Discursos Bento XVI 25108

AO GRUPO MISTO DE TRABALHO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E O CONSELHO ECUMÉNICO MUNDIAL DAS IGREJAS Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2008

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Queridos amigos

É-me grato dar-vos as boas-vindas, membros do Grupo misto de trabalho entre o Conselho ecuménico mundial das Igrejas e a Igreja católica, no momento em que vos encontrais reunidos em Roma para dar início a uma nova fase dos vossos trabalhos. O vosso encontro realiza-se nesta Cidade, onde os Apóstolos Pedro e Paulo ofereceram o supremo testemunho de Cristo, derramando o seu próprio sangue em seu Nome. Saúdo-vos calorosamente com as palavras que o próprio Paulo dirigiu aos primeiros cristãos em Roma: "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo" (
Rm 1,7).

O Conselho mundial das Igrejas e a Igreja católica desfrutam de fecundas relações ecuménicas que remontam à época do Concílio Vaticano II. O Grupo misto de trabalho, que foi formado em 1965, tem envidado esforços assíduos em vista de refortalecer o "diálogo da vida", que o meu predecessor João Paulo II chegou a definir como o "diálogo da caridade" (Ut unum sint UUS 17). Esta cooperação deu uma profunda expressão à comunhão que já existia entre os cristãos, fazendo deste modo progredir a causa do diálogo e da compreensão a nível ecuménico.

O centenário da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos oferece-nos a oportunidade de dar graças a Deus Todo-Poderoso pelos frutos do movimento ecuménico, em que temos a possibilidade de discernir a presença do Espírito Santo, que promove o crescimento de todos os seguidores de Cristo na unidade da fé, da esperança e da caridade. Rezar pela unidade é, por si só, já "um meio muito eficaz para pedir a graça da unidade" (Unitatis redintegratio UR 8), uma vez que representa a participação na oração do próprio Jesus. "Quando os cristãos rezam unidos, "a meta da unidade parece aproximar-se" (Ut unum sint UUS 22), dado que a presença de Cristo no meio de nós (cf. Mt 18,20) fomenta uma profunda harmonia de pensamento e de coração: podemos considerar-nos uns aos outros de uma maneira nova, revigorando a nossa determinação de superar tudo aquilo que nos mantém separados.

Por isso, no dia de hoje penso com gratidão no trabalho de um número tão grande de indivíduos que, ao longo dos anos, têm procurado difundir a prática do ecumenismo espiritual através da oração em comum, da conversão do coração e do crescimento na comunhão. Demos graças também pelos diálogos ecuménicos que produziu frutos copiosos no século passado. A recepção de tais frutos é, ela mesma, um passo importante no processo de promoção da unidade dos cristãos, e o Grupo misto de trabalho é particularmente adequado para o estudo e o encorajamento de tal processo.

Prezados amigos, oro a fim de que o Grupo misto de trabalho consiga dar continuidade à obra louvável que foi realizada até agora, abrindo desta maneira o caminho para uma maior cooperação, em vista de fazer com que a oração do Senhor, "para que todos sejam um só" (Jn 17,21), se realize cada vez mais neste nosso tempo.

Com estes sentimentos, e com o profundo apreço pelo vosso importante serviço em prol do movimento ecuménico, invoco cordialmente sobre vós e as vossas deliberações as abundantes Bênçãos de Deus.




AO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS TEXTOS LEGISLATIVOS NO XXV ANIVERSÁRIO DA PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO Segunda-feira, 25 de Janeiro de 2008

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Professores, Agentes
e Cultores do Direito Canónico

É com profundo prazer que tomo parte nestes últimos momentos do Congresso de estudo organizado pelo Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, por ocasião do XXV aniversário da promulgação do Código de Direito Canónico. Reunistes-vos para reflectir acerca do tema: "A lei canónica na vida da Igreja. Pesquisas e perspectivas, no sinal do recente Magistério pontifício".

