Discursos Bento XVI 794

794 Estimados amigos, com estes sentimentos oro ao Todo Poderoso para que continue a velar sobre vós e as vossas famílias, e a orientar os vossos passos pelo caminho da paz.



PALAVRAS AOS PROFESSORES E ESTUDANTES DAS UNIVERSIDADES ECLESIÁSTICAS ROMANAS Quinta-feira, 30 de Outubro de 2008

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados irmãos e irmãs

É sempre para mim motivo de alegria este tradicional encontro com as Universidades eclesiásticas romanas, no início do ano académico. Saúdo todos vós com grande afecto, a começar pelo Senhor Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, que presidiu à Santa Missa, e a quem agradeço as palavras com as quais se fez intérprete dos vossos sentimentos. Estou feliz por saudar os demais Cardeais e Prelados aqui presentes, assim como os Reitores, os Professores, os Responsáveis e os Superiores dos Seminários e dos Colégios, e naturalmente todos vós, queridos estudantes que, provenientes de vários países, viestes a Roma para realizar os vossos estudos.

No corrente ano, durante o qual nós celebramos o Jubileu bimilenar do nascimento do Apóstolo Paulo, gostaria de reflectir brevemente convosco sobre um aspecto da sua mensagem, que me parece particularmente adequado para vós, estudiosos e estudantes, e sobre o qual já reflecti também ontem, na catequese durante a Audiência geral. Ou seja, tenciono referir-me àquilo que São Paulo escreve a respeito da sabedoria cristã, de modo particular na sua primeira Carta aos Coríntios, comunidade em que se tinham verificado rivalidades entre os discípulos. O Apóstolo enfrenta o problema de tais divisões no seio da comunidade, indicando nelas um sinal da falsa sabedoria, isto é, de uma mentalidade ainda imatura, porque carnal e não espiritual (cf. 1Co 3,1-3). Em seguida, referindo-se à sua própria experiência, Paulo recorda aos Coríntios que Cristo o enviou para anunciar o Evangelho, "não, porém, com a sabedoria da palavra, a fim de não se desvirtuar a Cruz de Cristo" (1Co 1,17).

Aqui tem início uma reflexão sobre a "sabedoria da Cruz", ou seja, acerca de Deus, que se opõe à sabedoria deste mundo. O Apóstolo insiste sobre o contraste existente entre estas duas sabedorias, das quais somente uma é verdadeira, a divina, enquanto a outra na realidade é "loucura". Pois bem, a novidade extraordinária, que deve ser redescoberta e acolhida, é o facto de que, em Cristo, a sabedoria divina nos foi concedida e comunicada. Além disso, no final do capítulo 2 da mencionada Carta, existe uma expressão que resume esta novidade e que precisamente por isso nunca deixa de surpreender. São Paulo escreve: "Nós, contudo, possuímos o pensamento de Cristo "?µei? de ???? ???st?? ???µe?" (2, 16). Esta oposição entre as duas sabedorias não deve ser identificada com a diferença entre a teologia, por um lado, e a filosofia e as ciências por outro. Trata-se, na realidade, de duas atitudes fundamentais. A "sabedoria deste mundo" é um modo de viver e de ver as realidades prescindindo de Deus e seguindo as opiniões predominantes, segundo os critérios do sucesso e do poder. A "sabedoria divina" consiste em seguir a mente de Cristo é Cristo que nos abre os olhos do coração para seguir o caminho da verdade e do amor.

Dilectos estudantes, vós viestes a Roma para aprofundar os vossos conhecimentos no campo teológico, e não obstante estudeis outras matérias diferentes da teologia, por exemplo o direito, a história, as ciências humanas, a arte, etc, de qualquer modo a formação espiritual segundo o pensamento de Cristo permanece fundamental para vós, e é esta a perspectiva dos vossos estudos. Por isso, são importantes para vós estas palavras do Apóstolo Paulo e aquelas que lemos imediatamente a seguir, ainda na primeira Carta aos Coríntios: "Pois quem dentre os homens conhece os segredos do homem, a não ser o espírito do homem que nele reside? Assim também os segredos de Deus, ninguém os conhece, a não ser o Espírito Deus. Ora, nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, que nos faz conhecer as graças, que por Ele nos foram concedidas" (2, 11-12). Eis-nos, então, no interior do esquema de oposição entre a sabedoria humana e a sabedoria divina. Para conhecer e compreender as realidades espirituais, é preciso que sejamos homens e mulheres espirituais, porque se formos carnais, inevitavelmente voltaremos a cair na loucura, mesmo que talvez estudemos muito e que nos tornemos "eruditos" e "peritos investigadores deste século" (1, 20).

