Discursos Bento XVI 50408

À ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA Sala Clementina Sábado, 5 de Abril de 2008

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

640 Sinto-me feliz por me encontrar convosco no final da XVIII Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Família, que teve como tema: "Os avós: o seu testemunho e presença na família". Agradeço-vos por terdes aceite a minha proposta de Valência, onde disse: "Nunca, por razão alguma, os avós sejam excluídos do âmbito familiar. Eles são um tesouro que não podemos extirpar às novas gerações, sobretudo quando dão testemunho de fé". Saúdo em particular o Cardeal Ricardo Vidal, Arcebispo de Cebu, membro da Comissão de Presidência, que se fez intérprete dos sentimentos de todos vós, e dirijo um afectuoso pensamento ao querido Cardeal Alfonso López Trujillo, que há 18 anos guia o Pontifício Conselho com paixão e competência. Sentimos a sua falta entre nós. Dirigimos-lhe os nossos bons votos de imediato restabelecimento e a nossa oração.

O tema que enfrentastes é muito conhecido por todos. Quem não recorda os próprios avós? Quem pode esquecer a sua presença e o seu testemunho no lar? Quantos entre nós têm o seu nome como continuidade e reconhecimento! É costume nas famílias, depois do seu falecimento, recordar o aniversário com a celebração da Missa em sufrágio e, se possível, com uma visita ao cemitério. Estes e outros gestos de amor e de fé são a manifestação da nossa gratidão em relação a eles. Eles dedicaram-se a nós, sacrificaram-se, em certos casos também se imolaram.

A Igreja sempre teve em relação aos avós uma atenção particular, reconhecendo-lhes uma grande riqueza sob o perfil humano e social, assim como sob o religioso e espiritual. Os meus venerados Predecessores Paulo VI e João Paulo II do segundo celebrámos há pouco o terceiro aniversário da morte intervieram várias vezes ressaltando a consideração que a comunidade eclesial tem pelos idosos, pela sua dedicação e espiritualidade. Em particular, João Paulo II, durante o Jubileu do Ano 2000, convocou em Setembro na Praça de São Pedro o mundo da "terceira idade" e naquela ocasião disse: "Apesar dos limites que vêm com a idade, conservo o gosto da vida. Disto agradeço ao Senhor. É belo poder-se dedicar até ao fim à causa do Reino de Deus". São palavras contidas na mensagem que há cerca de um ano antes, em Outubro de 1999, ele dirigiu aos idosos e que conserva intacta a sua actualidade humana, social e cultural.

A vossa Assembleia Plenária enfrentou o tema da presença dos avós na família, na Igreja e na sociedade, com um olhar capaz de compreender o passado, o presente e o futuro. Analisemos brevemente estes três momentos. No passado os avós desempenhavam um papel importante na vida e no crescimento da família. Mesmo quando a idade avançava, eles continuavam a estar presentes com os seus filhos, com os netos e às vezes com os bisnetos, dando um testemunho vivo de solicitude, de sacrifício e de um doar-se quotidiano abnegado. Eram testemunhas de uma história pessoal e comunitária que continuava a viver nas suas recordações e na sua sabedoria. Hoje, a evolução económica e social causou profundas transformações na vida das famílias. Os idosos, entre os quais muitos avós, encontraram-se numa espécie de "área de estacionamento": alguns apercebem-se que são um peso para a família e preferem viver sozinhos ou em casas de repouso, com todas as consequências que estas opções causam.

Em várias partes parece infelizmente que a "cultura da morte" aumenta, a qual insidia também o estádio da terceira idade. Com sempre maior insistência chega-se até a propor a eutanásia como solução para resolver determinadas situações difíceis. A velhice, com os seus problemas relacionados também com os novos contextos familiares e sociais devido ao moderno progresso, deve ser avaliada com atenção e sempre à luz da verdade sobre o homem, sobre a família e sobre a comunidade. É preciso reagir sempre com vigor ao que desumaniza a sociedade. As comunidades paroquiais e diocesanas são fortemente interpeladas por estas problemáticas e procuram ir ao encontro das exigências modernas dos idosos. Há associações e movimentos eclesiais que abraçaram esta causa importante e urgente. É necessário unir-se para vencer juntos qualquer forma de marginalização, porque arrasados pela mentalidade individualista não são apenas eles os avôs, as avós, os idosos mas todos. Se os avós, como tantos dizem com frequência, constituem um recurso precioso, é preciso fazer opções coerentes que permitam valorizá-los o melhor possível.

