Discursos Bento XVI 12958

SAUDAÇÃO DA JANELA DA NUNCIATURA APOSTÓLICA, Paris, Sexta-feira 12 de Setembro de 2008

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Queridos jovens,

O vosso acolhimento assim caloroso comove o Papa. Obrigado por me terdes querido esperar aqui, apesar da hora tardia, e de modo tão entusiasta!

Os próximos dias em Paris e em Lourdes são para mim motivo de grande alegria. Dou graças ao Senhor por me ter concedido realizar esta primeira viagem pastoral à França como Sucessor de Pedro e por encontrar resposta tão encorajadora nos fiéis.

Sinto-me feliz por poder amanhã unir-me à multidão dos peregrinos de Lourdes para celebrar o Jubileu das Aparições da Virgem. Os católicos na França têm hoje grande necessidade de renovar a sua confiança em Maria, reconhecendo n’Ela o modelo do seu compromisso ao serviço do Evangelho. Mas, antes da minha partida para Lourdes, espero por vós todos amanhã de manhã para a celebração da Eucaristia na Esplanade des Invalides.

Conto convosco e com as vossas orações para que esta viagem seja frutuosa. Que a Virgem Maria vos proteja! Com grande afecto, concedo-vos a Bênção Apostólica.

Boa noite. Até amanhã!



INSTITUT DE FRANCE - SAUDAÇÃO Paris, Sábado, 13 de Setembro de 2008

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Senhor Chanceler,
Senhora e Senhores Secretários Perpétuos das Cinco Academias,
Senhores Cardeais,
Amados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos amigos Académicos,
Senhoras e Senhores!

É uma grande honra para mim ser recebido, nesta manhã, sob a Cúpula. Agradeço-vos as expressões cheias de gentileza com que me acolhestes e a medalha que quisestes oferecer-me. Não podia vir a Paris sem vos saudar pessoalmente. Apraz-me aproveitar este momento para ressaltar os vínculos profundos que me ligam à cultura francesa, pela qual sinto grande admiração. No meu percurso intelectual, o contacto com a cultura francesa teve uma importância singular. Por isso, de bom grado me valho da ocasião para lhe tributar a minha gratidão, quer a título pessoal quer enquanto Sucessor de Pedro. A placa que acabámos de descerrar guardará a recordação do nosso encontro.

No seu tempo, Rabelais afirmou justamente: «Ciência sem consciência não é senão a ruína da alma» (Pantagruel, 8). Sem dúvida foi para contribuir a evitar o risco de tal dicotomia que, no final de Janeiro passado e pela primeira vez em três séculos e meio, que duas Academias deste Institut, duas Academias Pontifícias e o Instituto Católico de Paris organizaram um Colóquio inter-académico sobre a identidade mutável do indivíduo; o Colóquio ilustrou o interesse de amplas pesquisas pluridisciplinares. Esta iniciativa poderia prosseguir para explorar em comum as inumeráveis sendas das ciências humanas e experimentais. Acompanho estes votos com a oração que elevo ao Senhor por vós, pelas pessoas que vos são queridas e por todos os membros das Academias, assim como por todo o pessoal do Institut de France. Que Deus vos abençoe!


INSTITUT DE FRANCE - LIVRO DE OURO DEDICATÓRIA Paris, Sábado, 13 de Setembro de 2008


« In principio erat Verbum

et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum » Jn 1,1

Benedictus Pp. XVI


13. IX. 2008


ENCONTRO COM OS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA FRANÇA, Hemiciclo Santa Bernadete, Lourdes, Domingo, 14 de Setembro de 2008

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Senhores Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado!

Pela primeira vez desde o início do meu pontificado tenho a alegria de vos encontrar conjuntamente a todos. Saúdo cordialmente o vosso Presidente, Cardeal D. André Vingt-Trois, e agradeço-lhe as amáveis e profundas palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo com prazer também os Vice-Presidentes bem como o Secretário Geral e seus colaboradores. Uma saudação calorosa para cada um de vós, Irmãos meus no Episcopado, que viestes dos quatro ângulos de França e do Ultramar. Tenho presente também no pensamento D. François Garnier, Arcebispo de Cambrai, que hoje celebra, em Valenciennes, o Milénio de “Notre-Dame du Saint-Cordon”.