Podemos ver neste texto paulino uma aproximação, mais significativa que nunca, aos versículos do Evangelho que mencionam a bênção de Jesus dirigida a Deus Pai, porque diz o Senhor "escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos, e as revelaste aos pequeninos" (Mt 11,25). Os "sábios" de que Jesus fala são aqueles que Paulo chama os "sábios deste mundo". Enquanto os "pequeninos" são aqueles que o Apóstolo qualifica como "loucos", "fracos", "ignóbeis e desprezíveis" para o mundo (1, 27-28), mas que na realidade, se acolhem "a palavra da Cruz" (1, 18), tornam-se os verdadeiros sábios. A tal ponto que Paulo exorta quem se considera sábio segundo os critérios do mundo a "fazer-se louco", para se tornar verdadeiramente sábio diante de Deus (3, 18). Não se trata de uma atitude anti-intelectual, não é uma oposição à "recta ratio". Paulo seguindo Jesus opõe-se a um tipo de soberba intelectual em que o homem, embora saiba muito, termina por perder a sensibilidade pela verdade e a disponibilidade a abrir-se à novidade do agir divino.

795 Portanto, caros amigos, esta reflexão paulina não quer de modo algum levar a subestimar o compromisso humano necessário para o conhecimento, mas coloca-se em outro plano: Paulo preocupa-se em sublinhar e fá-lo sem meios-termos o que realmente é válido para a salvação e o que, ao contrário, pode provocar divisão e ruína. Ou seja, o Apóstolo denuncia o veneno da falsa sabedoria, que é o orgulho humano. Com efeito, não é o conhecimento em si que pode prejudicar, mas a presunção, o "orgulhar-se" daquilo que se chega ou que se presume ter chegado a conhecer. É precisamente daqui que derivam, pois, as facções e as discórdias na Igreja e, analogamente, na sociedade. Por conseguinte, trata-se de cultivar a sabedoria não segundo a carne, mas sim secundo o Espírito. Sabemos bem que São Paulo, com as palavras "carne, carnal", não se refere ao corpo, mas a um modo de viver somente para si mesmo e em conformidade com os critérios do mundo. Por isso, segundo São Paulo, é sempre necessário purificar o próprio coração do veneno do orgulho, presente em cada um de nós. Portanto, também nós devemos elevar com São Paulo este clamor. "Quem nos há-de libertar?" (cf. Rm 7,24). E também nós podemos receber com ele esta resposta: a graça de Jesus Cristo, que o Pai nos concedeu mediante o Espírito Santo (cf. Rm 7,25). O "pensamento de Cristo", que por graça nós recebemos, purifica-nos da falsa sabedoria. Quanto a nós, acolhemos este "pensamento de Cristo" através da Igreja e na Igreja, deixando-nos levar pelo rio da sua tradição viva. Exprime-o muito bem a iconografia que representa Jesus-Sabedoria no seio da Mãe Maria, símbolo da Igreja: In gremio Matris sedet Sapientia Patris: é no ventre da Mãe que se encontra a Sabedoria do Pai, ou seja, Cristo. Permanecendo fiéis ao Jesus que Maria nos oferece, ao Cristo que a Igreja nos apresenta, podemos comprometer-nos de modo intenso no trabalho intelectual, interiormente livres da tentação do orgulho, e ciosos sempre e só no Senhor.

Caros irmãos e irmãs, estes são os bons votos que vos formulo, no início do novo ano académico, invocando sobre todos vós a protecção maternal de Maria, Sedes Sapientiae, do Apóstolo Paulo. Que vos acompanhe também a minha afectuosa Bênção.




AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008

Ilustres Senhoras e Senhores

Estou feliz por vos saudar, membros da Pontifícia Academia das Ciências, por ocasião da vossa Assembleia Plenária, e estou grato ao Professor Nicola Cabibbo pelas palavras que, gentilmente, me dirigiu em nome de todos vós.