Que os avós voltem a ser presença viva na família, na Igreja e na sociedade. No que diz respeito à família, os avós continuem a ser testemunhas de unidade, de valores fundantes sobre a fidelidade a um único amor que gera a fé e a alegria de viver. Os chamados novos modelos de família e o relativismo alastrador enfraqueceram estes valores fundamentais do núcleo familiar. Os males da nossa sociedade como justamente observastes durante os vossos trabalhos precisam urgentemente de remédios. Face à crise da família não se poderia talvez recomeçar precisamente da presença e do testemunho daqueles os avós que têm maior consistência de valores e de projectos? De facto, não se pode projectar o futuro sem se basear num passado rico de experiências significativas e de pontos de referência espirituais e morais. Pensando nos avós, no seu testemunho de amor e de fidelidade à vida, vêm em mente as figuras bíblicas de Abraão e Sara, de Isabel e Zacarias, de Joaquim e Ana, assim como os idosos Simeão e Ana, ou também Nicodemos: todos eles nos recordam como em cada idade o Senhor pede a cada um o contributo dos próprios talentos.

Dirijamos agora o olhar para o VI Encontro Mundial das Famílias, que se celebrará no México em Janeiro de 2009. Saúdo e agradeço ao Cardeal Norberto Rivera Carrera, Arcebispo de México, aqui presente, tudo o que já realizou nestes meses de preparação juntamente com os seus colaboradores. Todas as famílias cristãs do mundo olham para esta nação "sempre fiel" à Igreja, que abrirá as portas a todas as famílias do mundo. Convido as comunidades eclesiais, especialmente os grupos familiares, os movimentos e as associações de famílias, a prepararem-se espiritualmente para este acontecimento de graça. Venerados e estimados Irmãos, agradeço-vos de novo a vossa visita e o trabalho realizado nestes dias; garanto-vos a minha recordação na oração e concedo de coração a vós e aos vossos entes queridos a Bênção Apostólica.






AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DAS ANTILHAS POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM " Segunda-feira, 7 de Abril de 2008


Caros Irmãos Bispos!

"Pois nós não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós não somos senão vossos servos, por amor de Jesus" (2Co 4,5). Com estas comovedoras palavras de São Paulo cordialmente vos recebo, senhores Bispos das Antilhas. Agradeço ao Arcebispo Burke os amáveis sentimentos expressos em vosso nome, retribuo com afecto e asseguro-vos das minhas preces por vós e por aqueles que estão confiados aos vossos cuidados pastorais. A vossa visita ad Limina Apostolorum é uma ocasião para fortalecer o vosso empenho em aumentar a visibilidade da face de Jesus, dentro da Igreja e da sociedade, através do testemunho constante do Evangelho.
O grande "drama" da Semana Santa e as alegres comemorações litúrgicas do tempo de Páscoa, representam a verdadeira essência da esperança que nos define como Cristãos. Jesus, que nos indica o caminho, mesmo além da morte, é aquele que nos mostra como superar as tribulações e o medo. É ele o verdadeiro mestre de vida (cf. Spe Salvi ). De facto, cheios da luz de Cristo nós também iluminamos a estrada que esconjura o mal, expulsa o ódio, traz-nos a paz e humilha o orgulho terreno (cf.Exsultet).

641 Creio caros irmãos, que a imagem da luz pascal, vos levará avante quando estiverdes empenhados nos vossos consideráveis desafios. Os vossos relatórios articulam com franqueza as luzes e as sombras que pairam nas vossas Dioceses.

Sem dúvida a alma religiosa dos povos na vossa região é capaz de grandes feitos. A generosidade de coração e a mente aberta, atestam um espírito moldado pela verdade e pelo amor de Nosso Senhor. Contudo há ainda muito que procura apagar a mecha que ainda fumega (cf.
Is 42,3). A vários níveis, as vossas costas foram acossadas pelos aspectos negativos da indústria do divertimento, turismo explorativo e pela pestilência das armas e do comércio de drogas; influências essas que não só corrompem a vida familiar e abalam as fundações dos valores culturais tradicionais, mas tendem também para afectar negativamente a política local.