Sinto grande alegria por me encontrar convosco, nesta tarde, aqui neste hemiciclo dedicado a “Sainte Bernardette”, que é o lugar normal das vossas orações e dos vossos encontros, lugar onde expondes as vossas preocupações e as vossas esperanças, lugar também dos vossos debates e das vossas reflexões. Esta sala encontra-se num sítio privilegiado, ou seja, perto da gruta e das basílicas marianas. É certo que as visitas “ad limina” vos permitem encontrar regularmente o Sucessor de Pedro em Roma, mas este momento que agora estamos a viver é-nos dado como uma graça para confirmar os vínculos estreitos que nos unem na participação do mesmo sacerdócio que deriva directamente do de Cristo Redentor. Animo-vos a continuar a trabalhar unidos e com confiança, em plena comunhão com Pedro que veio para confirmar a vossa fé. Vós o dissestes, Eminência, muitas são as vossas preocupações actuais e nossas preocupações! Sei que é vossa intenção empenhar-vos com entusiasmo a trabalhar dentro do novo quadro definido pela reorganização do mapa das províncias eclesiásticas, o que vivamente me alegra. Quero aproveitar esta ocasião para reflectir convosco sobre alguns temas que sei estarem no centro da vossa atenção.

A Igreja – Una, Santa, Católica e Apostólica – gerou-vos por meio do Baptismo. Chamou-vos ao seu serviço; e vós destes-lhe a vossa vida, primeiro como diáconos e sacerdotes, depois como Bispos. Exprimo-vos todo o meu apreço por este dom de vós mesmos: apesar da amplitude da tarefa, que sublinha a honra da mesma – honor, onus! –, cumpris com fidelidade e humildade, em favor do rebanho que vos está confiado, a vossa tríplice missão de ensinar, governar, santificar, à luz da Constituição Lumen gentium (nn. 25-28) e do Decreto Christus Dominus. Como sucessores dos Apóstolos, representais Cristo à frente das dioceses que vos estão confiadas e esforçais-vos por realizar nelas a imagem do Bispo traçada por São Paulo; deveis crescer sem cessar nesta senda, procurando ser cada vez mais “hospitaleiros, amigos do bem, prudentes, justos, piedosos, continentes, firmemente apegados à palavra fiel, tal como ela foi ensinada” (cf. Tt
Tt 1,8-9). O povo cristão deve considerar-vos com afecto e respeito. Desde as origens, a tradição cristã insistiu sobre este ponto: “Todos os que pertencem a Deus e a Jesus Cristo estão em comunhão com o Bispo” – escrevia Santo Inácio de Antioquia (Aos Filadélfios 3, 2), e acrescentava ainda: “Devemos acolher aquele que o senhor da casa envia para administrar a sua casa, como acolheríamos quem o enviou” (Aos Ep 6,1). Assim a vossa missão, de ordem sobretudo espiritual, consiste em criar as condições necessárias para que os fiéis possam, citando novamente a Santo Inácio, “cantar em uníssono por Jesus Cristo ao Pai” (Ibid.4, 2) e deste modo fazerem da sua vida uma oblação a Deus.

Estais convencidos – e justamente – que, para fazer crescer em cada baptizado o gosto de Deus e a compreensão do sentido da vida, reveste uma importância fundamental a catequese. Os dois instrumentos principais à vossa disposição, o Catecismo da Igreja Católica e o Catecismo dos Bispos de França, constituem meios preciosos. De facto, oferecem uma síntese harmoniosa da fé católica e permitem anunciar o Evangelho com real fidelidade à sua riqueza. A catequese não é primariamente uma questão de método, mas de conteúdo, como indica o próprio nome: trata-se de uma assimilação orgânica (kat-echein)do conjunto da revelação cristã, capaz de pôr à disposição das mentes e dos corações a Palavra d’Aquele que deu a sua vida por nós. Deste modo, a catequese faz ressoar no coração de cada ser humano um único apelo renovado sem cessar: “Segue-Me” (Mt 9,9). Uma preparação cuidadosa dos catequistas permitirá a transmissão integral da fé, segundo o exemplo de São Paulo, o maior catequista de todos os tempos, para quem olhamos com uma admiração particular neste bimilénio do seu nascimento. Imerso nos seus cuidados apostólicos, assim exortava ele: “Virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina. Desejosos de ouvir novidades, escolherão para si uma multidão de mestres, ao sabor das suas paixões, e hão-de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os às fábulas” (2Tm 4,3-4). Cientes do grande realismo de tais previsões, esforçais-vos com humildade e perseverança por corresponder às suas recomendações: “Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente (…) com bondade e doutrina” (2Tm 4,2).