Ao escolherdes o tema: Visão científica da evolução do universo e da vida, procurais focalizar uma área de investigação que suscita muito interesse. Com efeito, muitos dos nossos contemporâneos desejam reflectir sobre a origem última dos seres, a sua causa e a sua finalidade, mas também sobre o significado da história humana e do universo.

Neste contexto, é natural que surjam interrogações relativas à relação entre a interpretação científica do mundo e a compreensão oferecida pela Revelação cristã. Os meus predecessores Papa Pio XII e Papa João Paulo II observaram que não existe oposição entre a compreensão da fé na criação e a evidência das ciências empíricas. Nas suas primeiras fases, a filosofia propunha imagens para explicar a origem do cosmos, tendo como base um ou mais elementos do mundo material. Esta génese não era vista como uma criação, mas sobretudo como uma mudança ou transformação; envolvia uma interpretação bastante horizontal da origem do mundo. Um progresso decisivo no campo da compreensão da origem do cosmos foi a consideração do ser qua ser e a solicitude da metafísica pela questão mais elementar da primeira, ou transcendente, origem do ser participado. Para se desenvolver e evoluir, o mundo deve primeiro existir, e assim passar do nada ao ser. Por outras palavras, ele deve ser criado pelo primeiro Ser, que é tal pela sua própria essência.

Afirmar que a fundação do cosmos e o seu desenvolvimento é a sabedoria próvida do Criador não significa dizer que a criação só tem a ver com os primórdios da história do mundo e da vida. Aliás, isto implica que o Criador funda estes desenvolvimentos e os sustenta, mantém e conserva incessantemente. Tomás de Aquino ensinava que a noção da criação deve transcender a origem horizontal da sucessão dos acontecimentos, que é a história e, por conseguinte, todos os nossos modos naturalistas de pensar e de falar a respeito da evolução do mundo. Tomás observava que a criação não é um movimento nem uma mudança. Pelo contrário, ela é a relação constituinte e contínua que vincula a criatura ao Criador, uma vez que Ele é a causa de todo o ser e de todo o devir (cf. Summa Theologiae, i, q. 45, a. 3).

Literalmente, "evoluir" significa "desenrolar um pergaminho", ou seja, ler um livro. A imagem da natureza como livro tem a sua raiz na Cristandade e tem sido considerada com apreço por numerosos cientistas. Galileu considerava a natureza como um livro cujo autor é Deus, do mesmo modo como a Escritura tem Deus como seu autor. Trata-se de um livro cuja história e evolução, cujo "escrito" e significado nós "lemos" de acordo com as diferentes abordagens das ciências, enquanto pressupomos sempre a presença constituinte do autor que aí quis revelar-se. Esta imagem ajuda-nos também a compreender que o mundo, longe de encontrar a sua origem no caos, é semelhante a um livro ordenado; é um cosmos. Não obstante a existência de elementos irracionais, caóticos e destruidores nos longos processos de mudança no cosmos, a questão em si é "legível". Ela contém em si uma "matemática" inerente. Portanto, a mente humana pode comprometer-se não apenas numa "cosmografia", estudando os fenómenos comensuráveis, mas também numa "cosmologia", discernindo a lógica interior visível do próprio cosmos.

Talvez no início não sejamos capazes de ver a harmonia do todo e os relacionamentos das partes individuais, nem a sua relação com o todo. No entanto, permanece sempre uma vasta gama de acontecimentos inteligíveis, e o processo é racional uma vez que revela uma ordem de correspondências evidentes finalidades inegáveis: no mundo inorgânico, entre a micro-estrutura e a macro-estrutura; no mundo orgânico e animal, entre a estrutura e a função; e no mundo espiritual, entre o conhecimento da verdade e a aspiração à liberdade. Gradualmente, a investigação experimental e filosófica descobre estas ordens; compreende que elas agem em vista de se manter na existência, defendendo-se contra os desequilíbrios e ultrapassando os obstáculos. E graças às ciências naturais, pudemos aumentar enormemente a nossa compreensão da unicidade do lugar da humanidade no cosmos.

A distinção entre um simples ser vivo e um ser espiritual, que é capax Dei, indica a existência da alma intelectiva de um livre sujeito transcendente. Deste modo, o Magistério da Igreja tem afirmado constantemente que "cada alma espiritual é criada por Deus de modo imediato, e não "produzida" pelos pais; e que é imortal" (Catecismo da Igreja Católica CEC 366). Isto indica a distinção da antropologia e exorta à sua exploração por parte do pensamento moderno.

