Discursos Bento XVI 789

AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO DA SOCIEDADE ITALIANA DE CIRURGIA Segunda-feira, 20 de Outubro de 2008

Ilustres senhores
gentis senhoras!

Sinto-me feliz por vos receber nesta especial Audiência, que tem lugar por ocasião do Congresso Nacional da Sociedade Italiana de Cirurgia. Dirijo a todos e a cada um a minha saudação cordial, dizendo palavras especiais de agradecimento ao Prof. Gennaro Nuzzo pelas expressões com que manifestou os sentimentos comuns e ilustrou os trabalhos do Congresso, que tratam um tema de importância fundamental. No centro do vosso Congresso Nacional está de facto esta promissora e empenhativa declaração: "Para uma cirurgia no respeito pelo doente".Fala-se hoje com razão, num tempo de grande progresso tecnológico, da necessidade de humanizar a medicina, desenvolvendo aqueles aspectos do comportamento médico que respondem melhor à dignidade da pessoa doente à qual se presta serviço. A missão específica que qualifica a vossa profissão médica e cirúrgica constitui-se do perseguimento de três objectivos: cuidar da pessoa doente ou pelo menos procurar incidir de modo eficaz na evolução da doença; aliviar os sintomas dolorosos que a acompanham, sobretudo quando está em fase avançada; ocupar-se da pessoa doente em todas as suas expectativas humanas.

790 No passado muitas vezes nos contentávamos com aliviar o sofrimento da pessoa doente, não podendo deter o decurso do mal e muito menos curá-lo. No século passado os progressos da ciência e da técnica cirúrgica permitiram intervir com crescente sucesso na vicissitude do doente. Assim a cura, que precedentemente em muitos casos era só uma possibilidade marginal, hoje é uma perspectiva normalmente realizável, a ponto de chamar sobre si a atenção quase exclusiva da medicina contemporânea. Mas nasce um novo risco desta orientação: o de abandonar o doente no momento em que se compreende a impossibilidade de obter resultados apreciáveis. Ao contrário, permanece uma realidade que, se também a cura já não é perspectivável, ainda se pode fazer muito pelo doente: pode-se aliviar o sofrimento, sobretudo pode-se acompanhá-lo no seu caminho, melhorando na medida do possível a qualidade de vida. Não se deve subestimar, porque cada paciente, também o incurável, leva consigo um valor incondicionado, uma dignidade que se deve honrar, que constitui o fundamento iniludível de qualquer acção médica. O respeito pela dignidade humana exige de facto o respeito incondicionado de cada ser humano, nascido ou nascituro, sadio ou doente, em qualquer condição que se encontre.

Nesta perspectiva, adquire relevância primária a relação de confiança recíproca que se estabelece entre médico e doente. Graças a esta relação de confiança o médico, ouvindo o doente, pode reconstruir a sua história clínica e compreender como ele vive a sua doença. É ainda no contexto desta relação que, com base na estima recíproca e na partilha dos objectivos realistas que devem ser perseguidos, pode ser definido o plano terapêutico: um plano que pode levar a ousadas intervenções salva-vida ou à decisão de se contentar com meios ordinários que a medicina oferece. O que o médico anuncia directa ou indirectamente ao doente, de modo verbal ou não, desenvolve uma notável influência sobre ele: pode motivá-lo, apoiá-lo, mobilizar e até potenciar os seus recursos físicos e mentais ou, ao contrário, pode enfraquecer ou frustrar os seus esforços e, deste modo, reduzir a própria eficiência dos tratamentos praticados. Aquilo a que se deve mirar é uma verdadeira aliança terapêutica com o doente, apoiando-se naquela específica racionalidade clínica que permite que o médico distinga as modalidades de comunicação mais adequadas para cada doente. Esta estratégia comunicativa terá por finalidade, mesmo se no respeito pela verdade dos factos, sobretudo apoiar a esperança, elemento fundamental do contexto terapêutico. É bom nunca esquecer que são precisamente estas qualidades humanas que o doente aprecia no médico, além da competência profissional em sentido estreito. Ele quer ser visto com benevolência, não só examinado; quer ser escutado, não só submetido a diagnoses sofisticadas; quer sentir com segurança que está na mente e no coração do médico que o trata.