Irmãos, contra este cenário perturbador, erguei-vos como arautos da esperança! Sede testemunhas corajosas da luz de Cristo, a qual orienta e dá sentido às famílias, sede também pregadores audaciosos do poder do Evangelho, que deve permear o seu modo de pensar, modelo de discernimento, e normas de comportamento. Estou confiante que o vosso vivo testemunho do extraordinário "sim" de Deus à humanidade (cf. 2Co 1,20) encorajará os vossos povos a rejeitar as tendências sociais destruidoras e a procurar a "fé na acção", abraçando tudo o que gerou a nova vida de Pentecostes.

A renovação pastoral é uma tarefa indispensável para cada uma das vossas Dioceses. Já existem exemplos onde este desafio foi abraçado com entusiasmo; deve incluir Sacerdotes, Religiosos e crentes leigos. De importância vital é a promoção incansável das Vocações juntamente com o acompanhamento e formação permanente de Sacerdotes. Vós sois os principais formadores dos vossos Sacerdotes e, com o apoio dos leigos, suportais a responsabilidade pelo encorajamento assíduo e prudente das vocações. A vossa solicitude pela formação humana, espiritual, intelectual e pastoral dos vossos Seminaristas e Sacerdotes é uma confortadora expressão do vosso cuidado e preocupação pelo aprofundamento constante do seu empenho pastoral (cf. Pastores dabo vobis PDV 2). Encorajo-vos a apoiar atentamente São João Vianney e o Seminário Ugandês dos Mártires, a supervisionar paternalmente sobretudo os vossos jovens Sacerdotes e a oferecer regularmente programas de formação permanente, necessários à formação da identidade pastoral (cf. ibid., PDV 71). Por outro lado, os vossos Sacerdotes certamente alimentarão as paróquias com crescente maturidade e sabedoria espiritual. O estabelecimento de um seminário francófono na região é um bem-vindo sinal de esperança; peço-vos o favor de entregar ao pessoal de serviço e aos seminaristas o conforto das minhas bênçãos.

A contribuição dos Irmãos Religiosos, Padres e Irmãs para a missão da Igreja e para a construção da sociedade civil tem tido um valor inestimável. Inumeráveis jovens e as suas famílias beneficiaram do empenho altruísta dos Religiosos como guias espirituais, educadores, e nas obras sociais e médicas. De particular beleza e valor é a vida de oração encontrada nas comunidades contemplativas da região. A vossa preocupação pastoral pela diminuição das vocações religiosas, é prova do vosso amor pela vida consagrada. Faço apelo também às vossas comunidades religiosas, encorajando-as a afirmar novamente a sua fé com confiança e, guiadas pelo Espírito Santo, propor de novo aos jovens os ideais de consagração e missão; os tesouros espirituais dos seus respectivos carismas iluminam maravilhosamente os caminhos pelos quais o Senhor chama os jovens para a aventura da vida no amor oferecido a Ele por todos os membros da família humana (cf. Vita Consecrata VC 3).

Queridos Irmãos, cada um de vós sente a grande responsabilidade que lhe compete de fazer o possível para dar apoio ao matrimónio e à vida familiar, fonte primordial de união no interior das comunidades e portanto de uma importância fundamental aos olhos das autoridades civis. Para esta finalidade, a grande rede de escolas católicas em toda a vossa região pode contribuir em grande medida. Os valores que se enraízam no caminho de verdade oferecido por Cristo iluminam o espírito e o coração dos jovens e estimulam-nos a seguir o caminho da fidelidade, da responsabilidade e da verdadeira liberdade. Bons jovens católicos tornam-se bons cidadãos! Tenho a certeza de que será feito o possível para encorajar a especificidade católica das vossas escolas que, ao longo das gerações passadas, prestaram serviços importantes aos vossos povos. Deste modo, não duvido de que os jovens adultos das vossas dioceses saberão discernir que cabe a eles, de modo urgente, contribuir para o desenvolvimento económico e social da região, pois se trata de uma dimensão fundamental do seu testemunho cristão.

Ofereço estas reflexões com afecto fraternal, no sentido de vos ajudar na afirmação do desejo de intensificar as chamadas ao testemunho e evangelização que brotam do encontro com Cristo. Unidos na vossa proclamação das Boas Novas de Jesus Cristo, ide em frente com esperança! Assegurai por favor os vossos Seminaristas e Sacerdotes, Religiosos e fiéis leigos especialmente as numerosas comunidades de imigrantes das minhas preces e comunhão espiritual. A todos vós, concedo com alegria a minha Bênção Apostólica.



