Discursos Bento XVI 846

EM VIDEOCONFERÊNCIA POR OCASIÃO

DA MISSA DE CONCLUSÃO DO VI ENCONTRO MUNDIAL DAS FAMÍLIAS Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe

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Cidade do México, 18 de Janeiro de 2009


Amados irmãos e irmãs

1. Saúdo todos vós com afecto, no final desta solene celebração eucarística com que se está a concluir o VI Encontro Mundial das Famílias, na Cidade do México. Dou graças a Deus pelas inúmeras famílias que, sem poupar esforços, se reuniram ao redor do altar do Senhor.

Saúdo de modo especial o Senhor Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, que presidiu a esta celebração como meu Legado. Quero expressar o meu afecto e a minha gratidão ao Senhor Cardeal Ennio Antonelli, assim como aos membros do Pontifício Conselho para a Família, por ele presidido; ao Senhor Arcebispo Primaz do México, Cardeal Norberto Rivera Carrera; e a Comissão Central que se ocupou da organização deste VI Encontro Mundial. O meu reconhecimento estende-se a todos aqueles que, com a sua abnegada dedicação e entrega, tornaram possível a sua realização. Saúdo também os Senhores Cardeais e Bispos presentes na celebração, de modo particular os membros da Conferência do Episcopado Mexicano e as Autoridades desta querida Nação, que generosamente hospedaram e tornaram possível este importante acontecimento.

Os mexicanos sabem bem que estão muito próximos do coração do Papa. Penso neles e apresento a Deus Pai as suas alegrias e as suas esperanças, os seus projectos e as suas preocupações. No México, o Evangelho arraigou-se profundamente, forjando as suas tradições, a sua cultura e a identidade das suas nobres populações. É necessário cuidar deste rico património, para que continue a ser manancial de energias morais e espirituais, para enfrentar com intrepidez e criatividade os desafios do presente, e oferecê-lo como dádiva preciosa às novas gerações.

Participei com alegria e interesse neste Encontro Mundial, principalmente com a minha oração, dando orientações específicas e acompanhando atentamente a sua preparação e o seu desenvolvimento. Hoje, através dos meios de comunicação, peregrinei espiritualmente até esse Santuário mariano, coração do México e de toda a América, para confiar a Nossa Senhora de Guadalupe todas as famílias do mundo.

2. Este Encontro Mundial das Famílias quis animar os lares cristãos, a fim de que os seus membros sejam pessoas livres e ricas de valores humanos e evangélicos, a caminho da santidade, que é o melhor serviço que nós cristãos podemos oferecer à sociedade actual. A resposta cristã diante dos desafios, que a família e a vida humana em geral devem enfrentar, consiste em refortalecer a confiança no Senhor e o vigor que brota da própria fé, que se alimenta da escuta atenta da Palavra de Deus. Como é bonito reunir-se em família, para permitir que Deus fale ao coração dos seus membros através da sua Palavra viva e eficaz! Na oração, de forma especial mediante a recitação do Rosário como se fez ontem, a família contempla os mistérios da vida de Jesus, interioriza os valores que medita e sente-se chamada a encarná-los na sua vida.

3. A família é um fundamento indispensável para a sociedade e os povos, assim como um bem insubstituível para os filhos, dignos de vir à vida como fruto do amor, da entrega total e generosa dos pais. Como pôs em evidência Jesus, honrando a Virgem Maria e São José, a família ocupa um lugar primário na educação da pessoa. É uma verdadeira escola de humanidade e de valores perenes. Ninguém se deu a vida a si mesmo. Recebemos de outros a vida, que se desenvolve e amadurece com as verdades e os valores que aprendemos no relacionamento e na comunhão com os demais. Neste sentido, a família fundada no matrimónio indissolúvel entre um homem a uma mulher expressa esta dimensão de relacionamento, filial e comunitária, e é o âmbito onde o homem pode nascer com dignidade, crescer e desenvolver-se de maneira integral (cf. Homilia na Santa Missa por ocasião do V Encontro Mundial das Famílias, Valença, 9 de Julho de 2006).

No entanto, esta obra educativa é dificultada por um conceito errado de liberdade, em que o capricho e os impulsos subjectivos do indivíduo são exaltados a ponto de deixar cada um encerrado na prisão do próprio ego. A verdadeira liberdade do ser humano provém do facto de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, e por isso deve ser exercida com responsabilidade, optando sempre pelo bem verdadeiro, a fim de que se transforme em amor, em dom de si mesmo. Para isto, mais do que teorias são precisos a proximidade e o amor característicos da comunidade familiar. É no lar que se aprende a viver verdadeiramente, a valorizar a vida e a saúde, a liberdade e a paz, a justiça e a verdade, o trabalho, a concórdia e o respeito.

