Discursos Bento XVI 614

DISCURSO DE SUA SANTIDADE BENTO XVI AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA COSTA RICA POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»

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Sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2008


Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Enche-me de alegria receber-vos no final da vossa visita ad Limina, que me oferece a ocasião de vos saudar a todos juntos e confortar-vos na esperança, tão necessária para o ministério que vos foi confiado e que exerceis com generosidade. Agradeço as palavras do Presidente da Conferência Episcopal, D. José Francisco Ulloa Rojas, o qual quis manifestar os desafios e as esperanças que encontrais nos vossos afazeres pastorais e expressar a vossa proximidade e estreita comunhão com o Bispo de Roma, Sede "na qual sempre residiu a primazia da cátedra apostólica" (Santo Agostinho,
Ep 43, 3, 7).

Este encontro é de certa forma novo para alguns de vós, que recentemente fostes incorporados no colégio episcopal, para outros são novas as igrejas particulares que levam nos seus corações e, para todos, também o rosto do Sucessor de Pedro é novo. É uma novidade que pode contribuir para dar mais intensidade também aos propósitos desta visita, entre os quais sobressai a renovação diante dos sepulcros de São Pedro e de São Paulo da fé em Jesus Cristo, transmitida pelos Apóstolos, e que vos compete guardar como seus sucessores. Ao mesmo tempo, é preciso ajudar a reavivar a vossa "solicitude por toda a Igreja" (Lumen gentium LG 23), contribuindo assim para dilatar também o coração de todos os crentes com a perspectiva de universalidade própria da mensagem cristã.

2. Tendes diante de vós a tarefa de procurar novas formas de anunciar Cristo numa situação de rápidas e muitas vezes profundas transformações, acentuando o carácter missionário de toda a actividade pastoral. Neste sentido, a recente Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, celebrada em Aparecida, ressaltou que acolher e fazer própria a mensagem do Evangelho é algo que compete a cada pessoa e a cada geração, nas diversas circunstâncias e etapas da sua vida.

Também o povo da Costa Rica necessita de revitalizar constantemente as suas antigas e profundas raízes cristãs, a sua vigorosa religiosidade popular ou a sua profunda piedade mariana, para que dêem frutos de uma vida digna dos discípulos de Jesus, alimentada pela oração e pelos sacramentos, de uma coerência da existência quotidiana com a fé professada e de um compromisso de participar activamente na missão de "abrir o mundo ao ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem" (cf. Spe salvi ).

3. O Senhor foi generoso com a sua vinha na Costa Rica, onde há um bom número de sacerdotes que são os principais colaboradores do Bispo no seu ministério pastoral. Por isso necessitam, além disso, de orientações e critérios claros, de uma formação constante e de apoio na prática do seu ministério, uma proximidade própria de "filhos e amigos" (Lumen gentium LG 28), que alcance o seu coração, estimulando-os nos seus esforços, ajudando-os nas suas dificuldades e, se necessário for, corrigindo e remediando eventuais situações que obscureçam a imagem do sacerdócio e da própria Igreja.

Este grande património de toda a Igreja particular preserva-se e enriquece-se com uma esmerada atenção aos seminaristas, cuja idoneidade exige um discernimento rigoroso, e não lhes basta uma formação abstracta e formal, pois se preparam para viver eles próprios aquelas palavras do Apóstolo: "O que vimos e ouvimos, isso vos anunciámos, para que também vós tenhais comunhão connosco... com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo" (1Jn 1,3). Além disso, esta é uma perspectiva que pode suscitar nos jovens o entusiasmo por Jesus e pela sua missão salvífica, fazendo brotar no seu coração o desejo de participar nela como sacerdotes e consagrados.

4. Queridos Bispos, conheceis bem os perigos de uma vida de fé vazia e superficial quando se confronta com lisonjas como o proselitismo das seitas e grupos pseudo-religiosos, com as numerosas promessas de bem-estar fácil e imediato, mas que terminam no desengano e na desilusão, ou a difusão de ideologias que, proclamando elevar o ser humano, na realidade o banalizam. Numa situação como esta, adquire um valor inestimável o anúncio da "grande esperança do homem, que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus, o Deus que nos amou e ama ainda agora" (cf. Spe salvi ).

