Discursos Bento XVI 678

AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL DO XL ANIVERSÁRIO DA ENCÍCLICA "HUMANAE VITAE" Sala Clementina

Sábado, 10 de Maio de 2008


679 Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

É com particular satisfação que vos recebo no final do trabalho, que vos empenhou a reflectir sobre um problema antigo e sempre novo como a responsabilidade e o respeito pelo surgir da vida humana. Saúdo de modo particular D. Rino Fisichella, que promoveu este Congresso internacional e agradeço-lhe as expressões de saudação que quis dirigir-me. A minha saudação abraça também os ilustres Relatores, Professores e todos os participantes, que com a sua contribuição enriqueceram estas jornadas de trabalho intenso. A vossa contribuição insere-se eficazmente no âmbito da mais vasta produção que, ao longo dos decénios, foi crescendo sobre este tema tão controverso e, contudo, tão decisivo para o futuro da humanidade.

Já o Concílio Vaticano II, na Constituição Gaudium et spes, se dirigia aos homens de ciência solicitando-os a unir os esforços para alcançar uma unidade do saber e uma certeza consolidada sobre as condições que podem favorecer uma "honesta regulação da procriação humana" (
GS 52). O meu Predecessor de venerada memória, o Servo de Deus Paulo VI, a 25 de Julho de 1968, publicou a Carta encíclica Humanae vitae. Aquele momento tornou-se depressa sinal de contradição. Elaborado à luz de uma difícil decisão, ele constitui um significativo gesto de coragem ao reafirmar a continuidade da doutrina e da tradição da Igreja. Aquele texto, muitas vezes mal compreendido e equivocado, muito fez discutir também porque se situava no alvorecer de uma profunda contestação que marcou a vida de gerações inteiras. Quarenta anos depois da sua publicação aquele ensinamento não só manifesta a sua verdade inalterada, mas revela também a clarividência com a qual o problema é tratado. De facto, o amor conjugal é descrito no âmbito de um processo global que não termina na divisão entre alma e corpo nem subjaz unicamente ao sentimento, muitas vezes fugaz e precário, mas se ocupa da unidade da pessoa e da partilha total dos esposos que no acolhimento recíproco se oferecem a si mesmos numa promessa de amor fiel e exclusivo que brota de uma opção genuína de liberdade. Como poderia permanecer fechado ao dom da vida um amor como este? A vida é sempre um dom inestimável; todas as vezes que se assiste ao seu surgir percebemos o poder da acção criadora de Deus que nos confia o homem e deste modo o chama a construir o futuro com a força da esperança.

O Magistério da Igreja não pode exonerar-se de reflectir de modo sempre novo e aprofundado sobre os princípios fundamentais que dizem respeito ao matrimónio e à procriação. O que era verdade ontem, permanece verdadeiro também hoje. A verdade expressa na Humanae vitae não muda; aliás, precisamente à luz das novas descobertas científicas, o seu ensinamento torna-se mais actual e estimula a reflectir sobre o valor intrínseco que possui. A palavra-chave para entrar com coerência nos seus conteúdos permanece a do amor. Como escrevi na minha primeira Encíclica Deus caritas est: "O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade... Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma" (n. 5). Tirada esta unidade perde-se o valor da pessoa e cai-se no perigo grave de considerar o corpo como um objecto que se pode comprar e vender (cf. ibid.). Numa cultura submetida ao ter em vez do ser, a vida humana arrisca perder o seu valor. Se a prática da sexualidade se transforma numa droga que pretende subjugar o partner aos próprios desejos e interesses, sem respeitar os tempos da pessoa amada, então o que se deve defender já não é só o verdadeiro conceito do amor, mas em primeiro lugar a dignidade da própria pessoa. Como crentes nunca poderíamos permitir que o domínio da técnica possa invalidar a qualidade do amor e a sacralidade da vida.