Para realizar eficazmente esta tarefa, tendes necessidade de colaboradores. Por este motivo, as vocações sacerdotais e religiosas merecem hoje um encorajamento ainda maior. Estou a par das iniciativas que confiadamente têm sido tomadas neste sector e quero certificar de todo o meu apoio aqueles que não têm medo, como fez Cristo, de convidar jovens e menos jovens para se colocarem ao serviço do Mestre que está aqui e chama (cf. Jn 11,28). Quero agradecer calorosamente e encorajar todas as famílias, todas as paróquias, todas as comunidades cristãs e todos os Movimentos eclesiais, que são o terreno fértil capaz de dar o bom fruto (cf. Mt 13,8) das vocações. Neste contexto, não posso deixar de exprimir o meu reconhecimento pelas orações sem número dos verdadeiros discípulos de Cristo e da sua Igreja. Entre eles contam-se sacerdotes, religiosos e religiosas, pessoas idosas ou doentes, mesmo prisioneiros, que por decénios fizeram subir até Deus as suas súplicas dando assim cumprimento à ordem de Jesus: “Rogai ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe” (Mt 9,38). O Bispo e as comunidades de fiéis, no respectivo âmbito, devem favorecer e acolher as vocações sacerdotais e religiosas, apoiando-se na graça que o Espírito Santo concede para realizar o necessário discernimento. Sim, amados Irmãos no Episcopado, continuai a chamar ao sacerdócio e à vida religiosa, tal como Pedro lançou as suas redes dando cumprimento à ordem do Mestre, embora tivesse passado a noite a pescar sem apanhar nada (cf. Lc 5,5).

Nunca será demais repetir que o sacerdócio é indispensável à Igreja, no interesse do próprio laicado. Os sacerdotes são um dom de Deus para a Igreja. Os sacerdotes não podem delegar, naquilo que diz respeito aos seus próprios deveres, as suas funções nos fiéis. Queridos Irmãos no Episcopado, exorto-vos a perseverar com toda a solicitude na ajuda aos vossos sacerdotes para viverem em união íntima com Cristo. A sua vida espiritual é o fundamento da sua vida apostólica. Por isso, haveis de exortá-los com amabilidade à oração diária e à digna celebração dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Reconciliação, como fazia São Francisco de Sales com os seus padres. Cada sacerdote deve poder sentir-se feliz em servir a Igreja. Seguindo a escola do Santo Cura d’Ars, filho da vossa Terra e patrono de todos os párocos do mundo, não cesseis de repetir que um homem não pode fazer nada de maior que dar aos fiéis o Corpo e o Sangue di Cristo e perdoar os pecados. Procurai estar atentos à sua formação humana, intelectual e espiritual, e também aos seus meios de subsistência. Não obstante o peso das vossas árduas ocupações, esforçai-vos por encontrá-los regularmente e sabei recebê-los como irmãos e amigos (cf. LG LG 28 CD 16). Os sacerdotes têm necessidade do vosso afecto, do vosso encorajamento e da vossa solicitude. Nunca os deixeis sozinhos e tende uma atenção particular por aqueles que estão em dificuldade, doentes ou idosos (cf. CD CD 16). Não esqueçais que eles são, como diz o Concílio Vaticano II retomando uma significativa expressão usada por Santo Inácio de Antioquia na Carta aos cristãos de Magnésia, “a coroa espiritual do Bispo” (cf. LG LG 41).

O culto litúrgico é a expressão mais alta da vida sacerdotal e episcopal, bem como do ensino catequético. A vossa tarefa de santificação do povo fiel, queridos Irmãos, é indispensável para o crescimento da Igreja. No “Motu proprio” Summorum Pontificum, senti necessidade de especificar as condições para o exercício de tal tarefa, no que diz respeito à possibilidade de usar quer o Missal do Beato João XXIII (1962) quer o do Papa Paulo VI (1970). Alguns frutos destas novas disposições são já visíveis, e espero que a indispensável pacificação dos espíritos esteja, por graça de Deus, em vias de se realizar. Calculo as dificuldades que encontrais, mas não tenho dúvida de que podereis chegar, em tempos razoáveis, a soluções satisfatórias para todos, de tal modo que a túnica inconsútil de Cristo não se rasgue ainda mais. Ninguém é demais na Igreja. Nela, todos e cada um sem excepção devem poder sentir-se “em sua casa”, e nunca rejeitado. Deus, que ama todos os homens e não quer que nenhum se perca, confia-nos esta missão, fazendo de nós os Pastores das suas ovelhas. Não podemos deixar de Lhe dar graças pela honra e a confiança que nos reserva. Esforcemos-nos, pois, por ser sempre servidores da unidade!