Também a insistência com que hoje se põe em realce a autonomia individual do doente deve ser orientada para promover uma abordagem ao doente que justamente o considere não antagonista, mas colaborador activo e responsável do tratamento terapêutico. É preciso olhar com suspeita para qualquer tentativa de intromissão externa nesta delicada relação médico-doente. Por um lado, é inegável que se deva respeitar a autodeterminação do doente, mas sem esquecer que a exaltação individualista da autonomia termina por levar a uma leitura não realista, e certamente empobrecida, da realidade humana. Por outro, a responsabilidade profissional do médico deve levá-lo a propor um tratamento que tenha por objectivo o verdadeiro bem do doente, consciente de que a sua específica competência lhe dá em geral a capacidade de avaliar melhor a situação do que o próprio paciente.

Por outro lado, a doença manifesta-se no âmbito de uma determinada história humana e projecta-se no futuro do doente e do seu ambiente familiar. Nos contextos altamente tecnologizados da sociedade moderna, o doente arrisca ser de certa forma "coisificado". De facto, ele encontra-se dominado por regras e práticas que muitas vezes são completamente desconhecidas do seu modo de ser. Em nome das exigências da ciência, da técnica e da organização da assistência no campo da saúde, o seu habitual estilo de vida encontra-se perturbado. Ao contrário é muito importante não excluir da relação terapêutica o contexto existencial do doente, em particular a sua família. Por isso é preciso promover o sentido de responsabilidade dos familiares em relação ao doente: é um elemento importante para evitar a ulterior alienação que ele, quase inevitavelmente, suporta, se for confiado a uma medicina altamente tecnologizada, mas privada de uma suficiente vibração humana.
Portanto, sobre vós, queridos cirurgiões, pesa em grande medida a responsabilidade de oferecer uma cirurgia verdadeiramente respeitadora da pessoa do doente. É uma tarefa em si fascinante, mas também muito empenhativa. O Papa, precisamente pela sua missão de Pastor, está próximo de vós e ampara-vos com a sua oração. Com estes sentimentos, desejando-vos os melhores sucessos para o vosso trabalho, de bom grado concedo a vós e aos vossos familiares a Bênção Apostólica.




À SENHORA CRISTINA CASTAÑER-PONCE ENRILE NOVA EMBAIXADORA DAS FILIPINAS JUNTO DA SANTA SÉ Segunda-feira, 27 de Outubro de 2008



Senhora Embaixadora

É-me grato recebê-la hoje, no momento em que apresenta as Cartas Credenciais que a nomeiam Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República das Filipinas junto da Santa Sé. Retribuo as calorosas saudações que Vossa Excelência teve a amabilidade de me manifestar em nome de Sua Excelência, a Senhora Presidente Glória Macapagal-Arroyo, e pedir-lhe-ia que lhe transmitisse os meus melhores votos pelo seu bem-estar e de todos os seus compatriotas.

O povo filipino é conhecido pela sua calorosa generosidade e pelo elevado valor que atribui à amizade e à vida familiar. Os fiéis católicos do seu país através da sua fome de oração, da sua devoção e do seu desejo de servir o próximo demonstram uma firme confiança na providência amorosa de Deus. Estou grato pela contribuição singular que eles ofereceram e continuam a oferecer à vida da Igreja local e universal, enquanto encorajo todos os homens e mulheres de boa vontade da sua nação a dedicar-se à formação de laços de paz e de harmonia social no interior das suas fronteiras e no mundo inteiro.

Por sua vez, e de maneira especial através da actividade diplomática, a Santa Sé procura empenhar o mundo no diálogo, a fim de promover os valores universais que promanam da dignidade humana e ajudam a humanidade a prosperar ao longo do caminho rumo à comunhão com Deus e uns com os outros. A Igreja católica deseja compartilhar as riquezas da mensagem social do Evangelho, porque ela vivifica os corações com uma esperança em vista do cumprimento da justiça e com um amor que torna todos os homens e mulheres verdadeiramente irmãos e irmãs em Jesus Cristo. Ela cumpre esta sua missão, plenamente consciente das respectivas autonomias e competências da Igreja e do Estado. Com efeito, podemos dizer que a distinção entre a religião e a política constitui uma conquista específica da cristandade, assim como das suas fundamentais contribuições históricas e culturais. A Igreja está, outrossim, convencida de que o Estado e a Religião são chamados a ajudar-se reciprocamente, dado que juntos servem o bem-estar pessoal e social de todos (cf. Gaudium et spes GS 76). Esta cooperação harmoniosa entre a Igreja e o Estado exige líderes eclesiais e civis que desempenhem as suas tarefas com intrépida solicitude pelo bem comum.

