Discursos Bento XVI 21309

ENCONTRO COM OS JOVENS EM LUANDA Estádio dos Coqueiros - Luanda Sábado, 21 de Março de 2009

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Queridos amigos!

Viestes em grande número – e representais aqui muitos mais unidos espiritualmente –, para encontrar o Sucessor de Pedro e, comigo, proclamar a todos a alegria de acreditar em Jesus Cristo e renovar o compromisso de ser seus discípulos fiéis neste nosso tempo. Análogo encontro teve lugar nesta mesma cidade, a 7 de Junho de 1992, com o amado Papa João Paulo II; com as feições um pouco diferentes mas o mesmo amor no coração, aqui tendes o actual Sucessor de Pedro, que vos abraça a todos em Jesus Cristo, que «é o mesmo ontem, hoje e para sempre» (
He 13,8).

Antes de mais nada, quero agradecer-vos por esta festa que me fazeis, por esta festa que sois, pela vossa presença e a vossa alegria. Dirijo uma saudação afectuosa aos venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio e aos vossos animadores. De coração agradeço e saúdo a quantos prepararam este Encontro e de modo particular à Comissão Episcopal da Juventude e Vocações com o seu presidente, Dom Kanda Almeida, a quem agradeço as cordiais boas-vindas que me dirigiu. Saúdo a todos os jovens, católicos e não católicos, à procura de uma resposta para os seus problemas, alguns dos quais certamente referidos pelos vossos representantes cujas palavras ouvi com gratidão. O abraço que lhes dei vale naturalmente para todos vós.

Encontrar os jovens faz bem a todos! Talvez tenham tantas dificuldades, mas trazem consigo tanta esperança, tanto entusiasmo e tanta vontade de recomeçar. Jovens amigos, guardais dentro de vós próprios a dinâmica do futuro. Convido-vos a olhá-lo com os olhos do apóstolo João: «Vi um novo céu e uma nova terra (…) e também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo. E do trono ouvi uma voz forte que dizia: “Eis a morada de Deus com os homens”» (Ap 21,1-3). Queridos amigos, Deus faz a diferença. Desde a serena intimidade entre Deus e o casal humano no jardim do Éden, passando pela glória divina que irradiava da Tenda da Reunião no meio do povo de Israel ao longo da sua travessia pelo deserto, até à encarnação do Filho de Deus que Se uniu indissoluvelmente ao homem em Jesus Cristo. Este mesmo Jesus retoma a travessia do deserto humano passando pela morte e chega à ressurreição, arrastando consigo toda a humanidade para Deus. Agora Jesus já não está confinado num espaço e tempo determinados, mas o seu Espírito – o Espírito Santo – emana d’Ele e entra nos nossos corações, unindo-nos assim com o próprio Jesus e com Ele ao Pai – com o Deus uno e trino.

Sim, meus caros amigos! Deus faz a diferença… Mais ainda! Deus faz-nos diferentes, faz-nos novos. Tal é a promessa que Ele mesmo nos faz: «Vou renovar todas as coisas» (Ap 21,5). E é verdade! Diz-no-lo o apóstolo São Paulo: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus, que por meio de Jesus Cristo nos reconciliou consigo» (2Co 5,17-18). Tendo subido aos Céus e entrado na eternidade, Jesus Cristo ficou Senhor de todos os tempos. Por isso, Ele pode fazer-Se nosso companheiro no presente, e tem o livro dos nossos dias na sua mão: nela segura firmemente o passado, com as fontes e os alicerces do nosso ser; nela guarda ciosamente o futuro, deixando-nos vislumbrar a mais bela alvorada de toda a nossa vida que d’Ele irradia, ou seja, a ressurreição em Deus. O futuro da humanidade nova é Deus; antecipação inicial disso mesmo é a sua Igreja. Quando puderdes, lede com atenção a sua história: dar-vos-eis conta que a Igreja, com o passar dos anos, não envelhece; antes, torna-se cada vez mais jovem, porque caminha ao encontro do Senhor, aproximando-se cada vez mais da única e verdadeira fonte donde brota a juventude, a novidade, a regeneração, a força da vida.

