Discursos Bento XVI 916


VISITA À REGIÃO DOS ABRUZOS ATINGIDA PELO TERRAMOTO

ENCONTRO COM A POPULAÇÃO DE ÁQUILA

DISCURSO E ORAÇÃO Praça da Caserma da Guarda de Finanças

Áquila, 28 de Abril de 2009


Queridos irmãos e irmãs!

Estou grato pelo vosso acolhimento, o qual me comove profundamente. Abraço-vos a todos com afecto em nome de Cristo, nossa firme Esperança. Saúdo o vosso Arcebispo, o querido D. Giuseppe Molinari, o qual, como Pastor partilhou e está a partilhar convosco esta dura provação; agradeço-lhe as enternecedoras palavras cheias de fé e confiança evangélica com as quais se fez intérprete dos vossos sentimentos. Saúdo o Presidente da Câmara Municipal de Áquila, Sua Ex. o Senhor Massimo Cialente, que com grande empenho está a trabalhar para o renascimento desta cidade; e também o Presidente da Região, Sua Ex. o Senhor Gianni Chiodi. Agradeço a ambos as profundas palavras. Saúdo a Guarda de Finanças, que nos acolhe neste local. Saúdo os Párocos, os demais sacerdotes e as religiosas. Saúdo os Presidentes das Câmaras Municipais das cidades atingidas por esta tragédia, e todas as Autoridades civis e militares: a Protecção Civil, o Corpo de Bombeiros, a Cruz Vermelha, as Equipas de Socorro e os numerosos voluntários das diversas associações. Nomeá-las todas seria difícil, mas a cada uma gostaria de fazer chegar uma especial palavra de apreço. Obrigado pelo que fizestes e, sobretudo, pelo amor com o qual o fizestes. Obrigado pelo exemplo que destes. Ide em frente unidos e bem coordenados, de modo que se possam actuar quanto antes soluções eficazes para quem está a viver hoje nos acampamentos. É o que desejo de coração, e rezo por isto.

917 Iniciei esta minha visita de Onna, tão fortemente atingida pelo sismo, pensando nas outras comunidades vítimas do terramoto. Todas as vítimas desta catástrofe, estão no meu coração: crianças, jovens, adultos, idosos, abruzeses e de outras regiões da Itália e também de diversas nações. A paragem na Basílica de Collemaggio, para venerar os despojos do santo Papa Celestino V, permitiu-me ver de perto o coração ferido desta cidade. Quis que fosse uma homenagem à história e à fé da vossa terra, e a todos vós, que vos identificais com este Santo. Sobre a sua urna, como Vossa Excelência recordou, Senhor Presidente da Câmara Municipal, deixei como sinal da minha participação espiritual o Pálio que me foi imposto no dia do início do meu Pontificado. Foi também muito comovedor para mim rezar diante da Casa do Estudante, onde muitas jovens vidas foram ceifadas pela violência do sismo. Ao atravessar a cidade, dei-me conta ainda mais de quanto tenham sido graves as consequências do terramoto.

Eis-me agora aqui, nesta Praça na qual se encontra a Escola da Guarda de Finanças, que praticamente desde o primeiro momento funciona como quartel-general de toda a obra de socorro. Este lugar, consagrado pela oração e pelo pranto derramado pelas vítimas, representa o símbolo da vossa vontade tenaz de não ceder ao desencorajamento: "Nec recisa recedit": o lema do Corpo da Guarda de Finanças, que podemos admirar sobre a fachada do edifício, parece exprimir bem o que o Presidente da Câmara Municipal definiu como firme intenção de reconstruir a cidade com a constância característica dos abruzeses. Este amplo pátio, que acolheu os corpos de tantas vítimas para a celebração das exéquias presididas pelo Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado, reúne hoje as forças empenhadas em ajudar Áquila e a região dos Abruzos a erguer-se depressa dos escombros do terramoto. Como recordou o Arcebispo, a minha visita no meio de vós, por mim desejada desde o primeiro momento, quer ser um sinal da minha proximidade a cada um de vós e da fraterna solidariedade de toda a Igreja. Com efeito, como comunidade cristã, constituímos um só corpo espiritual, e se uma parte sofre, todas as outras sofrem com ela; e se uma parte se esforça para se aliviar, todas participam no seu esforço. Devo dizer-vos que recebi de todas as partes manifestações de solidariedade por vós. Inúmeras altas personalidades das Igrejas Ortodoxas escreveram-me a fim de garantir a própria oração e proximidade espiritual, enviando inclusive ajuda económica.