Cultivando um espírito de honestidade e de imparcialidade, e conservando a justiça como a sua meta, os líderes civis e eclesiais conquistam a confiança das pessoas e fomentam um sentido de responsabilidade compartilhada de todos os cidadãos, para promover uma civilização do amor. Todos deveriam ser motivados pelo desejo de servir, e não de lucrar pessoalmente ou de beneficiar alguns privilegiados. Todos participam na tarefa de fortalecer as instituições públicas, em vista de as salvaguardar da corrupção do faccionismo e do elitismo. A este propósito, é encorajador observar as numerosas iniciativas empreendidas a vários níveis na sociedade filipina, para proteger os mais frágeis, especialmente os nascituros, os enfermos e as pessoas idosas.

791 Excelência, aprecio a preocupação que expressou em nome do seu Governo, pelo bem-estar dos trabalhadores migrantes das Filipinas. Com efeito, o Encontro do Fórum Global sobre "Migração e o Desenvolvimento", realizado em Manila, testemunha claramente a solicitude das Filipinas por todos aqueles que deixam a sua pátria em busca de um emprego numa terra estrangeira. Iniciativas como o Fórum Global são fecundas, quando reconhecem a imigração como um recurso para o desenvolvimento, e não um obstáculo para o mesmo. Ao mesmo tempo, os líderes governamentais enfrentam numerosos desafios, enquanto se esforçam por garantir que os imigrantes sejam integrados na sociedade de maneira que a sua dignidade humana seja reconhecida e que lhes seja oferecida a oportunidade para ganhar o pão dignamente, com períodos adequados de descanso e com a devida possibilidade de culto. A justa atenção aos imigrantes e a construção de uma solidariedade do trabalho (cf. Laborem exercens LE 8) exigem que os governos, as agências humanitárias, as pessoas de fé e todos os cidadãos cooperem com prudência e determinação paciente. As políticas nacionais e internacionais, destinadas a controlar a imigração, devem fundamentar-se em critérios de equidade e de equilíbrio, e é necessário uma atenção especial para facilitar a reunificação das famílias. Ao mesmo tempo, devem ser promovidas na medida do possível, as condições que fomentam maiores oportunidades de trabalho nos lugares de origem das pessoas (cf. Gaudium et spes GS 66).

Senhora Embaixadora, a este propósito, os líderes da sua nação aprovaram a legislação para uma reforma agrária geral, com a finalidade de melhorar as condições de vida dos pobres. Reformas agrárias cuidadosamente estudadas podem beneficiar uma sociedade, incutindo um sentido de responsabilidade comum e estimulando a iniciativa individual, tornando a nação capaz de alimentar o seu próprio mercado e de ampliar a sua participação nos mercados internacionais, em vista de criar oportunidades para o crescimento no processo de globalização. Rezo a fim de que, através de medidas de implementação que promovam a justa distribuição das riquezas e o desenvolvimento sustentável dos recursos naturais, sejam oferecidas aos agricultores filipinos maiores oportunidades para aumentar a produção e ganharem o que precisam para se manterem a si mesmos e as suas famílias.

Excelência, é animador observar que a sua nação continua a participar activamente nos Foros internacionais para a promoção da paz, da solidariedade humana e do diálogo inter-religioso. Vossa Excelência indicou como estas nobres finalidades estão intimamente relacionadas com o desenvolvimento humano e a reforma social. À luz do Evangelho, a Igreja católica esteve sempre persuadida de que a transição de condições menos humanas para outras mais humanas não se limita a dimensões meramente económicas ou tecnológicas, mas exige de cada pessoa a aquisição da cultura, do respeito pela vida e a dignidade dos outros, e o reconhecimento do "Bem mais excelso, que é o próprio Deus, Autor e destino de tais bênçãos" (Populorum progressio PP 21). Estou convicto de que a República das Filipinas continuará a oferecer esta visão holista da pessoa humana nos Foros mundiais, e uno-me a todos os filipinos em oração para que a paz de Deus reine nos corações e nos lares de todas pessoas.