Amigos que me escutais, o futuro é Deus. Como há pouco ouvimos, «Ele enxugará todas as lágrimas dos olhos; nunca mais haverá morte, nem luto, nem gemidos nem dor, porque o mundo antigo desapareceu» (Ap 21,4). Entretanto, vejo aqui presentes alguns dos milhares de jovens angolanos mutilados em consequência da guerra e das minas, penso nas lágrimas sem conta que muitos de vós verteram pela perda dos familiares, e não é difícil imaginar as nuvens cinzentas que ainda cobrem o céu dos vossos sonhos melhores… E leio no vosso coração uma dúvida, que me lançais: «Isto temos. Aquilo que nos diz, não se vê. A promessa tem a garantia divina – e nós o cremos –, mas Deus, quando Se levantará para renovar todas as coisas?» A resposta de Jesus é a mesma que Ele deu aos seus discípulos: «Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. Em casa de meu Pai, há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar» (Jn 14,1-2). Mas vós, queridos jovens, insistis: «De acordo! Mas quando sucederá isto?» A idêntica pergunta feita pelos apóstolos, Jesus respondeu: «Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou com a sua autoridade. Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas (…) até aos confins do mundo» (Ac 1,7-8). Reparai que Jesus não nos deixa sem resposta; diz-nos claramente uma coisa: a renovação começa dentro; sereis dotados de uma força do Alto. A força dinâmica do futuro está dentro de vós.

Está dentro… como? Como a vida está dentro de uma semente: assim o explicou Jesus, numa hora crítica do seu ministério. Este começara com grande entusiasmo, pois a gente via os doentes curados, os demónios expulsos, o Evangelho anunciado; mas, quanto ao resto, o mundo continuava como antes: os romanos dominavam ainda; a vida era difícil no dia a dia, apesar destes sinais, destas lindas palavras. E o entusiasmo foi esmorecendo, até ao ponto de muitos discípulos abandonarem o Mestre (cf. Jn 6,66), que pregava mas não mudava o mundo. E todos se interrogavam: Afinal que vale esta mensagem? Que traz este Profeta de Deus? Então Jesus falou de um semeador que semeia no campo do mundo, explicando que a semente é a sua Palavra (cf. Mc 4,3-20), são as curas realizadas: verdadeiramente pouca coisa, se comparada com as enormes carências e “macas” (dificuldades) da realidade de todos os dias. E todavia na semente está presente o futuro, porque a semente traz em si o pão de amanhã, a vida de amanhã. A semente parece quase nada, mas é a presença do futuro, é promessa já presente hoje; quando cai em terra boa, frutifica trinta, sessenta e até cem vezes mais.

Meus amigos, vós sois uma semente lançada por Deus à terra, que traz no coração uma força do Alto, a força do Espírito Santo. Mas, para passar da promessa de vida ao fruto, o único caminho possível é dar a vida por amor, é morrer por amor. Foi o próprio Jesus que o disse: «Se a semente, caindo na terra, não morrer fica ela só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo perde a sua vida conservá-la-á para a vida eterna» (cf. Jn 12,24-25). Assim falou Jesus, e assim o fez: a sua crucifixão parece o falimento total, mas não! Jesus, animado pela força de «um Espírito eterno, ofereceu-Se a Si mesmo a Deus como vítima sem mancha» (He 9,14). E deste modo, caindo em terra, Ele pôde dar fruto o tempo todo e em todos os tempos. E aí tendes o novo Pão, o Pão da vida futura, a Santíssima Eucaristia que nos alimenta e faz desabrochar a vida trinitária no coração dos homens.