Quais são os outros campos que requerem maior atenção? As respostas podem variar duma diocese para outra, mas há um problema que se revela por todo o lado de particular urgência: é a situação da família. Sabemos que o casal e a família enfrentam hoje autênticas borrascas As palavras do evangelista a propósito da barca no meio do lago em tempestade podem aplicar-se à família: “desencadeou-se um grande turbilhão de vento e as ondas arrojavam-se contra a barca, de tal maneira que já estava quase cheia de água” (Mc 4,37). Os factores que geraram esta crise são bem conhecidos, pelo que não me deterei a especificá-los. Em muitos países, já há vários decénios que as leis relativizaram a sua natureza de célula primordial da sociedade. Frequentemente as leis procuram mais adaptar-se aos costumes e às reivindicações de indivíduos ou grupos particulares que promover o bem comum da sociedade. A união estável de um homem e de uma mulher, orientada para a edificação de um bem-estar terreno, graças ao nascimento de filhos dados por Deus, deixou de ser, na mente de alguns, o modelo visado pelo compromisso conjugal. Todavia a experiência ensina que a família é o pedestal sólido sobre o qual se apoia a sociedade inteira. Mais, o cristão sabe que a família é também a célula viva da Igreja. Quanto mais a família estiver embebida do espírito e dos valores do Evangelho, tanto mais a própria Igreja se verá enriquecida e poderá responder melhor à sua vocação. Conheço, aliás, e encorajo vivamente os esforços que fazeis para levar o vosso apoio às diversas associações que trabalham por ajudar as famílias. Tendes razão em vos cingirdes firmemente, mesmo à custa de ir contra corrente, aos princípios que são a força e a grandeza do sacramento do Matrimónio. A Igreja quer permanecer indefectivelmente fiel ao mandato que lhe foi confiado pelo seu Fundador, o nosso Mestre e Senhor Jesus Cristo. Com Ele, não cessa de repetir: “O que Deus uniu, não o separe o homem” (Mt 19,6). Não foi a Igreja que se impôs a si mesma esta missão: recebeu-a. Sem dúvida, ninguém pode negar a existência de provações, por vezes muito dolorosas, que alguns lares atravessam. Será necessário acompanhar as famílias em dificuldade, ajudá-las a compreender a grandeza do Matrimónio e encorajá-las a não relativizar a vontade de Deus e as normas de vida que Ele nos deu. Uma questão particularmente dolorosa, bem o sabemos, é a dos divorciados re-casados. A Igreja, que não pode opor-se à vontade de Cristo, conserva fielmente o princípio da indissolubilidade do Matrimónio, embora circundando da maior estima os homens e mulheres que, por razões diversas, não chegam a respeitá-lo. Por isso, não se podem admitir as iniciativas que visam abençoar as uniões ilegítimas. A Exortação apostólica Familiaris consortio indicou o caminho aberto por um pensamento respeitador da verdade e da caridade.

Os jovens – bem o sei, amados Irmãos – estão no centro das vossas preocupações. Dedicais-lhes muito tempo, e com razão. Como pudestes ver, acabei de ter contacto com uma multidão deles em Sidney, durante a Jornada Mundial da Juventude. Pude apreciar o seu entusiasmo e a capacidade de se consagrarem à oração. Apesar de viverem num mundo que lhes faz a corte e desfruta os seus instintos mais baixos, e carregando eles mesmos o fardo pesado de heranças difíceis de assimilar, os jovens conservam uma pujança de ânimo que suscitou a minha admiração. Fiz apelo ao seu sentido de responsabilidade, convidando-os a apoiarem-se sempre na vocação que Deus lhes deu no dia do Baptismo. “A nossa força está naquilo que Cristo quer de nós”: dizia o Cardeal Jean-Marie Lustiger. Durante a sua primeira viagem à França, o meu venerado Predecessor dirigiu aos jovens do vosso país um discurso que nada perdeu da sua actualidade e que então fora acolhido com um entusiasmo inesquecível. “A permissividade moral não torna o homem feliz”: proclamou ele no Parque dos Príncipes, suscitando uma reboada de aplausos. Aquele bom senso que inspirava a sã reacção do seu auditório não está morto. Peço ao Espírito Santo que Se digne falar aos corações de todos os fiéis e, mais em geral, de todos os vossos compatriotas, para lhes dar – ou restituir – o gosto duma vida conduzida segundo os critérios duma verdadeira felicidade.