MEMÓRIA DOS MÁRTIRES CRISTÃOS DO SÉCULO XX

SAUDAÇÃO NO FINAL DA CELEBRAÇÃO DA PALAVRA Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina Segunda-feira, 7 de Abril de 2008

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No final do encontro de oração em memória da fé das testemunhas dos tempos recentes, dirijo de bom grado uma saudação a todos vós, sobretudo a vós que seguistes a liturgia na praça ou em ligação radiotelevisiva. No vigésimo quinto aniversário da Comunidade, vindo a Santa Maria "in Trastevere" o Servo de Deus João Paulo II confiou à Comunidade de Santo Egídio esta basílica de São Bartolomeu e em 2000 estabeleceu que nela se alimentasse a recordação dos novos mártires.

Queridos amigos da Comunidade de Santo Egídio, vós movestes os primeiros passos precisamente aqui em Roma nos anos difíceis depois de 1968. Filhos desta Igreja que preside na caridade, difundistes depois o vosso carisma em tantas partes do mundo. A Palavra de Deus, o amor pela Igreja, a predilecção pelos pobres, a comunicação do Evangelho foram estrelas que vos guiaram testemunhando, sob céus diversos, a única mensagem de Cristo. Agradeço-vos esta vossa obra apostólica; agradeço-vos a atenção aos últimos e a busca da paz, que distinguem a vossa Comunidade. O exemplo dos mártires, que recordámos, continue a guiar os vossos passos, para que sejais verdadeiros amigos de Deus e autênticos amigos da humanidade. E não temais as dificuldades e os sofrimento que esta acção missionária exige: inserem-se na "lógica" do testemunho corajoso do amor cristão.

Por fim, desejo dirigir a vós e, através de vós, a todas as vossas Comunidades espalhadas pelo mundo os meus votos mais cordiais no quadragésimo aniversário da vossa instituição. Faço a minha saudação extensiva aos doentes, ao pessoal médico, aos religiosos e aos voluntários do anexo Hospital Fatebenefratelli da Ilha Tiberina. A todos e a cada um garanto uma recordação na oração, enquanto, invocando a protecção materna da Virgem Santa, concedo a todos a Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS


COLÓQUIO COM OS JORNALISTAS DURANTE O VOO PARA WASHINGTON Terça-feira, 15 de Abril de 2008

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P. – Santidade, seja bem-vindo! Em nome de todos os colegas aqui presentes, agradeço-lhe a sua disponibilidade tão gentil ao vir saudar-nos e também dar-nos algumas indicações e ideias para acompanhar esta viagem. É a sua segunda viagem intercontinental; a primeira como Santo Padre à América, Estados Unidos e Nações Unidas. Uma viagem importante e muito esperada. Para começar, pode dizer-nos algo sobre os sentimentos, as esperanças com que enfrenta esta viagem e qual é o objectivo fundamental, sob o seu ponto de vista?

R. – A minha viagem tem sobretudo dois objectivos. O primeiro é a visita à Igreja na América, nos Estados Unidos. Há um motivo particular: a diocese de Baltimore, há duzentos anos, foi elevada a arquidiocese e ao mesmo tempo nasceram outras quatro dioceses: Nova Iorque, Filadélfia, Boston, Louisville. É portanto um grande jubileu para este núcleo da Igreja nos Estados Unidos, um momento de reflexão sobre o passado e acima de tudo sobre o futuro, sobre como responder aos grandes desafios do nosso tempo, no presente e em vista do futuro. E naturalmente, fazem também parte desta visita o encontro inter-religioso e o encontro ecuménico, particularmente o encontro na Sinagoga com os nossos amigos judeus, na vigília da sua festa de Páscoa. Portanto, este é o aspecto religioso-pastoral da Igreja nos Estados Unidos neste momento da nossa história, e o encontro com todos os outros nesta fraternidade comum que nos relaciona numa responsabilidade conjunta. Neste momento gostaria também de agradecer ao Presidente Bush que virá ao aeroporto, me dedicará muito tempo para diálogos e me receberá por ocasião do meu genetlíaco. O segundo objectivo, a visita às Nações Unidas. Também aqui há um motivo particular: transcorreram 60 anos depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta é a base antropológica, a filosofia constituinte das Nações Unidas, o fundamento humano e espiritual sobre o qual estão construídas. Portanto, é realmente um momento de reflexão, o momento de retomar consciência desta etapa importante da história. Na Declaração dos Direitos do Homem confluíram diversas tradições culturais, sobretudo uma antropologia que reconhece no homem um sujeito de direito precedente a todas as Instituições, com valores comuns a serem respeitados da parte de todos. Portanto, esta visita, que é realizada num momento de crise de valores, parece-me importante para reconfirmarmos juntos que tudo começou naquele momento e para o recuperar para o nosso futuro.