Jovens amigos, sementes dotadas com a força do mesmo Espírito eterno, desabrochai ao calor da Eucaristia, onde se realiza o testamento do Senhor: Ele dá-Se a nós, e nós respondemos dando-nos aos outros por amor d’Ele. Tal é o caminho da vida; mas só o podereis percorrer graças a um constante diálogo com o Senhor e um verdadeiro diálogo entre vós. Acultura social predominante não vos ajuda a viver nem a Palavra de Jesus nem o dom de vós mesmos a que Ele vos convida segundo o desígnio do Pai. Queridos amigos, a força está dentro de vós, como o estava em Jesus que dizia: «O Pai que está em Mim, é que faz as obras. (…) Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o meu Pai» (Jn 14,10 Jn 14,12). Por isso, não tenhais medo de tomar decisões definitivas. Generosidade não vos falta – eu sei! –, mas, perante o risco de se comprometer para uma vida inteira quer no matrimónio quer numa vida de especial consagração, sentis medo: «O mundo vive em contínuo movimento e a vida está cheia de possibilidades. Poderei eu dispor agora da minha vida inteira, ignorando os imprevistos que me reserva? Não será que eu, com uma decisão definitiva, jogo a minha liberdade e me prendo com as minhas próprias mãos?» Tais são as dúvidas que vos assaltam e que a actual cultura individualista e hedonista aviva. Mas quando o jovem não se decide, corre o risco de ficar uma eterna criança!

Eu digo-vos: Coragem! Ousai decisões definitivas, porque na verdade são as únicas que não destroem a liberdade, mas lhe criam a justa direcção, possibilitando seguir em frente e alcançar algo de grande na vida. Sem dúvida, a vida só pode valer se tiverdes a coragem da aventura, a confiança de que o Senhor nunca vos deixará sozinhos. Juventude angolana, liberta dentro de ti o Espírito Santo, a força do Alto! Confiado nela, como Jesus, arrisca este salto, por assim dizer, no definitivo e com isso dá uma possibilidade à vida! Assim criar-se-ão entre vós ilhas, oásis e depois grandes superfícies de cultura cristã, onde se tornará visível aquela «cidade santa que desce do céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo». Tal é a vida que vale a pena ser vivida e que de coração vos desejo. Viva a juventude de Angola!



ENCONTRO COM OS MOVIMENTOS CATÓLICOS PARA A PROMOÇÃO DA MULHER Paróquia de Santo António, Luanda Domingo, 22 de Março de 2009

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Amados irmãos e irmãs!

«Não têm vinho» – disse Maria numa súplica a Jesus para que o casamento pudesse continuar uma festa, como aliás sempre deve ser: «Os convidados da boda não podem jejuar, enquanto o esposo está com eles» (cf.
Mc 2,19). Depois, a Mãe de Jesus foi recomendar aos serventes: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (cf. Jn 2,1-5). E aquela mediação materna permitiu o «vinho bom», premonitório de uma nova aliança da omnipotência divina com o coração humano pobre mas disponível. Aliás, isto mesmo tinha já acontecido no passado, quando – ouvimo-lo na primeira leitura – «todo o povo respondeu numa só voz: “Faremos tudo o que o Senhor mandar”» (Ex 19,8).

Estas mesmas palavras se elevem do coração de quantos aqui nos reunimos nesta igreja de Santo António, nascida graças à benemérita obra missionária dos Frades Menores Capuchinhos que a quiseram como uma nova Tenda da Arca da Aliança, sinal da presença de Deus no meio do povo em caminho. Sobre eles e quantos colaboram e beneficiam da assistência religiosa e social que daqui jorra, o Papa traça uma benévola e encorajadora Bênção. Saúdo com afecto a cada um dos presentes: bispos, presbíteros, consagrados e consagradas, e de modo particular a vós, fiéis leigos, que conscientemente assumis as tarefas de empenho e testemunho cristão que têm a sua raiz no sacramento do baptismo e, para aqueles que são casados, também no sacramento do matrimónio. E, motivada pela razão principal que aqui nos reúne, uma saudação minha carregada de estima e de esperança vai para as mulheres, a quem Deus confiou as fontes da vida: Vivei e apostai na vida, porque Deus vivo apostou em vós! De ânimo grato saúdo os responsáveis e animadores dos movimentos eclesiais mobilizados nomeadamente para a promoção da mulher angolana. Agradeço ao Senhor Dom José de Queirós Alves e aos vossos representantes as palavras que me dirigiram ilustrando as inquietações e esperanças de tantas heroínas silenciosas como são as mulheres nesta nação amada.