Desejo realçar o valor e a importância da solidariedade que, embora se manifeste particularmente em momentos de crise, é como um fogo escondido sob as cinzas. A solidariedade é um sentimento altamente cívico e cristão e mede a maturidade de uma sociedade. Em prática, ela manifesta-se na obra de socorro, mas não é só uma eficiente máquina organizativa: tem uma alma, uma paixão, que deriva precisamente da grande história civil e cristã do nosso povo, quer aconteça nas formas institucionais, quer no voluntariado. E também a isto, hoje, gostaria de prestar homenagem.

O trágico evento do terramoto exorta a Comunidade civil e a Igreja a uma profunda reflexão. Como cristãos devemos perguntarmo-nos: "O que nos quer dizer o Senhor com este triste evento?". Vivemos a Páscoa confrontando-nos com este trauma, interrogando a Palavra de Deus e recebendo da crucifixão e da ressurreição do Senhor nova luz. Celebrámos a morte e a ressurreição de Cristo trazendo na mente e no coração a vossa dor, rezando para que nas pessoas atingidas não faltassem a confiança em Deus e a esperança. Mas também como Comunidade civil é necessário fazer um sério exame de consciência, a fim de que o nível das responsabilidades, em cada momento, nunca venha a faltar. Com esta condição, Áquila, não obstante ferida, poderá voltar a voar.

Agora, caros irmãos e irmãs, exorto-vos a dirigir o olhar para a imagem de Nossa Senhora de Roio, venerada num Santuário muito querido a vós, para confiar a Ela, Nossa Senhora da Cruz, a vossa cidade e todas as demais cidades atingidas pelo terramoto. A Ela, Nossa Senhora de Roio, deixo uma Rosa de ouro, como sinal da minha oração por vós, enquanto recomendo à sua materna e celeste protecção todas as localidades atingidas.

E agora, oremos:

Ó Maria, nossa Mãe amadíssima!
Tu, que estás perto das nossas cruzes,
como permaneceste ao lado daquela de Jesus,
apoia a nossa fé,
para que mesmo enfraquecidos pela dor,
918 conservemos o olhar fixo na face de Cristo
o qual, durante o extremo sofrimento da cruz,
mostrou o amor imenso e puro de Deus.

Mãe da nossa esperança, dá-nos os teus olhos para ver,
além do sofrimento e da morte, a luz da ressurreição;
dá-nos o teu coração para continuar,
também na provação, a amar e a servir.
Ó Maria, Senhora de Roio,
Nossa Senhora da Cruz, reza por nós!



AO TERCEIRO GRUPO DE BISPOS DA ARGENTINA

EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sala do Consistório

Quinta-feira, 30 de Abril de 2009


919 Queridos Irmãos no Episcopado!

1. É para mim motivo de grande alegria reunir-me com este grupo de Pastores da Igreja na Argentina, com o qual se conclui a vossa visita ad limina. Saúdo-vos com todo o afecto e desejo-vos que este encontro fraterno com o Sucessor de Pedro vos ajude a sentir o pulsar da Igreja universal e a consolidar os vínculos de fé, de comunhão e de disciplina que unem as vossas Igrejas particulares a esta Sé Apostólica. Ao mesmo tempo, dou graças ao Senhor por esta nova ocasião de confirmar os meus irmãos na fé (cf.
Lc 22,32), e participar das vossas alegrias e preocupações, êxitos e dificuldades.

Agradeço de coração as amáveis palavras que, em nome de todos, me dirigiu D. Luis Héctor Villalba, Arcebispo de Tucumán e Vice-Presidente da Conferência Episcopal da Argentina, com as quais manifestou os vossos sentimentos de afecto e adesão, assim como dos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos das vossas comunidades.