Um testemunho vivo desta esperança, que eleva o ânimo e fortalece nas preocupações da vida humana, compete de modo muito especial aos religiosos, religiosas e pessoas consagradas, que por sua própria vocação são chamados antes de tudo a ser sinal do "mistério do Reino de Deus que já actua na história" (Vita consecrata VC 1). Por isso, eles são um dom precioso para a Igreja, "como elemento decisivo para a sua missão, visto que "exprime a íntima natureza da vocação cristã"" (ibid,3), motivo pelo qual se deve agradecer ao Senhor a sua presença em cada Igreja particular.

Compete também aos fiéis leigos participar nesta missão segundo a sua vocação específica, e é bom ver a sua colaboração eficaz para manter e difundir a chama da fé mediante a catequese e a cooperação com as paróquias e as diversas organizações pastorais das dioceses. Sem dúvida merecem a gratidão, o estímulo e a atenção constante dos seus Pastores, para que recebam sempre e de modo sistemático uma formação cristã sólida, tendo em consideração, além disso, que são eles que devem levar os valores cristãos aos diversos sectores da sociedade, ao mundo do trabalho, da convivência civil ou da política. De facto, a ordem temporal é uma sua obrigação (cf. Apostolicam actuositatem AA 7), a eles compete "configurar rectamente a vida social, respeitando a sua legítima autonomia e cooperando, segundo a respectiva competência e sob a própria responsabilidade" (Deus caritas est ).

Acerca dos catequistas e animadores das comunidades, em particular, convém recordar a exigência de que acompanhem a transmissão da recta doutrina com o testemunho pessoal, com o firme compromisso de viver segundo os mandatos do Senhor e com a experiência viva de ser membros fiéis e activos da Igreja. De facto, este exemplo de vida é necessário para que a sua instrução não se detenha numa mera transmissão de conhecimentos teóricos sobre os mistérios de Deus, mas que leve a assumir um modo de vida cristão. Isto era decisivo já na Igreja antiga, quando se examinava no final se os catecúmenos, "viveram correctamente o seu catecumenado, se honraram as viúvas, se visitaram os enfermos, se fizeram obras boas" (Traditio Apostolica, 20).

5. Preocupa-vos com razão um crescente deterioramento da instituição familiar, com graves repercussões quer no tecido social quer na vida eclesial. A este respeito, é necessário promover o bem da família e defender os seus direitos junto dos órgãos competentes, assim como desenvolver uma atenção pastoral que a proteja e ajude de modo directo nas suas dificuldades. Por isso é muito importante uma adequada catequese pré-matrimonial, assim como uma proximidade quotidiana que dê conforto a cada lar e faça ressoar nele aquela saudação de Jesus: "Veio hoje a salvação a esta casa" (Lc 19,9). Também não devem ser esquecidos os grupos de casais e famílias para se ajudarem entre si a cumprir a sua nobre e indispensável vocação, nem os serviços específicos que aliviem situações difíceis, causadas pelo abandono da convivência, pela precariedade económica ou pela violência doméstica, da qual são vítimas sobretudo as mulheres.

6. Ao concluir este encontro, desejo garantir-vos a minha especial proximidade, juntamente com as minhas orações ao Senhor pelo vosso ministério. Peço-vos que transmitais aos vossos fiéis o meu afecto, e de modo muito especial aos sacerdotes, às comunidades religiosas e às pessoas consagradas, assim como aos catequistas e a quantos estão comprometidos na apaixonante tarefa de levar e manter viva a luz de Cristo nesta abençoada terra da Costa Rica.

Peço à Santíssima Virgem Maria, a qual invocam com tanta devoção os costa-riquenhos com o título de Nossa Senhora dos Anjos, que proteja os seus filhos nesta querida Nação, e os leve com ternura a conhecer e a amar cada vez mais o seu divino Filho. Concedo de coração a eles e a vós, a Bênção Apostólica.




AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS POR OCASIÃO DO 20º ANIVERSÁRIO DA PUBLICAÇÃO DA CARTA APOSTÓLICA "MULIERIS DIGNITATEM" Sábado, 9 de Fevereiro de 2008

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Caros irmãos e irmãs

É com verdadeiro prazer que recebo e saúdo todos vós, que participais no Congresso internacional sobre o tema: "Mulher e homem, o humanum na sua integridade", organizado por ocasião do XX aniversário da publicação da Carta Apostólica Mulieris dignitatem. Saúdo o Senhor Cardeal Stanislaw Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, e estou-lhe grato por se ter feito intérprete dos sentimentos corais. Saúdo o Secretário, D. Josef Clemens, os membros e os colaboradores do Dicastério. Saúdo de modo particular as mulheres, que são a grande maioria dos presentes, e que enriqueceram os trabalhos congressuais com a sua experiência e competência.

O tema sobre o qual estais a reflectir é de grande actualidade: da segunda metade do século XX até hoje, o movimento de valorização da mulher nos vários sectores da vida social suscitou inúmeras reflexões e debates, tendo visto a multiplicação de muitas iniciativas que a Igreja Católica seguiu e muitas vezes acompanhou com interesse atento. A relação homem-mulher na respectiva especificidade, reciprocidade e complementaridade constitui, sem dúvida, um ponto central da "questão antropológica", tão decisiva na cultura contemporânea. São numerosas as intervenções e os documentos pontifícios que tocaram a realidade emergente da questão feminina. Limito-me a recordar os pronunciamentos do meu amado predecessor João Paulo II que, em Junho de 1995, desejou escrever uma Carta às Mulheres, e até ao dia 15 de Agosto de 1988, exactamente há vinte anos, publicou a Carta Apostólica Mulieris dignitatem. Este texto a respeito da vocação e da dignidade da mulher, de grande riqueza teológica, espiritual e cultural, inspirou por sua vez a Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo, da Congregação para a Doutrina da Fé.

Na Mulieris dignitatem, João Paulo II quis aprofudar as verdades antropológicas fundamentais do homem e da mulher, a igualdade em dignidade e a unidade dos dois, a radicada e profunda diversidade entre o homem e a mulher e a sua vocação à reciprocidade e à complementaridade, à colaboração e à comunhão (cf. n. 6). Esta unidade dupla do homem e da mulher baseia-se no fundamento da dignidade de cada pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, que "os criou homem e mulher" (
Gn 1,27), evitando tanto uma uniformidade indistinta e uma igualdade nivelada e depauperada, como uma diferença abismal e conflitual (cf. João Paulo II, Carta às Mulheres, 8). Esta unidade dual traz consigo, inscrita nos corpos e nas almas, a relação com o outro, o amor pelo outro, a comunhão interpessoal indicando "que na criação do homem foi inscrita também uma certa semelhança da comunhão divina" (n. 7). Portanto, quando o homem e a mulher pretendem ser autónomos e totalmente auto-suficientes, correm o risco de permanecer fechados numa auto-realização que considera como conquista de liberdade a superação de cada vínculo natural, social ou religioso, mas que de facto os reduz a uma solidão opressora. Em vista de favorecer e sustentar a promoção real da mulher e do homem, não se pode deixar de ter em conta esta realidade.

Sem dúvida, é necessária uma renovada investigação antropológica que, com base na grande tradição cristã, incorpore os novos progressos da ciência e o dado das hodiernas sensibilidades culturais, contribuindo deste modo para aprofundar não somente a identidade feminina, mas inclusivamente a masculina, também esta não raramente objecto de reflexões parciais e ideológicas. Diante de correntes culturais e políticas, que procuram eliminar ou pelo menos ofuscar e confundir, as diferenças sexuais inscritas na natureza humana, considerando-as uma construção cultural, é necessário evocar o desígnio de Deus que criou o ser humano, homem e mulher, com uma unidade e ao mesmo tempo uma diferença originária e complementar. A natureza humana e a dimensão cultural integram-se uma à outra num processo amplo e complexo, que constitui a formação da própria identidade, onde ambas as dimensões, a feminina e a masculina, se correspondem e se completam.