A todos exorto a tomar efectiva consciência das condições desfavoráveis a que estiveram – e continuam a estar – sujeitas muitas mulheres, examinando em que medida a conduta e as atitudes dos homens, às vezes falhos de sensibilidade ou responsabilidade, possam ser a causa daquelas. Os desígnios de Deus são outros. Ouvimos na leitura que o povo inteiro respondeu numa só voz: «Faremos tudo o que o Senhor mandar». Diz a Sagrada Escritura que o Criador divino, ao examinar a obra por Ele realizada, viu nela um senão: era tudo bom, senão fosse o homem estar só! Como podia o homem sozinho ser imagem e semelhança de Deus que é uno e trino, de Deus que é comunhão? «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele» (Gn 2,20). Deus de novo pôs mãos ao trabalho para criar a auxiliar que faltava, dotando-a de modo privilegiado com a ordem do amor que não via suficientemente representada na criação.

Como sabeis, irmãos e irmãs, esta ordem do amor pertence à vida íntima do próprio Deus, à vida trinitária, sendo o Espírito Santo a hipóstase pessoal do amor. Pois bem, «no fundamento do desígnio eterno de Deus – como dizia o saudoso Papa João Paulo II – a mulher é aquela na qual a ordem do amor no mundo criado das pessoas encontra um terreno para deitar a sua primeira raiz» (Carta apostólica Mulieris dignitatem MD 29). De facto, à vista do gracioso encanto que irradia da mulher pela íntima graça que Deus lhe deu, o coração do homem ilumina-se e revê-se nela: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne» (Gn 2,23). A mulher é um outro «eu» na comum humanidade. Há que reconhecer, afirmar e defender a igual dignidade do homem e da mulher: ambos são pessoas, diversamente dos outros seres vivos do mundo que os rodeia.

Ambos são chamados a viver em profunda comunhão, no recíproco reconhecimento e dom de si mesmos, trabalhando juntos para o bem comum com as características complementares do que é masculino e do que é feminino. Quem não adverte, hoje, a necessidade de dar mais espaço às «razões do coração»? Num mundo como o actual dominado pela técnica, sente-se necessidade desta complementaridade da mulher, para o ser humano poder viver nele sem se desumanizar de todo. Pense-se nas terras onde abunda a pobreza, nas zonas devastadas pela guerra, em tantas situações trágicas resultantes de emigrações forçadas ou não… São quase sempre as mulheres que lá mantêm intacta a dignidade humana, defendem a família e tutelam os valores culturais e religiosos.

Queridos irmãos e irmãs, a história regista quase exclusivamente as conquistas dos homens, quando, na realidade, uma parte importantíssima da mesma se fica a dever a acções determinantes, perseverantes e benéficas realizadas por mulheres. Deixai que vos fale de duas entre muitas mulheres extraordinárias: Teresa Gomes e Maria Bonino. Angolana a primeira, faleceu em 2004 na cidade de Sumbe, depois duma vida conjugal feliz de que nasceram 7 filhos; inquebrantável foi a sua fé cristã e admirável o seu zelo apostólico, sobretudo nos anos 1975 e 1976 quando uma feroz propaganda ideológica e política se abateu sobre a paróquia de Nossa Senhora das Graças de Porto Amboim, conseguindo quase fechar as portas da igreja. Teresa tornou-se a líder dos fiéis inconformados com a situação, apoiando-os, defendendo com bravura as estruturas paroquiais e tudo fazendo para terem de novo a santa Missa. O seu amor à Igreja tornou-a incansável na obra da evangelização, sob a orientação dos sacerdotes.

Quanto a Maria Bonino: médica pediatra italiana, oferece-se voluntária para diversas missões nesta África amada, tendo sido a responsável do sector pediátrico no Hospital provincial do Uíje nos dois últimos anos da sua vida. Devotada ao seu cuidado diário de milhares de crianças lá internadas, Maria haveria de pagar com o sacrifício mais alto o serviço lá prestado durante uma terrível epidemia da febre hemorrágica de Marburg, acabando ela mesma contagiada; ainda transferida para Luanda, aqui faleceu e aqui repousa desde 24 de Março de 2005 – faz depois de amanhã 4 anos. A Igreja e a sociedade humana foram– e continuam a ser– imensamente enriquecidas pela presença e as virtudes das mulheres, em particular daquelas que se consagraram ao Senhor e, apoiadas n’Ele, puseram-se ao serviço dos outros.