Não por acaso Jesus, falando do amor humano, evoca quanto Deus realizou no início da criação (cf. Mt 19,4-6). O seu ensinamento remete para um acto gratuito com o qual o Criador pretendeu não só expressar a riqueza do seu amor, que se abre doando-se a todos, mas quis também imprimir um paradigma sobre o qual o agir da humanidade se deve declinar. Na fecundidade do amor conjugal o homem e a mulher participam no acto criativo do Pai e tornam evidente que na origem da sua vida esponsal existe um "sim" genuíno que é pronunciado e realmente vivido na reciprocidade, permanecendo sempre aberto à vida. Esta palavra do Senhor permanece invariável com a sua verdade profunda e não pode ser cancelada pelas diversas teorias que no decorrer dos anos se sucederam e por vezes até se contradisseram entre si. A lei natural, que está na base do reconhecimento da verdadeira igualdade entre as pessoas e os povos, merece ser reconhecida como a fonte na qual inspirar também a relação entre os esposos na sua responsabilidade ao gerar novos filhos. A transmissão da vida está inscrita na natureza e as suas leis permanecem como norma não escrita à qual todos se devem referir. Qualquer tentativa de distrair o olhar deste princípio permanece ele mesmo estéril e não produz futuro.

É urgente que descubramos de novo uma aliança que sempre foi fecunda, quando foi respeitada; ele vê em primeiro plano a razão e o amor. Um mestre agudo como Guilherme de Saint Thierry podia escrever palavras que sentimos profundamente válidas também no nosso tempo: "Se a razão instrui o amor e o amor ilumina a razão, se a razão se converte em amor e o amor consente permanecer entre os confins da razão, então eles podem fazer algo grandioso" (Natureza e grandeza do amor, 21, 8). O que é este "algo grandioso" ao qual podemos assistir? É o surgir das responsabilidades pela vida, que torna fecundo o dom que cada um faz de si ao outro. É fruto de um amor que sabe pensar e escolher em plena liberdade, sem se deixar condicionar além da medida do eventual sacrifício exigido. Daqui surge o milagre da vida que os pais experimentam em si mesmos, verificando como algo de extraordinário o que se realiza neles e através deles. Nenhuma técnica mecânica pode substituir o acto de amor que dois esposos se dão reciprocamente como sinal de um mistério maior que os vê protagonistas e co-participantes da criação.

Assiste-se com sempre maior frequência, infelizmente, a tristes acontecimentos que envolvem adolescentes, cujas reacções manifestam um conhecimento não correcto do mistério e das arriscadas implicações dos seus gestos. A urgência formativa, à qual com frequência me refiro, vê no tema da vida um seu conteúdo privilegiado. Desejo verdadeiramente que sobretudo aos jovens seja dedicada uma atenção totalmente peculiar, para que possam aprender o verdadeiro sentido do amor e se preparem para isto com uma adequada educação para a sexualidade, sem se deixarem distrair por mensagens efémeras que impeçam alcançar a essência da verdade em questão. Fornecer falsas ilusões no âmbito do amor ou enganar sobre as responsabilidades genuínas que se está chamado a assumir com a prática da própria sexualidade não honra uma sociedade que se baseia nos princípios de liberdade e de democracia. A liberdade deve conjugar-se com a verdade e a responsabilidade com a força da dedicação do outro até com o sacrifício; sem estes componentes a comunidade dos homens não cresce e o risco de se fecharem num círculo de egoísmo asfixiante está sempre à espreita.

O ensinamento expresso na Encíclica Humanae vitae não é fácil. Contudo, ele está em conformidade com a estrutura fundamental mediante a qual a vida sempre foi transmitida desde a criação do mundo, no respeito da natureza e em conformidade com as suas exigências. A consideração pela vida humana e a salvaguarda da dignidade da pessoa impõem-nos que tentemos tudo para que a todos possa ser comunicada a verdade genuína do amor conjugal responsável na plena adesão à lei no coração de cada pessoa. Com estes sentimentos concedo a todos vós a Bênção Apostólica.




AO SENHOR MORDECHAY LEWY NOVO EMBAIXADOR DO ESTADO DE ISRAEL JUNTO DA SANTA SÉ Segunda-feira, 12 de Maio de 2008

Excelência

680 É-me grato dar-lhe as boas-vindas no início da sua missão e aceitar as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Estado de Israel junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as suas amáveis palavras e peço-lhe que transmita ao Presidente Shimon Peres as minhas respeitosas saudações e a certeza das minhas preces pelo povo do seu país.