P. – Passemos agora às perguntas que apresentastes nos dias passados e que alguns de vós farão ao Santo Padre. Comecemos com a pergunta de John Allen, o qual penso que não precisa de ser apresentado, porque é muito conhecido como comentador dos factos vaticanos nos Estados Unidos.

P. – Santo Padre, faço a pergunta em inglês, se me é permitido, e talvez, se for possível, se pudéssemos ouvir uma frase, uma palavra em inglês, ficaríamos muito gratos. A pergunta: a Igreja que encontrará nos Estados Unidos é uma Igreja grande, uma Igreja vivaz, mas também uma Igreja que sofre, num certo sentido, sobretudo por causa da recente crise devida aos abusos sexuais. O povo americano espera uma sua palavra, uma sua mensagem sobre a crise. Qual será a sua mensagem para esta Igreja que sofre?

R. – É um grande sofrimento para a Igreja nos Estados Unidos e para a Igreja em geral, e para mim pessoalmente, o facto de que tudo isto tenha acontecido. Quando leio os relatórios destes acontecimentos, tenho dificuldade de compreender como foi possível que alguns sacerdotes tenham podido falhar deste modo na missão de levar alívio, de levar o amor de Deus a estas crianças. Sinto-me mortificado e faremos o possível para garantir que isto não se repita no futuro. Penso que deveríamos agir a três níveis: o primeiro é o da justiça e o político. Neste momento não desejo falar da homossexualidade: este é outro problema. Excluiremos rigorosamente os pedófilos do ministério sagrado: é absolutamente incompatível e quem é realmente culpado de ser pedófilo não pode ser sacerdote. Eis, a este primeiro nível podemos fazer justiça e ajudar as vítimas, que estão profundamente provadas. E estes são os dois aspectos da justiça: um é que os pedófilos não podem ser sacerdotes e o outro é ajudar as vítimas de todas as formas possíveis. Depois, há o nível pastoral. As vítimas terão necessidade de se curar, de ajuda, assistência e reconciliação. Este é um grande compromisso pastoral e sei que os Bispos e os sacerdotes e todos os católicos nos Estados Unidos farão o possível para ajudar, assistir, curar. Fizemos inspecções nos seminários e faremos o que é possível para que os seminaristas recebam uma profunda formação espiritual, humana e intelectual. Só pessoas sadias poderão ser admitidas ao sacerdócio e só pessoas com uma profunda vida pessoal em Cristo e que tenham também uma profunda vida sacramental. Sei que os Bispos e os reitores dos seminários farão o possível para exercer um discernimento muito, muito severo, pois é mais importante ter bons sacerdotes do que ter muitos. Este é o nosso terceiro ponto, e contamos poder fazer, ter feito e fazer no futuro tudo o que estiver ao nosso alcance para sarar estas feridas.

P. – Obrigado, Santidade. Outro tema sobre o qual tivemos muitas perguntas da parte dos nossos colegas foi o da imigração, da presença na sociedade estadunidense também das componentes de língua espanhola. E por isso, a pergunta é feita pelo nosso colega Andrés Leonardo Beltramo Alvares, da Agência de informações do México.

P. – Santidade, faço a segunda pergunta em italiano e depois, se Vossa Santidade quiser, pode fazer o comentário em espanhol. Uma saudação, apenas uma saudação. Há um grande crescimento da presença hispânica também na Igreja dos Estados Unidos em geral: a comunidade católica torna-se cada vez mais bilíngue e bicultural. Ao mesmo tempo, há na sociedade um crescente movimento antiimigração: a situação dos imigrados caracteriza-se por formas de precariedade e discriminação. Vossa Santidade tenciona falar deste problema e convidar a América a acolher bem os imigrantes, muitos dos quais são católicos?