Inaugurando os trabalhos da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe em Maio do ano passado no Brasil, tive a oportunidade de recordar como ainda persiste uma mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, o qual reconhece e proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem. Existem lugares e culturas em que a mulher é discriminada ou subestimada unicamente pelo facto de ser mulher, onde se faz recurso até a argumentos religiosos e a pressões familiares, sociais e culturais para sustentar a desigualdade dos sexos, onde se perpetram actos de violência contra a mulher, tornando-a objecto de sevícias e de exploração na publicidade e na indústria do consumo e da diversão. Diante de fenómenos tão graves e persistentes, parece ainda mais urgente o compromisso dos cristãos para que se tornem em toda a parte promotores de uma cultura que reconheça à mulher, no direito e na realidade dos acontecimentos, a dignidade que lhe compete.

Deus confia à mulher e ao homem, segundo as suas próprias peculiaridades, uma vocação e missão específicas na Igreja e no mundo. Penso aqui na família, comunidade de amor aberto à vida, célula fundamental da sociedade. Nela a mulher e o homem, graças ao dom da maternidade e da paternidade, desempenham em conjunto um papel insubstituível em relação à vida. Desde a sua concepção, os filhos têm o direito de poder contar com o pai e com a mãe, para que cuidem deles e os acompanhem no seu crescimento. O Estado, por sua vez, deve apoiar com políticas sociais adequadas tudo aquilo que promove a estabilidade e a unidade do matrimónio, a dignidade e a responsabilidade dos cônjuges, o seu direito e a sua tarefa insubstituíveis de educadores dos filhos. Além disso, é necessário que inclusivamente para a mulher se torne possível colaborar para a construção da sociedade, valorizando o seu típico "génio feminino".

Queridos irmãos e irmãs, agradeço-vos mais uma vez esta vossa visita e, enquanto formulo votos de pleno bom êxito dos trabalhos do Congresso, asseguro-vos uma lembrança na oração, invocando a intercessão materna de Maria, para que ajude as mulheres do nosso tempo a realizar a sua vocação e a sua missão na comunidade eclesial e civil. Com estes bons votos, concedo-vos a vós aqui presentes e às pessoas que vos são queridas, uma especial Bênção Apostólica.




AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA NACIONAL DA FEDERAÇÃO ITALIANA DE EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS (FIES) Sábado, 9 de Fevereiro de 2008

Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados irmãos e irmãs

Estou feliz por me encontrar convosco no final da Assembleia Nacional da Federação Italiana de Exercícios Espirituais (FIES). Saúdo o Presidente, Senhor Cardeal Salvatore De Giorgi, e agradeço-lhe as amáveis palavras com que se fez intérprete dos vossos sentimentos. Saúdo os Bispos delegados das Conferências episcopais regionais, os membros da Presidência e do Conselho nacional, os Delegados regionais e diocesanos, os Directores de algumas casas de exercícios espirituais e o grupo de animadores de exercícios para os jovens. Para o tema da vossa Assembleia: "Para uma espiritualidade cristã autenticamente eucarística", inspirastes-vos no meu convite dirigido a todos os Pastores da Igreja na conclusão da Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis (cf. n. 94), que estava no centro dos diversos relatórios e dos grupos de estudo. Esta opção temática manifesta quanto vos está a peito acolher, em espírito de fé, o Magistério do Papa, para o integrar nas iniciativas de estudo e para o traduzir correctamente na prática pastoral. Por esta mesma razão, nos vossos trabalhos tivestes presente as duas Cartas Encíclicas Deus caritas est e Spe salvi.