Uma vez mais, formulo cordiais bons votos por ocasião da celebração dos sessenta anos de Israel como Estado. A Santa Sé une-se a Vossa Excelência em acção de graças ao Senhor porque se realizaram as aspirações do povo judeu por uma casa na terra dos seus pais, e espera que chegue depressa um período de alegria ainda maior, quando uma paz justa finalmente resolver o conflito com os Palestinos. De modo particular, a Santa Sé valoriza as suas relações diplomáticas com Israel, estabelecidas há quinze anos, e deseja ansiosamente desenvolver o respeito, a estima e a colaboração crescentes que já nos unem.

Entre o Estado de Israel e a Santa Sé existem numerosas áreas de interesse mútuo que podem ser proveitosamente exploradas. Como Vossa Excelência indicou, a herança judaico-cristã deveria inspirar-nos a tomar a iniciativa de promover numerosas formas de acção social e humanitária no mundo inteiro, sobretudo combatendo todas as formas de discriminação racial. Compartilho o entusiasmo de Vossa Excelência pelos intercâmbios culturais e académicos que estão a ter lugar entre as instituições católicas no mundo e as instituições na Terra Santa, e também faço votos a fim de que tais iniciativas se desenvolvam ulteriormente nos anos vindouros. O diálogo fraterno que é fomentado a nível internacional entre cristãos e judeus está a dar muito fruto e tem necessidade de ser continuado com compromisso e generosidade. As santas cidades de Roma e de Jerusalém representam um manancial de fé e de sabedoria de importância fulcral para a civilização ocidental e, por conseguinte, os vínculos existentes entre Israel e a Santa Sé têm uma maior ressonância em relação àqueles que derivam formalmente da dimensão jurídica das nossas relações.

Excelência, sei que o Senhor Embaixador compartilha a minha solicitude pelo alarmante declínio da população cristã no Médio Oriente, inclusivamente em Israel, através da emigração. Naturalmente, os cristãos não são os únicos a padecer os efeitos da insegurança e da violência, resultado dos vários conflitos nessa região, mas sob vários pontos de vista no momento presente eles são particularmente vulneráveis. Rezo a fim de que, como consequência da crescente amizade entre Israel e a Santa Sé, se encontrem modos de encorajar os membros da comunidade cristã, para que assim eles possa experimentar a paz de um futuro seguro e pacífico nas suas antigas pátrias, sem se sentirem impelidos a emigrar para outras regiões do mundo em vista de construir uma nova vida.

Desde há muito tempo, os cristãos na Terra Santa têm mantido boas relações quer com os muçulmanos quer com os judeus. A sua presença no país de Vossa Excelência e o livre exercício da vida e da missão da Igreja contêm em si a potencialidade de contribuir de maneira significativa para curar as divisões entre as duas comunidades. Rezo para que isto se realize, enquanto convido o seu governo a continuar a encontrar formas de recorrer à boa vontade dos cristãos, quer em relação aos descendentes naturais do povo que foi o primeiro a ouvir a palavra de Deus, quer em relação aos nossos irmãos e irmãs muçulmanos que viveram e praticaram o seu culto durante séculos na terra que as três tradições religiosas chamam "santa".

Sei que as dificuldades experimentadas pelos cristãos na Terra Santa estão relacionadas também com a tensão contínua entre as comunidades judaicas e palestinas. A Santa Sé reconhece a legítima necessidade de segurança e de autodefesa de Israel, enquanto condena vigorosamente todas as formas de anti-semitismo. Ela reitera inclusivamente que todos os povos têm o direito de receber iguais oportunidades de progredir. Consequentemente, gostaria de exortar o seu governo a envidar todos os esforços para aliviar as dificuldades padecidas pelos membros da comunidade palestina, permitindo-lhes a liberdade necessária de gerirem as suas legítimas actividades, inclusivamente de viajarem para lugares de culto, para que assim também eles possam gozar de maiores paz e segurança. Claramente, estas problemáticas só podem ser abordadas no contexto mais amplo do processo de paz no Médio Oriente. A Santa Sé aprecia o compromisso expresso por parte do seu governo de dar continuidade ao impulso renovado em Anápolis, enquanto reza a fim de que não esmoreçam as esperanças e as expectativas ali fomentadas. Como observei no meu recente discurso à Organização das Nações Unidas em Nova Iorque, é necessário percorrer todos os possíveis caminhos diplomáticos, permanecendo atentos "até ao mais frágil sinal de diálogo ou desejo de reconciliação", se quisermos resolver antigos conflitos. Quando todas as pessoas da Terra Santa viverem lado a lado em paz e harmonia, em dois Estados soberanos e independentes, o benefício para a paz mundial será inestimável e Israel realmente será "luz das nações" (
Is 42,6), um resplandecente exemplo de resolução de conflito, para ser seguido pelo resto do mundo.