796 Ilustres Académicos, desejo concluir recordando as palavras que vos foram dirigidas pelo meu predecessor, o Papa João Paulo II em 10 de Novembro de 2003: "A verdade científica, que é em si mesma uma participação na Verdade divina, pode ajudar a filosofia e a teologia a compreender cada vez mais plenamente a pessoa humana e a Revelação de Deus acerca do homem, uma Revelação que se completa e se aperfeiçoa em Jesus Cristo. Com toda a Igreja, estou profundamente agradecido por este enriquecimento recíproco na busca da verdade e do benefício de toda a humanidade".

Sobre vós, as vossas famílias e todos aqueles que participam no trabalho da Pontifícia Academia das Ciências, invoco cordialmente as bênçãos divinas de sabedoria e de paz.




AOS REPRESENTANTES DA COMUNIDADE DA RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008



Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Apresento com vivo prazer a todos vós as minhas cordiais boas-vindas, e agradeço-vos a visita que me fazeis por ocasião do II Encontro Internacional dos Bispos que acompanham as novas Comunidades de Renovação Carismática Católica, do Conselho Internacional da Catholic Fraternity of Charismatics Covenant Communities and Fellowships e, por fim, da XIII Conferência Internacional, convocada em Assis, sobre o tema: "Nós pregamos Cristo Crucificado, poder e sabedoria de Deus" (cf. 1Co 1,23-24), na qual participam as principais Comunidades da Renovação Carismática no mundo. Saúdo-vos a vós, queridos Irmãos no Episcopado, e a todos vós, que trabalhais ao serviço dos Movimentos eclesiais e das Novas Comunidades. Dirijo uma saudação especial ao Prof. Matteo Calisi, Presidente da Catholic Fraternity, que se fez intérprete dos vossos sentimentos.

Como já tive a ocasião de afirmar noutras circunstâncias, os Movimentos eclesiais e as Novas Comunidades, que floresceram depois do Concílio Vaticano II, constituem um singular dom do Senhor e um recurso precioso para a vida da Igreja. Eles devem ser acolhidos com confiança e valorizados nas suas diversas contribuições para os colocar com confiança ao serviço da utilidade comum de modo ordenado e fecundo. De grande interesse é também a vossa actual reflexão sobre a centralidade de Cristo na pregação, assim como sobre a importância dos "Carismas na vida da Igreja particular", com referência à teologia paulina, ao Novo Testamento e à experiência da Renovação Carismática. O que aprendemos do Novo Testamento sobre os carismas, que surgiram como sinais visíveis da vinda do Espírito Santo, não é um acontecimento histórico do passado, mas realidade sempre viva: é o mesmo Espírito divino, alma da Igreja, que age nela em cada época, e estas suas intervenções misteriosas e eficazes manifestam-se neste nosso tempo de modo providencial. Os Movimentos e as Novas Comunidades são como irrupções do Espírito Santo na Igreja e na sociedade contemporânea. Então podemos dizer que um dos elementos e dos aspectos positivos das Comunidades da Renovação Carismática Católica é precisamente a importância que revestem nelas os carismas ou dons do Espírito Santo e mérito seu é ter evocado na Igreja a actualidade.

O Concílio Vaticano II, em diversos documentos, faz referência aos Movimentos e às novas Comunidades eclesiais, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen gentium, onde lemos: "Os carismas extraordinários, ou também os mais simples e mais comuns, dado que são sobretudo apropriados e úteis para as necessidades da Igreja, devem ser acolhidos com gratidão e consolação" (n. 12). Em seguida, também o Catecismo da Igreja Católica ressaltou o valor e a importância dos novos carismas na Igreja, cuja autenticidade é contudo garantida pela disponibilidade a submeter-se ao discernimento da autoridade eclesiástica (cf. n. 2003). Precisamente porque assistimos a um prometedor florescimento de movimentos e comunidades eclesiais, é importante que os Pastores exerçam em relação a eles um discernimento prudente e sábio. Faço votos de coração por que seja intensificado o diálogo entre Pastores e Movimentos eclesiásticos a todos os níveis: nas paróquias, nas dioceses e com a Sé Apostólica. Sei que estão a ser estudadas modalidades oportunas para conferir reconhecimento pontifício aos novos Movimentos e Comunidades eclesiais e não são poucos os que já o receberam. Este dado o reconhecimento ou a erecção de associações internacionais da parte da Santa Sé para a Igreja universal os Pastores, sobretudo os Bispos, devem tê-lo em consideração no discernimento obrigatório que lhes compete (cf. Congregação para os Bispos, Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos Apostolicam Successores, Cap. 4, 8).