Saúdo cordialmente cada um de vós, de maneira particular o Presidente do Pontifício Conselho, o Arcebispo D. Francesco Coccopalmerio, a quem agradeço as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos e as reflexões sobre o Código e sobre o direito na Igreja. Dirijo o meu agradecimento também a todo o Pontifício Conselho, com os seus membros e consultores, pela preciosa colaboração oferecida ao Papa no campo jurídico-canónico: com efeito, o Dicastério vela sobre a integridade e a actualização da legislação da Igreja, enquanto assegura a coerência da mesma. É-me grato recordar, com profundo prazer e com acção de graças ao Senhor, que também eu pude contribuir para a redacção do Código, tendo sido nomeado pelo Servo de Deus João Paulo II, quando era Arcebispo Metropolitano de Munique-Frisinga, membro da Comissão para a Revisão do Código de Direito Canónico, em cuja promulgação, no dia 25 de Janeiro de 1983, também estive presente.

O Congresso que foi celebrado neste significativo aniversário aborda um tema de grande interesse, porque põe em evidência o estreito vínculo que existe entre a lei canónica e a vida da Igreja, em conformidade com o desejo de Jesus Cristo. Por isso, na presente ocasião apraz-me confirmar um conceito fundamental que informa o direito canónico. O ius Ecclesiae não é somente um conjunto de normas produzidas pelo Legislador eclesial para este especial povo que é a Igreja de Cristo. Em primeiro lugar, ele é a declaração autorizada por parte do Legislador eclesial, dos deveres e dos direitos que estão assentes nos sacramentos e, por conseguinte, que derivaram da instituição do próprio Cristo. Este conjunto de realidades jurídicas, indicado pelo Código, compõe um admirável mosaico em que estão representados os rostos de todos os fiéis, leigos e Pastores, e de cada uma das comunidades, da Igreja universal e das Igrejas particulares. É-me grato recordar aqui a expressão autenticamente incisiva do Beato Antonio Rosmini: "A pessoa humana é a essência do direito" (Rosmini A., Filosofia del diritto, Parte I, lib. I, cap. 3). Aquilo que, com uma profunda intuição, o grande filósofo afirmava sobre o direito humano, temos que confirmar com maior razão a respeito do direito canónino: a essência do direito canónico é constituída pela pessoa do cristão na Igreja.

Além disso, o Código de Direito Canónico contém em si as normas do Legislador eclesial em vista do bem da pessoa e das comunidades em todo o Corpo místico, que é a santa Igreja. Como pôde dizer o meu amado predecessor João Paulo II, ao promulgar o mesmo Código de Direito Canónico no dia 25 de Janeiro de 1983, a Igreja é constituída como uma comunidade social e visível; e como tal, "ela tem necessidade de normas: para que a sua estrutura hierárquica e orgânica seja visível; a fim de que o exercício das funções que lhe são divinamente confiadas, de forma especial as da sagrada potestade e da administração dos Sacramentos, possa ser adequadamente organizado; para que as relações recíprocas dos fiéis possam ser reguladas segundo a justiça, fundamentada sobre a caridade, garantindo e definindo oportunamente os direitos dos indivíduos; e, finalmente, para que as iniciativas conjuntas tomadas em vista de uma vida cristã cada vez mais perfeita, através das normas canónicas, sejam sustentadas, revigoradas e promovidas" (Constituição Apostólica Sacrae disciplina leges, em: Communicationes, XV [1983], 8-9). Deste modo, a Igreja reconhece às suas leis a natureza e a função instrumental e pastoral para buscar a sua própria finalidade, que é como se sabe a obtenção da "salus animarum". "Assim, o Direito Canónico revela-se vinculado à própria essência da Igreja; faz síntese com ela para o recto exercício do múnus pastoral" (João Paulo II, Discurso aos participantes no Congresso internacional por ocasião do X aniversário da promulgação do Código de Direito Canónico [23 de Abril de 1993], em: Communicationes,XXV [1993], 15).

