Discursos Bento XVI 20608

AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA MALÁSIA, SINGAPURA E BRUNEI POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM" Sexta-feira, 6 de Junho de 2008



Amados Irmãos Bispos

É-me grato receber-vos por ocasião da vossa visita ad Limina, enquanto renovais os laços de comunhão na fé e no amor entre vós, como Pastores do povo de Deus que está na Malásia, Brunei e Singapura, e o Sucessor de Pedro na Sé de Roma. Agradeço as amáveis palavras que o Arcebispo D. Pakiam me dirigiu em vosso nome, e transmito a certeza das minhas preces e dos meus bons votos por todos vós e por aqueles que forem confiados ao vossos cuidados pastorais.

Por uma feliz coincidência, a vossa visita à cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo realiza-se num momento em que a Igreja no mundo inteiro está a preparar-se para celebrar um ano dedicado a São Paulo, o grande Apóstolo das Nações, no bimilenário do seu nascimento. Rezo a fim de que possais haurir inspiração do exemplo deste apóstolo zeloso, mestre extraordinário e testemunha corajosa da verdade do Evangelho. Pela sua intercessão, que possais também vós experimentar um renovado ardor na grandiosa tarefa missionária para a qual, como São Paulo, fostes escolhidos e chamados (cf. Ga 1,15-16), para a tarefa de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo na Malásia, Brunei e Singapura. Retomando as palavras dirigidas por São Paulo aos anciãos de Éfeso, exorto-vos a "cuidar de vós mesmos e de todo o rebanho, dado que o Espírito Santo vos constituiu como guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu para si com o sangue do seu próprio Filho" (Ac 20,28).

"A fé da Igreja em Jesus é um dom recebido e um dom a compartilhar; trata-se da maior dádiva que a Igreja pode oferecer à Ásia" (Ecclesia in Asia ). Felizmente, os povos da Ásia manifestam uma intensa aspiração por Deus (cf. ibid., 9). Ao transmitir-lhes a mensagem que também vós recebestes (cf. 1Co 15,3), lançais as sementes da evangelização no solo fértil. No entanto, se quiserdes que a fé floresça, é necessário que ela lance raízes profundas no solo asiático, para não ser vista como um produto importado, alheio à cultura e às tradições do vosso povo. Conscientes do modo como São Paulo anunciava a Boa Nova aos Atenienses (cf. Ac 17,22-34), sois chamados a apresentar a fé cristã em sintonia com "a intuição espiritual inata e a sabedoria moral do espírito asiático" (Ecclesia in Asia ), de tal maneira que as pessoas a aceitem e a façam sua.

De modo particular, tendes necessidade de assegurar que o Evangelho cristão não seja de modo algum confundido nas suas mentes com os princípios seculares associados ao Iluminismo. Pelo contrário, "vivendo um amor autêntico" (Ep 4,15), podeis ajudar os vossos concidadãos a distinguir entre o trigo do Evangelho e o joio do materialismo e do relativismo. Podeis ajudá-los a responder aos urgentes desafios apresentados pelo Iluminismo, familiar à cristandade ocidental há mais de dois séculos, mas que somente agora começa a ter um impacto significativo nas demais regiões do mundo. Enquanto resistimos à "ditadura da razão positivista" que procura excluir Deus do discurso público, deveríamos acolher as "autênticas conquistas do Iluminismo" de modo especial a ênfase dada aos direitos humanos, à liberdade de religião e à sua prática (cf. Discurso aos membros da Cúria Romana, por ocasião da tradicional troca dos bons votos de Natal, 22 de Dezembro de 2006). Ao ressaltardes a índole universal dos direitos humanos, assente na dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus, levais a cabo uma importante tarefa de evangelização, uma vez que este ensinamento constitui uma parte essencial do Evangelho. Agindo assim, estareis a seguir os passos de São Paulo, que sabia como exprimir os elementos fundamentais da fé e da prática cristã, de uma maneira que podia ser assimilada pelas comunidades de gentios para junto dos quais ele era enviado.

Este apostolado paulino exige um compromisso no diálogo inter-religioso, e encorajo-vos a desempenhar esta obra importante, explorando todos os caminhos que se vos abrem. Estou consciente de que nem todos os territórios por vós representados oferecem o mesmo grau de liberdade religiosa, e muitos de vós, por exemplo, encontram sérias dificuldades na promoção da educação religiosa cristã nas escolas. Não desanimeis, mas continuai a proclamar com convicção as "riquezas insondáveis de Cristo" (Ep 3,8), de tal modo que todos possam ouvir falar do amor de Deus, que se tornou manifesto em Jesus. No contexto de um diálogo aberto e honesto com os muçulmanos, budistas e hindus, mas também com os sequazes de outras religiões presentes nos vossos respectivos países, ajudais os vossos compatriotas a reconhecer e a observar os preceitos da lei "inscritos nos seus corações" (Rm 2,15), explicando claramente a verdade do Evangelho. Desta forma, o vosso ensinamento pode alcançar um vasto público e ajudar a promover uma visão unificada do bem comum. Por sua vez, isto deveria contribuir para fomentar o crescimento da liberdade religiosa e uma maior coesão social entre os membros dos diferentes grupos étnicos, que só podem conduzir à paz e ao bem-estar de toda a comunidade.