Queridos irmãos e irmãs, entre estas novas realidades eclesiais reconhecidas pela Santa Sé, inclui-se também a vossa, a Catholic Fraternity of Charismatic Covenant Communities and Fellowships, Associação Internacional de fiéis, que desempenha uma missão específica no âmbito da Renovação Carismática Católica (cf. Decreto do Pontifício Conselho para os Leigos de 30 de Novembro de 1990 prot. 1585/s-6//b-so). Um dos seus objectivos, em conformidade com as indicações do meu venerado predecessor João Paulo II, é salvaguardar a identidade católica das comunidades carismáticas e encorajá-las a manter um vínculo estreito com os Bispos e com o Romano Pontífice (cf. Carta autógrafa à Catholic Fraternity, 1 de Junho de 1998). É ainda com prazer que tomo conhecimento de que ela se propõe a instituição de um Centro de formação permanente para os membros e os responsáveis das Comunidades Carismáticas. Isto permitirá que a Catholic Fraternity valorize melhor a própria missão eclesial orientada para a evangelização, a liturgia, a adoração, o ecumenismo, a família, os jovens e as vocações de especial consagração: missão que será ainda mais ajudada pela transferência da Sede internacional da associação para Roma, com a possibilidade de estar em contacto mais estreito com o Pontifício Conselho para os Leigos.

Queridos irmãos e irmãs, a salvaguarda da fidelidade à identidade católica e da eclesialidade da parte de cada uma das vossas comunidades permitir-vos-á dar em toda a parte um testemunho vivo e laborioso do profundo mistério da Igreja. E será precisamente isto que promoverá a capacidade das várias comunidades de atrair novos membros. Confio os trabalhos dos vossos respectivos congressos à protecção de Maria, Mãe da Igreja, Templo vivo do Espírito Santo, e à intercessão dos santos Francisco e Clara de Assis, exemplos de santidade e de renovação espiritual, enquanto de coração concedo a vós e a todas as vossas comunidades uma especial Bênção Apostólica.



797                                                            Novembro de  2008




À SENHORA LAMIA ALY HAMADA MEKHEMAR NOVA EMBAIXADORA DA REPÚBLICA ÁRABE DO EGIPTO JUNTO DA SANTA SÉ Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008



Senhora Embaixadora!

Sinto-me feliz por receber Vossa Excelência, e por lhe desejar as boas-vindas por ocasião da apresentação das Cartas que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República Árabe do Egipto junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as gentis saudações que me transmitiu da parte de Sua Ex. o Senhor Mohamed Hosni Moubarak, Presidente da República, e da sua esposa, Senhora Suzanne Moubarak, que Vossa Excelência serviu por vários anos. Ser-lhe-ia grato se se dignasse expressar-lhe em retribuição os meus melhores votos pelas suas pessoas assim como por todo o povo egípcio.

O Egipto é uma terra de antiga civilização, conhecido no mundo inteiro pelos seus monumentos, pela sua arte e pela sua sabedoria ancestral. Na sua terra, Senhora Embaixadora, encontraram-se e misturaram-se povos, culturas e religiões diversas construindo ao longo dos milénios a identidade do seu povo, famoso pela sua sabedoria e ponderação, e constituindo a riqueza da vossa cultura ainda hoje capaz de integrar a novidade conservando a sua especificidade.

Vossa Excelência recordou com razão as boas relações existentes entre o Egipto e a Santa Sé após o estabelecimento das relações diplomáticas, há mais de 60 anos. Não posso deixar de dar graças a Deus, que as permitiu e favoreceu. Já então o Egipto estava na vanguarda na busca de pontes entre os povos e as religiões. Estas relações baseiam-se certamente num profundo respeito recíproco das nossas próprias identidades, mas também, e sobretudo, num desejo real de promover a unidade e a paz quer no interior das fronteiras nacionais quer no espaço internacional, assim como de desenvolver o diálogo e a colaboração entre os membros das diversas culturas e religiões.

