari e de toda a Sardenha, também eu, como o Papa João Paulo II, vos confio estas três palavras, três valores que deveis fazer vossos com a luz do Espírito de Cristo. Nossa Senhora de Bonária, Padroeira Máxima e doce Rainha dos Sardos, vos guie, proteja e acompanhe sempre! Abençoo-vos com afecto, garantindo-vos uma recordação quotidiana na oração.






AOS BISPOS DO PARAGUAI EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Castel Gandolfo, 11 de Setembro de 2008



Queridos irmãos no Episcopado

1. Recebo-vos com grande afecto e alegria neste encontro conclusivo da vossa visita ad Limina. Nela tendes ocasião para estreitar ainda mais os vossos laços de comunhão com o Sucessor de Pedro e renovar a vossa fé em Jesus Cristo ressuscitado, verdadeira esperança de todos os homens, junto dos túmulos dos apóstolos.

754 Gostaria de manifestar a minha viva gratidão a D. Ignacio Gogorza Izaguirre, Bispo de Encarnação e Presidente da Conferência Episcopal, pelas amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos. Também eu, animado pela solicitude por todas as Igrejas (cf. 2Co 11,28), me uno às vossas preocupações e anseios de Pastores de Cristo, e rogo ao Senhor que ajude todos os vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas e fiéis leigos que, com verdadeiro amor, se consagram à causa do Evangelho.

2. Os desafios pastorais que tendes de enfrentar são realmente grandes e complexos. Perante um ambiente cultural que tenta marginalizar Deus das pessoas e da sociedade, ou que O considera um obstáculo para alcançar a própria felicidade, é urgente um esforço missionário amplo que, colocando Jesus Cristo no centro da acção pastoral, dê a conhecer a todos a beleza e a verdade da sua vida e da sua mensagem de salvação. Os homens têm necessidade desse encontro pessoal com o Senhor, que lhes abra as portas a uma existência iluminada pela graça e o amor de Deus. Neste sentido, a presença de testemunhas verdadeiras da autêntica vida cristã, juntamente com a santidade dos pastores, é uma exigência de perene actualidade tanto na Igreja como no mundo. Por isso, queridos Irmãos, conscientes de que um dos dons mais preciosos que podeis oferecer às vossas comunidades é o vosso próprio ministério episcopal, animo-vos para que através de uma vida santa, fortalecida com o amor a Deus, a fidelidade eclesial e a entrega generosa ao Evangelho, sejais verdadeiros modelos para o vosso rebanho (cf. 1P 5,3).

3. Os Bispos, juntamente com o Papa, e sob a sua autoridade, são enviados para actualizar perenemente a obra de Cristo (cf. Christus Dominus CD 2). O próprio bispo, além de ser o princípio visível e o fundamento da unidade na própria Igreja particular, também é o vínculo da comunhão eclesial e o ponto de ligação entre a sua Igreja particular e a Igreja universal (cf. Pastores gregis ). Como Sucessor do Apóstolo Pedro, animo-vos a que continueis a trabalhar com todas as vossas forças para incrementar a unidade nas vossas comunidades diocesanas, assim como com esta Sé Apostólica. Essa unidade pela qual rezou o Senhor Jesus Cristo, de especial modo na Última Ceia (cf. Jo 17, 20-21), é fonte de verdadeira fecundidade pastoral e espiritual.

4. Com toda a razão, os sacerdotes ocupam um lugar especial nos vossos corações. Eles, pela imposição das mãos, foram configurados mais estreitamente com o Bom Pastor e participam do seu sacerdócio como verdadeiros administradores dos mistérios divinos (cf. 1Co 4,1), para o bem dos seus irmãos. Animo-vos a oferecer-lhes, juntamente com a vossa proximidade e apreço pelo seu trabalho, uma formação permanente adequada que os ajude a revitalizar a sua vida espiritual (cf. 1Tm 4,14-16) para que, impelidos por um profundo sentido de amor e obediência à Igreja, trabalhem abnegadamente oferecendo a todos o único alimento que pode saciar a sede de plenitude do homem, Jesus Cristo nosso Salvador.

Ao mesmo tempo, a alegria, a convicção e a fidelidade com que os presbíteros vivem a sua vocação cada dia suscitará em muitos jovens o desejo de seguir Cristo no sacerdócio, respondendo com generosidade à sua chamada. Alegro-me ao constatar que efectivamente uma das vossas prioridades é a pastoral juvenil e vocacional. A este respeito, é preciso dedicar aos seminaristas os meios humanos e materiais necessários que os ajudem a adquirir uma sólida vida interior e uma preparação intelectual e doutrinal apropriada, especialmente no que se refere à natureza e identidade do ministério sacerdotal.