Para que a lei canónica possa prestar este serviço precioso deve, em primeiro lugar, ser uma lei bem estruturada. Ou seja, ela deve estar vinculada, por um lado, àquele fundamento teológico que lhe confere bom senso e constitui um essencial título de legitimidade eclesial; por outro lado, ela deve estar em sintonia com as circunstâncias mutáveis da realidade histórica do Povo de Deus. Além disso, há-de ser formulada de modo claro, sem ambiguidades, e sempre em harmonia com as restantes leis da Igreja. Por conseguinte, é necessário abolir as normas que resultarem ultrapassadas; interpretar à luz do Magistério vivo da Igreja as normas que forem incertas e, finalmente, preencher as eventuais lacunae legis. "Devem como disse o Papa João Paulo II à Rota Romana ter-se presentes e ser aplicadas as numerosas manifestações daquela flexibilidade que, precisamente por motivos pastorais, sempre distinguiu o direito canónico" (Communicationes, XXII [1990], 5). Cabe a vós, do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, velar a fim de que a actividade das várias instâncias chamadas, na Igreja, a estabelecer as normas para os fiéis possam reflectir sempre no seu conjunto a unidade e a comunhão que são próprias da Igreja.

Uma vez que o Direito Canónico traça a regra necessária a fim de que o Povo de Deus possa orientar-se de maneira eficaz para a sua própria meta, compreende-se que tal direito deve ser amado e observado por todos os fiéis. Antes de tudo, a lei da Igreja é lex libertatis: lei que nos torna livres para aderir a Jesus. Por isso, é necessário saber apresentar ao Povo de Deus, às novas gerações e a quantos são chamados a fazer com que seja respeitada a norma canónica, o vínculo concreto que ela tem com a vida da Igreja, para a salvaguarda dos delicados interesses das realidades de Deus, daqueles que não dispõem de outras forças para se fazer valer, mas também em defesa daqueles delicados "bens" que cada fiel recebeu gratuitamente em primeiro lugar o dom da fé, da graça de Deus que na Igreja não podem permanecer desprovidos de uma adequada tutela da parte do Direito.

No complexo contexto acima delineado, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos é chamado a servir de ajudar para o Pontífice Romano, supremo Legislador, na sua tarefa de principal promotor, responsável e intérprete do direito na Igreja. No cumprimento desta vossa relevante função podeis contar não somente com a confiança, mas também com a oração do Papa, que acompanha o vosso trabalho com a sua carinhosa Bênção.


AOS PARTICIPANTES DO CONGRESSO INTERACADÉMICO SOBRE "A IDENTIDADE VARIÁVEL DO INDIVÍDUO" Segunda-feira, 28 de Janeiro de 2008

603 Senhores Chanceleres
Excelências
Queridos Amigos Académicos
Senhoras e Senhores!

É com prazer que vos recebo no final do vosso Congresso que termina aqui em Roma, depois de ter sido desenvolvido no Instituto de França, em Paris, e que foi consagrado ao tema "A identidade variável do indivíduo". Agradeço antes de tudo ao Príncipe Gabriel de Broglie as palavras de homenagem com as quais introduziu o nosso encontro. De igual modo gostaria de saudar os membros de todas as instituições sob cujo patrocínio este Congresso foi organizado: a Pontifícia Academia das Ciências e a Pontifícia Academia das Ciências Sociais, a Academia das Ciências Morais e Políticas, a Academia das Ciências, e o Instituto Católico de Paris. Alegro-me porque, pela primeira vez, uma colaboração interacadémica desta natureza pôde instaurar-se, abrindo o caminho a amplas pesquisas pluridisciplinares mais fecundas.