Muito esforço já foi envidado em vista de formular os acordos que até agora foram assinados entre Israel e a Santa Sé, e espera-se enormemente que as negociações relativas aos assuntos económicos e fiscais sejam rápida e satisfatoriamente concluídas. Obrigado pelas suas tranquilizadoras palavras relativas ao compromisso do governo de Israel em vista de uma solução positiva e rápida das questões que ainda devem ser resolvidas. Sei que estou a falar em nome de muitas pessoas, quando manifesto a esperança de que tais acordos possam ser depressa integrados no sistema legal interno de Israel e assim oferecer uma base duradoura para uma fecunda cooperação. Considerando o interesse pessoal demonstrado por Vossa Excelência pela situação dos cristãos na Terra Santa, o que é muito apreciado, sei que o Senhor Embaixador compreende as dificuldades causadas pelas contínuas incertezas a propósito dos seus direitos e condições, de maneira especial no que se refere à questão dos vistos para o pessoal eclesiástico. Estou persuadido de que Vossa Excelência fará tudo o que lhe for possível para facilitar a resolução dos problemas ainda insolúveis, de uma maneira que seja aceitável para todas as partes interessadas. Só quando estas dificuldades forem superadas, a Igreja poderá realizar livremente as suas obras religiosas, morais, educativas e caritativas na Terra onde ela mesma nasceu.

Excelência, rezo para que a missão diplomática que o Senhor Embaixador começa no dia de hoje revigore ulteriormente os laços de amizade entre a Santa Sé e o seu país. Asseguro-lhe que os vários departamentos da Cúria Romana estarão sempre prontos para lhe oferecer ajuda e apoio no cumprimento dos seus deveres. Com os meus sinceros bons votos, invoco sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o povo do Estado de Israel, as abundantes bênçãos de Deus.




AOS MEMBROS DO MOVIMENTO PELA VIDA ITALIANO Segunda-feira, 12 de Maio de 2008

Queridos irmãos e irmãs!

É com profundo prazer que hoje vos recebo, e dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação. Em primeiro lugar, saúdo D. Michele Pennisi, Bispo de Piazza Armerina, e os sacerdotes presentes. Dirijo uma saudação especial ao Deputado Carlo Casini, Presidente do Movimento pela Vida, e agradeço-lhe sentidamente as gentis palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo os membros da Direcção nacional e da Comissão executiva do Movimento pela Vida, os Presidentes dos Centros de ajuda à vida e os responsáveis dos vários serviços, do Projecto "Gemma", do "Telefono verde", SOS Vida e "Telefono rosso". Saúdo ainda os representantes da Associação Papa João XXIII e de alguns Movimentos pela Vida europeus. Através de vós aqui presentes, o meu pensamento afectuoso abrange todos os que, mesmo não podendo estar presentes, estão espiritualmente unidos a nós. Penso sobretudo em tantos voluntários que, com abnegação e generosidade, partilham convosco o nobre ideal da promoção e da defesa da vida humana desde a sua concepção.

681 A vossa visita coincide com os trinta anos da legalização do aborto na Itália e é vossa intenção sugerir uma reflexão aprofundada sobre os efeitos humanos e sociais que a lei causou na comunidade civil e cristã durante este período. Olhando para os três decénios transcorridos e considerando a situação actual, não se pode deixar de reconhecer que defender a vida humana se tornou hoje praticamente mais difícil, porque se criou uma mentalidade de aviltamento do seu valor, confiado ao juízo do indivíduo. Isto teve como consequência um menor respeito pela própria pessoa humana, valor que está na base de qualquer convivência civil, além da fé que se professa.