Senhora Embaixadora, a sua presença aqui hoje constitui uma garantia de que os vínculos de amizade e de cooperação entre a sua nação e a Santa Sé hão-de continuar a fortalecer-se nos anos vindouros. Asseguro-lhe que os vários órgãos e repartições da Cúria Romana estarão sempre prontos para a assistir no cumprimento dos seus deveres. Enquanto lhe transmito os melhores votos e orações pelo bom êxito da sua missão, invoco as bênçãos de Deus Todo-Poderoso sobre vossa Excelência, a sua família e o amado povo das Filipinas.



PALAVRAS NO FINAL DA SANTA MISSA POR OCASIÃO DO CINQUENTENÁRIO DA ELEIÇÃO DO PAPA JOÃO XXIII AO PONTIFICADO Terça-feira, 28 de Outubro de 2008



Senhor Cardeal Secretário de Estado
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caros irmãos e irmãs

Estou feliz por poder compartilhar convosco este gesto de homenagem ao Beato João XXIII, meu amado Predecessor, no aniversário da sua eleição para a Cátedra de Pedro. Alegro-me convosco por esta iniciativa e dou graças ao Senhor que nos concede reviver o anúncio de "grande alegria" (gaudium magnum) ressoado há cinquenta anos neste dia e nesta hora na Logia da Basílica Vaticana. Foi um prelúdio e uma profecia da experiência de paternidade, que Deus nos teria oferecido abundantemente através das palavras, dos gestos e do serviço eclesial do Papa Bom. A graça de Deus foi preparando uma estação exigente e promissora para a Igreja e para a sociedade, e encontrou na docilidade ao Espírito Santo, que distinguiu a vida inteira de João XXIII, o terreno fértil para fazer germinar a concórdia, a esperança, a unidade e a paz, para o bem de toda a humanidade. O Papa João XXIII indicou a fé em Cristo e a pertença à Igreja, mãe e mestra, como garantia de fecundo testemunho cristão no mundo. Assim, nas fortes oposições do seu tempo, o Papa foi homem e pastor de paz, que soube abrir no Oriente e no Ocidente inesperados horizontes de fraternidade entre os cristãos e de diálogo com todos.

A Diocese de Bérgamo está em festa e não podia faltar ao encontro espiritual com o seu filho mais ilustre, "um irmão que se tornou pai por vontade de nosso Senhor", como ele mesmo pôde dizer. Ao lado da Confissão do Apóstolo Pedro jazem os seus venerados despojos. Deste lugar querido a todos os baptizados, ele repete-vos: "Sou José, vosso irmão". Viestes para confirmar os vínculos comuns e a fé abre-os a uma dimensão verdadeiramente católica. Por isso, quisestes encontrar-vos com o Bispo de Roma, que é Pai universal. Guia-vos o vosso Pastor, D. Roberto Amadei, acompanhado pelo Bispo Auxiliar. Estou grato a D. Amadei pelas amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos e estendo a cada um a expressão da minha gratidão pelo carinho e pela devoção que vos animam. Sinto-me encorajado pela vossa oração, enquanto vos exorto a seguir o exemplo e o ensinamento do Papa, vosso conterrâneo. O Serv o de Deus João Paulo II proclamou-o Beato, reconhecendo que as características da sua santidade de pai e de pastor continuavam a resplandecer diante de toda a família humana.