2. Queridos Irmãos, o Senhor confiou-nos um ministério de elevadíssimo valor e dignidade: levar a sua mensagem de paz e de reconciliação a todos os povos, cuidar com amor paterno do santo Povo de Deus e conduzi-lo pelo caminho da salvação. Trata-se de uma tarefa que supera em grande medida os nossos merecimentos pessoais e a nossa pobre capacidade humana, mas à qual nos dedicamos com delicadeza e esperança, apoiando-nos nas palavras de Cristo, "não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi e designei para irdes e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça" (Jn 15,16). Jesus, o Mestre, olhando para vós com amor de irmão e amigo, chamou-vos para entrar na sua intimidade, e ao consagrar-vos com o óleo sagrado da unção sacerdotal colocou nas vossas mãos o poder redentor do seu sangue, para que, com a certeza de agir sempre in persona Christi capitis, sejais no meio do Povo que vos foi confiado"um sinal vivo do Senhor Jesus, Pastor e Esposo, Mestre e Pontífice da Igreja" (João Paulo II, Pastores gregis ).

No exercício do seu ministério episcopal, o Bispo deve comportar-se sempre entre os seus fiéis como quem serve (cf. Lumen gentium LG 27), inspirando-se constantemente no exemplo d'Aquele que não veio para ser servido mas para servir e dar a vida em resgate por muitos (cf. Mc 10,45). Realmente, ser Bispo é um título de honra quando se vive a missão de Cristo com este espírito de serviço aos demais e como participação humilde e abnegada. A contemplação frequente da imagem do Bom Pastor servir-vos-á de modelo e conforto nos vossos esforços por anunciar e difundir o Evangelho, estimular-vos-á a cuidar dos fiéis com ternura e misericórdia, a defender os débeis e a empregar a vida numa dedicação ao Povo de Deus constante e generosa (cf. Pastores gregis ).

3. Como parte essencial do vosso ministério episcopal na Igreja, verdadeiro amoris officium (cf. S. Agostinho, In Io. Ev., 123, 5), desejo exortar-vos vivamente a fomentar nas vossas comunidades diocesanas o exercício da caridade, de modo especial para com os mais necessitados. Com a vossa proximidade e as vossas palavras, com a ajuda material e com a oração, com a chamada ao diálogo e ao espírito de entendimento que procura sempre o bem comum do povo, e com a luz que vem do Evangelho, pretendeis dar um testemunho concreto e visível do amor de Cristo entre os homens, para construir continuamente a Igreja como família de Deus, sempre acolhedora e misericordiosa para com os pobres, de modo que em todas as dioceses reine a caridade, em cumprimento do mandamento de Jesus Cristo (cf. Christus Dominus CD 16). Além disto, desejo insistir também sobre a importância da oração face ao activismo ou a uma visão secularizada do serviço caritativo dos cristãos (cf. Deus caritas est ). Este contacto assíduo com Cristo na oração transforma o coração dos crentes, abrindo-o às necessidades dos demais, sem se inspirar, portanto, em "esquemas que pretendam melhorar o mundo seguindo uma ideologia, mas deixando-se guiar pela fé que age por amor" (Ibid., 33).

4. Desejo recomendar-vos de modo especial os presbíteros, vossos colaboradores mais próximos. Que o abraço da paz, com o qual os acolhestes no dia da sua ordenação sacerdotal, seja uma realidade viva de cada dia, que contribua para estreitar cada vez mais os vínculos de afecto, respeito e confiança que os unem em virtude do sacramento da Ordem. Reconhecendo a abnegação e a entrega ao ministério dos vossos sacerdotes, desejo convidá-los também a identificarem-se cada vez mais com o Senhor, tornando-se verdadeiros modelos para o rebanho pelas suas virtudes e bons exemplos, e apascentando com amor a grei de Deus (cf. 1P 5,2-3).