708 No que se refere ao cuidado pastoral que ofereceis aos vossos povos, gostaria de vos encorajar a manifestar uma particular solicitude pelos vossos presbíteros. Recorrendo à imagem evocada por São Paulo ao escrever ao jovem Timóteo, exortai-os a reavivar o dom de Deus que já se encontra neles mediante a imposição das mãos (cf. 2Tm 1,6). Sede para eles pais, irmãos e amigos, como Paulo foi para Timóteo e Tito. Orientai-os através do exemplo, demonstrando-lhes o modo como imitar Cristo, o Bom Pastor. Segundo uma sua célebre frase, São Paulo proclamava: "Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim" (Ga 2,20). Modelando toda a vossa vida e comportamento segundo Cristo, permiti que os vossos sacerdotes descubram o que significa viver como alter Christus no meio do vosso povo. Deste modo, não só conseguireis inspirá-los a oferecer a sua vida inteira "como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus" (Rm 12,1), mas cada vez mais jovens hão-de aspirar a esta sublime vida de serviço sacerdotal.

Estou consciente de que, nos territórios por vós representados existem algumas regiões em que é raro ver um sacerdote, e outras onde as pessoas ainda não ouviram falar do Evangelho. Também elas exigem de modo particular a vossa solicitude pastoral e as vossas orações. Ora, "como poderão invocar Aquele em quem não acreditaram? E como poderão acreditar, se não houver quem O anuncie?" (Rm 10,14). Aqui, a formação dos leigos adquire um acréscimo de importância, de tal forma que, através de uma catequese sólida, os filhos dispersos de Deus podem conhecer a esperança para a qual foram chamados, a sua "herança rica e gloriosa" (Ep 1,18). Desta maneira, poderão ser preparados para receber o sacerdote, quando o mesmo chegar ao meio deles. Dizei aos vossos catequistas, tanto leigos como religiosos, que me recordo deles nas minhas preces, e que aprecio a enorme contribuição que oferecem para a vida das comunidades cristãs na Malásia, Brunei e Singapura. Mediante o seu trabalho vital, numerosos homens, mulheres e crianças tornam-se capazes de "conhecer o amor de Cristo, que supera qualquer conhecimento", tornando-se "repletos de toda a plenitude de Deus" (Ep 3,19).

Queridos Irmãos Bispos, rezo a fim de que, quando regressardes aos vossos respectivos países, "sejais sempre alegres, rezeis sem cessar e deis graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus para vós em Jesus Cristo" (1Th 5,16). Enquanto confio todos vós, os vossos sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis leigos à intercessão de Maria, Mãe da Igreja, concedo-vos cordialmente a minha Bênção Apostólica como penhor de alegria e de paz no Senhor.



AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA

DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO Sábado, 7 de Junho de 2008

Eminência
Prezados Irmãos Bispos
Senhoras e Senhores

É-me grato dispor desta oportunidade de me encontrar convosco, no encerramento da 10ª Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Faço extensivas as minhas cordiais saudações a todos vós que participais nesta importante reunião. Agradeço de forma particular ao Cardeal Jean-Louis Tauran, as suas amáveis palavras.

"Diálogo in veritate et caritate: orientações pastorais" este é o tema da vossa Assembleia Plenária. Estou feliz por saber que durante estes dias vós procurastes alcançar uma compreensão mais profunda da aproximação da Igreja católica em relação às pessoas de outras tradições religiosas. Considerastes a finalidade mais vasta do diálogo para descobrir a verdade e a sua motivação, que é a caridade, em obediência à missão divina confiada à Igreja por nosso Senhor Jesus Cristo.

Na inauguração do meu Pontificado, afirmei que "a Igreja deseja continuar a construir pontes de amizade com os seguidores de todas as religiões, com a finalidade de buscar o bem autêntico de todas as pessoas e da sociedade no seu conjunto" (Discurso aos Delegados das outras Igrejas e Comunidades eclesiais e das outras Tradições religiosas, 25 de Abril de 2005). Através do ministério dos Sucessores de Pedro, inclusivamente da obra realizada pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, e mediante os esforços levados a cabo pelos Ordinários locais e pelo Povo de Deus no mundo inteiro, a Igreja continua a ir ao encontro dos seguidores das diferentes religiões. Deste modo, ela dá expressão daquele desejo de encontro e de colaboração na verdade e na liberdade. Segundo as palavras do meu venerável Predecessor, Papa Paulo VI, a principal responsabilidade da Igreja é o serviço à Verdade "verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e o seu destino misterioso e verdade sobre o mundo. Verdade difícil que nós procuramos na Palavra de Deus" (Evangelii nuntiandi EN 78).

Os seres humanos buscam respostas para algumas questões existenciais fundamentais: qual é a origem e o destino do ser humano? O que é o bem e o mal? O que espera o ser humano no final da sua existência terrena? Todas as pessoas têm o dever natural e a obrigação moral de procurar a verdade. Uma vez que a conhecem, têm o dever de aderir à mesma e de ordenar a sua vida em conformidade com as suas exigências (cf. Nostrae aetate, 1; e Dignitatis humanae DH 2).