O Estatuto da FIES afirma claramente que ela tem como finalidade "fazer conhecer e promover de todos os modos possíveis, e no respeito pela normativa canónica, os exercícios espirituais, entendidos como uma experiência forte de Deus, num clima de escuta da Palavra de Deus em ordem a uma conversão e doação cada vez mais totais a Cristo e à Igreja" (art. 2). Por isso, "reúne com livre adesão aqueles que, na Itália, se ocupam de exercícios espirituais no contexto da pastoral dos tempos do Espírito" (Ibidem). Por conseguinte, a vossa Federação tenciona incrementar a espiritualidade como fundamento e alma de toda a pastoral. Ela nasceu e cresceu, valorizando as exortações sobre a necessidade da oração e sobre o primado da vida espiritual, insistentemente oferecidas pelos meus venerados Predecessores, os Servos de Deus Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. Seguindo os seus passos também eu, na Carta Encíclica Deus caritas est, quis "reafirmar a importância da oração, face ao activismo e ao secularismo que ameaça muitos cristãos empenhados no trabalho caritativo" (n. 37), e na Spe salvi incluí a oração em primeiro lugar entre "os "lugares" de aprendizagem e de exercício da esperança" (nn. 32-34). Com efeito, a insistência sobre a necessidade da oração é sempre actual e urgente.

Na Itália, na medida em que crescem e se difundem providencialmente numerosas iniciativas de espiritualidade, sobretudo entre os jovens, parece contudo diminuir o número daqueles que participam em verdadeiros cursos de exercícios espirituais, e isto parece verificar-se também entre os sacerdotes e os membros dos Institutos de vida consagrada. Portanto, vale a pena recordar que os "Exercícios" constituem uma experiência do espírito com características próprias e específicas, bem resumidas numa vossa definição, que me apraz evocar: "Uma experiência forte de Deus, suscitada pela escuta da sua Palavra, compreendida e escutada na própria vivência pessoal, sob a acção do Espírito Santo que, num clima de silêncio, de oração e com a mediação de um guia espiritual, incute a capacidade de discernimento em vista da purificação do coração, da conversão da vida e do seguimento de Cristo, para o cumprimento da própria missão na Igreja e no mundo". Ao lado de outras formas louváveis de retiro espiritual, é bom que não diminua a participação nos exercícios espirituais, caracterizados por aquele clima de silêncio completo e profundo que favorece o encontro pessoal e comunitário com Deus e a contemplação do rosto de Cristo. Nunca se insistirá suficientemente sobre esta exigência, que os meus Predecessores e eu mesmo pudemos evocar reiteradas vezes.

Numa época em que é cada vez mais vigorosa a influência da secularização e, por outro lado, se sente uma difundida necessidade de encontrar Deus, que não diminua a possibilidade de oferecer espaços de escuta intensa da sua Palavra no silêncio e na oração. Lugares privilegiados para esta experiência espiritual são, especialmente, as casas de exercícios espirituais que, com esta finalidade, devem ser sustentadas materialmente e dotadas de pessoal adequado. Encorajo os Pastores das várias comunidades a preocuparem-se a fim de que não faltem nas casas de exercícios, responsáveis e agentes bem formados, guias, animadores e animadoras disponíveis e preparados, dotados daquelas qualidades doutrinais e espirituais que os transformem em verdadeiros mestres de espírito, especialistas e apaixonados pela Palavra de Deus e fiéis ao Magistério da Igreja. Um bom curso de exercícios espirituais contribui para renovar nas pessoas que neles participam, a alegria e o gosto pela liturgia, de modo particular da digna celebração das Horas e sobretudo da Eucaristia; ajuda a redescobrir a importância do Sacramento da Penitência, ponto de chegada do caminho de conversão e dom de reconciliação, assim como o valor e o significado da Adoração eucarística. Durante os exercícios é possível recuperar fecundamente também o sentido pleno e autêntico do santo Rosário e da prática piedosa da Via-Sacra.