Anteontem, no Eliseu, evoquei a originalidade da situação francesa, que a Santa Sé deseja respeitar. Com efeito, estou convencido de que as Nações não devem jamais aceitar ver desaparecer aquilo que constitui a sua identidade específica. Numa família, o facto de diversos membros terem o mesmo pai e a mesma mãe não implica que sejam sujeitos indiferenciados entre si: na realidade, são pessoas com uma individualidade própria. O mesmo sucede com os países, que devem velar pela preservação e desenvolvimento da sua cultura específica, sem nunca a deixarem absorver pelas outras ou afogar numa sumida uniformidade. “A Nação é, com efeito – para retomar palavras do Papa João Paulo II – a grande comunidade dos homens que estão unidos por laços diversos, mas sobretudo precisamente pela cultura. A Nação existe ‘pela’ cultura e ‘para’ a cultura, e ela é portanto a grande educadora dos homens para que eles possam ‘estar mais’ na comunidade” (Discurso à UNESCO, 2 de Junho de 1980, n. 14). Nesta perspectiva, pôr em evidência as raízes cristãs da França permitirá a cada habitante deste país compreender melhor donde vem e para onde vai. Consequentemente, no quadro institucional existente e no máximo respeito das leis em vigor, seria necessário encontrar uma estrada nova para interpretar e viver no dia a dia os valores fundamentais sobre os quais está construída a identidade da nação. O vosso Presidente evocou a possibilidade disso mesmo. Os pressupostos sócio-políticos da antiga difidência ou mesmo hostilidade vão-se diluindo pouco a pouco. A Igreja não reivindica para si o lugar do Estado. Não quer substituir-se-lhe. De facto, é uma sociedade baseada sobre convicções, que se sente responsável pelo todo, e não pode limitar-se a si mesma. Fala com liberdade e dialoga com igual liberdade, no desejo de chegar à edificação da liberdade comum. Graças a uma sã colaboração entre a Comunidade Política e a Igreja, realizada com a consciência e no respeito da independência e da autonomia de cada uma no próprio campo, presta-se ao homem um serviço que visa o seu pleno desenvolvimento pessoal e social. Numerosos pontos, primícias de outros que serão acrescentados segundo as necessidades, foram já examinados e resolvidos no âmbito da “Instância de Diálogo entre a Igreja e o Estado”. Desta, faz parte naturalmente, em virtude da missão que lhe é própria e em nome da Santa Sé, o Núncio Apostólico, que é chamado a seguir activamente a vida da Igreja e a sua situação na sociedade.

Como sabeis, os meus Predecessores – o Beato João XXIII, antigo Núncio em Paris, e o Papa Paulo VI – constituíram Secretariados que deram, em 1988, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Bem depressa vieram juntar-se-lhes a Comissão para as Relações Religiosas com o Hebraísmo e a Comissão para as Relações Religiosas com os Muçulmanos. Estas estruturas representam de algum modo o reconhecimento institucional e conciliar de inumeráveis iniciativas e realizações anteriores. Aliás idênticas comissões e conselhos se encontram na vossa Conferência Episcopal e nas vossas dioceses. A sua existência e funcionamento demonstram a vontade que a Igreja tem de continuar a desenvolver o diálogo bilateral. A recente assembleia plenária do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso pôs em evidência que o diálogo autêntico requer, como condições fundamentais, uma boa formação naqueles que o promovem e um discernimento iluminador para se ir avançando aos poucos na descoberta da Verdade. O objectivo dos diálogos ecuménico e inter-religioso, naturalmente diversos na sua natureza e respectivas finalidades, é a busca e o aprofundamento da Verdade. Trata-se dum dever nobre e obrigatório para todo o homem de fé, porque a Verdade é o próprio Cristo. A construção de pontes entre as grandes tradições eclesiais cristãs e o diálogo com as outras tradições religiosas exigem um real esforço de conhecimento recíproco, porque a ignorância destrói mais do que constrói. Por outro lado, só a Verdade permite viver autenticamente o duplo mandamento do amor que nos deixou o nosso Salvador. Sem dúvida, é necessário acompanhar com atenção as várias iniciativas empreendidas e discernir as que favorecem o conhecimento e o respeito recíprocos, bem como a promoção do diálogo, e evitar aquelas que levam a becos sem saída. A boa vontade não basta. Estou convencido de que convém começar pela escuta, para depois passar à discussão teológica e finalmente chegar ao testemunho e ao anúncio da própria fé (cf. Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização, 3 de Dezembro de 2007, n. 12). Que o Espírito Santo vos conceda o discernimento que deve caracterizar todo o Pastor. São Paulo recomenda: “Examinai tudo e retende o que for bom” (1Th 5,21). Esta sociedade globalizada, pluricultural e pluri-religiosa em que vivemos é uma oportunidade que o Senhor nos oferece para proclamar a Verdade e exercitar o Amor, com o objectivo de alcançar todo o ser humano sem distinção, mesmo para além das fronteiras da Igreja visível.