792 Na Santa Missa presidida pelo Senhor Cardeal Secretário de Estado, a Palavra de Deus acolheu-vos e introduziu-vos no agradecimento perfeito de Cristo ao Pai. Nele encontramos os Santos e os Beatos, assim como aqueles que nos precederam no sinal da fé. A sua herança está depositada nas nossas mãos. Um dom verdadeiramente especial, oferecido à Igreja mediante João XXIII, foi o Concílio Ecuménico Vaticano II, por ele decidido, preparado e iniciado. Todos nós estamos comprometidos a acolher de modo adequado aquele dom, continuando a meditar os seus ensinamentos e a traduzir na vida as suas indicações concretas. É quanto vós mesmos procurastes fazer ao longo destes anos, como indivíduos e como comunidade diocesana. Em particular, recentemente comprometestes-vos no Sínodo diocesano, dedicado à paróquia: nele voltastes à nascente conciliar para daí haurir aquele suplemento de luz e de calor que se revela necessário para fazer com que a paróquia volte a ser uma articulação viva e dinâmica da comunidade diocesana. É na paróquia que se aprende a viver concretamente a própria fé. Isto permite manter viva a rica tradição do passado e propor novamente os valores num ambiente social secularizado, que se apresenta muitas vezes hostil ou indiferente. Precisamente pensando em situações deste tipo, o Papa João XXIII pôde dizer na Encíclica Pacem in terris: o crente "deve ser uma centelha de luz, um centro de amor, um fermento vivificador no meio da massa: e tanto mais o será quanto mais, na intimidade de si mesmo, viver em comunhão com Deus" (n. 162). Este foi o programa de vida do grande Pontífice, e ele pode tornar-se o ideal de cada crente e de cada uma das comunidades cristãs que souber beber, na celebração eucarística, na fonte do amor gratuito, fiel e misericordioso do Crucificado Ressuscitado.

Mas seja-me permitido reservar uma palavra especial à família, protagonista fulcral da vida eclesial, núcleo de educação na fé e célula insubstituível da vida social. A este propósito, o futuro Papa João XXIII escrevia numa missiva aos seus familiares: "A educação que deixa vestígios mais profundos é sempre a do lar. Esqueci-me de muitas coisas daquilo que li nos livros, mas recordo-me ainda muito bem de tudo o que aprendi dos pais e dos anciãos" (20 de Dezembro de 1932). De modo particular, na família aprende-se a viver na vida quotidiana o fundamental preceito cristão do amor. Precisamente para isto, a Igreja conta com a família, que tem a missão de manifestar em toda a parte, por meio dos seus filhos, "a plenitude da caridade cristã, que é o melhor auxílio para eliminar as sementes da discórdia; e nada é mais eficaz para fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna de todos" (Discurso de inauguração do Concílio, Gaudet Mater Ecclesia, 33).

Para concluir, voltando à paróquia, tema do Sínodo diocesano, vós conheceis a solicitude do Papa João XXIII por este organismo tão importante na vida eclesial. Com muita confiança, o Papa Roncalli confiava à paróquia, família de famílias, a tarefa de alimentar entre os fiéis os sentimentos de comunhão e de fraternidade. Plasmada pela Eucaristia, a paróquia poderá tornar-se ele pensava fermento de saudável inquietação nos difundidos consumismo e individualismo da nossa época, despertando a solidariedade e abrindo na fé os olhos do coração para reconhecer o Pai, que é amor gratuito, desejoso de compartilhar com os filhos a sua própria alegria.

Queridos amigos, acompanhou-vos a Roma a imagem de Nossa Senhora, que o Papa João XXIII recebeu como dom durante a visita a Loreto, poucos dias antes da inauguração do Concílio. Desejou que a imagem fosse colocada no Seminário episcopal a ele dedicado, na sua Diocese natal, e vejo com alegria que são numerosos os seminaristas entusiastas da sua própria vocação. É de bom grado que confio à Mãe de Deus todas as famílias e as paróquias, propondo-lhes o modelo da Sagrada Família de Nazaré: que elas sejam o primeiro seminário e saibam fazer prosperar no próprio âmbito vocações para o sacerdócio, para a missão, para a consagração religiosa e para a vida familiar segundo o Coração de Cristo. Numa célebre visita durante os primeiros meses do seu Pontificado, o Beato pediu aos seus ouvintes qual era, na sua opinião, o sentido do encontro, e ele mesmo deu esta resposta: "O Papa fixou os seus olhos nos vossos, e pôs o seu coração ao lado do vosso" (Discurso por ocasião do primeiro Natal do seu Pontificado, 1958). Rezo ao Papa João XXIII para que nos conceda experimentar a proximidade do seu olhar e do seu coração, de maneira a fazer-nos sentir verdadeiramente como família de Deus.