Vossa Excelência acaba de evocar também os numerosos e graves problemas internacionais que agitam sempre e ainda, com frequência também violentamente, os confins da África e da Ásia sobretudo no Médio Oriente. Os esforços do Egipto em favor da paz, da harmonia e de soluções justas que respeitem os Estados e as pessoas, são numerosos e alcançam os da Santa Sé, que se esforça também ela por favorecê-los e promovê-los. Um clima de diálogo e de aproximação que poderia originar uma cultura de paz, deve realizar-se pouco a pouco para chegar a eliminar, ou pelo menos atenuar, os egoísmos nacionais e diminuir os interesses privados ou públicos. As religiões podem e devem ser factores de paz. Infelizmente, elas podem ser também mal compreendidas e usadas para provocar violência ou morte. O respeito pela sensibilidade e história próprias de cada país ou de cada comunidade humana e religiosa, as consultações frequentes e os encontros multilaterais, e sobretudo uma autêntica vontade de busca da paz favorecerão a reconciliação dos povos e a coabitação pacífica entre todos. É o que a Santa Sé invoca, e sabe que é também preocupação do Egipto. Neste contexto, gostaria de me congratular pelos esforços realizados pelo seu país e governantes a fim de alcançar pouco a pouco este nobre objectivo. O Egipto sempre foi conhecido como terra de acolhimento para numerosos refugiados, muçulmanos e cristãos, que procuraram segurança e paz nas suas terras. Que esta nobre tradição seja continuada para o bem de todos! O hóspede acolhido é um depósito sagrado confiado por Deus o qual dele saberá recordar-se no momento justo.

Acabei de recordar o papel primordial das religiões na realização da harmonia entre os povos, as culturas e os indivíduos. Após decénios, os encontros anuais entre a Comissão Permanente para o Diálogo entre as Religiões Monoteístas da Instituição Al-Azhar Al Sharif e o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso procuram um caminho rumo a uma compreensão e um respeito recíprocos entre o Islão e o Cristianismo. Uma parte do caminho já foi percorrida, mas resta outra para percorrer. Este diálogo, Excelência, é uma oportunidade para o mundo, uma ocasião oferecida por Deus que não se pode perder e deve ser vivida o melhor possível. É necessário promover antes de tudo um bom conhecimento recíproco que não se deve limitar ao círculo estreito do âmbito do diálogo, mas irradiar pouco a pouco para o exterior, para os indivíduos que dia após dia, nas cidades e aldeias, deverão desenvolver uma mentalidade de respeito recíproco que poderia chegar a uma estima mútua. Isto beneficiaria tanto o indivíduo e a humanidade como as religiões. Os institutos de pesquisa das comunidades dominicanas e franciscanas presentes no Egipto também oferecem espaços para encontros inter-religiosos. A sua presença e actividades demonstram que é possível viver como irmãos numa nação unida e serena.

Senhora Embaixadora, peço-lhe que transmita também as minhas saudações à comunidade católica do seu país. Mesmo sendo limitado o seu número, ela manifesta a grande diversidade que existe no seio da nossa Igreja e a possibilidade de uma coexistência harmoniosa entre as grandes tradições cristãs orientais e ocidentais. O seu compromisso social e histórico junto do povo egípcio nos campos da educação, da saúde e das obras caritativas testemunha o amor gratuito e sem exclusividade religiosa. A Igreja católica gostaria também de dar assistência no seu país aos numerosos turistas católicos que o visitam e que desejam praticar a sua religião. Estou convencido de que não tardará para eles a possibilidade de poder rezar a Deus dignamente nos lugares de culto apropriados nas novas localidades turísticas que se desenvolveram nos últimos anos. Isto constituiria um sinal que o Egipto daria ao mundo, favorecendo relações amistosas e fraternas entre as religiões e os povos em total sintonia com a sua antiga e nobre tradição.

No momento em que inicia a sua missão de representação junto da Santa Sé, ao garantir-lhe que encontrará sempre um bom acolhimento e compreensão atenta junto dos meus colaboradores, ofereço-lhe, Senhora Embaixadora, os meus melhores votos pela sua feliz realização, a fim de que as relações harmoniosas que existem entre a República Árabe do Egipto e a Santa Sé possam ser prosseguidas e aprofundadas. Sobre Vossa Excelência, a sua família e colaboradores, assim como sobre os Responsáveis e todos os habitantes do Egipto, invoco de todo o coração a abundância das Bênçãos do Todo-Poderoso.