No ano que precedeu a minha eleição para a Cátedra de Pedro, tive a alegria de vir ao vosso país presidir às cerimónias comemorativas do sexagésimo aniversário do desembarque na Normandia. Poucas vezes pude como nesses dias dar-me conta da afeição que os filhos e filhas de França têm pela terra dos seus antepassados. A França celebrava então a sua libertação temporal, no fim duma guerra cruel que tinha feito inúmeras vítimas. Agora, é sobretudo para uma verdadeira libertação espiritual que convém trabalhar. O homem tem sempre necessidade de ser liberto dos seus medos e dos seus pecados. O homem deve sem cessar aprender ou reaprender que Deus não é seu inimigo, mas seu Criador cheio de bondade. O homem precisa de saber que a sua vida tem um sentido e que, no termo da sua permanência sobre a terra, é esperado para tomar parte sem fim na glória de Cristo nos céus. A vossa missão é levar a porção de Povo de Deus confiada aos vossos cuidados a reconhecer este fim glorioso. Deixai-me oferecer-vos aqui a expressão da minha admiração e gratidão por tudo o que fazeis com o intento de progredir neste sentido. Ficai certos da minha oração diária por cada um de vós. Podeis crer que não cesso de pedir ao Senhor e à sua Mãe que vos guie ao longo da vossa estrada.

Com alegria e emoção confio-vos, amados Irmãos no Episcopado, a Nossa Senhora de Lourdes e a Santa Bernadete. A força de Deus sempre se manifestou na fraqueza. O Espírito Santo não cessa de lavar o que estava sujo, regar o que era árido, endireitar o transviado. Cristo Salvador, que quis fazer de nós instrumentos de comunicação do seu amor pelos homens, não cessará jamais de fazer-vos crescer na fé, na esperança e na caridade, para vos dar a alegria de conduzir até Ele um número cada vez maior de homens e mulheres do nosso tempo. Enquanto vos confio à sua força de Redentor, do mais fundo do coração concedo a todos vós uma afectuosa Bênção Apostólica.




PROCISSÃO EUCARÍSTICA NA PRAIRIE - MEDITAÇÃO Lourdes, Domingo, 14 de Setembro de 2008

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Senhor Jesus, Tu estás aqui!

E vós, meus irmãos, minhas irmãs e meus amigos,
vós também estais aqui, comigo, diante d’Ele!

Senhor, há dois mil anos, aceitaste subir a uma cruz de infâmia para depois ressuscitar e ficar sempre connosco, teus irmãos, tuas irmãs!

E vós, meus irmãos, minhas irmãs e meus amigos,
aceitai deixar-vos agarrar por Ele.

Nós O contemplamos.
Nós O adoramos.
Nós O amamos. E procuramos amá-Lo ainda mais.

Contemplamos Aquele que, durante a ceia pascal, entregou o seu Corpo e o seu Sangue aos discípulos, para estar com eles «todos os dias até ao fim do mundo» (
Mt 28,20).

Adoramos Aquele que está no princípio e no fim da nossa fé, Aquele sem o Qual não estaríamos aqui nesta tarde, Aquele sem o Qual simplesmente não existiríamos, Aquele sem o Qual nada existiria, nada, absolutamente nada! Ele, por Quem «tudo foi feito» (Jn 1,3), Ele em Quem fomos criados para a eternidade, Ele que nos entregou o seu Corpo e o seu Sangue, Ele está aqui nesta tarde, diante de nós, oferecido aos nossos olhares.