O meu reconhecimento e gratidão dirigem-se também aos religiosos, pelo zelo e amor com que anunciaram a fé cristã desde o início da evangelização das vossas terras. Convido-vos a continuar a ser testemunhas da vida autenticamente evangélica através dos vossos votos de castidade, pobreza e obediência.

5. A mensagem cristã, para poder chegar até aos confins do mundo, necessita da indispensável colaboração dos fiéis leigos. A sua vocação específica consiste em impregnar de espírito cristão a ordem temporal e transformá-la segundo o desígnio divino (cf. Lumen gentium LG 31). Os Pastores, por sua vez, têm o dever de lhes oferecer todos os meios espirituais e formativos necessários (cf. ibid., 37) para que, vivendo coerentemente com a sua fé cristã, sejam verdadeira luz do mundo e sal da terra (cf. Mt 5,13).

Um aspecto significativo da missão própria dos seculares é o serviço à sociedade através do exercício da política. Pertence ao património doutrinal da Igreja que "o dever imediato de agir a favor de uma ordem justa na sociedade seja mais específico dos fiéis leigos" (cf. Deus caritas est ). Portanto, há que animá-los para que vivam esta importante dimensão da caridade social com responsabilidade e dedicação, para que a comunidade humana da qual fazem parte, com todo o direito progrida na justiça, na rectidão e na defesa dos valores verdadeiros e autênticos, como salvaguarda da vida humana, do matrimónio e da família, contribuindo deste modo para o verdadeiro bem humano e espiritual de toda a sociedade.

6. Conheço quantos esforços fazeis para aliviar as necessidades do vosso povo que afligem o vosso coração de Pastores. Tendo em conta que a actividade caritativa da Igreja é "a actualização aqui e agora do amor de que o homem necessita" (ibid., 31), peço-vos que no vosso ministério sejais imagem viva e próxima da caridade de Cristo para todos os vossos irmãos, especialmente os que mais sofrem, os marginalizados, os idosos, os doentes e os encarcerados.

Antes de terminar quero renovar-vos, amados Irmãos, o meu agradecimento e o meu afecto pelos vossos esforços quotidianos ao serviço da Igreja. Rogo ao Senhor que este encontro consolide a vossa união mútua e vos fortaleça na fé, na esperança e na caridade. Peço-vos também que leveis aos vossos sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas e a todos os vossos fiéis diocesanos, a saudação, a proximidade e a oração do Papa.

Peço a intercessão da Virgem Maria de Cacupé por vós, pelas vossas intenções e projectos pastorais, e concedo-vos com todo o meu afecto uma especial Bênção Apostólica.





VIAGEM APOSTÓLICA À FRANÇA POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DAS APARIÇÕES DE LOURDES

(12 - 15 DE SETEMBRO DE 2008)


ENTREVISTA CONCEDIDA AOS JORNALISTAS DURANTE O VOO PARA A FRANÇA, Sexta-feira 12 de Setembro de 2008

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PERGUNTA: "França, és fiel às promessas do teu baptismo?" perguntou João Paulo II durante a sua primeira viagem em 1980, àquele país. Hoje qual será a sua mensagem aos franceses? Pensa que, devido à sua laicidade, a França está a perder a sua identidade cristã?

PAPA BENTO XVI: Parece-me evidente que hoje a laicidade por si mesma não está em contradição com a fé. Aliás, diria que é um fruto da fé, porque a fé cristã desde o início era uma religião universal, portanto, não identificável com um Estado, uma religião presente em todos os Estados e diferente dos Estados. Para os cristãos foi sempre claro que a religião e a fé não estão na esfera política, mas colocam-se noutra esfera da vida humana... A política, o Estado não é uma religião mas uma realidade profana com uma missão específica. Ambas as realidades devem estar abertas uma à outra. Neste sentido, hoje diria aos franceses, mas não só a eles, que para nós cristãos no actual mundo secularizado, é importante viver com alegria a liberdade da nossa fé, viver a beleza da fé e tornar visível no mundo de hoje que é bom conhecer Deus, Deus com um rosto humano em Jesus Cristo. Portanto, mostrar a possibilidade de ser crente hoje e a necessidade de que na sociedade actual haja homens que conheçam Deus e, por conseguinte, possam viver de acordo com os valores que Ele nos deu e contribuir para a presença dos valores que são fundamentais para a edificação e sobrevivência dos nossos Estados e sociedades.

PERGUNTA: Vossa Santidade ama e conhece a França, o que o liga mais particularmente àquele país; quais são os autores franceses, leigos ou cristãos, que mais o impressionaram ou as recordações mais comovedoras que conserva da França?