4. Hoje mais do que nunca são necessários o testemunho e o compromisso público de todos os baptizados, para reafirmar a dignidade e o valor único e insubstituível da família fundada no matrimónio de um homem com uma mulher e aberto à vida, assim como da vida humana em todas as suas etapas. Devem-se promover também medidas legislativas e administrativas que ajudem as famílias nos seus direitos inalienáveis, necessários para dar continuidade à sua missão extraordinária. Os testemunhos apresentados na celebração de ontem mostram que também hoje a família pode manter-se firme no amor de Deus e renovar a humanidade no novo milénio.

5. Desejo manifestar a minha proximidade e assegurar a minha oração por todas as famílias que dão testemunho de fidelidade em circunstâncias particularmente árduas. Encorajo as famílias numerosas que, vivendo às vezes no meio de contrariedades e incompreensões, dão um exemplo de generosidade e confiança em Deus, desejando que não lhes faltem as ajudas necessárias. Penso inclusive nas famílias que sofrem por causa da pobreza, da enfermidade, da marginalização ou da emigração. E de maneira muito especial nas famílias cristãs que são perseguidas por causa da sua fé. O Papa está muito próximo de todos vós e acompanha-vos no vosso esforço de cada dia.

848 6. Antes de concluir este encontro, apraz-me anunciar que o VII Encontro Mundial das Famílias terá lugar, se Deus quiser, na Itália, na cidade de Milão, no ano de 2012, sobre o tema: "A família, o trabalho e a festa". Agradeço sinceramente ao Senhor Cardeal Dionigi Tettamanzi, Arcebispo de Milão, a amabilidade com que aceitou este importante compromisso.

7. Confio todas as famílias do mundo à protecção da Santíssima Virgem, tão venerada na nobre terra mexicana, sob a denominação de Guadalupe. A Ela, que nos recorda sempre que a nossa felicidade consiste em cumprir a vontade de Cristo (cf.
Jn 2,5), digo-lhe agora:

Santíssima Mãe de Guadalupe,
que manifestaste o teu amor e a tua ternura
aos povos do continente americano,
enche de alegria e de esperança todos os povos
e todas as famílias do mundo.

A ti, que precedes e orientas o nosso caminho de fé
para a pátria eterna,
confiamos as alegrias, os projectos,
as preocupações e os anseios de todas as famílias.

Ó Maria,
849 a ti recorremos, confiando na tua ternura de Mãe.
Não desatendas as súplicas que te dirigimos
por todas as famílias do mundo,
neste período crucial da história,
aliás, acolhe todos nós no teu Coração de Mãe
e acompanha-nos no nosso caminho para a pátria celestial.

Amém!



AOS MEMBROS DE UMA DELEGAÇÃO ECUMÉNICA

PROVENIENTE DA FINLÂNDIA Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2009



Prezados e ilustres amigos
da Finlândia

É com grande alegria que dou as boas-vindas a todos vós nesta visita anual a Roma para a festa do vosso Padroeiro, Santo Henrique, e agradeço ao Bispo Gustav Björkstrand as amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome.

850 Estas peregrinações constituem uma ocasião para oração, reflexão e diálogo comuns, ao serviço da nossa busca da plena comunhão. A vossa visita realiza-se durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, cujo tema do corrente ano foi tirada do livro de Ezequiel: "Para que eles possam tornar-se um só nas vossas mãos" (Ez 37,15-23). A visão do profeta é a dos dois fragmentos de madeira, simbolizando os dois reinos em que o povo de Deus foi dividido, para depois ser novamente reunido num só povo (cf. Ez Ez 37,15-23). No contexto do ecumenismo, ela fala-nos de Deus, que nos leva constantemente a uma unidade mais profunda em Cristo, renovando-nos e libertando-nos das nossas divisões.

A Comissão para o Diálogo Luterano-Católico na Finlândia e na Suécia continua a ter em consideração a Declaração Conjunta sobre a Justificação. Neste ano celebramos o décimo aniversário desta significativa Declaração, e actualmente a Comissão está a estudar as suas implicações e a possibilidade da sua recepção. Sob o tema: A Justificação na Vida da Igreja, o diálogo está a ter em consideração cada vez mais plena a natureza da Igreja como sinal e instrumento da salvação realizada em Jesus Cristo, e não simplesmente como uma mera assembleia de fiéis ou como uma instituição dotada de várias funções.

A vossa peregrinação a Roma tem lugar no contexto do Ano Paulino, no segundo milénio do nascimento do Apóstolo das Nações, cuja vida e ensinamento estiveram incansavelmente comprometidos em vista da unidade da Igreja. São Paulo recorda-nos a maravilhosa graça que nós recebemos, tornando-nos membros do Corpo de Cristo através do Baptismo (cf. 1Co 12,12-31). A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, e é orientada continuamente pelo Espírito Santo, o Espírito do Pai e do Filho. É unicamente fundamentada nesta realidade da encarnação, que a índole sacramental da Igreja, como comunhão em Cristo, pode ser compreendida. Um consenso a propósito das implicações do mistério da Igreja, profundamente cristológicas e pneumatológicas, manifestar-se-ia como o alicerce mais promissor para a obra da Comissão.