Dado que as ciências exactas, naturais e humanas alcançaram progressos prodigiosos no conhecimento do homem e do seu universo, é grande a tentação de pretender circunscrever totalmente a identidade do ser humano e encerrá-lo no saber que dele pode derivar. Para não se comprometer num caminho como este, é fundamental reconhecer a pesquisa antropológica, filosófica e teológica, que permite ressaltar e manter no homem o seu mistério, pois ciência alguma pode dizer quem é o homem, de onde vem e para onde vai. Portanto, a ciência do homem torna-se a mais necessária de todas. Foi quanto expressou João Paulo II na Encíclica Fides et ratio: "Um grande desafio, que nos espera no final deste milénio, é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do fenómeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na experiência; mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a substância espiritual e o fundamento que a sustenta" (n. 83). O homem está sempre além daquilo que vemos ou percebemos pela experiência. Negligenciar o questionamento sobre o ser humano leva inevitavelmente a rejeitar a busca da verdade objectiva sobre o ser na sua integridade e, deste modo, a não ser mais capaz de reconhecer o fundamento sobre o qual repousa a dignidade do homem, de todo o homem, desde a fase embrionária até à sua morte natural.

Durante o vosso Congresso, fizestes a experiência de que as ciências, a filosofia e a teologia podem ajudar-se para compreender a identidade do homem, que está sempre em transformação. A partir de uma interrogação sobre o novo ser como resultado da fusão celular, que é portador de um património genético novo e específico, ressaltastes elementos essenciais do mistério do homem, marcado pela alteridade: ser criado por Deus, ser à imagem de Deus, ser amado feito para amar. Como ser humano, nunca está fechado em si mesmo; é sempre portador de alteridade e encontra-se a partir da sua origem em interacção com outros seres humanos, como é evidenciado cada vez mais pelas ciências humanas. Como não recordar aqui a maravilhosa meditação do salmista sobre o ser humano tecido no segredo do ventre da sua mãe e ao mesmo tempo conhecido, na sua identidade e no seu mistério, unicamente por Deus, que o ama e o protege (cf. Sl
Ps 138 [139],1-6).

O homem não é fruto do caso, nem de um conjunto de convergências, nem de determinismos, nem de interacções físico-químicas; é um ser que goza de uma liberdade que, tendo em consideração a sua natureza, transcende-a, e que é o sinal do mistério de alteridade que o habita. Nesta perspectiva o grande pensador Pascal dizia que "o homem supera infinitamente o homem". Esta liberdade, que é própria do ser homem, faz com que ele possa orientar a sua vida rumo a um fim, e com as acções que realiza, orientar-se para a felicidade à qual está chamado para a eternidade. Esta liberdade demonstra que a existência do homem tem um sentido. Na prática da sua autêntica liberdade, a pessoa satisfaz a sua vocação; realiza-se e dá forma à sua liberdade, a pessoa satisfaz a sua vocação; realiza-se e dá forma à sua identidade profunda. É também na realização da sua liberdade que exerce a própria responsabilidade sobre as suas acções. Neste sentido, a dignidade particular do ser humano é ao mesmo tempo um dom de Deus e a promessa de um futuro.

O homem tem em si uma capacidade específica: a de discernir o que é bom e bem. Colocado nele pelo Criador como um selo, o bom-senso estimula-o a praticar o bem. Movido por ele, o homem é chamado a desenvolver a sua consciência mediante a formação e a prática, para se dirigir livremente na existência, baseando-se nas leis essenciais que são a lei natural e a lei moral. Na nossa época na qual o desenvolvimento das ciências atrai e seduz pelas possibilidades oferecidas, é importante como nunca educar as consciências dos nossos contemporâneos, para que a ciência não se torne o critério do bem, e para que o homem seja respeitado como o centro da criação e não seja objecto de manipulações ideológicas, nem de decisões arbitrárias nem de abusos dos mais fortes sobre os mais débeis. Foram muitos os perigos que conhecemos ao longo da história humana, e em particular durante o século XX.