R. – Não sou capaz de falar espanhol, mas envio a minha saudação e a minha bênção a todos os hispânicos. Certamente falarei deste aspecto. Recebi diversas visitas "ad Limina" dos Bispos da América Central, também da América do Sul, e vi a vastidão deste problema, sobretudo o grave problema da separação das famílias. Isto é deveras perigoso para o tecido social, moral e humano destes Países. Mas é preciso distinguir entre medidas a serem adoptadas imediatamente e soluções a longo prazo. A solução fundamental é que não haja mais necessidade de emigrar, porque na Pátria existem lugares de trabalho e um tecido social suficientes, de modo que ninguém tenha necessidade de emigrar. Portanto, devemos trabalhar todos para este objectivo, para um progresso social que consinta oferecer aos cidadãos trabalho e um futuro na terra de origem. Gostaria de falar também sobre este ponto com o Presidente, porque sobretudo os Estados Unidos devem ajudar os Países para que se possam desenvolver. É no interesse de todos, não só destes Países, mas do mundo e também dos Estados Unidos. Depois, medidas a curto prazo: é muito importante ajudar sobretudo as famílias. À luz dos diálogos que tive com os Bispos, o problema primário é que as famílias sejam protegidas, e não destruídas. Tudo o que pode deve ser feito. Depois, é preciso fazer o possível contra a precariedade e contra todas as violências e ajudar para que possam ter realmente uma vida digna, onde actualmente se encontram. Desejo dizer também que existem tantos problemas e sofrimentos, mas há também tanta hospitalidade! Sei que sobretudo a Conferência Episcopal Americana colabora muitíssimo com as Conferências Episcopais da América Latina em vista das ajudas necessárias. Com todos os aspectos dolorosos, não esqueçamos também tanta verdadeira humanidade, tantas acções positivas que existem.

P. – Obrigado, Santidade. Agora, uma pergunta que se refere à sociedade americana: exactamente ao lugar dos valores religiosos na sociedade americana. Damos a palavra ao nosso colega Andrea Tornielli, que é vaticanista de um jornal italiano.

P. – Santo Padre, ao receber a nova Embaixadora dos Estados Unidos da América, Vossa Santidade ressaltou como valor positivo o reconhecimento público da religião nos Estados Unidos. Queria perguntar-lhe se considera isto um possível modelo também para a Europa secularizada, ou se não pensa que há também o risco de que a religião e o nome de Deus possam ser usados para fazer passar certas políticas e até a guerra.

R. – Certamente, na Europa não podemos simplesmente copiar os Estados Unidos: temos a nossa história. Mas todos devemos aprender um do outro. O que eu considero fascinante nos Estados Unidos é que começaram com um conceito positivo de laicidade, porque este povo novo era composto por comunidades e pessoas que tinham fugido das Igrejas de Estado e queriam ter um Estado laico, secular que abrisse possibilidades a todas as confissões, a todas as formas de prática religiosa. Nasceu assim um Estado propositadamente laico: eram contrários a uma Igreja de Estado. Mas laico devia ser o Estado precisamente por amor à religião na sua autenticidade, que só pode ser vivida livremente. E assim encontramos este conjunto de um Estado propositada e decididamente laico, mas por vontade religiosa, para dar autenticidade à religião. E sabemos que Alexis de Tocqueville, estudando a América, viu que as instituições laicas vivem com um consenso moral de facto que existe entre os cidadãos. Isto parece-me um modelo fundamental e positivo. Deve considerar-se que na Europa, entretanto, transcorreram duzentos anos, mais de duzentos anos, com tantos progressos. Agora também nos Estados Unidos existe o ataque de um novo secularismo, totalmente diverso, e portanto antes os problemas eram a imigração, mas a situação complicou-se e diferenciou-se no decurso da história. Contudo o fundamento, o modelo essencial parece-me hoje digno de ser considerado também na Europa.

P. – Obrigado, Santidade. E então, um último tema diz respeito à sua visita às Nações Unidas, e sobre isto formula-nos uma pergunta John Thavis, que em Roma é o responsável da Agência católica de notícias dos Estados Unidos.