617 Prezados irmãos e irmãs, agradeço-vos o serviço precioso que prestais à Igreja e o compromisso que assumis a fim de que na Itália a "rede" dos exercícios espirituais seja cada vez mais difundida e qualificada. Quanto a mim, asseguro uma lembrança ao Senhor enquanto, invocando a intercessão de Maria Santíssima, concedo a todos vós, bem como aos vossos colaboradores, a Bênção Apostólica.




NO FINAL DA PREGAÇÃO ANUAL DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS Capela Redemptor Mater

Sábado, 16 de Fevereiro de 2008


Caros irmãos

Eminência, no final destes dias de Exercícios Espirituais, gostaria de lhe agradecer do íntimo do coração a sua guia espiritual, oferecida com tanta competência teológica e com tanta profundidade espiritual. Do meu ângulo visual, tive sempre à frente dos olhos a imagem de Jesus ajoelhado diante de São Pedro para lhe lavar os pés. Esta imagem falou-me através das suas meditações. Observei que é precisamente aqui, neste comportamento, neste gesto de extrema humildade, que se realiza o sacerdócio de Jesus. E realiza-se exactamente no acto de solidariedade em relação a nós, às nossas debilidades, ao nosso sofrimento e às nossas provas, até à morte. Assim, vi com olhos novos as vestes vermelhas de Jesus, que nos falam do seu sangue. Vossa Eminência ensinou-nos como o sangue de Jesus, em virtude da sua oração, era "oxigenado" pelo Espírito Santo. E assim tornou-se-nos força de ressurreição e fonte de vida.

No entanto, não podia deixar de meditar também sobre a figura de São Pedro com o dedo na fronte. É o momento em que ele pede ao Senhor que lhe lave não somente os pés, mas também a cabeça e as mãos. Parece-me que expressa para além daquele momento a dificuldade de São Pedro e de todos os discípulos do Senhor, de compreender a surpreendente novidade do sacerdócio de Jesus, deste sacerdócio que é precisamente humilhação e solidariedade para connosco, abrindo-nos deste modo o acesso ao verdadeiro santuário, ao corpo ressuscitado de Jesus.

Durante todo o tempo do seu discipulado e parece-me até à sua própria crucifixão, São Pedro teve que ouvir sempre de novo Jesus, para entrar mais profundamente no mistério do seu sacerdócio, do sacerdócio de Cristo comunicado aos apóstolos e aos seus sucessores.

Neste sentido, a figura de Pedro parece-me a figura de todos nós nestes dias. Vossa Eminência ajudou-nos a ouvir a voz do Senhor e, assim, a aprender de novo o que é o seu e o nosso sacerdócio. Ajudou-nos a entrar na participação no sacerdócio de Cristo e, deste modo, inclusivamente a receber o novo coração, o Coração de Jesus, como âmago do mistério da nova Aliança.

Eminência, obrigado por tudo isto. As suas palavras e as suas meditações acompanhar-nos-ão neste tempo de Quaresma no nosso caminho rumo à Páscoa do Senhor. Estimados irmãos, neste sentido desejo a todos vós uma boa Quaresma, fecunda sob o ponto de vista espiritual, a fim de podermos chegar realmente na Páscoa a uma participação cada vez mais profunda no sacerdócio do nosso Senhor.




AO CONSELHO EXECUTIVO DAS UNIÕES INTERNACIONAIS DOS SUPERIORES E DAS SUPERIORAS-GERAIS Sala do Consistório do Palácio Apostólico

Segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2008


618 Estimados irmãos e irmãs

Na conclusão desta manhã de reflexão coral acerca de determinados aspectos particularmente actuais e importantes relativos à vida consagrada neste nosso tempo, gostaria em primeiro lugar de dar graças ao Senhor que nos ofereceu a possibilidade deste encontro muito profícuo para todos. Pudemos analisar juntos a possibilidade e as expectativas, as esperanças e as dificuldades que encontram hoje os Institutos de vida consagrada. Ouvi com grande atenção e interesse os vossos testemunhos, as vossas experiências e tomei nota das vossas perguntas. Todos nós sentimos que na sociedade moderna se torna cada vez mais difícil anunciar e testemunhar o Evangelho. Se isto é válido para todos os baptizados, é com maior razão verdade para as pessoas que Jesus chama ao seu seguimento de modo mais radical através da consagração religiosa. Com efeito, o processo de secularização que aumenta na cultura contemporânea, infelizmente não poupa sequer as comunidades religiosas.