5. A vocação específica dos fiéis leigos faz com que procurem configurar rectamente a vida social e iluminar as realidades terrenas com a luz do Evangelho. Que os leigos, conscientes dos seus compromissos baptismais e animados pela caridade de Cristo, participem activamente na missão da Igreja, assim como na vida social, política, económica e cultural do seu País. Neste sentido, os católicos devem sobressair entre os seus concidadãos pelo cumprimento exemplar dos seus deveres cívicos, assim como pela prática das virtudes humanas e cristãs que contribuem para melhorar os relacionamentos pessoais, sociais e laborais. O seu compromisso levá-los-á também a promover de modo especial os valores que são fundamentais para o bem comum da sociedade, como a paz, a justiça, a solidariedade, o bem da família fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher, a tutela da vida humana desde a sua concepção até à morte natural e o direito e obrigação dos pais de educar os seus filhos segundo as suas convicções morais e religiosas.

Desejo concluir pedindo-vos que leveis a minha saudação afectuosa a todos os membros das vossas Igrejas diocesanas. Aos Bispos Eméritos, sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas, e a todos os fiéis leigos, dizei-lhes que o Papa lhes agradece os seus trabalhos pelo Senhor e pela causa do Evangelho; que espera e tem confiança na sua fidelidade à Igreja. A vós, queridos Bispos da Argentina, agradeço-vos a solicitude e garanto-vos a minha proximidade espiritual e a oração constante. Recomendo-vos de coração à protecção de Nossa Senhora de Luján e concedo-vos uma especial Bênção Apostólica.

SAUDAÇÃO

NO CONCERTO OFERECIDO PELO PRESIDENTE

DA REPÚBLICA ITALIANA POR OCASIÃO DO IV ANIVERSÁRIO DA ELEIÇÃO AO SÓLIO PONTIFÍCIO Sala Paulo VI

Quinta-feira, 30 de Abril de 2009


920 Senhor Presidente da República
Senhores Cardeais
Excelentíssimos Ministros
Venerados Irmãos
Gentis Senhores e Senhoras!

Ao dirigir a todos a minha cordial saudação, exprimo a mais viva gratidão ao Presidente da República Italiana, Excelentíssimo Senhor Giorgio Napolitano, que por ocasião do quarto aniversário do início do meu Pontificado, quis oferecer-me esta excelente homenagem musical. Obrigado, Senhor Presidente, também pelas gentis palavras que há pouco me dirigiu, e uma afectuosa saudação à sua gentil Senhora. Estou feliz por saudar os Ministros e as outras Autoridades do Estado italiano, assim como os Senhores Embaixadores e as diversas Personalidades que nos honram com a sua presença.

Apreciei muito o regresso da Orquestra e do Coro "Giuseppe Verdi" de Milão, que já tínhamos ouvido há um ano. Enquanto agradeço à homónima Fundação e a quantos que de modos diversos colaboraram para a organização, renovo as minhas congratulações a todos os membros da Orquestra e Coristas, em particular à Directora, Senhora Zhang Xian, à Maestrina do Coro, Senhora Erina Gambarini, e às três Solistas. A maestria e o entusiasmo de cada um contribuiu para uma execução que verdadeiramente deu vida aos trechos propostos, obra de três Autores de primeira grandeza: Vivaldi, Haydn e Mozart. Achei a escolha das composições muito adequada ao tempo litúrgico que estamos a viver: o tempo de Páscoa. A Sinfonia 95 de Haydn – que escutámos em primeiro lugar – parece conter em si um itinerário que poderíamos chamar "pascal". Com efeito, começa na tonalidade de Dó menor, e através de um percurso sempre perfeitamente equilibrado, mas não sem dramaticidade, alcança a conclusão em Dó maior. Isto faz pensar no itinerário da alma – representada de modo particular pelo violoncelo – rumo à paz e à serenidade. Logo após, a Sinfonia 35 de Mozart conseguiu quase amplificar e coroar a afirmação da vida sobre a morte, da alegria sobre a melancolia. De facto, nela prevalece decididamente o sentido da festa. O andamento é muito dinâmico, no final é irresistível – e neste ponto os nossos virtuosos membros da Orquestra fizeram-nos sentir como a força pode harmonizar-se com a graça. É o que acontece em máximo grau – se me permitis a comparação – no amor de Deus, cujo poder e graça coincidem.