Qualquer progresso científico deve ser também um progresso de amor, chamado a colocar-se ao serviço do homem e da humanidade, e a dar a sua contribuição para a construção da identidade das pessoas. De facto, como ressaltei na Encíclica Deus caritas est, "o amor compreende a totalidade da existência em toda a sua dimensão, inclusive a temporal... o amor é "êxtase"; êxtase não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si mesmo" (n. 6). O amor faz sair de si para descobrir e reconhecer o outro; abrindo-se à alteridade, afirma também a identidade do sujeito, porque o outro me revela a mim mesmo. Em toda a Bíblia, é a experiência que, a partir de Abraão, foi feita por numerosos crentes. O modelo do amor por excelência é Cristo. É no acto de oferecer a sua vida pelos seus irmãos, de se doar totalmente, que se manifesta a sua identidade profunda e que temos a chave de leitura do mistério insondável do seu ser e da sua missão.

Confiando as vossas pesquisas à intercessão de S. Tomás de Aquino, que a Igreja honra neste dia e que permanece um "autêntico modelo para quantos procuram a verdade" (Fides et ratio FR 78), garanto-vos a minha oração por vós, pelos vossos familiares e pelos vossos colaboradores, e concedo a todos com afecto a Bênção Apostólica.


À CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ REUNIDA EM SESSÃO PLENÁRIA

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Quinta-feira, 31 de Janeiro de 2008



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos fiéis Colaboradores!

É para mim motivo de grande alegria encontrar-me convosco por ocasião da vossa Sessão Plenária. Posso assim participar-vos os sentimentos de profundo reconhecimento e de cordial apreço que sinto pelo trabalho que a vossa Congregação desempenha ao serviço do ministério de unidade, confiado de modo especial ao Romano Pontífice. É um ministério que se expressa primariamente em função da unidade de fé, que se baseia no "sagrado depósito", do qual o Sucessor de Pedro é o primeiro guardião e defensor (cf. Const. ap. Pastor bonus, 11). Agradeço ao Senhor Cardeal William Levada os sentimentos que, em nome de todos, expressou na sua saudação e a menção dos temas que foram objecto de alguns Documentos da vossa Congregação nestes últimos anos e das temáticas que ainda estão submetidas ao exame da Congregação.

Em particular a Congregação para a Doutrina da Fé publicou no ano passado dois Documentos importantes, que ofereceram alguns esclarecimentos doutrinais sobre aspectos fundamentais da doutrina sobre a Igreja e sobre a Evangelização. São esclarecimentos necessários para o desenvolvimento correcto do diálogo ecuménico e do diálogo com as religiões e culturas do mundo. O primeiro Documento tem o título "Respostas a questões relativas a alguns aspectos sobre a doutrina da Igreja" e repropõe também nas formulações e na linguagem os ensinamentos do Concílio Vaticano II, em plena continuidade com a doutrina da Tradição católica. Deste modo é confirmado que a Igreja de Cristo, una e única, tem a sua subsistência, permanência e estabilidade na Igreja Católica e que por conseguinte a unidade, a indivisibilidade e a indestrutibilidade da Igreja de Cristo não são anuladas pelas separações e divisões dos cristãos. Paralelamente a este esclarecimento doutrinal fundamental, o Documento repropõe o uso linguístico correcto de certas expressões eclesiológicas, que correm o risco de ser mal compreendidas, e chama para esta finalidade a atenção sobre a diferença que ainda permanece entre as diversas Confissões cristãs em relação à compreensão do ser Igreja, em sentido propriamente teológico. Isto, longe de impedir o compromisso ecuménico autêntico, servirá de estímulo para que o confronto sobre as questões doutrinais se realize sempre com realismo e plena consciência dos aspectos que ainda separam as Confissões cristãs, além do reconhecimento jubiloso das verdades de fé comummente professadas e da necessidade de rezar incessantemente para um caminho mais zeloso rumo a uma maior e no final plena unidade dos cristãos. Cultivar uma visão teológica que considerasse a unidade e a identidade da Igreja como seus dotes "escondidos em Cristo", com a consequência de que historicamente a Igreja existiria de facto em numerosas configurações eclesiais, reconciliáveis apenas na perspectiva escatológica, só poderia gerar um abrandamento e ultimamente a parálise do próprio ecumenismo.