Todavia, não podemos deixar-nos tomar pelo desânimo se hoje, como foi oportunamente recordado, não poucas nuvens pairam no horizonte da vida religiosa, uma vez que estão a sobressair e aliás estão em crescimento constante, sinais de um despertar providencial, que suscita motivos de esperança consoladora. O Espírito Santo sopra poderosamente em toda a parte na Igreja, suscitando um novo compromisso de fidelidade nos Institutos históricos e juntamente com novas formas de consagração religiosa, em sintonia com as exigências dos tempos. Hoje, como em todas as épocas, não faltam almas dispostas a abandonar todos e tudo para abraçar Cristo e o seu Evangelho, consagrando ao seu serviço a própria existência no seio de comunidades assinaladas pelo entusiasmo, generosidade e alegria. Aquilo que distingue estas novas experiências de vida consagrada e o desejo comum, compartilhado com uma adesão imediata, de pobreza evangélica praticada de modo radical, de amor fiel à Igreja, de dedicação generosa ao próximo em necessidade, com especial atenção por aquelas formas de pobreza espiritual que caracterizam de maneira acentuada a época contemporânea.

Várias vezes também eu, como já os meus venerados Predecessores, desejei reiterar que os homens de hoje sentem um forte apelo religioso e espiritual, mas só estão prontos para ouvir e seguir quem testemunha com coerência a sua adesão a Cristo. É interessante observar que são ricos de vocações precisamente aqueles Institutos que conservaram ou escolheram um teor de vida, muitas vezes bastante austero, e de qualquer modo fiel ao Evangelho vivido "sine glossa". Penso nas numerosas comunidades fiéis e nas novas experiências de vida consagrada que vós conheceis muito bem; penso no trabalho missionário de muitos grupos e movimentos eclesiais dos quais brotaram não poucas vocações sacerdotais e religiosas; penso nas jovens e nos jovens que abandonam tudo para entrar em mosteiros e em conventos de clausura. É verdade podemos dizê-lo com alegria também hoje o Senhor continua a enviar trabalhadores para a sua vinha e a enriquecer o seu povo com numerosas e santas vocações. Damos-lhe graças por isto e pedimos-lhes para que ao entusiasmo das escolhas iniciais com efeito, muitos jovens empreendem o caminho da perfeição evangélica e entram em novas formas de vida consagrada, a seguir a conversões comovedoras se siga o compromisso da perseverança num autêntico caminho de perfeição ascética e espiritual, num caminho de verdadeira santidade.

No que diz respeito às Ordens e às Congregações com uma longa tradição na Igreja, não se pode deixar de observar, como vós mesmos sublinhastes, que nas últimas décadas atravessaram quase todos tanto os masculinos como os femininos uma difícil crise devida ao envelhecimento dos seus membros, a uma diminuição mais acentuada das vocações e por vezes também a um "cansaço" espiritual e carismático. Em determinados casos, esta crise tornou-se até preocupante. Porém, ao lado de situações difíceis, que é bom analisar com coragem e verdade, todavia devem salientar-se sinais de retomada positiva, especialmente nos casos em que as comunidades decidiram voltar às origens, para viver mais em conformidade com o espírito do Fundador. Em quase todos os recentes Capítulos gerais dos Institutos religiosos, o tema recorrente tem sido precisamente a redescoberta do carisma constituinte, a encarnar e a pôr em prática de maneira renovada no tempo presente. Voltar a descobrir o espírito das origens, aprofundar o conhecimento do Fundador ou da Fundadora, ajudou a imprimir nos Institutos um promissor e novo impulso ascético, apostólico e missionário. Existem obras e actividades seculares que, assim, foram revitalizadoras de uma nova linfa; há renovadas iniciativas de autêntica actuação do carisma dos Fundadores. É necessário continuar a percorrer este caminho, pedindo ao Senhor que complete totalmente a obra por Ele mesmo encetada.