Em seguida entraram, por assim dizer, as vozes humanas – o coro – como que para dar palavra a quanto a música já tinha desejado exprimir. E não por acaso a primeira palavra foi "Magnificat", saída do coração de Maria – predilecta de Deus pela sua humildade – esta palavra tornou-se o cântico quotidiano da Igreja, exactamente nesta hora das vésperas, momento que convida à meditação sobre o sentido da vida e da história. Claramente o Magnificat pressupõe a Ressurreição, isto é, a vitória de Cristo: n'Ele Deus realizou as suas promessas e a sua misericórdia revelou-se em todo o seu poder paradoxal. Até aqui a "palavra". E a música de Vivaldi? Antes de mais, é digno de nota o facto de que ele compôs as árias para solistas expressamente para algumas cantoras suas alunas no Hospital veneziano da Piedade: cinco órfãs dotadas de qualidades canoras extraordinárias. Como não pensar na humildade da jovem Maria, da qual Deus extrai "grandes coisas"? Assim, estes cinco "solos" estão como que a representar a voz da Virgem, enquanto as partes corais exprimem a Igreja-Comunidade. Ambas, Maria e a Igreja, uniram-se no único cântico de louvor ao "Santo", ao Deus que, com o poder do amor, realiza na história o seu desígnio de justiça. E enfim, o Coro deu voz à sublime obra-prima que é o Ave verum Corpus, de Mozart. Aqui a meditação cede o lugar à contemplação: o olhar da alma detém-se no Santíssimo Sacramento, para reconhecer nele o Corpus Domini, aquele Corpo que verdadeiramente foi imolado na cruz e do qual brotou a fonte da salvação universal. Mozart compôs este motete pouco antes de morrer e pode-se dizer que nele a música se torna autêntica oração, entrega do coração a Deus, com um profundo sentido de paz.

Senhor Presidente, a sua gentil e generosa homenagem conseguiu amplamente não só gratificar o sentido estético, mas ao mesmo tempo nutrir o nosso espírito, e portanto estou-lhe duplamente grato. Formulo os melhores votos para o prosseguimento da sua alta missão, e de bom grado estendo-os a todas as Autoridades presentes. Queridos amigos, obrigado por terdes vindo! Lembrai-vos de mim nas vossas orações, para que eu possa cumprir sempre o meu Ministério como quer o Senhor. Ele, que é a nossa paz e a nossa vida, abençoe todos vós easvossas famílias. Boa noite a todos!


Maio 2009




AOS MEMBROS DO «PAPAL FOUNDATION»

Sala Clementina

Sábado, 2 de Maio de 2009


921 Querido Cardeal Keeler
Irmãos Cardeais e Bispos
Queridos irmãos e irmãs em Cristo

É um grande prazer para mim ter a oportunidade de saudar mais uma vez os membros da Papal Foundation, na sua visita anual a Roma. Neste Ano Paulino dou-vos as boas-vindas com as palavras do Apóstolo das nações, "Graças e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (
Rm 1,7).

São Paulo recorda-nos que a raça humana inteira aspira à graça da paz de Deus. O mundo de hoje precisa verdadeiramente desta paz, de modo especial quando enfrenta as tragédias da guerra, divisão, pobreza e desespero. Dentro de poucos dias terei o privilégio de visitar a Terra Santa. Vou como peregrino da paz. Como vós bem sabeis, por mais de sessenta anos, esta região a terra do nascimento de nosso Senhor, da sua Morte e Ressurreição; um lugar santo para as três maiores religiões monoteístas do mundo tem sido flagelado pela violência e a injustiça. Isto criou uma atmosfera geral de desconfiança, incerteza e medo com frequência opondo vizinho contra vizinho, irmão contra irmão. Enquanto me preparo para esta significativa viagem, peço-vos de modo especial para que vos unais a mim em oração por todos os povos da Terra Santa e da região. Que recebam em oferta a reconciliação, a esperança e a paz.