A afirmação do Concílio Vaticano II de que a verdadeira Igreja de Cristo "subsiste na Igreja católica" (Const. dogm. Lumen gentium
LG 8) não se refere apenas à relação com as Igrejas e comunidades eclesiais cristãs, mas alarga-se também à definição das relações com as religiões e as culturas do mundo. O próprio Concílio Vaticano II na Declaração Dignitatis humanae sobre a liberdade religiosa afirma que "esta única verdadeira religião subsiste na Igreja católica, à qual o Senhor Jesus confiou a tarefa de a difundir a todos os homens" (cf. n. 1). A "Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização" o outro Documento publicado pela vossa Congregação em Dezembro de 2007 face ao risco de um persistente relativismo religioso e cultural, reafirma que a Igreja, no tempo do diálogo entre as religiões e as culturas, não se dispensa da necessidade da evangelização e da actividade missionária para com os povos, nem cessa de pedir que os homens acolham a salvação oferecida a todas as nações. O reconhecimento de elementos de verdade e de bondade nas religiões do mundo e da seriedade dos seus esforços religiosos, o próprio diálogo e espírito de colaboração com elas pela defesa e a promoção da dignidade da pessoa e dos valores morais universais, não podem ser compreendidos como um limite da tarefa missionária da Igreja, que a compromete a anunciar incessantemente Cristo como o caminho, a verdade e a vida (cf. Jn 14,6).

Além disso caríssimos, convido-vos a seguir com particular atenção os problemas difíceis e complexos da bioética. De facto, as novas tecnologias biomédicas interessam não só alguns médicos e pesquisadores especialistas, mas são divulgadas através dos modernos meios de comunicação social, causando expectativas e interrogações em sectores cada vez mais vastos da sociedade. O Magistério da Igreja certamente não pode e não deve intervir sobre todas as novidades da ciência, mas tem a tarefa de afirmar os grandes valores em jogo e de propor aos fiéis e a todos os homens de boa vontade princípios e orientações ético-morais no que se refere às novas questões importantes. Os dois critérios fundamentais para o discernimento moral neste âmbito são: a) o respeito incondicionado do ser humano como pessoa, desde a sua concepção até à morte natural; b) o respeito pela originalidade da transmissão da vida humana através dos actos próprios dos cônjuges. Depois da publicação em 1987 da Instrução Donum vitae, que tinha enunciado tais critérios, muitos criticaram o Magistério da Igreja, denunciando-o como se fosse um impedimento à ciência e ao verdadeiro progresso da humanidade. Mas os novos problemas relacionados, por exemplo, com o congelamento dos embriões humanos, com a redução embrionária, com o diagnóstico pré-implante, com as pesquisas sobre as células estaminais embrionárias e com as tentativas de clonagem humana, mostram claramente como, com a fecundação artificial extracorpórea, tenha sido quebrada a barreira colocada como tutela da dignidade humana. Quando seres humanos, no estado mais frágil e indefeso da sua existência, são seleccionados, abandonados, mortos ou usados como mero "material biológico", como negar que eles são tratados não já como "alguém", mas como "um objecto", pondo assim em dúvida o próprio conceito de dignidade do homem?

Certamente a Igreja aprecia e encoraja o progresso das ciências biomédicas que abrem perspectivas terapêuticas até agora desconhecidas, mediante, por exemplo, o uso das células estaminais somáticas ou mediante as terapias destinadas à restituição da fertilidade ou à cura das doenças genéticas. Ao mesmo tempo, ela sente o dever de iluminar as consciências de todos, para que o progresso científico seja verdadeiramente respeitador de cada ser humano, ao qual deve ser reconhecida a dignidade de pessoa, sendo criado à imagem de Deus. O estudo sobre tais temáticas, que empenhou de modo especial a vossa Assembleia nestes dias, contribuirá certamente para promover a formação da consciência de tantos irmãos nossos, segundo quanto afirma a expressão do Concílio Vaticano II na Declaração Dignitatis humanae: "Os fiéis... na formação da sua consciência, devem atender diligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Com efeito, por vontade de Cristo, a Igreja Católica é a Mestra da verdade e a sua missão é anunciar e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e simultaneamente declarar e confirmar, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que fluem da própria natureza humana" (n. 14).