Hoje, amados angolanos, já ninguém deveria nutrir dúvidas de que as mulheres têm, na base da sua igual dignidade com os homens, «pleno direito de se inserir activamente em todos os âmbitos públicos, e o seu direito há-de ser afirmado e protegido, inclusivamente através de instrumentos legais, onde estes se revelem necessários. O reconhecimento do papel público das mulheres não deve, contudo, diminuir a função insubstituível que têm no interior da família: aqui, a sua contribuição para o bem e o progresso social, apesar de pouco considerado, é de um valor realmente inestimável» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 1995, n. 9). Aliás, a nível pessoal, a mulher sente a própria dignidade não tanto como resultado da afirmação de direitos no plano jurídico, como sobretudo directa consequência da atenção concreta, material e espiritual, recebida no coração da família. A presença materna no seio da família é tão importante para a estabilidade e o crescimento desta célula fundamental da sociedade que deveria ser reconhecida, louvada e apoiada de todos os modos possíveis. E, pelo mesmo motivo, a sociedade deve chamar os maridos e pais às próprias responsabilidades para com a família.

Caríssimas famílias, certamente já vos destes conta de que nenhum casal humano pode sozinho, unicamente com as suas próprias forças, oferecer adequadamente aos filhos o amor e o sentido da vida. De facto, para poder dizer a alguém: «A tua vida é boa, embora eu não conheça o teu futuro», são precisas uma autoridade e credibilidade superiores àquilo que os pais por si sós podem dar. Os cristãos sabem que esta autoridade superior está conferida àquela família mais ampla que Deus, através do seu Filho Jesus Cristo e do dom do Espírito Santo, criou na história dos homens, isto é, à Igreja. Vemos aqui ao trabalho aquele Amor eterno e indestrutível que assegura à vida de cada um de nós um sentido permanente, apesar de não conhecermos o futuro. Por este motivo, a edificação de cada família cristã situa-se no contexto da família maior que é a Igreja, que a apoia e abraça no seu seio garantindo-lhe que sobre ela pousa, agora e no futuro, o «sim» do Criador.

«Não têm vinho» – disse Maria a Jesus. Queridas mulheres angolanas, tomai-A por vossa Advogada junto do Senhor. Assim A conhecemos desde as bodas de Caná: como a Mulher benigna, cheia de materna solicitude e coragem, a Mulher que Se dá conta das necessidades alheias e, no desejo de pôr-lhes remédio, leva-as diante do Senhor. Junto d’Ela, poderemos todos, mulheres e homens, recuperar aquela serenidade e íntima confiança que nos torna felizes em Deus e incansáveis na luta pela vida. Seja a Senhora da Muxima a estrela da vossa vida, que vos guarde unidos na grande família de Deus. Amen.




CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DE ANGOLA Segunda-feira, 23 de Março de 2009

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Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, Luanda



Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Ilustríssimas Autoridades civis, militares e eclesiásticas,
Prezados irmãos e irmãs em Cristo,
Amigos todos de Angola!

Vivamente sensibilizado pela presença de Vossa Excelência, Senhor Presidente, neste momento da minha partida, quero exprimir-lhe o meu apreço e gratidão pelo tratamento fidalgo que me reservou e as disposições tomadas para facilitar o desenvolvimento dos diferentes encontros que me foram dado viver. Tanto às autoridades civis e militares como aos Pastores e responsáveis das comunidades e instituições eclesiais envolvidas nos mesmos, dirijo os mais cordiais agradecimentos por todas as amabilidades que tiveram para comigo durante estes dias que pude passar entre vós. Uma palavra de reconhecimento devo-a aos operadores dos meios de comunicação social, aos agentes dos serviços de segurança e a todos os voluntários que, com generosidade, eficiência e discrição, contribuíram para o bom êxito da minha visita.

Estou grato a Deus por ter encontrado uma Igreja viva e, apesar das dificuldades, cheia de entusiasmo, que soube carregar a sua cruz e a dos outros, testemunhar perante todos a força salvífica da mensagem evangélica. Ela continua a anunciar que chegou o tempo da esperança, empenhando-se na pacificação dos ânimos e convidando ao exercício duma caridade fraterna que saiba abrir-se ao acolhimento de todos, no respeito das ideias e sentimentos de cada um. É hora de me despedir para voltar a Roma, triste por vos deixar, mas feliz por ter conhecido de perto um povo corajoso e decidido a renascer. Não obstante as resistências e os obstáculos, este povo pretende construir o seu futuro caminhando por sendas de perdão, justiça e solidariedade.