O nosso encontro este ano realiza-se durante um momento em que o mundo inteiro se debate com uma situação económica muito preocupante. Em momentos como este é tentador não prestar atenção àqueles sem voz e pensar apenas nas nossas próprias dificuldades. Contudo, como cristãos nós estamos cientes de que especialmente quando os tempos são difíceis nós temos que trabalhar ainda mais para garantir que a mensagem consoladora de nosso Senhor seja ouvida. Em vez de nos virarmos para nós mesmos, temos que continuar a ser faróis de esperança, força e apoio para os outros, especialmente para aqueles que não têm ninguém que olhe por eles ou os assista. Por esta razão estou contente por vos receber aqui hoje. Vós sois exemplos de bons cristãos, homens e mulheres que continuam a enfrentar os desafios actuais com coragem e confiança. De facto, a própria Papal Foundation, através da grande generosidade de muitos, possibilita a oferta de assistência preciosa em nome de Cristo e da sua Igreja. Estou-vos muito grato pelo vosso sacrifício e dedicação: através do vosso apoio a mensagem pascal de alegria, esperança, reconciliação e paz é proclamada mais vastamente.

Confio-vos a todos à amorosa intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, que permanece sempre no meio de nós como nossa Mãe, a Mãe da Esperança (cf. Spe Salvi ), e concedo-vos cordialmente a minha Bênção Apostólica a vós e às vossas famílias como testemunho de alegria e paz no Salvador Ressuscitado.




AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Segunda-feira, 4 de Maio de 2009

Queridos Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Senhoras e Senhores

922 No momento em que vos reunis para a décima quinta Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, é-me grato ter esta oportunidade de me encontrar convosco e de expressar o meu encorajamento para a vossa missão de expansão e promoção da doutrina social da Igreja nos campos da jurisprudência, da economia e da política, assim como nas diversas outras ciências sociais. Ao agradecer à Professora Mary Ann Glendon as suas cordiais palavras de saudação, asseguro-vos as minhas orações para que o fruto das vossas deliberações continue a dar testemunho da pertinência duradoura do ensinamento social da Igreja num mundo em rápida mudança.

Depois de ter estudado o trabalho, a democracia, a globalização, a solidariedade e a subsidiariedade em relação ao ensinamento social da Igreja, a vossa Academia procurou voltar à questão central da dignidade da pessoa humana e dos direitos do homem, um ponto de encontro entre a doutrina da Igreja e a sociedade contemporânea.

As grandes religiões e filosofias do mundo iluminaram alguns aspectos destes direitos humanos, que estão concisamente expressos na "regra de ouro" contida no Evangelho: "O que quiserdes que os homens vos façam, fazei-lho vós também" (
Lc 6,31 cf. Mt 7,12). A Igreja sempre afirmou que os direitos fundamentais, para acima e para além dos diferentes modos de serem expressos e dos diversos graus de importância que possam ter nos vários contextos culturais, devem ser defendidos e receber um reconhecimento universal, porque são inerentes à própria natureza do homem, criado à imagem e semelhança de Deus. Se todos os seres humanos são criados à imagem e semelhança de Deus, então compartilham uma natureza comum que os une e exige o respeito universal. Assimilando o ensinamento de Cristo, a Igreja considera a pessoa como "a mais digna da natureza" (S. Tomás de Aquino, De potentia, 9, 3), ensinando que a ordem ética e política que governa os relacionamentos interpessoais encontra a sua origem na própria estrutura do ser humano. O descobrimento da América e o consequente debate antropológico na Europa dos séculos XVI-XVII levaram a uma consciência mais acentuada a respeito dos direitos humanos como tais e da sua universalidade (ius gentium). A era moderna contribuiu para forjar a ideia de que a mensagem de Cristo proclamando que Deus ama cada homem e cada mulher, e que todo o ser humano é chamado a amar Deus de maneira livre demonstra que cada um, independentemente da sua condição social e cultural, pela sua própria natureza merece a liberdade. Ao mesmo tempo, devemos recordar sempre que "a própria liberdade necessita de ser libertada. Cristo é o seu libertador" (Veritatis splendor VS 86).

Nos meados do século passado, depois do enorme sofrimento causado por duas guerras mundiais terríveis e por crimes inauditos perpetrados por ideologias totalitárias, a comunidade internacional adquiriu um novo sistema jurídico internacional fundamentado nos direitos humanos. Nisto, parece ter agido em conformidade com a mensagem que o meu predecessor Bento XV proclamou quando exortou os beligerantes da primeira guerra mundial a "transformar a força material das armas na força moral da lei" (Nota aos chefes dos povos beligerantes, 1 de Agosto de 1917).