Entrando no terceiro milénio, o meu venerado predecessor, o Servo de Deus João Paulo II convidou toda a comunidade eclesial a "recomeçar a partir de Cristo" (Carta Apostólica Novo millennio ineunte
NM 29 e ss.). Sim! Também os Institutos de vida consagrada, se quiserem manter ou encontrar a sua vitalidade e eficácia apostólica, devem continuamente "recomeçar a partir de Cristo". Ele é a rocha sólida sobre a qual deveis construir as vossas comunidades e todos os vossos projectos de renovação comunitária e apostólica. Queridos irmãos e irmãs, obrigado de coração pela atenção que prestais ao cumprimento do vosso delicado serviço de orientação das vossas famílias religiosas. O Papa está ao vosso lado, encoraja-vos e assegura para cada uma das vossas comunidades uma recordação quotidiana na oração. Terminando este nosso encontro, gostaria de saudar mais uma vez com afecto o Cardeal Secretário de Estado e o Cardeal Franc Rodé, assim como cada um de vós. Peço-vos, outrossim, que transmitais a minha saudação a todos os vossos irmãos e irmãs de hábito, enquanto dirijo um pensamento especial aos mais idosos, que serviram durante um longo período os vossos respectivos Institutos; aos enfermos, que contribuem para a obra da redenção com os seus sofrimentos pessoais; aos jovens, que constituem a esperança das vossas diversas Famílias religiosas e da Igreja. Confio-vos todos à salvaguarda maternal de Maria, modelo excelso de vida consagrada, enquanto vos abençoo de todo o coração.




AO SENHOR VLADETA JANKOVIC NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DA SÉRVIA Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2008

Excelência

Apraz-me acolhê-lo no início da sua missão, e aceitar as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Sérvia junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as suas amáveis palavras e as felicitações que trouxe do Presidente Boris Tadic. Por favor aufira-lhe as minhas respeitosas congratulações por ocasião da sua recente reeleição, e assegure-o das minhas preces por todo o povo da sua nação.

A Santa Sé dá muito valor às relações diplomáticas que mantém com a Sérvia, e por isso espera oferecer encorajamento aos contínuos esforços de construção de um futuro de paz, prosperidade, reconciliação e coexistência pacífica em toda a região, à medida que a Sérvia e os seus países vizinhos procuram ocupar o lugar que lhes é próprio no seio da Europa. Poucos foram os países no continente Europeu que escaparam à devastação da guerra no último século, e todos podem aprender das lições do passado recente. À medida que Vossa Excelência trabalha no sentido de um futuro mais seguro, é vital lembrar-se que a identidade e a rica tradição cultural da sua nação, bem como de todas as nações europeias, está profundamente enraizada no legado da fé cristã e no Evangelho do amor. "Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor" (Deus caritas est ). Os seguidores de Cristo são chamados a oferecer esse serviço de amor a todos os seus irmãos e irmãs sem distinção: só deste modo se podem finalmente apaziguar as duradouras tensões.

Dá-se então que, se escolhermos viver pelos valores fornecidos pelas nossas raízes cristãs, descobrimos a coragem para perdoar e aceitar o perdão, reconciliarmo-nos com o próximo e construir juntos uma civilização de amor na qual todos sejam aceites e respeitados. Sei quão profundamente o povo sérvio sofreu no decorrer dos recentes conflitos, e desejo exprimir a minha profunda preocupação por ele e pelas outras nações dos Bálcãs que foram atingidas pelos tristes acontecimentos da última década. A Santa Sé compartilha os vossos desejos sinceros de que a paz conseguida seja portadora de estabilidade duradoura na região. Em particular, no que diz respeito à presente crise no Kosovo, exorto todas as partes interessadas a agir com prudência e moderação, e a procurar soluções que favoreçam o respeito mútuo e a reconciliação.


Discursos Bento XVI 614