Amamos – e procuramos amar ainda mais – Aquele que está aqui, diante de nós, oferecido aos nossos olhares, às nossas questões talvez, ao nosso amor.

Quer caminhemos ou estejamos cravados num leito de sofrimento, quer caminhemos na alegria ou nos encontremos no deserto da alma (cf. Nm Nb 21,5), Senhor, arrebata-nos a todos no teu Amor: no amor infinito, que é eternamente o do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai, o do Pai e do Filho pelo Espírito e do Espírito pelo Pai e pelo Filho.

A Hóstia Sagrada, exposta aos nossos olhos, exprime esta força infinita do Amor manifestada na Cruz gloriosa. A Hóstia Sagrada diz-nos a incrível humilhação d’Aquele que Se fez pobre para nos enriquecer d’Ele, Aquele que aceitou perder tudo a fim de nos ganhar para seu Pai. A Hóstia Sagrada é o sacramento vivo e eficaz da presença eterna do Salvador dos homens na sua Igreja.

Meus irmãos, minhas irmãs e meus amigos,

Aceitemos, aceitai oferecer-vos Àquele que nos deu tudo, que não veio para julgar o mundo, mas para o salvar (cf. Jn 3,17), aceitai reconhecer nas vossas vidas a presença activa d’Aquele que está aqui presente, exposto aos nossos olhares. Aceitai oferecer-Lhe as vossas próprias vidas.

Maria, a Virgem Santa, Maria, a Imaculada Conceição, há dois mil anos aceitou dar tudo, oferecer o seu corpo para acolher o Corpo do Criador. Tudo veio de Cristo, mesmo Maria; tudo veio por meio de Maria, mesmo Cristo.

Maria, a Virgem Santa, está connosco nesta tarde, diante do Corpo do seu Filho, cento e cinquenta anos depois de Se ter revelado à pequena Bernadete.

Virgem Santa, ajuda-nos a contemplar, ajuda-nos a adorar, ajuda-nos a amar, a amar ainda mais Aquele que tanto nos amou, para vivermos eternamente com Ele.

Uma multidão imensa de testemunhas encontra-se invisivelmente presente ao nosso lado, próximo desta gruta abençoada e diante desta igreja desejada pela Virgem Maria;

a multidão de todos os homens e de todas as mulheres que contemplaram, veneraram, adoraram a presença real d’Aquele que Se nos deu até à última gota de sangue;

a multidão dos homens e das mulheres que passaram horas a adorá-Lo no Santíssimo Sacramento do altar.

Nesta tarde, nós não os vemos, mas ouvimo-los dizer a cada um e a cada uma de nós: «Vem, deixa-te atrair pelo Mestre! Ele está aqui e chama-te! (cf. Jn 11,28)! Ele quer tomar a tua vida e uni-la à Sua. Deixa-te agarrar por Ele! Não olhes mais para as tuas feridas, mas para as d’Ele. Não olhes para o que ainda te separa d’Ele e dos outros; olha a distância infinita que Ele aboliu ao assumir a tua carne, ao subir à Cruz que os homens Lhe prepararam e ao deixar-Se enviar à morte para te mostrar o seu amor. Nas suas feridas, Ele te acolhe; nas suas feridas, Ele te esconde. Não te negues ao seu amor».

A multudão imensa de testemunhas que se deixou agarrar pelo seu amor é a multidão dos Santos do céu que não cessam de interceder por nós. Eram pecadores e sabiam-no, mas aceitaram não olhar para as suas feridas e considerar somente as feridas do seu Senhor, para aí descobrirem a glória da Cruz, para aí descobrirem a vitória da Vida sobre a morte. São Pedro Julião Eymard diz-nos tudo, quando exclama: «A Sagrada Eucaristia é Jesus Cristo passado, presente e futuro» (Sermões e instruções paroquiais posteriores a 1856, 4 -2, 1. Sobre a meditação).

Jesus Cristo passado, na verdade histórica da noite no cenáculo, aonde nos reconduz cada celebração da Santa Missa.

Jesus Cristo presente, porque Ele nos diz: «Tomai e comei todos: isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue». «Isto é», no presente, aqui e agora, como em todos os «aqui e agora» da história humana. Presença real, presença que ultrapassa os nossos pobres lábios, os nossos pobres corações, os nossos pobres pensamentos. Presença oferecida aos nossos olhares como aqui, nesta tarde, junto da gruta onde Maria Se revelou como Imaculada Conceição.