Ao encorajar-vos a prosseguir o vosso empenhativo e importante trabalho, exprimo-vos nesta circunstância a minha proximidade espiritual, e concedo de coração a todos vós, em penhor de afecto e de gratidão, a Bênção Apostólica.




AOS BISPOS GRECO-CATÓLICOS DA UCRÂNIA EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Sexta-feira, 1 de Fevereiro de 2008

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Beatitude
Venerados Irmãos no Episcopado

Estou verdadeiramente feliz por vos receber no dia de hoje, no encerramento da vossa visita ad limina Apostolorum. Motivos graves e objectivos impediram-vos de realizar em conjunto esta peregrinação à Sé de Pedro. A última visita "ad Limina" dos Bispos greco-católicos remonta ao ano de 1937. Agora, depois das vossas respectivas Igrejas terem voltado a encontrar a plena liberdade, vós encontrais-vos aqui para representar comunidades renascidas e vibrantes na fé, que jamais cessaram de se sentir em plena comunhão com o Sucessor de Pedro. Caríssimos Irmãos, sede bem-vindos a esta casa em que se elevou sempre a intensa e incessante oração pela amada Igreja greco-católica na Ucrânia. No venerado Cardeal Lubomyr Husar, Arcebispo-Mor de Kiev-Halyc, a quem agradeço as emocionantes expressões de carinho que me dirigiu em vosso nome, no Administrador Apostólico da Eparquia de Mukachevo de rito bizantino e em todos vós, apraz-me saudar as vossas respectivas comunidades, os incansáveis sacerdotes, os consagrados, as consagradas e quantos, com dedicação, desempenham o seu ministério pastoral ao serviço do Povo de Deus.

Dos relatórios acerca da situação das vossas Eparquias e dos vossos Exarcados, pude observar como é intenso o vosso compromisso em vista de promover, consolidar e verificar constantemente a unidade e a colaboração no interior das vossas comunidades, para poderdes enfrentar em conjunto os desafios que vos interpelam como Pastores e que estão no centro das vossas preocupações e dos vossos programas pastorais. Por conseguinte, admiro a obra generosa e o testemunho indefectível que ofereceis ao vosso povo e à Igreja. Neste esforço pastoral e missionário os sacerdotes, que o bom Pastor colocou ao vosso lado como vossos colaboradores, constituem uma ajuda necessária. É de bom grado que aproveito este ensejo para manifestar o meu sincero apreço pela sua acção apostólica quotidiana. Venerados Irmãos, encorajai-os nas suas várias iniciativas de actualização, a não seguirem as novidades do mundo, mas sim a oferecerem à sociedade aquelas respostas que somente Cristo pode dar às expectativas de justiça e de paz no coração do homem. Por isso, é necessária uma adequada preparação intelectual e espiritual, que supõe um itinerário formativo permanente, começado nos seminários, onde a disciplina e a vida espiritual devem ser sempre bem cuidadas, e depois continuado no decurso dos anos de ministério. Nos viveiros de vocações, que são precisamente os seminários, há necessidade de educadores e de formadores qualificados e competentes nos âmbitos humano, científico, doutrinal, ascético e pastoral, para ajudar os futuros presbíteros a crescerem na sua relação pessoal com Ele. Somente assim eles poderão assumir com espírito de autêntico serviço eclesial as responsabilidades pastorais que o Bispo lhes confiar.

Nesta perspectiva, exorto-vos a intensitificar para os vossos sacerdotes cursos de exercícios espirituais, de formação e de actualização teológica e pastoral, se possível em colaboração também com o Episcopado latino, no respeito pelas tradições de cada um. É inegável que esta colaboração entre os dois ritos levaria a fazer aumentar a sintonia dos corações entre quantos servem a única Igreja. E estou persuadido de que, com esta disposição interior, se poderão debelar mais facilmente os eventuais mal-entendidos, na consciência de que ambos os ritos pertencem a uma única Comunidade católica, e que ambos têm plena e igual cidadania no seio do único Povo ucraniano. Venerados Irmãos, nesta luz pareceria útil se vos encontrásseis regularmente, por exemplo uma vez por ano, com os Bispos de rito latino.