AOS PARTICIPANTES NO SEMINÁRIO DO FORO CATÓLICO-MUÇULMANO Sala Clementina

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Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008


Queridos amigos

É-me grato receber-vos na manhã de hoje, e saúdo todos vós com imensa cordialidade. Agradeço de modo especial ao Cardeal Jean-Louis Tauran, assim como ao Shaykh Mustafá Ceric e ao Senhor Seyyed Hossein Nasr, as palavras que me dirigiram. O nosso encontro realiza-se no encerramento do importante Seminário organizado pelo "foro católico-muçulmano", estabelecido entre o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e os representantes dos 138 líderes muçulmanos que assinaram a Carta aberta aos líderes cristãos, a 13 de Outubro de 2007. Esta reunião constitui um evidente sinal da nossa estima mútua e do nosso desejo de respeitosa escuta recíproca. Posso garantir-vos que tenho acompanhado com a oração o desenvolvimento do vosso encontro, consciente de que ele representa mais um passo para uma maior compreensão entre os muçulmanos e os cristãos, no âmbito de outros encontros regulares que a Santa Sé tem promovido com vários grupos muçulmanos. A Carta aberta "Uma palavra comum entre nós e vós" recebeu numerosas respostas e deu origem ao diálogo, bem como a iniciativas e encontros específicos, destinados a ajudar a conhecermo-nos uns aos outros mais profundamente e a aumentar a estima pelos nossos valores comuns. O grande interesse que o presente Seminário despertou constitui para nós um incentivo a assegurar que as reflexões e os desenvolvimentos positivos derivantes do diálogo muçulmano-cristão não se limitam a um pequeno grupo de peritos e de estudiosos, mas são transmitidos como legado precioso para ser colocado ao serviço de todos, a fim de que dê fruto no nosso modo de levar a vida quotidiana.

O tema que escolhestes para o vosso encontro "Amor a Deus, amor ao próximo. A dignidade da pessoa humana e o respeito mútuo" é particularmente significativo. Ele foi tirado da Carta aberta, que apresenta o amor a Deus e o amor ao próximo como o âmago tanto do islão como do cristianismo. Este tema põe em evidência ainda mais claramente os fundamentos teológicos e espirituais de um ensinamento central das nossas respectivas religiões.

A tradição cristã proclama que Deus é amor (cf. 1 Jo 4, 16). Foi por amor que Ele criou o universo inteiro, e é através do seu amor que se torna presente na história humana. O amor a Deus tornou-se visível manifestando-se plena e definitivamente em Jesus Cristo. Assim, Ele desce para vir ao encontro do homem e, embora tenha permanecido Deus, assumiu a nossa natureza. Entregou-se a fim de restabelecer a plena dignidade de cada pessoa e para nos trazer a salvação. Como poderíamos explicar o mistério da encarnação e da redenção, a não ser mediante o Amor? Este amor infinito e eterno torna-nos capazes de responder, retribuindo com todo o nosso amor: amor a Deus e amor ao próximo. Foi esta verdade, que nós consideramos fundamental, que desejei pôr em evidência na minha primeira Encíclica Deus caritas est, dado que se trata de um ensinamento fulcral da fé cristã. A nossa vocação e missão consiste em compartilhar livremente com os outros o amor que Deus derrama sobre nós sem qualquer mérito da nossa parte.

Estou perfeitamente consciente de que os muçulmanos e os cristãos têm diferentes abordagens a propósito de questões que dizem respeito a Deus. No entanto, nós podemos e devemos ser adoradores do único Deus que nos criou e que se sente solícito por todas as pessoas em cada canto do mundo. Em conjunto, temos o dever de manifestar, com o nosso respeito mútuo e a nossa solidariedade, que nos consideramos a nós mesmos membros de uma única família: a família que Deus amou e congregou a partir da criação do mundo até ao fim da história humana.