PAPA BENTO XVI: Não ousaria dizer que conheço bem a França. Conheço-a pouco, mas amo a França, a grande cultura francesa, sobretudo naturalmente as importantes catedrais e também a grande arte francesa, a importante teologia que inicia com Santo Ireneo de Lião até ao século XIII e estudei a universidade de Paris no século XIII: São Boaventura, S. Tomás de Aquino. Esta teologia foi decisiva para o desenvolvimento da teologia no Ocidente. E naturalmente a teologia do século em que se realizou o Concílio Vaticano II. Tive a grande honra e a alegria de ser amigo do Pe. de Lubac, uma das maiores personagens do século passado, e tive também bons contactos de trabalho com o Pe. Congar, Jean Daniélou e outros.

Mantive óptimas relações pessoais com Étienne Gilson e Henri-Irénée Maroux. Portanto, tive verdadeiramente um contacto muito profundo, muito pessoal e enriquecedor com a grande cultura teológica e filosófica da França. Ela foi deveras determinante para o desenvolvimento do meu pensamento. Mas inclusive a redescoberta do gregoriano original com Solesmes, a grande cultura monástica e, naturalmente, a grande poesia. Sendo um homem do barroco, aprecio muito Paul Claudel, com a sua alegria de viver e também Bernanos e os grandes poetas da França do século passado. Foi, portanto, uma cultura que determinou realmente o meu desenvolvimento pessoal, teológico, filosófico e humano.

PERGUNTA: O que diz àqueles que na França temem que o Motu proprio "Summorum pontificum" seja um retrocesso em relação às grandes instituições do Concílio Vaticano II? De que modo poderia tranquilizá-los?

PAPA BENTO XVI: Trata-se de um medo infundado porque este Motu proprio é simplesmente um acto de tolerância, com finalidades pastorais, para as pessoas que foram formadas naquela liturgia, que a amam, a conhecem e querem viver com ela. É um grupo reduzido, pois pressupõe uma formação em língua latina, numa certa cultura. Contudo, ter por essas pessoas o amor e a tolerância de permitir-lhes viver esta liturgia, parece uma exigência normal da fé e da pastoral de um Bispo da nossa Igreja. Não existe oposição alguma entre a liturgia renovada do Concílio Vaticano II e esta liturgia.

Todos os dias (do Concílio, n.d.r.) os Padres conciliares celebraram a missa segundo o antigo rito e, ao mesmo tempo, conceberam um desenvolvimento natural para a liturgia em todo este século, pois a liturgia é uma realidade viva que se desenvolve e conserva no seu desenvolvimento a própria identidade. Por conseguinte, há certamente diversos aspectos, mas de qualquer maneira uma identidade fundamental que exclui uma contradição, uma oposição entre a liturgia renovada e a liturgia precedente. Em todo caso, creio que haja uma possibilidade de enriquecimento de ambas as partes. Por um lado os amigos da antiga liturgia podem e devem conhecer os novos santos, os novos prefácios da liturgia, etc. Por outro, a liturgia nova realça mais a participação comum, mas não é simplesmente uma assembleia de uma determinada comunidade, mas sempre um acto da Igreja universal, em comunhão com todos os fiéis de todos os tempos, e um acto de adoração. Neste sentido parece-me que há um enriquecimento recíproco e é claro que a liturgia renovada é a liturgia comum do nosso tempo.

PERGUNTA: Com que espírito inicia a sua peregrinação a Lourdes, já esteve em Lourdes?

PAPA BENTO XVI: Estive em Lourdes para o Congresso Eucarístico Internacional de 1981, após o atentado contra o Santo Padre (João Paulo II, n.d.r.). O Cardeal Gantin era o delegado do Santo Padre. Para mim é uma recordação maravilhosa.

O dia da festa de Santa Bernadete é também o do meu nascimento. E já isto é um motivo pelo qual me sinto muito próximo da pequena santa, daquela adolescente pura, humilde, com a qual Nossa Senhora falou.

Encontrar esta realidade, esta presença de Nossa Senhora no nosso tempo, ver os traços daquela menina que era amiga da Virgem e, inclusive, encontrar a Bem-Aventurada, nossa Mãe, para mim é um acontecimento importante. Naturalmente não vamos lá para encontrar milagres. Vou a Lourdes para encontrar o amor da Mãe, que é a verdadeira cura para todas as doenças, todas as dores. Vou para me mostrar solidário com todos os que sofrem, vou em sinal do amor da Mãe. Este sinal parece-me muito importante para a nossa época.




CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS - ENCONTRO COM AS AUTORIDADES DE ESTADO NO PALÁCIO ELISEU - Sexta-feira 12 de Setembro de 2008

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Paris, Palácio do Eliseu





Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores,
Queridos amigos!

Ao pisar o solo da França pela primeira vez depois que a Providência me chamou à Sé de Pedro, sinto-me comovido e honrado pelo acolhimento caloroso que me reservastes. Estou-lhe particularmente reconhecido, Senhor Presidente, pelo convite cordial que me fez para visitar o seu País, assim como pelas amáveis palavras de boas-vindas que acaba de me dirigir. Como não recordar a visita que Vossa Excelência me fez no Vaticano há nove meses? Na sua pessoa, saúdo quantos habitam neste país com uma história milenar, um presente rico de acontecimentos e um futuro prometedor. Saibam que a França está com frequência no centro da oração do Papa, que não pode esquecer tudo aquilo que ela deu à Igreja ao longo dos vinte séculos passados. A razão principal da minha viagem é a celebração do 150.º aniversário das aparições da Virgem Maria, em Lourdes. Desejo unir-me à multidão inumerável de peregrinos do mundo inteiro, que, ao longo deste ano, afluem ao santuário mariano, animados pela fé e pelo amor. Trata-se de uma fé e de um amor que venho celebrar aqui no vosso País, durante os quatro dias de graça que me será concedido transcorrer nele.

A minha peregrinação a Lourdes tinha que incluir uma etapa em Paris. A vossa capital é-me familiar e conheço-a bastante bem. Nela me detive várias vezes e, ao longo dos anos, devido aos meus estudos e às minhas funções precedentes, teci boas amizades humanas e intelectuais. Volto aqui com alegria, feliz pela ocasião que me é proporcionada de prestar homenagem ao grandioso património de cultura e de fé que modelou magnificamente o vosso País durante séculos e que ofereceu ao mundo grandes figuras de servidores da Nação e da Igreja, cujos ensinamentos e exemplos atravessaram naturalmente as vossas fronteiras geográficas e nacionais marcando o porvir do mundo. Por ocasião da sua visita a Roma, Senhor Presidente, recordou que as raízes da França – tal como as da Europa – são cristãs. É suficiente um olhar à História para o demonstrar: desde as origens, o seu País recebeu a mensagem do Evangelho. Se por vezes os documentos escasseiam, não há dúvida que a existência de comunidades cristãs na Gália é atestada em data muito antiga: não podemos recordar sem emoção que a cidade de Lião já tinha um bispo a meados do século II e que Santo Ireneu, o autor da obra Adversus haereses, lá deu um testemunho eloquente do vigor do pensamento cristão. Mas, Santo Ireneu tinha vindo de Esmirna para anunciar a fé em Cristo ressuscitado. Assim, Lião tinha um Bispo cuja língua materna era o grego: pode haver um sinal mais positivo da natureza e destino universais da mensagem cristã? Implantada em época remota no seu País, a Igreja nele desempenhou um papel civilizador, ao qual me apraz prestar homenagem neste lugar. A isto mesmo aludiu também Vossa Excelência no discurso pronunciado no Palácio de Latrão no passado mês de Dezembro, e hoje fê-lo de novo. Transmissão da cultura antiga através de monges, professores e copistas, formação dos corações e dos espíritos para o amor aos pobres, ajuda aos mais necessitados através da fundação de numerosas congregações religiosas, a contribuição dos cristãos para a realização das instituições da Gália, e sucessivamente da França, é demasiado conhecida para que me delongue mais. Os milhares de capelas, igrejas, abadias e catedrais que ornamentam o centro das cidades ou solidão dos campos dizem quanto os vossos pais na fé quiseram honrar Aquele que lhes dera a vida e que nos mantém na existência.

Numerosas pessoas, mesmo aqui em França, detiveram-se a reflectir sobre as relações entre Igreja e Estado. Na verdade, sobre o problema das relações entre esfera política e esfera religiosa, Cristo já tinha oferecido o princípio para uma justa solução. Fê-lo quando, respondendo a uma pergunta que Lhe foi posta, afirmou: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (
Mc 12,17). A Igreja na França goza actualmente de um regime de liberdade. A desconfiança do passado transformou-se pouco a pouco num diálogo sereno e positivo, que se vai consolidando cada vez mais. A partir de 2002, existe um novo instrumento de diálogo, e eu tenho grande confiança no seu trabalho, porque a boa vontade é recíproca. Sabemos que permanecem abertos ainda alguns terrenos de diálogo, que deveremos percorrer e bonificar pouco a pouco com determinação e paciência. Aliás Vossa Excelência, Senhor Presidente, empregou a bela expressão «laicidade positiva» para qualificar esta compreensão mais aberta. Neste momento histórico em que as culturas se entrecruzam sempre mais, estou profundamente convicto de que se tornou necessária uma nova reflexão sobre o verdadeiro sentido e sobre a importância da laicidade. De facto, é fundamental, por um lado, insistir sobre a distinção entre o âmbito político e o religioso, para tutelar quer a liberdade religiosa dos cidadãos quer a responsabilidade do Estado em relação a eles, e, por outro, consciencializar-se mais claramente da função insubstituível da religião na formação das consciências e da contribuição que a mesma pode dar, juntamente com outras instâncias, para a criação de um consenso ético fundamental na sociedade.