A Eucaristia é também Jesus Cristo futuro, Jesus Cristo que virá. Quando contemplamos a Hóstia sagrada, o seu Corpo de glória transfigurado e ressuscitado, contemplamos aquilo que contemplaremos na eternidade, descobrindo aí o mundo inteiro sustentado pelo seu Criador em cada instante da sua história. Cada vez que O comemos, mas também cada vez que O contemplamos, anunciamo-Lo até que Ele regresse, «donec veniat». Por isso mesmo, recebemo-Lo com respeito infinito.

Alguns de entre nós não podem, ou não podem ainda, recebê-Lo no sacramento, mas podem contemplá-Lo com fé e amor e manifestar o desejo de finalmente poder unir-se a Ele. É um desejo que tem grande valor diante de Deus: estes esperam com maior ardor o seu regresso; esperam Jesus Cristo que há-de vir.

Quando uma amiga de Bernadete, no dia seguinte ao da sua primeira comunhão, lhe perguntou: «O que é que te fez sentir mais feliz: a primeira comunhão ou as aparições?», Bernadete respondeu: «São duas coisas que caminham juntas, mas não podem ser comparadas. Eu senti-me feliz nas duas» (Emmanuélite Estrade, 4 de Junho de 1858). E o seu pároco testemunhou ao Bispo de Tarbes, a respeito da sua primeira comunhão: «Bernadete comportou-se com grande recolhimento, com uma atenção impecável (...) Aparecia profundamente consciente da acção santa que estava a realizar. Tudo se passa nela de modo admirável».

Juntamente com Pedro Julião Eymard e com Bernadete, invocamos o testemunho de tantos e tantos santos e santas que tiveram o maior amor pela Eucaristia. Nesta tarde, Nicolau Cabasilas exclama e diz-nos: «Se Cristo permanece em nós, de que é que precisamos mais? O que é que nos falta? Se permanecemos em Cristo, que mais podemos desejar? Ele é nosso hóspede e nossa morada. Felizes de nós que somos a sua casa! Que alegria sermos nós mesmos a morada de tal Inquilino!» (La vie en Jésus-Christ, IV, 6).

O Beato Carlos de Foucauld nasceu em 1858, no mesmo ano das aparições de Lourdes. Não distante do seu corpo hirto pela morte foi encontrada, como o grão de trigo lançado na terra, a lúnula que continha o Santíssimo Sacramento, que Frei Carlos adorava todos os dias durante longas horas. O Padre Foucauld confia-nos a oração que brota da intimidade do seu coração, uma oração dirigida ao nosso Pai, mas que, juntamente com Jesus, podemos com toda a verdade fazer nossa diante da Hóstia Sagrada:

«“Meu Pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito”.

É a última oração do nosso Mestre, do nosso Amado...

Possa tornar-se a nossa, e que seja não apenas a do nosso último instante, mas também a de todos os nossos momentos:

Meu Pai, entrego-me nas vossas mãos; meu Pai, confio-me a Vós; meu Pai, abandono-me a Vós; meu Pai, fazei de mim o que quiserdes; seja o que for, eu Vo-lo agradeço: obrigado por tudo; estou pronto para tudo, aceito tudo; agradeço-Vos tudo. Contanto que a vossa vontade se cumpra em mim, ó meu Deus, contanto que a vossa vontade se cumpra em todas as vossas criaturas, em todos os vossos filhos, em todos aqueles que o vosso Coração ama, eu nada mais desejo, meu Deus; entrego a minha alma nas vossas mãos; dou-Vo-la, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque Vos amo, e é uma necessidade do meu coração dar-me, entregar-me nas vossas mãos sem medida, com confiança infinita, porque Vós sois o meu Pai» (Meditação sobre os Santos Evangelhos).

Amados irmãos e irmãs, peregrinos de um dia e habitantes destes vales, irmãos Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, vós todos que vedes diante dos vossos olhos a humilhação infinita do Filho de Deus e a glória infinita da ressurreição, permanecei em silêncio e adorai o vosso Senhor, o nosso Mestre e Senhor Jesus Cristo. Permanecei em silêncio, depois falai e dizei ao mundo: não podemos calar mais aquilo que sabemos. Ide contar ao mundo inteiro as maravilhas de Deus, presente em cada momento das nossas vidas, em todos os lugares da terra. Que Deus nos abençoe e proteja, nos conduza pelo caminho da vida eterna, Ele que é a Vida, pelos séculos dos séculos. Amen.





Discursos Bento XVI 12958