Certamente são muitas e complexas as causas que levam a decisões como o aborto. Se por um lado a Igreja, fiel ao mandamento do seu Senhor, não se cansa de reafirmar que o valor sagrado da existência de cada homem afunda as suas raízes no desígnio do Criador, por outro estimula a promover todas as iniciativas em apoio às mulheres e às famílias para criar condições favoráveis ao acolhimento da vida, e à tutela da instituição familiar fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher. Ter permitido o recurso à interrupção da gravidez, não só não resolveu os problemas que afligem muitas mulheres e não poucos núcleos familiares, mas abriu uma ulterior ferida nas nossas sociedades, infelizmente já tão sobrecarregadas de profundos sofrimentos.

Na realidade, foi prodigalizado tanto empenho nestes anos, e não só pela Igreja, para ir ao encontro das necessidades e das dificuldades das famílias. Mas não podemos ignorar que diversos problemas continuam a atormentar a sociedade hodierna, impedindo que se dê espaço ao desejo de tantos jovens de casar e formar uma família, devido às condições em que vivem. A falta de trabalho seguro, legislações carentes em matéria de tutela da maternidade, a impossibilidade de garantir um sustento adequado aos filhos, são alguns dos impedimentos que parecem sufocar a exigência do amor fecundo, enquanto abrem as portas a um crescente sentido de desconfiança no futuro. Por isso, é necessário unir os esforços para que as diversas Instituições coloquem de novo no centro da sua acção a defesa da vida humana e a atenção prioritária à família, em cujo seio a vida nasce e se desenvolve. É necessário ajudar com todos os instrumentos legislativos a família para facilitar a sua formação e a sua obra educativa, no difícil contexto hodierno.

Para os cristãos permanece sempre aberto, neste âmbito fundamental da sociedade, um urgente e indispensável campo de apostolado e de testemunho evangélico: proteger a vida com coragem e amor em todas as suas fases. Por isso, queridos irmãos e irmãs, peço ao Senhor que abençoe a acção que, como Centro de Ajuda à Vida e como Movimento pela Vida, desempenhais para evitar o aborto também no caso de gestações difíceis, agindo ao mesmo tempo a nível educativo, cultural e do debate político. É necessário dar testemunho de modo concreto de que o respeito pela vida é a primeira justiça a ser aplicada. Para quem tem o dom da fé isto torna-se um imperativo inderrogável, porque quem segue Cristo está chamado a ser cada vez mais "profeta" de uma verdade que nunca poderá ser eliminada: só Deus é o Senhor da vida. Cada homem é por ele conhecido e amado, querido e orientado. Consiste unicamente nisto a unidade mais profunda e maior da humanidade, no facto que cada ser humano realiza o único projecto de Deus, cada qual tem origem da mesma ideia criadora de Deus. Compreende-se portanto porque a Bíblia afirma: quem profana o homem, profana a propriedade de Deus (cf.
Gn 9,5).

Celebra-se este ano o 60º aniversário da Declaração dos Direitos do Homem cujo mérito foi o de ter permitido que diferentes culturas, expressões jurídicas e modelos institucionais convirjam num núcleo fundamental de valores e, portanto, de direitos. Como recordei recentemente, na minha visita à ONU, aos membros das Nações Unidas, "os direitos humanos devem ser respeitados como expressão de justiça e não simplesmente porque podem ser feitos respeitar mediante a vontade dos legisladores. A promoção dos direitos humanos permanece portanto a estratégia mais eficaz para eliminar as desigualdades entre países e grupos sociais, assim como para um aumento da segurança". Por isso é muito louvável também o vosso compromisso no âmbito político e a ajuda e estímulo às Instituições, para que seja dado o justo reconhecimento à palavra "dignidade humana". A vossa iniciativa junto da Comissão para as Petições do Parlamento Europeu, na qual afirmais os valores fundamentais do direito à vida desde a concepção, da família fundada no matrimónio de um homem e de uma mulher, do direito de cada ser humano concebido a nascer e a ser educado numa família de pais, confirma ulteriormente a solidez do vosso compromisso e a plena comunhão com o Magistério da Igreja, que proclama desde sempre e defende tais valores como "não negociáveis".