Os direitos humanos tornaram-se o ponto de referência de um ethos universal compartilhado pelo menos a nível de aspiração pela maior parte da humanidade. Estes direitos foram ratificados por quase todos os Estados do mundo. O Concílio Vaticano II, na Declaração Dignitatis humanae, assim como os meus predecessores Paulo VI e João Paulo II, referiram-se vigorosamente ao direito à vida e ao direito à liberdade de consciência e de religião, como ponto fulcral daqueles direitos que promanam da própria natureza humana.

Falando de modo estrito, estes direitos humanos não são verdades de fé, embora possam ser descobertos e com efeito são inteiramente iluminados na mensagem de Cristo, que "revela o homem ao próprio homem" (Gaudium et spes GS 22). Eles recebem uma maior confirmação da fé. Mas é óbvio que, vivendo e agindo no mundo físico como seres espirituais, os homens e as mulheres constatam a presença pervasiva de um logos que os torna capazes de distinguir não apenas entre o verdadeiro e o falso, mas também entre o bem e o mal, o melhor e o pior, a justiça e a injustiça. Esta capacidade de discernir este arbítrio radical torna cada pessoa capaz de compreender a "lei natural", que não é senão uma participação na lei eterna: "Unde... lex naturalis nihil aliud est quam participatio legis aeternae in rationali creatura" (S. Tomás de Aquino, ST I-II 91,2). A lei natural é uma guia universal que todos podem reconhecer, e é nesta base que todos os povos conseguem compreender-se e amar-se uns aos outros. Por conseguinte, em última análise, os direitos humanos estão arraigados numa participação de Deus, que criou cada pessoa humana com inteligência e liberdade. Se esta firme base ética e política for ignorada, os direitos humanos permanecerão frágeis porque desprovidos do seu sólido fundamento.

Consequentemente, a obra da Igreja na promoção dos direitos humanos é corroborada pela reflexão racional, de tal maneira que tais direitos podem ser apresentados a todos os povos de boa vontade, independentemente de qualquer afiliação religiosa que os mesmos possam ter. No entanto, como pude observar nas minhas Cartas Encíclicas, por um lado a razão humana deve passar por uma purificação constante por parte da fé, uma vez que corre sempre o perigo de uma certa cegueira ética, causada por paixões desordenadas e pelo pecado; por outro lado, uma vez que cada geração e cada indivíduo têm necessidade de se reapropriar dos direitos humanos, e dado que a liberdade humana que progride mediante uma sucessão de escolhas livres é sempre frágil, a pessoa humana precisa da esperança e do amor incondicionais, que podem ser encontrados só em Deus, e que levam à participação na justiça e na generosidade de Deus para com os outros (cf. Deus caritas est Spe salvi, ).

Esta perspectiva chama a atenção para alguns dos problemas sociais mais críticos das últimas décadas, como a consciência crescente que em parte surgiu com a globalização e com a presente crise económica de um contraste evidente entre a atribuição igual de direitos e o acesso desigual aos instrumentos para alcançar tais direitos. Para os cristãos, que geralmente pedem a Deus, "o pão nosso de cada dia nos dai hoje", é uma tragédia vergonhosa o facto de que um quinto da humanidade ainda sofra por causa da fome. Para garantir um suprimento alimentar adequado, assim como a protecção dos recursos vitais como a água e a energia, é necessário que todos os líderes internacionais colaborem, demonstrando a prontidão a agir em boa fé, no respeito pela lei natural e na promoção da solidariedade e da subsidiariedade para com as regiões e as populações mais pobres do planeta, como a estratégia mais eficaz para a eliminação das desigualdades sociais entre os países e as sociedades e para o aumento da segurança global.

Estimados amigos, distintos académicos, enquanto vos exorto, na vossa investigação e nas vossas deliberações, a serdes testemunhas credíveis e consistentes da defesa e da promoção destes direitos humanos não negociáveis que se fundamentam na lei divina, é de bom grado que vos concedo a minha Bênção apostólica.