A vida consagrada reveste uma importância relevante nas Eparquias e nos Exarcados que vos são confiados e por isso, juntamente convosco, dou graças a Deus. Todavia, informastes-me que, a este propósito, existem algumas dificuldades, de modo especial no âmbito da formação, no que diz respeito à obediência responsável dos religiosos e das religiosas, e à sua cooperação nas necessidades da Igreja. Com a magnanimidade de Pastores e a paciência de pais, exortai estes irmãos e estas irmãs a defenderem incansavelmente a índole "a-secular" da sua vocação peculiar. Ajudai-os a cultivar o espírito das Bem-Aventuranças e a observar com fidelidade os votos de pobreza, de castidade e de obediência na fidelidade evangélica, a fim de que possam prestar na Igreja aquele testemunho típico que lhes é exigido.

Há uma ulterior preocupação que vos está a peito: é o compromisso ecuménico. É necessário reconhecer humildemente que neste campo permanecem obstáculos concretos e objectivos. Todavia, não se pode desanimar diante das dificuldades, mas é preciso continuar a percorrer o caminho começado com a oração e a caridade paciente. Por outro lado, na Ucrânia desde há séculos os ortodoxos e os católicos procuram entretecer um diálogo quotidiano, humilde e sereno, que abrange numerosos aspectos da vida. Os reveses, que devem ser sempre considerados, não podem diminuir o entusiasmo para alcançar a finalidade desejada pelo Senhor: "Para que todos sejam um só" (
Jn 17,20). Há algum tempo, encontrando-me com os Padres na Plenária do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos, observei "que, de qualquer maneira, deve ser promovido em primeiro lugar, o ecumenismo do amor, que provém directamente do novo mandamento deixado por Jesus aos seus discípulos. O amor acompanhado por gestos coerentes desperta a confiança e leva a abrir os corações e os olhos. Por sua própria natureza, o diálogo da caridade promove e ilumina o diálogo da verdade: com efeito, é na plena verdade que se há-de realizar o encontro definitivo, para o qual conduz o Espírito de Cristo" (Insegnamenti di Benedetto XVI, II, 2, 2006, pág. 632). Um auxílio válido para a obra ecuménica pode ser oferecido, indubitavelmente, pela Universidade Católica Ucraniana.

Além disso, é importante empenhar cada vez mais os fiéis leigos na vida da Igreja, a fim de que ofereçam a sua contribuição específica para o bem comum da sociedade ucraniana. Isto exige, da vossa parte, um cuidado constante pela sua formação, mediante iniciativas adequadas à sua vocação laical: assim, eles poderão concorrer activamente para a missão da Igreja e ser deste modo "fermento" do Evangelho vivo nos vários ambientes da sociedade.

Venerados Irmãos, o encontro hodierno, que se realiza depois de mais de setenta anos, permite-nos elevar em conjunto uma comovida acção de graças a Deus pelo renascimento da vossa Igreja, depois do dramático período da perseguição. Nesta ocasião, desejo assegurar-vos que o Papa vos traz todos no seu coração, que vos acompanha com carinho e vos sustenta na vossa não fácil missão. Peço-vos que transmitais a minha cordial saudação aos sacerdotes, vossos primeiros colaboradores, aos religiosos e às religiosas, assim como a todo o povo cristão, de maneira particular às crianças, aos jovens, às famílias, aos enfermos e a quantos se encontram em dificuldade. Para cada um de vós garanto uma lembrança na oração, invocando sobre todos a salvaguarda constante da Mãe celestial de Deus e a protecção dos vossos santos Padroeiros. Enfim, concedo carinhosamente uma especial Bênção Apostólica à querida população da Ucrânia.



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