P. – Santo Padre, o Papa é muitas vezes considerado a consciência da humanidade, e também por isso o seu discurso às Nações Unidas é muito esperado. Gostaria de perguntar: Vossa Santidade pensa que uma instituição multilateral como as Nações Unidas pode salvaguardar os princípios considerados "não negociáveis" da Igreja católica, ou seja, os princípios fundados sobre a lei natural?

R. – É precisamente esta a finalidade fundamental das Nações Unidas: que salvaguardem os valores comuns da humanidade, sobre os quais está assente a convivência pacífica das Nações: a observância e o desenvolvimento da justiça. Já mencionei brevemente o facto de que me parece muito importante que o fundamento das Nações Unidas seja exactamente a ideia dos direitos humanos, dos direitos que expressam valores não negociáveis, que precedem todas as instituições e são o fundamento de todas elas. E é importante que haja esta convergência entre as culturas que encontraram um consenso em relação ao facto que estes valores são fundamentais e estão inscritos no próprio ser Homem. Renovar a consciência de que as Nações Unidas, com a sua função pacificadora, só podem trabalhar se tiverem o fundamento coral dos valores que depois se expressam em "direitos" que devem ser observados por todos. Um dos objectivos da minha missão é confirmar este conceito essencial e actualizá-lo no que for possível.

Para concluir, dado que inicialmente o Padre Lombardi me dirigiu uma pergunta também sobre os meus sentimentos, gostaria de dizer: vou aos Estados Unidos realmente com alegria! Precedentemente já estive várias vezes nos Estados Unidos, conheço este grande país, conheço a grande vivacidade da Igreja, não obstante todos os problemas, e estou feliz por poder encontrar-me, neste momento histórico tanto para a Igreja como para as Nações Unidas, com este grande povo e esta grande Igreja. Obrigado a todos!



CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Casa Branca, Washington D.C. Quarta-feira, 16 de Abril de 2008

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Senhor Presidente

Estou-lhe grato pelas amáveis palavras de boas-vindas em nome do povo dos Estados Unidos da América. Aprecio profundamente o seu convite a visitar este grande país. A minha visita coincide com um importante momento na vida da comunidade católica na América: a celebração do bicentenário da elevação da primeira Diocese do país Baltimore a Arquidiocese Metropolitana, e o estabelecimento das Sedes de Nova Iorque, Boston, Filadélfia e Louisville. Além disso, sinto-me feliz por estar aqui como convidado de todos os Americanos. Venho como amigo, como pregador do Evangelho e com grande respeito por esta vasta sociedade pluralista. Os católicos da América deram, e continuam a oferecer, uma excelente contribuição para a vida do seu país. Ao começar a minha visita, estou persuadido de que a minha presença será um manancial de renovação e de esperança para a Igreja nos Estados Unidos, para que revigore a determinação dos católicos a contribuir de modo cada vez mais responsável para a vida desta nação, da qual se sentem cidadãos orgulhosos.

Desde o nascimento da República, a busca de liberdade da América foi orientada pela convicção de que os princípios que governam a vida política e social estão intimamente vinculados a uma ordem moral fundamentada no domínio de Deus Criador. Os autores dos documentos constituintes desta nação basearam-se nesta convicção, quando proclamaram a "verdade auto-evidente" segundo a qual todos os homens são criados iguais e dotados de direitos inalienáveis, assentes nas leis da natureza e no Deus desta natureza. O curso da histórica americana demonstra as dificuldades, as lutas e a grande determinação intelectual e moral que foram necessárias para formar uma sociedade que assumisse fielmente estes nobres princípios. Neste processo, que forjou a alma da nação, os credos religiosos representaram uma inspiração constante e uma força motriz, como por exemplo na luta contra a escravidão e no movimento pelos direitos civis. Também no nosso tempo, particularmente nos momentos de crise, os Americanos continuam a haurir a sua força da fidelidade a este património de ideais e aspirações compartilhadas.

Nos próximos dias, irei encontrar-me com a comunidade católica da América, e também com outras comunidades cristãs e com representantes de muitas tradições religiosas presentes neste país. Historicamente, não só os católicos mas também todos os fiéis encontraram aqui a sua liberdade de adorar a Deus de acordo com os preceitos da própria consciência, e ao mesmo tempo de ser aceites como parte de uma comunidade na qual cada indivíduo e cada grupo pode fazer com que a sua voz seja ouvida. No momento em que a nação está a enfrentar as questões políticas e éticas cada vez mais complexas da nossa época, estou convicto de que o povo norte-americano encontrará nos respectivos credos religiosos uma preciosa fonte de discernimento e a inspiração para promover um diálogo sensato, responsável e respeitoso, no esforço em vista de construir uma sociedade mais humana e livre.