709 Dilectos amigos, "Caritas Christi urget nos!" (2Co 5,14). É o amor de Cristo que impele a Igreja a alcançar todos os seres humanos, sem qualquer distinção, para além dos confins da Igreja visível. O manancial da missão da Igreja é o Amor divino. Este amor é revelado em Cristo e torna-se presente através da acção do Espírito Santo. Todas as actividades da Igreja devem ser imbuídas deste amor (cf. Ad gentes AGD 2-5 Evangelii nuntiandi EN 26 Evangelii nuntiandi, 26; e Diálogo e Missão, EN 9). Desta maneira, é o amor que impele cada um dos fiéis a ouvir os outros e a procurar áreas de colaboração. Ele encoraja os cristãos que participam no diálogo com os seguidores das outras religiões a proporem, mas não a imporem, a fé em Cristo, que é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jn 14,16). Como disse nas minhas recentes Cartas Encíclicas, a fé cristã demonstrou-nos que "verdade, justiça e amor não são simplesmente ideais, mas realidades de imensa densidade" (Spe salvi ). Para a Igreja, "a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência" (Deus caritas est ).

A grande proliferação dos encontros inter-religiosos no mundo inteiro exige um discernimento. A este propósito, observo com prazer que durante estes dias vós reflectistes sobre as orientações pastorais para o diálogo inter-religioso. Desde o Concílio Vaticano II, prestou-se atenção aos elementos espirituais que as diferentes tradições religiosas têm em comum. De muitas formas, isto tem contribuído para lançar pontes de entendimento através das fronteiras religiosas. Compreendo que, durante os vossos debates, considerastes algumas questões de preocupação prática nos relacionamentos inter-religiosos: a identidade dos participantes no diálogo, a educação religiosa nas escolas, a conversão, o proselitismo, a reciprocidade, a liberdade religiosa e o papel dos líderes religiosos na sociedade em geral. Trata-se de questões importantes, às quais os líderes religiosos que vivem e trabalham no meio de sociedades pluralistas devem prestar grande atenção.
É importante salientar a necessidade da formação para aqueles que promovem o diálogo inter-religioso. Se quisermos que seja autêntico, este diálogo deve ser um caminho de fé. Como é necessário que os seus promotores sejam bem formados nos respectivos credos, e bem informados a respeito do credo dos outros! É por este motivo que encorajo os esforços levados a cabo pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, em vista de organizar cursos de formação e programas de diálogo inter-religioso para os diferentes grupos cristãos, de modo especial para os seminaristas e os jovens nas instituições de ensino terciárias.

A colaboração inter-religiosa oferece a oportunidade para manifestar os mais elevados ideais de cada tradição religiosa. Assistir os enfermos, levar alívio às vítimas das calamidades naturais ou da violência, ajudar os idosos e os pobres: estes são alguns dos campos em que pessoas de diferentes religiões colaboram. Encorajo todos aqueles que são inspirados pelo ensinamento das respectivas religiões, a ajudarem os membros sofredores da sociedade.

Estimados amigos, no momento em que encerrais a vossa Assembleia Plenária, estou-vos grato pelo trabalho que realizastes. Peço-vos que transmitais a mensagem de boa vontade do Sucessor de Pedro ao vosso rebanho e a todos os nossos amigos das outras religiões. É de bom grado que vos concedo a Bênção Apostólica, como penhor de graça e de paz em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.




AOS PARTICIPANTES NO VI CONGRESSO EUROPEU DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS Sábado, 7 de Junho de 2008

Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Professores!

É para mim motivo de profunda alegria encontrar-me convosco por ocasião do VI Congresso europeu de professores universitários sobre o tema "Alargar os horizontes da racionalidade. Perspectivas para a Filosofia", promovido pelos Professores das Universidades de Roma e organizado pela Repartição da Pastoral Universitária do Vicariato de Roma em colaboração com as Instituições regionais, provinciais e do Município de Roma. Agradeço ao Senhor Cardeal Camillo Ruini e ao Prof. Cesare Mirabelli, que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos, e dirijo a todos vós aqui presentes as minhas cordiais boas-vindas.

710 Em continuidade com o encontro europeu de professores universitários do ano passado, o vosso Congresso enfrenta um tema de grande relevância académica e cultural. Desejo expressar a minha gratidão à Comissão organizadora por esta escolha que nos permite, entre outras coisas, celebrar o décimo aniversário da publicação da Carta Encíclica Fides et ratio do meu amado predecessor, Papa João Paulo II. Já naquela ocasião cinquenta Professores de filosofia das Universidades de Roma, públicas e pontifícias, manifestaram a sua gratidão ao Papa com uma declaração na qual se reafirmava a urgência do relançamento do estudo da filosofia nas Universidades e nas Escolas. Partilhando tal preocupação e encorajando a frutuosa colaboração entre os Professores de diversos Ateneus, romanos e europeus, desejo dirigir aos Professores de filosofia um convite particular a prosseguir com confiança a pesquisa filosófica investindo energias intelectuais e envolvendo as novas gerações neste compromisso.