Se me permitissem um apelo final, seria para pedir que a justa realização das aspirações fundamentais das populações mais necessitadas constitua a preocupação principal de quantos ocupam cargos públicos, visto que a sua intenção – estou certo – é desempenhar a missão recebida, não para si mesmos, mas em vista do bem comum. O nosso coração não pode estar em paz, enquanto virmos irmãos sofrerem por falta de alimento, de trabalho, de um tecto ou de outros bens fundamentais. Entretanto para se oferecer uma resposta concreta a estes nossos irmãos em humanidade, o primeiro desafio a vencer é o da solidariedade: solidariedade entre as gerações, solidariedade entre países e entre continentes que dê origem a uma partilha cada vez mais equitativa das riquezas da terra entre todos os homens.

E de Luanda estendo o olhar para a África inteira, despedindo-me até ao próximo mês de Outubro na Cidade do Vaticano, quando nos reunirmos para a II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos dedicada a este continente, onde o Verbo de Deus humana do em pessoa encontrou refúgio. Agora peço a Deus que faça sentir a sua protecção e ajuda aos refugiados e deslocados sem número que vagueiam à espera de um retorno a casa. O Deus do céu repete-lhes: «Ainda que tua mãe te esquecesse, Eu nunca te esqueceria» (cf.
Is 49,15). É como filhos e filhas que Deus vos ama; Ele vela sobre os vossos dias e as vossas noites, sobre as vossas fadigas e aspirações.

Irmãos e amigos de África, queridos angolanos, coragem! Não vos canseis de fazer progredir a paz, cumprindo gestos de perdão e trabalhando pela reconciliação nacional, para que jamais prevaleça a violência sobre o diálogo, o medo e o desânimo sobre a confiança, o rancor sobre o amor fraterno. E isto poderá acontecer se vos reconhecerdes uns aos outros como filhos do mesmo e único Pai do Céu. Deus abençoe Angola! Abençoe cada um dos seus filhos e filhas! Abençoe o presente e o futuro desta querida Nação. Ficai com Deus!



ENCONTRO COM OS JORNALISTAS DURANTE A VIAGEM AÉREA DE REGRESSO Segunda-feira, 23 de Março de 2009

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Queridos amigos, vejo que estais ainda a trabalhar. O meu trabalho está quase terminado, ao contrário do vosso que recomeça. Obrigado por este serviço.

Ficaram-me gravadas na memória sobretudo duas sensações: por um lado, a sensação desta cordialidade quase exuberante, desta alegria, duma África em festa, e parece-me que viram no Papa, por assim dizer, a personificação do facto de sermos todos filhos e família de Deus. Existe esta família e nós, com todos os nossos limites, estamos nesta família e Deus está connosco. Digamos que a presença do Papa ajudou a sentir isto e a viver realmente na alegria.

Por outro lado, impressionou-me muito o espírito de recolhimento nas liturgias, o sentido intenso do sagrado: nas liturgias, não há auto-apresentação dos grupos, auto-animação, mas há a presença do sagrado, do próprio Deus. Até os movimentos eram sempre marcados pelo respeito e consciência da presença divina. Isto suscitou em mim uma grande impressão.

Depois devo dizer que me deixou profundamente consternado o facto de, sexta-feira à noite, no caos que se criou à porta do Estádio, terem morrido duas jovens. Rezei e rezo por elas. Infelizmente uma delas ainda não foi identificada. O Cardeal Bertone e D. Filoni puderam visitar a mãe da outra: uma mulher viúva, corajosa, com cinco filhos. A primeira destes – precisamente aquela que morreu – era catequista. Todos nós rezamos e esperamos que, no futuro, as coisas se possam organizar de modo que isto não volte a acontecer.