AOS MEMBROS DO CORPO DA PONTIFÍCIA GUARDA SUÍÇA Quinta-feira, 7 de Maio de 2009

7509

Ilustre Senhor Comandante
Reverendíssimo Senhor Capelão
Queridos Guardas Suíços
Caríssimos seus familiares

Estou feliz por poder receber todos vós no Palácio Apostólico, por ocasião do juramento dos novos recrutas da Guarda Suíça. De modo particular, dou as boas-vindas aos novos guardas acompanhados dos seus pais, parentes e amigos. Dirijo uma saudação afectuosa ao novo Comandante, Coronel Anrig, e agradeço-lhe sentidamente o compromisso responsável a favor do Sucessor de Pedro e da Igreja. De igual modo, agradeço também ao Capelão dos guardas, Monsenhor de Raemy que, com participação emotiva, acompanha a convivência quotidiana dos guardas e o caminho de fé de cada um deles.

Estimados guardas, o serviço que prestais de dia e de noite no Palácio Apostólico e nas sedes externas da Cidade do Vaticano é bem visível e, sem dúvida, também universal. Haveis de aprender rapidamente as três dimensões que se formam ao vosso redor como círculos concêntricos: tendes a tarefa de proteger o Sucessor do Apóstolo Pedro. E fazei-lo principalmente na casa do Papa. Fazei-lo em Roma, uma cidade que desde sempre é chamada "cidade eterna". Aqui, junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, onde vive o Papa, está o coração da Igreja católica e, onde está o coração e o centro, está também o mundo inteiro.

Consideremos em primeiro lugar a casa do Papa, o Palácio Apostólico. Vós tendes o dever de velar sobre esta casa, não somente sobre o próprio edifício e sobre os seus prestigiosos aposentos, mas muito mais sobre as pessoas que aí haveis de encontrar e às quais fareis bem mediante a vossa amabilidade e a vossa atenção. Isto é válido em primeiro lugar para o próprio Papa, para as pessoas que convivem com ele e para os seus colaboradores no Palácio, assim como para os seus hóspedes. Isto diz respeito, de igual modo, à vida comum com os vossos camaradas, que compartilham o vosso serviço e têm a mesma finalidade, a de servir o Sumo Pontífice "fiel e lealmente, e de boa vontade" e, se for necessário, de dar a própria vida por ele.

Dirijamos a nossa atenção para Roma, a cidade eterna que se distingue pela sua história rica e pela sua cultura. A nossa admiração não visa unicamente as testemunhas da Antiguidade. Nesta cidade, de certa maneira, a própria fé e a oração de numerosos séculos tornaram-se pedras e formas. Este ambiente acolhe-nos e inspira-nos a ter como modelos os inúmeros santos que viveram aqui, e é graças a eles que nós podemos progredir na nossa vida de fé.

Enfim, nesta cidade de Roma, onde está o centro da Igreja universal, encontramos cristãos de todo o orbe terrestre. A Igreja católica é internacional. No entanto, na sua multiplicidade ela é uma única Igreja, que se expressa na mesma profissão de fé e está unida também muito concretamente no seu vínculo a Pedro e ao seu Sucessor, o Papa. A Igreja reúne homens e mulheres de culturas muito diferentes; todos formam uma comunidade em que se vive e se acredita em conjunto e, nas questões essenciais da vida, há uma compreensão recíproca. Esta é uma experiência muito importante, que aqui a Igreja quer oferecer-vos, a fim de que vós a torneis vossa e a comuniqueis aos outros ou seja, a experiência que na fé em Jesus Cristo e no seu amor pelos homens, também mundos tão diferentes podem tornar-se um só, criando deste modo pontes de paz e de solidariedade entre os povos.

Na esperança de que a vossa permanência aqui em Roma seja espiritual e humanamente edificadora, asseguro-vos a minha oração e confio-vos à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos vossos Padroeiros, Santos Martinho e Sebastião, assim como ao Santo defensor da vossa pátria, Irmão Nicolau de Flüe. Concedo-vos a todos cordialmente, bem como aos vossos amigos e a todos aqueles que vieram a Roma por ocasião do juramento, a minha Bênção apostólica.



Discursos Bento XVI 916