Queridos irmãos e irmãs, encontrando-se convosco a 22 de Maio de 1998, João Paulo II exortava a perseverar no vosso compromisso de amor e defesa da vida humana, e recordava que, graças a vós, tantas crianças podiam experimentar a alegria do dom inestimável da vida. Dez anos mais tarde, sou eu quem vos agradece o serviço que prestastes à Igreja e à sociedade. Quantas vidas humanas salvastes da morte! Prossegui neste caminho e não tenhais receio, para que o sorriso da vida triunfe nos lábios de todas as crianças e das suas mães. Confio cada um de vós, e as numerosas pessoas que encontrais nos Centros de ajuda à vida, à materna protecção da Virgem Maria, Rainha da Família, e ao garantir-vos a minha recordação na oração, abençoo-vos de coração, assim como a quantos fazem parte dos Movimentos pela Vida na Itália, na Europa e no mundo.




AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES Quinta-feira, 15 de Maio de 2008

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Amados irmãos e irmãs

682 Estou feliz por vos receber, por ocasião da Sessão Plenária do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes. Saúdo de modo particular o Presidente, Senhor Cardeal Renato Raffaelle Martino, a quem agradeço as palavras com que introduziu o nosso encontro, explicando os vários aspectos do interessante tema que enfrentastes durante estes dias. Saúdo também o Secretário, Arcebispo Agostino Marchetto, o Mons. Subsecretário, os Oficiais e os Peritos, bem como os Membros e os Consultores. Dirijo a todos um cordial pensamento de gratidão pelo trabalho levado a cabo e pelo compromisso em vista de concretizar quanto se debateu e evidenciou nestes dias, para o bem de todas as famílias.

Durante a recente visita aos Estados Unidos da América, tive a oportunidade de encorajar aquele grande país, a dar continuidade ao seu compromisso de hospitalidade àqueles irmãos e irmãs que chegam ali, geralmente provenientes de países pobres. Mencionei de maneira particular o grave problema da união familiar, tema que eu já tinha abordado na Mensagem para o 93º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, dedicado precisamente ao tema da família migrante. Aqui, é-me grato recordar que em várias circunstâncias apresentei o ícone da Sagrada Família como modelo das famílias migrantes, referindo-me à imagem proposta pelo meu venerado Predecessor, Papa Pio XII, na Constituição Apostólica Exsul Familia, que constitui a "magna charta" da pastoral migratória (cf. AAS 44, 1952, pág. 649). Além disso, nas Mensagens dos anos de 1980, 1986 e 1993, o meu venerado Predecessor João Paulo II quis sublinhar o compromisso eclesial a favor não apenas da pessoa migrante, mas também da sua família, comunidade de amor e factor de integração.

Em primeiro lugar, apraz-me confirmar que a solicitude da Igreja pela família migrante nada tira ao interesse pela família em mobilidade. Aliás, este compromisso a manter a unidade de visão e de acção entre as duas "asas" (migração e itinerância) da mobilidade humana pode ajudar a compreender a vastidão do fenómeno e, ao mesmo tempo, servir de estímulo para uma pastoral específica, animada pelos Sumos Pontífices e desejada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II (cf. Christus Dominus
CD 18), e adequadamente corroborada pelos documentos elaborados pelo vosso Pontifício Conselho, assim como pelos Congressos e Reuniões. Não devemos esquecer que a família, mesmo a migrante e itinerante, constitui a célula originária da sociedade, que não pode ser destruída mas defendida com coragem e paciência. Ela representa a comunidade em que, desde a infância, nos formamos na adoração e no amor a Deus, compreendendo a gramática dos valores humanos e morais e aprendendo a fazer bom uso da liberdade na verdade. Infelizmente, em não poucas situações isto acontece com dificuldade, de maneira especial no caso de quem é investido pelo fenómeno da mobilidade humana.