Mais duas recordações que me ficaram na memória: uma recordação especial – haveria aqui muito a dizer – refere-se ao Centro Cardeal Léger: o coração ficou comovido ao ver lá o mundo das múltiplas doenças – todo o sofrimento, a tristeza, a pobreza da existência humana – mas também por ver como Estado e Igreja colaboram para ajudar os doentes. Por um lado, o Estado gere de modo exemplar este grande Centro e, por outro, movimentos eclesiais e realidades da Igreja colaboram para ajudar realmente estas pessoas. E vê-se – na minha perspectiva – que o homem ajudando quem sofre torna-se mais homem, o mundo torna-se mais humano. Isto é o que permanece impresso na minha memória.


Não nos limitámos a distribuir o Instrumentum laboris para o Sínodo, mas trabalhámos também para o Sínodo. Ao entardecer do dia de S. José, reuni-me com todos os componentes do Conselho do Sínodo – 12 Bispos – e cada um falou sobre a situação da sua Igreja local. Referiram-me as suas propostas, as suas expectativas, e assim nasceu uma ideia muito rica da realidade da Igreja na África: como se move, como sofre, o que faz, quais são as esperanças, os problemas. Poderia contar muitas coisas, como, por exemplo, da Igreja na África do Sul, que teve uma experiência de reconciliação difícil, mas substancialmente bem sucedida: agora ela ajuda com as suas experiências a tentativa de reconciliação no Burúndi e procura fazer algo parecido, embora com enormes dificuldades, no Zimbabwe.

Por fim, quero mais uma vez agradecer a quantos contribuíram para o bom êxito desta viagem: vimos os preparativos que a tinham precedido, como todos colaboraram. Desejo agradecer às autoridade estatais, civis, às autoridades da Igreja e a todas as pessoas que colaboraram. Parece-me que verdadeiramente a palavra final desta aventura deve ser «obrigado». Obrigado uma vez mais também a vós, jornalistas, pelo trabalho que fizestes e continuais a fazer. Boa viagem a todos. Obrigado!

AOS JOVENS DO SERVIÇO CIVIL NACIONAL ITALIANO Sábado, 28 de Março de 2009

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Caros amigos

Bem-vindos e obrigado por esta vossa visita agradável. Para mim é sempre uma alegria encontrar-me com os jovens; neste caso, sinto-me ainda mais feliz porque vós sois voluntários do serviço civil, característica que revigora a minha estima por vós, convidando-me a propor-vos algumas reflexões ligadas à vossa actividade específica. Antes, porém, desejo saudar o Subsecretário da Presidência do Conselho de Ministros, Senador Carlo Giovanardi, que promoveu este encontro em nome do governo italiano, enquanto lhe agradeço também as suas amáveis palavras. Saúdo de igual modo as demais Autoridades presentes.

Queridos amigos, o que pode dizer o Papa a jovens comprometidos no serviço civil nacional? Em primeiro lugar, pode congratular-se pelo entusiasmo que vos anima e pela generosidade com que desempenhais esta vossa missão de paz. Além disso, permiti-me que vos proponha uma reflexão que, poderia dizer, vos diz respeito de modo mais directo, uma reflexão tirada da Constituição do Concílio Vaticano II, Gaudium et spes – "alegria e esperança" – que diz respeito à Igreja no mundo contemporâneo. Na parte final deste documento conciliar, onde se enfrenta também o tema da paz entre os povos, encontra-se uma expressão fundamental sobre a qual é bom reflectir: "A paz jamais é algo adquirido de uma vez para sempre, mas deve estar continuamente em construção" (n. 78). Como é real esta observação! Infelizmente, guerras e violências jamais cessam, e a busca da paz é sempre cansativa. Em anos caracterizados pelo perigo de possíveis conflitos planetários, o Concílio Vaticano II denunciava com força – neste texto – a corrida aos armamentos. "A corrida aos armamentos, para que tendem tantas nações, não é o caminho seguro para consolidar firmemente a paz", e imediatamente acrescentava que a corrida ao rearmamento "é um gravíssimo flagelo da humanidade e prejudica os pobres de maneira intolerável" (Gaudium et spes
GS 81). A esta preocupante constatação os Padres conciliares faziam seguir estes bons votos: "Devem escolher-se novos caminhos – eles afirmam – começando a partir de uma mentalidade renovada, para que se remova este escândalo e a fim de que se possa estabelecer a verdadeira paz, libertando o mundo da ansiedade que o oprime" (Ibidem).