Os acontecimentos que se sucederam nos dez anos transcorridos após a publicação da Encíclica delinearam com maior evidência o cenário histórico e cultural no qual a pesquisa filosófica é chamada a adentrar-se. De facto, a crise da modernidade não é sinónimo de declínio da filosofia; aliás, a filosofia deve comprometer-se num novo percurso de pesquisa para compreender a verdadeira natureza desta crise (cf. Discurso no encontro europeu de professores universitários, 23 de Junho de 2007) e detectar perspectivas novas para as quais orientar-se. A modernidade, se for bem compreendida, revela uma "questão antropológica" que se apresenta de modo muito mais complexo e articulado de quanto se verificava nas reflexões filosóficas dos últimos séculos, sobretudo na Europa. Sem diminuir as tentativas realizadas, falta averiguar e compreender ainda muito. A modernidade não é um simples fenómeno cultural, historicamente datado; ela na realidade obriga a uma nova projectualidade, a uma compreensão mais exacta da natureza do homem. Não é fácil encontrar nos escritos de famosos pensadores contemporâneos uma honesta reflexão sobre as dificuldades que interferem na solução desta crise prolongada. A abertura de crédito que alguns autores propõem em relação às religiões e, em particular, ao cristianismo, é um sinal evidente do desejo sincero de fazer com que a reflexão filosófica saia da auto-suficiência.

Desde o início do meu pontificado escutei com atenção os pedidos que chegam dos homens e das mulheres do nosso tempo e, à luz de tais expectativas, quis oferecer uma proposta de averiguação a qual me parece que pode suscitar interesse pelo relançamento da filosofia e do seu papel insubstituível no interior do mundo académico e cultural. Dela fizestes objecto de reflexão no vosso Congresso: é a proposta de "alargar os horizontes da racionalidade". Isto consente que eu reflicta sobre ela convosco, como entre amigos que desejam fazer um percurso comum de pesquisa. Gostaria de partir de uma profunda convicção, que várias vezes expressei: "A fé cristã fez a sua opção clara: contra os deuses da religião pelo Deus dos filósofos, ou seja, contra o mito unicamente dos costumes pela verdade do ser" (J. Ratzinger, Introdução ao cristianismo, cap. III). Esta afirmação, que reflecte o caminho do cristianismo desde o seu alvorecer, revela-se plenamente actual no contexto histórico-cultural que estamos a viver. De facto, só a partir desta premissa, que é ao mesmo tempo histórica e teológica, é possível ir ao encontro das novas expectativas da reflexão filosófica. O risco que a religião, inclusive a cristã, seja instrumentalizada como fenómeno sub-reptício hoje é muito concreto.

Mas o cristianismo, como recordei na Encíclica Spe salvi, não é apenas uma mensagem informativa, mas performativa (cf. n. 2). Isto significa que desde sempre a fé cristã não pode ser fechada no mundo abstracto das teorias, mas deve descer a uma experiência histórica concreta que alcance o homem na verdade mais profunda da sua existência. Esta experiência, condicionada pelas novas situações culturais e ideológicas, é o lugar que a pesquisa teológica deve avaliar e sobre o qual é urgente dar início a um diálogo fecundo com a filosofia. A compreensão do cristianismo como transformação real da existência do homem, se por um lado estimula a reflexão filosófica a uma nova abordagem com a religião, por outro encoraja-a a não perder a confiança de poder conhecer a realidade. A proposta de "alargar os horizontes da racionalidade" não deve ser, portanto, incluída entre as novas formas de pensamento teológico e filosófico, mas deve ser compreendida como o pedido de uma nova abertura à realidade à qual a pessoa humana está chamada na sua unitotalidade, superando antigos preconceitos e reducionismos, para se abrir também assim o caminho para uma verdadeira compreensão da modernidade. O desejo de uma plenitude de humanidade não pode ficar sem resposta: espera propostas adequadas. A fé cristã é chamada a assumir esta urgência histórica, comprometendo os homens de boa vontade neste empreendimento. O novo diálogo entre fé e razão, hoje exigido, não pode realizar-se nos termos e nos modos que foram usados no passado. Ele não quer limitar-se a um estéril exercício intelectual, deve partir da actual situação concreta do homem, e sobre ela desenvolver uma reflexão que reúna a sua verdade ontológico-metafísica.

Queridos amigos, tendes diante de vós um caminho muito empenhativo. Antes de tudo, é necessário promover centros académicos de alto nível, nos quais a filosofia possa dialogar com as outras disciplinas, sobretudo com a teologia, favorecendo novas sínteses culturais idóneas para orientar o caminho da sociedade. A dimensão europeia da vossa reunião em Roma de facto, provindes de 26 países pode favorecer um confronto e um intercâmbio certamente frutuosos. Faço votos por que as instituições académicas católicas estejam disponíveis para a realização de verdadeiros laboratórios culturais. Gostaria também de vos convidar a encorajar os jovens a comprometerem-se nos estudos filosóficos, favorecendo iniciativas oportunas de orientação universitária. Estou certo de que as novas gerações, com o seu entusiasmo, saberão responder generosamente às expectativas da Igreja e da sociedade.

Daqui a poucos dias terei a alegria de inaugurar o Ano Paulino, durante o qual celebraremos o Apóstolo das Nações: faço votos por que esta singular iniciativa constitua para todos vós uma ocasião propícia para redescobrir, no seguimento do grande Apóstolo, a fecundidade histórica do Evangelho e as suas extraordinárias potencialidades também para a cultura contemporânea. Com estes votos, concedo a todos a minha Bênção.