De resto na sua acção de hospitalidade e de diálogo com os migrantes e itinerantes a comunidade cristã tem, como ponto de referência constante, a pessoa de Cristo nosso Senhor. Ele deixou aos seus discípulos uma regra de ouro, segundo a qual delinear a própria vida: o novo mandamento do amor. O amor que viveu até à morte, e morte de cruz, Cristo continua a transmiti-lo à Igreja, mediante o Evangelho e os Sacramentos, de modo especial a Santíssima Eucaristia. A este propósito, é muito significativo que a Liturgia contemple a celebração do Sacramento do Matrimónio no coração da celebração eucarística. Com isto, assinala-se o profundo vínculo que une estes dois Sacramentos. Na sua vida quotidiana, os esposos devem inspirar o seu comportamento no exemplo de Cristo, que "amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela" (Ep 5,25): este supremo gesto de amor é representado em cada celebração eucarística. Portanto, oportunamente, a pastoral familiar terá este dado sacramental como seu ponto de referência de importância fundamental. Quem vai à Missa e é necessário facilitar tal celebração também para os migrantes e os itinerantes encontra na Eucaristia uma vigorosíssima referência à sua família, ao seu matrimónio, enquanto é encorajado a viver a própria situação na perspectiva da fé, procurando na graça divina a força necessária para ser bem sucedido.

Enfim, a ninguém passa despercebido que a mobilidade humana representa, no actual mundo globalizado, uma fronteira importante para a nova evangelização. Por isso, encorajo-vos a dar continuidade ao vosso compromisso pastoral com renovado zelo enquanto, por minha vez, vos asseguro a minha proximidade espiritual. Acompanho-vos com a oração, para que o Espírito Santo torne profícuas todas as vossas iniciativas. Para esta finalidade, invoco a materna protecção de Maria Santíssima, Nossa Senhora do Caminho, a fim de que ajude todos os homens e mulheres a conhecerem o seu Filho Jesus Cristo e a receberem dele o dom da salvação. Com estes bons votos, concedo de coração a Bênção Apostólica a vós e às pessoas que vos são queridas, assim como a todos os migrantes e itinerantes no vasto mundo e às respectivas famílias.




ÀS PARTICIPANTES NA REUNIÃO INTERNACIONAL DO "ORDO VIRGINUM" Quinta-feira, 15 de Maio de 2008

Caríssimas irmãs!

1. Acolho e saúdo com alegria cada uma de vós, consagradas "a Cristo" com "solene rito nupcial" (Ritual da Consagração das Virgens, 30), por ocasião do Congresso-Peregrinação Internacional do Ordo virginum, que nestes dias vos vê reunidas em Roma. Saúdo em particular o Cardeal Franc Rodé a cordial saudação de homenagem e o compromisso dedicado a esta iniciativa, enquanto dirijo um profundo obrigado à Comissão organizadora. Ao escolher o tema-guia destes dias inspirastes-vos numa minha afirmação que sintetiza quanto já tive ocasião de dizer sobre a vossa realidade de mulheres que vivem a virgindade consagrada no mundo: Um dom na Igreja e para a Igreja. Nesta luz desejo confirmar-vos na vossa vocação e convidar-vos a crescer dia após dia na compreensão de um carisma tanto luminoso e fecundo aos olhos da fé, quanto obscuro e inútil aos olhos do mundo.

2. "Sede de nome e de facto escravas do Senhor à imitação da Mãe de Deus" (RCV, 29). A Ordem das Virgens constitui uma particular expressão de vida consagrada, reflorescida na Igreja depois do Concílio Vaticano II (cf. Exort. Ap. Vita consecrata, 7). Mas as suas raízes são antigas; afundam no início da vida evangélica quando, como novidade inaudita, o coração de algumas mulheres começou a abrir-se ao desejo da virgindade consagrada: isto é, àquele desejo de doar a Deus todo o próprio ser que teve na Virgem de Nazaré e no seu "sim" a primeira extraordinária realização. O pensamento dos Padres vê em Maria o protótipo das virgens cristãs e evidencia a novidade do novo estado de vida ao qual se acede por uma livre opção de amor.