Com estes bons votos, é de bom grado que concedo aos peregrinos bergamascos e particularmente aos que vieram de Sotto il Monte, povoado natal do Beato Pontífice aonde tive a alegria de ir há alguns anos assim como às autoridades, aos fiéis romanos e orientais aqui presentes e a todas as pessoas queridas, a minha carinhosa Bênção.




À SENHORA ANNE LEAHY NOVA EMBAIXADORA DO CANADÁ JUNTO DA SANTA SÉ Quinta-feira, 30 de Outubro de 2008

Senhora Embaixadora!

É com alegria que lhe dou as boas-vindas por ocasião da apresentação das Cartas que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária do Canadá junto da Santa Sé, e agradeço-lhe as calorosas saudações que me dirigiu da parte da Governadora-Geral do Canadá. Ficar-lhe-ia grato por se dignar expressar-lhe os meus cordiais votos pela sua pessoa assim como pelo povo canadiano, desejando que a nova legislatura que inicia no seu país contribua para a promoção do bem comum e para a consolidação de uma sociedade cada vez mais fraterna.

O diálogo confiante que Vossa Excelência tem o cargo de manter entre o Canadá e a Santa Sé possui já uma longa história, dado que, como Vossa Excelência frisou, celebraremos daqui a poucos meses o quadragésimo aniversário do estabelecimento das nossas relações diplomáticas. Contudo, os vínculos entre a Sé Apostólica e o seu país remontam à vários séculos. Estas relações deram uma marca particular quer à presença da Igreja quer à atenção que a Santa Sé presta ao seu país. Por outro lado, é significativo que João Paulo II tenha realizado três viagens apostólicas ao Canadá, das quais a última em 2002 por ocasião da XVII Jornada Mundial da Juventude, para cujo êxito Vossa Excelência colaborou pessoalmente. E gostaria de recordar aqui o que o meu venerado Predecessor disse à sua chegada a Toronto, dirigindo-se ao Primeiro-Ministro: "Os canadenses são os herdeiros de um humanismo extraordinariamente rico, graças à associação de numerosos elementos culturais diversos. Mas o fulcro da vossa herança é a concepção espiritual e transcendental da vida, fundada na Revelação cristã, que deu um impulso vital ao vosso progresso como sociedade livre, democrática e solidária, reconhecida no mundo inteiro como um canteiro dos direitos da pessoa humana e da sua dignidade" (No Aeroporto de Toronto, 23 de Julho de 2002). Nesta perspectiva, sinto-me particularmente feliz pela revitalização dos vínculos de entendimento entre a Igreja católica e as comunidades autóctones do Canadá, dos quais um sinal positivo foi a visita de um dos seus representantes à Assembleia da Conferência episcopal canadense.

Alegro-me também pela dedicação do seu país ao desenvolvimento das colaborações multilaterais em favor da solução de numerosos problemas que desafiam a humanidade do nosso tempo. O compromisso do Canadá nos esforços da Comunidade internacional em vista da busca e da consolidação da paz e da reconciliação em várias regiões do mundo é uma contribuição importante para o restabelecimento de um mundo mais justo e solidário, no qual todas as pessoas humanas são respeitadas na sua vocação fundamental. A este propósito, podemos mencionar o compromisso do Canadá e da Santa Sé, com outros países, para apoiar a aplicação da Convenção para a proibição das minas anti-pessoais e para promover a sua universalização. Esta Convenção representa um instrumento internacional que registrou um sucesso raramente alcançado no campo do desarmamento em tempos recentes, mostrando, como disse o Papa João Paulo II, que "quando os Estados se unem, num clima de compreensão, de respeito recíproco e de cooperação, para se oporem a uma cultura de morte e para edificar na confiança uma cultura da vida, é a causa da paz que progride na consciência das pessoas e de toda a humanidade" (22 de Novembro de 2004). De igual modo, o Canadá e a Santa Sé, com outros países, esforçam-se por dar a sua contribuição para a estabilidade, à paz e ao desenvolvimento na região dos Grandes Lagos em África.