DURANTE O ENCONTRO COM A COMUNIDADE DA PONTIFÍCIA ACADEMIA ECLESIÁSTICA Segunda-feira, 9 de Junho de 2008

Venerado Irmão
Amados Sacerdotes
da Pontifícia Academia Eclesiástica!

Sinto-me feliz por vos receber e dirijo a cada um de vós as minhas cordiais boas-vindas. Em primeiro lugar, saúdo o vosso Presidente, D. Beniamino Stella, e agradeço-lhe os sentimentos devotos que me manifestou em nome de todos. Saúdo os seus Colaboradores e, com afecto especial, saúdo a vós, queridos Alunos. O nosso encontro tem lugar neste mês de Junho, no qual é particularmente viva no povo cristão a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, fornalha inexaurível da qual haurir amor e misericórdia para testemunhar e difundir entre todos os membros do Povo de Deus. Desta fonte devemos beber antes de tudo nós, sacerdotes, para podermos comunicar aos outros a ternura divina, no desempenho dos diversos ministérios que a Providência nos confia.

711 Cada um de vós, queridos Sacerdotes, cresça cada vez mais no conhecimento deste amor divino: só assim podereis levar a cumprimento, com uma fidelidade sem condescendências, a missão para a qual vos estais a preparar nestes anos de estudo. O ministério apostólico e diplomático ao serviço da Santa Sé, que cumprireis aonde fordes enviados, exige competências que não se podem improvisar: por conseguinte, valorizai este período da vossa formação para depois serdes capazes de enfrentar de maneira adequada qualquer situação. No vosso trabalho quotidiano entrareis em contacto com realidades eclesiais que deveis compreender e apoiar; com frequência vivereis distantes da vossa terra de origem em países que aprendereis a conhecer e amar; devereis abordar o mundo da diplomacia bilateral e multilateral, e estar prontos para oferecer não só a contribuição da vossa experiência diplomática, mas também, e sobretudo, o vosso testemunho sacerdotal. Por isso, além da necessária e obrigatória preparação jurídica, teológica e diplomática, o que mais conta é que a vossa vida e a vossa actividade se distinga por um amor fiel a Cristo e à Igreja, que suscite em vós uma solicitude pastoral acolhedora para com todos.

Para cumprir fielmente esta tarefa, procurai a partir de agora "viver na fé do Filho de Deus" (
Ga 2,20), ou seja, esforçai-vos por ser Pastores segundo o Coração de Cristo, mantendo com Ele um íntimo diálogo quotidiano. É a unidade com Jesus o segredo do sucesso autêntico do ministério de cada sacerdote. Em qualquer trabalho que desempenhardes na Igreja, preocupai-vos por ser sempre seus verdadeiros amigos, amigos fiéis que o encontraram e aprenderam a amá-lo acima de qualquer outra coisa. A comunhão com Ele, o Mestre divino das nossas almas, garantir-vos-á a serenidade e a paz nos momentos mais complexos e difíceis.

Imersa no vórtice de uma actividade frenética, a humanidade com frequência corre o risco de perder o sentido da existência, enquanto uma certa cultura contemporânea põe em dúvida qualquer valor absoluto, e até a possibilidade de conhecer a verdade e o bem. Por isso há necessidade de testemunhar a presença de Deus, de um Deus que compreenda o homem e saiba falar ao seu coração. A vossa tarefa será precisamente a de proclamar com o vosso modo de viver, ainda antes que com as vossas palavras, o anúncio jubiloso e confortador do Evangelho do amor em ambientes por vezes muito distantes da experiência cristã. Portanto, sede todos os dias ouvintes dóceis da Palavra de Deus, vivei nela e dela, de modo a torná-la presente na vossa actividade sacerdotal. Anunciai a Verdade que é Cristo. A oração, a meditação e a escuta da Palavra de Deus sejam para vós o pão quotidiano. Se em vós crescer a comunhão com Jesus, se viverdes d'Ele e não só para Ele, irradiareis o seu amor e a sua alegria ao vosso redor.

Ao lado da escuta quotidiana da Palavra de Deus, a Celebração da Eucaristia seja o coração e o centro de todos os vossos dias e de todo o vosso ministério. O sacerdote, como cada baptizado, vive da comunhão eucarística com o Senhor. Não podemos aproximar-nos quotidianamente do Senhor, pronunciar as tremendas e maravilhosas palavras "Este é o meu Corpo, este é o meu Sangue", não podemos estreitar nas mãos o Corpo e o Sangue do Senhor, sem nos deixarmos arrebatar por Ele, sem nos deixarmos conquistar pelo seu fascínio, sem permitir que o seu amor infinito nos transforme interiormente. Que a Eucaristia se torne para vós escola de vida, na qual o sacrifício de Jesus na Cruz vos ensine a fazer de vós próprios um dom total aos irmãos. O Representante pontifício, no desempenho da sua missão, é chamado a oferecer este testemunho de acolhimento para com o próximo, fruto de uma união constante com Cristo.