Foi com prazer que tomei conhecimento do facto que, durante este encontro, conseguistes tomar uma posição comum a respeito da necessidade de louvar a Deus totalmente e de amar os nossos irmãos, homens e mulheres, de forma abnegada, especialmente aqueles que sofrem e que se encontram em situação de necessidade. Deus chama-nos a trabalhar em conjunto, em favor das vítimas da enfermidade, da fome, da pobreza e da violência. Para os cristãos, o amor a Deus está inseparavelmente vinculado ao amor pelos nossos irmãos e irmãs, por todos os homens e mulheres, sem distinção de raça nem de cultura. Como São João escreve: "Quem diz 'Eu amo a Deus', mas odeia os seus irmãos ou irmãs, é mentiroso; com efeito, quem não ama o seu irmão ou irmã, a quem vê, não pode amor a Deus, a quem não vê" (
1Jn 4,20).

A tradição muçulmana encoraja também de forma muito clara o compromisso concreto no serviço aos mais necessitados, e recorda imediatamente a "Regra de Ouro" na sua própria versão: a vossa fé não será perfeita, se não fizerdes aos outros aquilo que quereis para vós mesmos. Assim, deveríamos trabalhar em conjunto para promover o respeito genuíno pela dignidade da pessoa humana e pelos direitos humanos fundamentais, não obstante as nossas visões antropológicas e as nossas teologias justifiquem isto de maneiras diferentes. Existe um campo grande e vasto, onde podemos agir em comum e promover os valores morais, que constituem uma parte da nossa herança conjunta. Somente a partir do reconhecimento da centralidade da pessoa e da dignidade de cada ser humano, no respeito e na defesa da vida que é um dom de Deus, e por conseguinte é sagrado para os cristãos e contemporaneamente para os muçulmanos só com base neste reconhecimento, podemos encontrar um fundamento coral para construir um mundo mais fraterno, um mundo em que os confrontos e as diferenças sejam resolvidos pacificamente, e a potência devastadora das ideologias seja neutralizada.

Uma vez mais, a minha esperança é que estes direitos humanos fundamentais sejam salvaguardados para cada pessoa em toda a parte. Os líderes políticos e religiosos têm o dever de assegurar o livre exercício de tais direitos, no pleno respeito pela liberdade de consciência e de religião de cada indivíduo. A discriminação e a violência que também nos dias de hoje os seguidores das religiões experimentam no mundo inteiro, e as perseguições muitas vezes violentas às quais se devem submeter representam gestos inaceitáveis e injustificáveis, e são ainda mais deploráveis quando são perpetrados em nome de Deus. O nome de Deus só pode ser um nome de paz e de fraternidade, de justiça e de amor. Somos desafiados a demonstrar, mediante as nossas palavras e principalmente através das nossas obras, que a mensagem das nossas religiões é infalivelmente uma mensagem de harmonia e de compreensão recíproca. É essencial que nos comportemos assim, se não quisermos debilitar a credibilidade e a eficácia, não apenas do nosso diálogo, mas inclusivamente das nossas próprias religiões.

Rezo a fim de que o "foro católico-muçulmano", que agora confiadamente está a dar os seus primeiros passos, possa tornar-se cada vez mais um espaço para o diálogo, e que nos assista ao longo do caminho conjunto rumo a um conhecimento cada vez mais completo da Verdade. O presente encontro é também uma ocasião privilegiada para nos comprometermos numa busca mais sincera do amor a Deus e do amor ao próximo, a condição indispensável para oferecer aos homens e às mulheres da nossa época um autêntico serviço de reconciliação e paz.

Estimados amigos, unamos os nossos esforços animados de boa vontade, a fim de superarmos todos os mal-entendidos e desacordos. Decidamo-nos a ultrapassar os preconceitos do passado e a corrigir as imagens muitas vezes deturpadas do nosso próximo, que até nos dias de hoje pode criar dificuldades nos nossos relacionamentos; e trabalhemos uns com os outros em vista de educar todas as pessoas, especialmente os jovens, a construírem um futuro comum. Deus nos sustente nas nossas boas intenções, tornando as nossas comunidades capazes de viver de maneira consistente a verdade do amor, que constitui o cerne de quem segue uma religião, e é a base do respeito pela dignidade de cada pessoa. Possa Deus, que é misericordioso e compassivo, ajudar-nos a cumprir esta missão exigente, proteger-nos, abençoar-nos e iluminar-nos sempre com o poder do seu amor.





Discursos Bento XVI 794