Como Vossa Excelência acaba de realçar, graças às instituições que criou e à cultura que promove, o catolicismo representou um fecho de abóbada essencial na edificação da sociedade canadense. Contudo, nos nossos dias, verificaram-se e ainda se verificam nela profundas mudanças. Os sinais desta evolução são visíveis em vários âmbitos e por vezes são preocupadores a ponto de se interrogar se eles não significam também um retrocesso na concepção do ser humano. Eles referem-se sobretudo ao âmbito da defesa e da promoção da vida e da família fundada no matrimónio natural. Sendo muito conhecidos, não é o caso de se deter a falar sobre eles.

793 Neste contexto, gostaria antes de encorajar todos os canadenses a reflectir profundamente sobre o caminho que Cristo convida a traçar. Ele é luminoso e cheio de verdade. Uma cultura da vida poderia irrigar de novo toda a existência pessoal e social canadense. Sei que é possível e que o seu país é capaz disso. A fim de contribuir para essa finalidade, parece-me necessário definir de novo o sentido da liberdade, expressão invocada com muita frequência para justificar certos excessos. De facto, a sua prática é compreendida cada vez mais apenas como um valor absoluto um direito intangível do indivíduo ignorando totalmente a importância das origens divinas da liberdade e da sua dimensão comunitária necessária para a sua construção. Segundo esta interpretação, só o indivíduo pode decidir e escolher a fisionomia, as características e as finalidades da vida, da morte e do matrimónio. A verdadeira liberdade funda-se e desenvolve-se finalmente em Deus. Ela é um dom que é possível aceitar como um germe e fazer maturar de modo responsável para enriquecer verdadeiramente a pessoa e a sociedade. A prática desta liberdade exige a referência a uma lei moral natural, de carácter universal, que precede e une todos os direitos e deveres. Nesta perspectiva, gostaria de dar o meu apoio às iniciativas dos Bispos canadenses para favorecer a vida familiar, e por conseguinte, para favorecer a dignidade da pessoa humana.

Entre as instituições eclesiais do seu país, as escolas católicas desempenham um papel importante na educação humana e espiritual da juventude e prestam também um serviço de grande valor ao seu país. De igual modo, o ensino religioso deve ocupar o lugar que lhe compete, no respeito da consciência de cada um dos alunos. De facto, é um direito inalienável dos pais poder garantir a educação religiosa aos seus filhos. O ensino da religião, em virtude da contribuição específica com que pode contribuir, representa um recurso fundamental e indispensável para uma educação que tenha entre os seus objectivos a construção da personalidade do aluno e o desenvolvimento das suas capacidades, integrando as dimensões cognitiva, afectiva e espiritual. Contribuindo também para a transmissão da fé às novas gerações e preparando-as para o diálogo entre as diferentes componentes da nação, as escolas católicas respondem uma exigência constante da missão da Igreja, para o bem de todos, e enriquecem o conjunto da sociedade canadense.

Senhora Embaixadora, os sinais de esperança hoje não faltam. Alegro-me também pelo bom êxito do 49º Congresso Eucarístico Internacional que se concluiu no seu país a 22 de Junho passado. Neste importante encontro eclesial, podemos discernir um sinal encorajador que as antigas raízes da árvore do catolicismo ainda estão vivas no Canadá e que podem fazê-lo reflorescer. Foram numerosos os peregrinos que puderam beneficiar da hospitalidade calorosa do seu povo. Gostaria de agradecer vivamente às Autoridades do seu país pelos esforços feitos a fim de favorecer este acontecimento. Fiel a uma longa tradição, apesar das dificuldades da nossa época, o Canadá soube permanecer uma terra de acolhimento. Encorajo os canadenses a prosseguir generosamente esta bela tradição de abertura particularmente em relação às pessoas mais frágeis.