Amados Sacerdotes da Academia Eclesiástica, obrigado de novo por esta vossa visita, que me permite ressaltar a importância do papel e da função dos Núncios Apostólicos, oferecendo-me ao mesmo tempo a ocasião de agradecer a todos os que trabalham nas Nunciaturas e no serviço diplomático da Santa Sé. Formulo uma saudação particular e bons votos a quantos de vós estão para deixar a Academia e assumir o seu primeiro encargo: o Senhor vos ampare e vos acompanhe com a sua graça. Confio todos vós, queridos irmãos, à protecção da Santa Mãe de Deus, modelo e conforto para quantos tendem para a Santidade e se dedicam à causa do Reino. Vigiem sobre vós o Padroeiro da Academia Eclesiástica, Santo António Abade, São Pedro e São Paulo, do qual nos preparamos para celebrar um ano jubilar por ocasião do bimilenário do nascimento. Acompanhem-vos sempre também a minha oração e a Bênção, que concedo de coração a cada um de vós, às Reverendas Irmãs, ao Pessoal da Academia e a todos os vossos familiares.




NA ABERTURA DO CONGRESSO ECLESIAL DA DIOCESE DE ROMA Basílica de São João de Latrão

Segunda-feira, 9 de Junho de 2008


Queridos irmãos e irmãs!

Esta é a quarta vez que tenho a alegria de estar convosco por ocasião do Congresso que reúne anualmente as numerosas energias vivas da Diocese de Roma, para dar continuidade e indicar metas partilhadas à nossa pastoral. Dirijo uma saudação afectuosa e cordial a cada um de vós, Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, pessoas consagradas, leigos das comunidades paroquiais, das associações e movimentos eclesiais, famílias, jovens, pessoas comprometidas de várias formas na obra formativa e educativa. Agradeço de coração ao Cardeal Vigário as palavras que me dirigiu em nome de todos.

Depois de ter dedicado por três anos uma atenção especial à família, há já dois anos pusemos no centro o tema da educação das novas gerações. É um tema que abrange antes de tudo as famílias, mas diz respeito muito directamente também à Igreja, à escola e a toda a sociedade. Procuramos responder assim àquela "emergência educativa" que representa para todos um grande e iniludível desafio. O objectivo que nos propusemos para o próximo ano pastoral, e sobre o qual reflectiremos neste Congresso, ainda faz referência à educação, na óptica da esperança teologal, que se nutre da fé e da confiança no Deus que em Jesus Cristo se revelou como o verdadeiro amigo do homem. "Jesus ressuscitou: educar para a esperança na oração, na acção, no sofrimento" será portanto o tema deste nosso encontro. Jesus ressuscitado dos mortos é verdadeiramente o fundamento indefectível sobre o qual se baseiam a nossa fé e a nossa esperança. E isto desde o início, desde os Apóstolos, que foram testemunhas directas da sua ressurreição e anunciaram-na ao mundo ao preço da própria vida. E assim é hoje e sempre será. Como escreve o Apóstolo Paulo no capítulo 15 da primeira Carta aos Coríntios, "se Cristo não ressuscitou, são vazias a nossa pregação e a nossa fé" (v. 14), se "tão somente nesta vida esperamos em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens" (v. 19). Repito-vos quanto disse a 19 de Outubro de 2006 no Congresso eclesial de Verona: "A ressurreição de Cristo é um acontecimento da história, do qual os Apóstolos foram testemunhas e certamente não os criadores. Ao mesmo tempo ela não é um simples regresso à nossa vida terrena; é, pelo contrário, a maior "mudança" que jamais se verificou, o "salto" decisivo para uma dimensão de vida profundamente nova, a entrada numa ordem decididamente diversa, que se refere antes de tudo a Jesus de Nazaré, mas com Ele também a nós, a toda a família humana, à história de todo o universo".

À luz de Jesus ressuscitado dos mortos podemos portanto compreender as verdadeiras dimensões da fé cristã, como "esperança que transforma e sustenta a nossa vida" (Encíclica Spe salvi ), libertando-nos daqueles equívocos e das alternativas falsas que ao longo dos séculos limitaram e enfraqueceram o alcance da nossa esperança. Concretamente, a esperança de quem crê em Deus que ressuscitou Jesus dos mortos estende-se totalmente àquela felicidade e alegria plena e total à qual chamamos vida eterna, mas precisamente por isso diz respeito, anima e transforma a nossa existência terrena quotidiana, dá uma orientação e um significado não efémeros às nossas pequenas esperanças assim como aos esforços que realizamos para mudar e tornar menos injusto o mundo no qual vivemos. Analogamente, a esperança cristã refere-se sem dúvida de modo pessoal a cada um de nós, a salvação eterna do nosso eu e a nossa vida neste mundo, mas é também esperança comunitária, esperança para a Igreja e para toda a família humana, isto é, "sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim" (ibid., 48).

712 Na sociedade e na cultura actual, e portanto também na nossa amada cidade de Roma, não é fácil viver no sinal da esperança cristã. De facto, por um lado, prevalecem com frequência atitudes de desconfiança, desilusão e resignação, que contradizem não só a "grande esperança" da fé, mas também aquelas "pequenas esperanças" que normalmente nos confortam no esforço de alcançar os objectivos da vida quotidiana. Isto é, está difundida a sensação de que, para a Itália e para a Europa, os anos melhores já passaram e que às novas gerações caberá um destino de precariedade e de incerteza. Por outro lado, as expectativas de grandes novidades e melhoramentos concentram-se nas ciências e nas tecnologias, portanto nas forças e nas descobertas do homem, como se fossem as únicas que dão a solução aos problemas. Seria insensato negar ou subestimar a grande contribuição das ciências e das tecnologias para a transformação do mundo e das nossas concretas condições de vida, mas seria de igual modo míope ignorar que os seus progressos colocam nas mãos do homem também abismais possibilidades de mal e que, contudo, não são as ciências e as tecnologias que podem dar um sentido à nossa vida e que nos podem ensinar a distinguir o bem do mal. Por isso, como escrevi na Spe salvi, não é a ciência mas o amor que redime o homem e isto é válido também no âmbito terreno e intramundano (cf. n. 26).