3. "Em Ti, Senhor, possuam tudo, porque escolheram só a Ti, acima de tudo" (RCV, 38). O vosso carisma deve reflectir a intensidade, mas também o vigor das origens. É fundado sobre o simples convite evangélico "quem pode compreender compreenda" (Mt 19,21) e no conselho paulino sobre a virgindade pelo Reino (1Co 7,25-35). Contudo ressoa nele todo o mistério cristão. Quando nasceu, o vosso carisma não se configurava com particulares modalidades de uma vida, mas depois a pouco e pouco foi-se institucionalizando, até uma verdadeira consagração pública e solene, conferida pelo Bispo mediante um sugestivo rito litúrgico que fazia da mulher consagrada a sponsa Christi, imagem da Igreja-esposa.

4. Caríssimas, a vossa vocação está profundamente radicada na Igreja particular à qual pertence: é tarefa dos vossos Bispos reconhecer em vós o carisma da virgindade, consagrar-se a ela e possivelmente permanecer próximos de vós no caminho, para vos ensinar o temor do Senhor, como se comprometem a fazer durante a solene liturgia de consagração. Do alcance da Diocese, com as suas tradições, os seus santos, os seus valores, os limites e as dificuldades, alargais-vos ao alcance da Igreja universal, sobretudo partilhando a sua oração litúrgica, que vos é entregue para que "ressoe ininterruptamente no vosso coração e nos vossos lábios" (RCV, 42). Desta forma o vosso "eu" orante dilatar-se-á progressivamente até que na oração não haja mais do que um grande "nós". Esta é a oração eclesial e a verdadeira liturgia. No diálogo com Deus abri-vos ao diálogo com todas as criaturas, em relação às quais sereis mães, mães de filhos de Deus (cf. RCV, 29).

683 5. O vosso ideal, em si mesmo verdadeiramente alto, não exige contudo qualquer mudança exterior. Normalmente cada consagrada permanece no próprio contexto de vida. É um caminho que parece privado das características específicas da vida religiosa, sobretudo da obediência. Mas para vós o amor faz-se seguimento: o vosso carisma obriga a uma doação total a Cristo, uma assimilação ao Esposo que exige implicitamente a observância dos conselhos evangélicos, para manter íntegra a fidelidade a Ele (cf. RCV, 47). Estar com Cristo exige interioridade, mas ao mesmo tempo abre à comunhão com os irmãos: insere-se aqui a vossa missão. Uma essencial "regra de vida" define o compromisso que cada uma de vós assume com o consentimento do Bispo, quer a nível espiritual quer assistencial. Trata-se de caminhos pessoais. Entre vós há estilos e modalidades diversas de viver o dom da virgindade consagrada e isto torna-se cada vez mais evidente no âmbito de um encontro internacional, como o que vos vê reunidas nestes dias. Exorto-vos a ir além do modo de aparecer, captando o mistério da ternura de Deus que cada uma tem em si e reconhecendo-vos irmãs, mesmo na vossa diversidade.

6. "A vossa vida seja um particular testemunho de caridade e sinal visível do Reino futuro" (RCV, 30). Fazei com que a vossa pessoa irradie sempre a dignidade do ser esposa de Cristo, expresse a novidade da existência cristã e a expectativa serena da vida futura. Assim, com a vossa vida recta, podereis ser estrelas que orientam o caminho do mundo. A opção pela vida virginal, de facto, é uma chamada à transitoriedade das realidades terrenas e anticipação dos bens futuros. Sede testemunhas da expectativa vigilante e laboriosa, da alegria, da paz que é própria de quem se abandona ao amor de Deus. Estai presentes no mundo e contudo sede peregrinas rumo ao Reino. De facto, a virgem consagrada identifica-se com aquela esposa que, juntamente com o Espírito, invoca a vinda do Senhor: "O Espírito e a Esposa dizem "Vinde"" (
Ap 22,17).

7. Ao despedir-me de vós confio-vos a Maria. E faço minhas as palavras de Santo Ambrósio, o cantor da virgindade cristã, dirigindo-as a vós: "Esteja em cada uma a alma de Maria para glorificar ao Senhor; esteja em cada uma o espírito de Maria para exultar em Deus. Se há uma só mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, ao contrário, Cristo é o fruto de todos, porque cada alma recebe o Verbo de Deus, porque, imaculada e imune de vícios, preserve a castidade com poder destemido" (Comentário sobre São Lc 2,26, PL 15, 1642).

Com estes votos abençoo-vos de coração.





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