A liberdade não é somente uma dádiva, mas também um convite à responsabilidade pessoal. Os Americanos sabem isto por experiência quase todas as cidades deste país têm monumentos em honra de quantos sacrificaram a própria vida em defesa da liberdade, tanto na pátria como no estrangeiro. A preservação da liberdade exige o cultivo da virtude, da autodisciplina, o sacrifício pelo bem comum e um sentido de responsabilidade em relação às pessoas menos afortunadas. Ela requer inclusivamente a coragem de se comprometer na vida cívica e de expor os credos e os valores mais profundos da pessoa a um debate público sensato. Em síntese, a liberdade é sempre nova. Ela constitui um desafio que se apresenta a todas as gerações e deve ser sempre conquistada para a causa do bem (cf. Spe salvi ). Poucas pessoas compreenderam isto de modo tão claro como o saudoso Papa João Paulo II. Ao reflectir acerca da vitória espiritual da liberdade sobre o totalitarismo na sua Polónia natal e na Europa do Leste, ele recordava-nos que a história demonstra, sempre de novo, que "num mundo sem verdade, a liberdade perde o seu fundamento" e que a democracia desprovida de valores pode perder a própria alma (cf. Centesimus annus
CA 46). Num certo sentido, essas palavras proféticas fazem eco à convicção do Presidente Washington, expressas no seu Discurso de despedida, segundo a qual a moral representa o "alicerca indispensável" para a prosperidade política.

Por sua vez, a Igreja deseja contribuir para a edificação de um mundo cada vez mais digno da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27). Ela está convencida de que a fé lança nova luz sobre todas as realidades, e que o Evangelho revela a vocação nobre e o destino sublime de cada homem e de cada mulher (cf. Gaudium et spes GS 10). A fé oferece-nos também a força de responder à nossa excelsa vocação e a esperança que nos inspira a trabalhar por uma sociedade cada vez mais justa e fraterna. A democracia só poderá florescer, como os vossos pais fundadores compreenderam, se os líderes políticos e as pessoas por eles representadas forem orientados pela verdade e recorrerem à sabedoria derivada de um princípio moral firme nas decisões relativas à vida e ao futuro da nação.

Há mais de um século, os Estados Unidos da América desempenharam um papel importante na comunidade internacional. Na sexta-feira, se Deus quiser, terei a honra de me dirigir à Organização das Nações Unidas, onde espero encorajar os esforços que estão a ser envidados para dar a esta instituição uma voz cada vez mais eficaz para as legítimas aspirações de todos os povos do mundo. Nisto, no sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a necessidade de uma solidariedade global é mais urgente do que nunca, se quisermos que todas as pessoas vivam de uma maneira correspondente à sua dignidade como irmãos e irmãs que habitam a mesma casa e se sentam à volta daquela mesa que a generosidade de Deus destinou a todos os seus filhos. Tradicionalmente, a América enfrenta com generosidade as necessidades humanas imediatas, promovendo o desenvolvimento e oferecendo alívio às vítimas das catástrofes naturais. Estou persuadido de que esta solicitude pela família humana mais vasta há-de continuar a encontrar expressão na assistência aos esforços pacientes feitos pela diplomacia internacional, em vista de resolver conflitos e promover o progresso. Desta forma, as gerações vindouras poderão viver num mundo em que a verdade, a liberdade e a justiça consigam florescer um mundo onde a dignidade e os direitos concedidos por Deus a cada homem, mulher e criança sejam valorizados, protegidos e eficazmente promovidos.

Senhor Presidente, queridos amigos, no momento em que dou início à minha visita aos Estados Unidos, expresso mais uma vez a minha gratidão pelo vosso convite, a minha alegria por estar no meio de vós e as minhas ardentes orações a fim de que Deus Todo-Poderoso confirme esta nação e o seu povo nos caminhos da justiça, da prosperidade e da paz.

Deus abençoe a América!




Discursos Bento XVI 50408