Aproximamo-nos assim do motivo mais profundo e decisivo da debilidade da esperança no mundo em que vivemos. Este motivo no fim de contas não é diverso do que indica o Apóstolo Paulo aos cristãos de Éfeso, quando lhes recorda que, antes de encontrar Cristo, viviam "sem esperança e sem Deus no mundo" (
Ep 2,12). A nossa civilização e a nossa cultura, que também encontraram Cristo há já dois mil anos e especialmente aqui em Roma seriam irreconhecíveis sem a sua presença, contudo tendem com demasiada frequência a excluir Deus, a organizar sem Ele a vida pessoal e social, e também a considerar que de Deus nada se possa conhecer, ou até a negar a sua existência. Mas quando Deus é posto de lado nenhuma das coisas que nos interessam verdadeiramente pode encontrar uma colocação estável, todas as nossas grandes e pequenas esperanças se baseiam no vazio. Para "educar para a esperança", como nos propomos neste Congresso e no próximo ano pastoral, é portanto necessário antes de tudo abrir a Deus o nosso coração, a nossa inteligência e toda a nossa vida, para assim sermos, entre os nossos irmãos, suas testemunhas credíveis.

Nos nossos precedentes Congressos diocesanos já reflectimos sobre as causas da actual emergência educativa e sobre as propostas que podem servir para a superar. Nos meses passados, também através da minha carta sobre a tarefa urgente da educação, também procuramos envolver toda a cidade, em particular as famílias e as escolas, neste empreendimento comum. Portanto, não é necessário voltar agora a reflectir sobre estes aspectos. Vejamos antes como nos educarmos concretamente para a esperança, dirigindo a nossa atenção para alguns "lugares" da sua aprendizagem prática e do seu exercício efectivo, que já indiquei na Spe salvi. Entre estes encontra lugar antes de tudo a oração, com a qual nos abrimos e nos dirigimos Àquele que é a origem e o fundamento da nossa esperança. A pessoa que reza nunca está totalmente sozinha porque Deus é o único que, em qualquer situação e prova, é sempre capaz de a ouvir e ajudar. Através da perseverança na oração o Senhor alarga o nosso desejo e dilata o nosso coração, tornando-nos mais capazes de o acolher em nós. Portanto, o modo justo de rezar é um processo de purificação interior. Devemos expor-nos ao olhar de Deus, ao próprio Deus e assim na luz do rosto de Deus dissipam-se as mentiras, as hipocrisias. Este expor-se na oração ao rosto de Deus é realmente uma purificação que nos renova, liberta e abre não só a Deus, mas também aos irmãos. Portanto, é o oposto de uma fuga das nossas responsabilidades para com o próximo. Ao contrário, através da oração aprendemos a manter o mundo aberto a Deus e a tornarmo-nos ministros da esperança para os outros. Porque falando com Deus vemos toda a comunidade da Igreja, comunidade humana, todos os irmãos, e assim aprendemos a responsabilidade pelos outros e também a esperança de que Deus nos ajuda no nosso caminho. Educar para a oração, aprender "a arte da oração" dos lábios do Mestre divino, como os primeiros discípulos que lhe pediam "Senhor, ensina-nos a rezar!" (Lc 11,1), é por conseguinte uma tarefa essencial. Aprendendo a oração, aprendemos a viver e devemos rezar e viver cada vez melhor com a Igreja e com o Senhor a caminho. Como nos recordava o amado Servo de Deus João Paulo II na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, "As nossas comunidades cristãs devem tornar-se autênticas "escolas" de oração, nas quais o encontro com Cristo não se expressa apenas em imploração de ajuda, mas também em acção de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, fervor de afectos, até chegar a um verdadeiro "enlevo" do coração" (n. 33): assim a esperança Cristã crescerá em nós. E com a esperança crescerá o amor a Deus e ao próximo.

Na Encíclica Spe salvi escrevi: "Toda a acção séria e recta do homem é esperança em acto" (n. 35). Como discípulos de Jesus participemos portanto com alegria no esforço para tornar mais belo, humano e fraterno o rosto desta nossa cidade, para fortalecer a sua esperança e a alegria de uma pertença comum. Queridos irmãos e irmãs, precisamente a consciência aguda e difundida dos males e dos problemas que Roma tem em si está a despertar a vontade de um esforço como este: compete-nos dar-lhe a nossa contribuição específica, começando pelo ponto decisivo que é a educação e a formação da pessoa, mas enfrentando com espírito construtivo também os muitos outros problemas concretos que, com frequência, tornam cansativa a vida de quem habita nesta cidade. Em particular, procuraremos promover uma cultura e uma organização social mais favoráveis à família e ao acolhimento da vida, além da valorização das pessoas idosas, tão numerosas na população de Roma. Trabalharemos para responder àquelas necessidades primárias que são o trabalho e a casa, sobretudo para os jovens. Partilharemos o compromisso para tornar a nossa cidade mais segura e "vivível", mas trabalharemos para que ela o seja para todos, sobretudo para os mais pobres, e para que não seja excluído o emigrado que vem viver entre nós com o propósito de encontrar um espaço de vida no respeito das nossas leis.