O Papa, testemunha de um Deus que ama e salva, esforça-se por ser um semeador de caridade e de esperança. Toda a sociedade humana precisa de esperança, e esta necessidade é ainda mais forte no mundo de hoje que oferece poucas aspirações espirituais e poucas certezas materiais. Os jovens são a minha preocupação maior. Alguns deles têm dificuldade em encontrar uma orientação conveniente ou sofrem duma perda de referências na sua família. Outros ainda experimentam as limitações de um comunitarismo religioso condicionante. Por vezes marginalizados e frequentemente abandonados a si mesmos, são frágeis e devem enfrentar sozinhos uma realidade que os ultrapassa. Por isso, é necessário oferecer-lhes um sólido quadro educativo e encorajá-los a respeitar e a ajudar os outros, para que cheguem serenamente à idade responsável. Neste campo, a Igreja pode dar a sua contribuição específica. A situação social do mundo ocidental, marcada infelizmente por um tácito aumento da distância entre ricos e pobres, também me preocupa. Estou persuadido de que é possível encontrar soluções justas que, indo mais além da ajuda imediata necessária, cheguem ao âmago dos problemas a fim de se proteger os débeis e promover a sua dignidade. Através das suas numerosas instituições e actividades, a Igreja, como aliás numerosas associações no seu País, procura com frequência prover às necessidades imediatas, mas é ao Estado que compete legislar para erradicar as injustiças. Olhando mais ao largo, Senhor Presidente, preocupa-me também o estado do nosso planeta. Com grande generosidade, Deus confiou-nos o mundo que criou. Urge aprender a respeitá-lo e protegê-lo melhor. Parece-me que chegou o momento de fazer propostas mais construtivas para garantir o bem-estar das gerações futuras.

O exercício da Presidência da União Europeia proporciona ao seu País ocasião de testemunhar a afeição que a França, de acordo com a sua nobre tradição, prova pelos direitos do homem e sua promoção para bem do indivíduo e da sociedade. Quando o cidadão europeu vir e experimentar pessoalmente que os direitos inalienáveis da pessoa humana, desde a sua concepção até à morte natural, assim como os relativos à educação livre, à vida familiar, ao trabalho, não esquecendo naturalmente os direitos religiosos..., quando o cidadão europeu se der conta de que estes direitos, que constituem um todo inseparável, são promovidos e respeitados, então compreenderá plenamente a grandeza do edifício da União Europeia e tornar-se-á um artífice activo dela. A tarefa que lhe cabe, Senhor Presidente, não é fácil. Os tempos são incertos e é uma árdua empresa encontrar o caminho justo por entre os meandros da vida quotidiana social e económica, nacional e internacional. Em particular, face ao perigo do ressurgimento de antigas desconfianças, tensões e oposições entre nações, de que hoje somos testemunhas preocupadas, a França, historicamente sensível à reconciliação dos povos, está chamada a ajudar a Europa a construir a paz dentro das suas fronteiras e em todo o mundo. A este propósito, è importante promover uma unidade que não possa nem queira tornar-se uniformidade, mas que seja capaz de garantir o respeito das diferenças nacionais e das diversas tradições culturais que constituem uma riqueza na sinfonia europeia, recordando, por outro lado, que «a própria identidade nacional só se realiza na abertura aos outros povos e através da solidariedade com eles» (Exort. ap. Ecclesia in Europa, n. 112). Tenho viva confiança de que o seu País contribuirá cada vez mais para fazer este século avançar rumo à serenidade, à harmonia e à paz.

Senhor Presidente, queridos amigos, desejo mais uma vez expressar-vos a minha gratidão por este encontro. Asseguro-vos da minha oração fervorosa pela vossa bela Nação para que Deus lhe conceda paz e prosperidade, liberdade e unidade, igualdade e fraternidade. Confio estes votos à materna intercessão da Virgem Maria, padroeira principal da França. Deus abençoe a França e todos os franceses!




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