Excelência, aproveito esta ocasião para lhe pedir que saúde calorosamente a comunidade católica do seu país. No contexto muitas vezes complexo no qual a Igreja é chamada a exercer a sua missão, encorajo os Bispos e os fiéis a continuar a depor a sua esperança na Palavra de Deus e a testemunhar sem receio entre os seus compatriotas o poder do amor divino. Que o compromisso dos cristãos na vida da sociedade seja cada vez mais expressão de um amor que procura o bem integral do homem!

No momento em que inicia a sua missão, na certeza de que encontrará sempre um acolhimento atento junto dos meus colaboradores, apresento-lhe, Senhora Embaixadora, os meus votos mais cordiais pelo seu feliz cumprimento, a fim de que as relações harmoniosas que existem entre o Canadá e a Santa Sé possam ser prosseguidas e aprofundadas. Sobre Vossa Excelência, sua família e colaboradores, assim como sobre os Responsáveis e habitantes do Canadá, invoco de coração a abundância das Bênçãos divinas.




AO "INTERNATIONAL JEWISH COMMITTEE ON INTERRELIGIOUS CONSULTATIONS" Quinta-feira, 30 de Outubro de 2008

Queridos amigos

É-me grato dar as boas-vindas a esta delegação do International Jewish Committee on Interreligious Consultations. Durante mais de trinta anos, o vosso Comité e a Santa Sé mantiveram contactos regulares e fecundos, que contribuíram para uma maior compreensão e aceitação entre os católicos e os judeus. É com alegria que aproveito este ensejo para confirmar o compromisso da Igreja em vista de implementar os princípios definidos na histórica Declaração Nostra aetate, do Concílio Vaticano II. Esta Declaração, que condenava firmemente todas as formas de anti-semitismo, representou um significativo marco na longa história das relações católico-judaicas, assim como uma exortação a uma renovada compreensão teológica das relações entre a Igreja e o povo judeu.

Hoje os cristãos estão cada vez mais conscientes do património espiritual que compartilham com o povo da Torá, o povo escolhido por Deus na sua misericórdia inefável, um património que exige maiores apreço, respeito e amor mútuos (cf. Nostra aetate NAE 4). Também os judeus são desafiados a descobrir o que possuem em comum com todos aqueles que acreditam no Senhor, Deus de Israel, o primeiro que se revelou através da sua Palavra poderosa e vivificadora. Como o Salmista nos recorda, a Palavra de Deus é uma lâmpada e uma luz para o nosso caminho; ela conserva-nos vivos e concede-nos uma nova vida (cf. Sl Ps 119,105). Esta palavra anima-nos a dar um testemunho comum do amor, da misericórdia e da verdade de Deus. Este é um serviço vital na nossa época, ameaçada pela perda dos valores espirituais e morais, que garantem a dignidade humana, a solidariedade, a justiça e a paz.

No nosso mundo inquieto, tão frequentemente marcado pela pobreza, a violência e a exploração, o diálogo entre as culturas e as religiões deve ser visto cada vez mais como um dever sagrado que incumbe sobre todos aqueles que estão comprometidos na edificação de um mundo mais digno do homem. A capacidade de nos aceitarmos e respeitarmos uns aos outros, e de dizermos a verdade no amor, é essencial para superar diferenças, prevenir incompreensões e evitar atritos inúteis. Como vós mesmos experimentastes ao longo dos anos de encontros do International Liaison Committee, o diálogo só é sério, quando respeita as diferenças e reconhece os outros precisamente na sua alteridade. Um diálogo sincero precisa tanto de abertura como de um firme sentido de identidade de ambos os lados, a fim de que cada um possa ser enriquecido pelos dons do outro.

Nos últimos meses, tive o prazer de me encontrar com comunidades judaicas em Nova York, Paris e aqui no Vaticano. Estou grato ao Senhor por estes encontros, bem como pelo progresso alcançado nas relações católico-judaicas que eles reflectem. Então, nestes espírito, encorajo-vos a perseverar no vosso importante trabalho, com paciência e renovado compromisso. Ofereço-vos os meus sinceros bons votos, enquanto o vosso Comité se prepara para encontrar, no próximo mês em Budapeste, com uma delegação da Comissão da Santa Sé para as relações religiosas com o judaísmo, para debater o tema: "A religião e a sociedade civil hoje".


Discursos Bento XVI 789