"Novos caminhos", portanto, "começando a partir de uma mentalidade renovada", da renovação dos espíritos e das consciências. Tanto hoje como ontem, a autêntica conversão dos corações representa o caminho justo, o único que pode levar cada um de nós e toda a humanidade à paz almejada. Este é o caminho indicado por Jesus: Ele – que é o Rei do universo – não veio para trazer a paz ao mundo com um exército, mas através da rejeição da violência. Disse-o explicitamente a Pedro, no Horto das Oliveiras: "Repõe a tua espada na bainha, pois todos aqueles que se servirem da espada, de espada hão-de morrer" (Mt 26,52); e depois, a Pôncio Pilatos: "Se o meu Reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos para que Eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu Reino não é daqui" (Jn 18,36).

É o caminho que seguiram e seguem não somente os discípulos de Cristo, mas numerosos homens e mulheres de boa vontade, testemunhas corajosas da força da não-violência. Ainda na Gaudium et spes, o Concílio afirmava: "Não podemos deixar de louvar aqueles que, renunciando à acção violenta na reivindicação dos seus direitos, recorrem a meios de defesa que, por outro lado, estão ao alcance até dos mais fracos desde que isto se possa fazer sem lesar os direitos de outros ou da comunidade" (n. 78). Estimados jovens amigos, também vós pertenceis a esta categoria de agentes de paz. Por conseguinte, sede sempre e em toda a parte instrumentos de paz, rejeitando com determinação o egoísmo e a injustiça, a indiferença e o ódio, para construirdes e difundirdes com paciência e perseverança a justiça, a igualdade, a liberdade, a reconciliação, o acolhimento e o perdão de toda a comunidade.

Prezados jovens, apraz-me aqui dirigir-vos o convite com que concluí a mensagem do passado dia 1 de Janeiro, por ocasião do Dia Mundial da Paz, exortando-vos "a alargar o coração às necessidades dos pobres e a fazer tudo o que lhe for concretamente possível para ir ao seu socorro. De facto, parece como indiscutivelmente verdadeiro o axioma "combater a pobreza é construir a paz"". Muitos de vós – penso por exemplo em quantos trabalham com a Cáritas e noutras estruturas sociais – estão quotidianamente comprometidos em serviços destinados às pessoas em dificuldade. Mas de qualquer maneira, na variedade dos âmbitos de voluntariado cada um, através desta experiência de voluntariado, pode reforçar a sua própria sensibilidade social, conhecer mais de perto os problemas das pessoas e fazer-se promotor activo de uma solidariedade concreta. Este é, sem dúvida, o principal objectivo do serviço civil nacional, uma finalidade formativa: educar as jovens gerações para que cultivem o sentido de atenção responsável em relação às pessoas necessitadas e ao bem comum.

Caros rapazes e moças, um dia Jesus disse às pessoas que O seguiam: "Quem quiser salvar a própria vida, perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á" (Mc 8,35). Nestas palavras há uma verdade não só cristã, mas universalmente humana: a vida é um mistério de amor, que tanto mais nos pertence, quanto mais a doarmos. Aliás, quanto mais nos doarmos, ou seja, quanto mais nos entregarmos a nós mesmos, o nosso tempo, os nossos recursos e as nossas qualidades, para o bem dos outros. Di-lo uma célebre oração atribuída a São Francisco de Assis, que começa assim: "Ó Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz"; e termina com estas palavras: "Pois é dando que se recebe, perdoando que se é perdoado e morrendo que se vive para a vida eterna".

Dilectos amigos, seja sempre esta a lógica da vossa vida, não só agora que sois jovens, mas também amanhã, quando revestirdes – estes são os meus votos – funções significativas na sociedade e quando formardes uma família. Sede pessoas prontas a dedicar-se aos outros, dispostas também a padecer pelo bem e pela justiça. Por isso asseguro a minha oração, confiando-vos à salvaguarda de Maria Santíssima. Desejo-vos um bom serviço e abençoo-vos todos de coração, juntamente com os vossos entes queridos e as pessoas que encontrais diariamente.



Discursos Bento XVI 21309