Não preciso entrar mais concretamente nestas problemáticas, que vós conheceis bem, porque as viveis quotidianamente. Antes, desejo ressaltar aquela atitude e estilo com os quais trabalha e se compromete aquele que coloca a sua esperança antes de tudo em Deus. É, sobretudo, uma atitude de humildade, que não pretende ter sempre sucesso, ou ser capaz de resolver qualquer problema com as próprias forças. Mas é também, e pelo mesmo motivo, uma atitude de grande confiança, de tenacidade e de coragem: de facto o crente sabe que, não obstante todas as dificuldades e malogros, a sua vida, o seu agir e a história no seu conjunto são guardados no poder indestrutível do amor de Deus; que, portanto, eles nunca são infecundos nem privados de sentido. Nesta perspectiva podemos compreender mais facilmente que a esperança cristã vive também no sofrimento, aliás, que precisamente o sofrimento educa e fortalece a nível especial a nossa esperança. Certamente temos que "fazer todo o possível para diminuir o sofrimento: impedir, na medida do possível, o sofrimento dos inocentes; aplacar os sofrimentos; amenizar as dores; ajudar a superar os sofrimentos psíquicos" (Spe salvi ) e grandes progressos foram efectivamente realizados, em particular na luta contra a dor física. Mas não podemos eliminar totalmente o sofrimento do mundo, porque não está em nosso poder esgotar as suas fontes: a finitude do nosso ser e o poder do mal e da culpa. De facto, o sofrimento dos inocentes e também o mal-estar psíquico tendem infelizmente a crescer no mundo. Na realidade, a experiência humana de hoje e de sempre, em particular a experiência dos Santos e dos Mártires, confirma a grande verdade cristã que não é a fuga face à dor que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e maturar nela, encontrando-lhe um sentido mediante a união com Cristo. Na relação com o sofrimento e com as pessoas que sofrem determina-se portanto a medida da nossa humanidade, quer para cada um de nós quer para a sociedade na qual vivemos. Compete à fé cristã este merecimento histórico, o de ter suscitado no homem, de modo novo e com uma nova profundidade, a capacidade de partilhar também interiormente o sofrimento do outro, que deste modo já não está só no seu sofrimento, e também de sofrer por amor do bem, da verdade e da justiça: tudo isto está muito acima das nossas forças, mas torna-se possível a partir do compadecer de Deus por amor do homem na paixão de Cristo.

Queridos irmãos e irmãs, eduquemo-nos todos os dias para a esperança que matura no sofrimento. Somos chamados a fazê-lo em primeiro lugar quando somos pessoalmente atingidos por uma grave doença ou por qualquer outra provação dura. Mas cresceremos igualmente na esperança através da ajuda concreta e da proximidade quotidiana ao sofrimento quer dos nossos vizinhos e familiares quer de qualquer pessoa que é o nosso próximo, porque nos aproximamos dele com uma atitude de amor. E mais, aprendamos a oferecer ao Deus rico em misericórdia as pequenas canseiras da existência quotidiana, inserindo-as humildemente no grande "compadecer" de Jesus, naquele tesouro de compaixão do qual o género humano tem necessidade. A esperança dos crentes em Cristo não pode, contudo, terminar neste mundo, mas está intrinsecamente orientada para a comunhão plena e eterna com o Senhor. Por isso, no final da minha Encíclica detive-me sobre o Juízo de Deus como lugar de aprendizagem e de prática da esperança. Procurei assim tornar de novo de certa forma familiar e compreensível à humanidade e à cultura do nosso tempo a salvação que nos é prometida no mundo além da morte, mesmo se daquele mundo não podemos ter na terra uma verdadeira experiência. Para restituir à educação para a esperança as suas verdadeiras dimensões e a sua motivação decisiva, todos nós, começando pelos sacerdotes e pelos catequistas, devemos colocar de novo no centro da proposta da fé esta grande verdade, que tem as suas "primícias" em Jesus Cristo ressuscitado dos mortos (cf. 1Co 15,20-23).

Queridos irmãos e irmãs, termino esta reflexão agradecendo a cada um de vós a generosidade e a dedicação com que trabalhais na vinha do Senhor e peço-vos que guardeis sempre dentro de vós, que alimenteis e fortaleçais antes de tudo com a oração o grande dom da esperança cristã. Peço-o de modo especial a vós, jovens, que sois chamados a fazer vosso este dom na liberdade e na responsabilidade, para vivificar através dele o futuro da nossa amada cidade. Confio a Maria Santíssima, Estrela da esperança, cada um de vós e toda a Igreja de Roma. A minha oração, o meu afecto e a minha bênção vos acompanhem neste Congresso e no ano pastoral que nos espera.





Discursos Bento XVI 20608