Com Paulo aprendemos também que a unidade da qual estamos à procura é nada menos do que a manifestação da nossa plena incorporação no Corpo de Cristo, pois "todos vós que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo... porque todos vós sois um só em Cristo Jesus" (Ga 3,27-28). Estimados amigos, tendo em vista esta finalidade, a minha ardente esperança é por que a vossa visita a Roma revigore ulteriormente as relações ecuménicas entre os luteranos e os católicos na Finlândia, que têm sido tão positivas há muitos anos. Juntos, demos graças a Deus por tudo o que foi alcançado até à presente data nas relações luterano-católicas, e oremos para que o Espírito da verdade nos oriente rumo a uma unidade cada vez maior, ao serviço do Evangelho.

Com tais sentimentos de afecto no Senhor, e no início deste novo ano, invoco sobre vós e as vossas famílias as dádivas divinas da alegria e da paz.



AO NOVO PATRIARCA DE ANTIOQUIA DOS SÍRIOS,

IGNACE YOUSSIF III YOUNAN Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2009



Eminência
Beatitudes
Queridos Irmãos no Episcopado!

É com alegria que vos recebo e dou a cada um de vós as calorosas boas-vindas, dando graças a Nosso Senhor Jesus Cristo no final do Sínodo da Igreja de Antioquia dos Sírios que elegeu o seu novo Patriarca.

A minha saudação fraterna dirige-se antes de tudo ao Patriarca Ignace Youssif III Younan, que acaba de ser eleito, invocando sobre ele a abundância das bênçãos divinas. Que o Senhor conceda a Vossa Beatitude "a graça do apostolado" para poder servir a Igreja e glorificar o Seu Santo Nome no mundo.

851 Saúdo Sua Eminência o Senhor Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, ao qual confiei a presidência do vosso Sínodo, agradecendo-lhe sentidamente.

Saúdo de igual modo Sua Beatitude, o Cardeal Ignace Moussa Daoud, Prefeito Emérito da Congregação para as Igrejas Orientais, e Sua Beatitude Ignace Pierre Abdel Ahad, Patriarca Emérito, assim como todos vós, que viestes a Roma para realizar o acto mais eminente da responsabilidade sinodal.

Desde as origens do cristianismo, os Apóstolos Pedro e Paulo estavam intimamente ligados a Antioquia, onde pela primeira vez os discípulos de Jesus receberam o nome de cristãos (cf.
Ac 11,26). Não podemos esquecer os vossos ilustres Pais na fé. Em primeiro lugar Santo Inácio, Bispo de Antioquia, do qual, por tradição, os Patriarcas sírio-antioquenos tomam o nome no momento em que aceitam o cargo patriarcal; e Santo Efrém, comummente chamado o Sírio, cuja luz espiritual continua a iluminar vivamente a Igreja universal. Com eles, outros grandes santos, filhos e pastores da vossa Igreja, ilustraram admiravelmente o mistério da salvação várias vezes, mediante a eloquência sublime do martírio.

Desta herança, o novo Patriarca é o primeiro guarda; contudo, cada um deverá, como irmão e membro do Sínodo, contribuir ele também para esta tarefa num espírito de autêntica colegialidade episcopal. Confio ao novo Patriarca e ao Episcopado sírio-católico, primeiro e antes de tudo, a tarefa da unidade entre os pastores e no seio das comunidades eclesiais.

Beatitude!

Nesta feliz circunstância, pedistes, em conformidade com os cânones sagrados, a ecclesiastica communio, que vos concedi de bom grado, cumprindo um aspecto do serviço petrino que me é particularmente querido. A comunhão com o Bispo de Roma, sucessor do bem-aventurado Apóstolo Pedro, estabelecido pelo Senhor como fundamento visível da unidade na fé e na caridade, é a garantia do vínculo com Cristo Pastor e insere as Igrejas particulares no mistério da Igreja una, santa, católica e apostólica.

Vossa Beatitude nasceu e cresceu na Síria e conhece bem o Médio Oriente, berço da Igreja Sírio-Católica. Contudo, desempenhastes o vosso serviço episcopal na América como primeiro Bispo da Eparquia "Our Lady of Deliverance in Newark" para os fiéis sírios residentes nos Estados Unidos e no Canadá, assumindo assim o cargo de Visitador apostólico na América Central. A diáspora oriental contribuiu portanto para oferecer à Igreja síria o seu novo Patriarca. Assim, os vínculos tornar-se-ão ainda mais estreitos com a Mãe-pátria, que tantos orientais tiveram que deixar para procurar melhores condições de vida. O meu desejo é que no Oriente, de onde veio o anúncio do Evangelho, as comunidades cristãs continuem a viver e a testemunhar a sua fé, como fizeram no decorrer dos séculos, desejando ao mesmo tempo que sejam dispensadas as curas pastorais adequadas a quantos se estabeleceram noutras partes, a fim de que possam permanecer ligados de modo frutuoso com as suas raízes religiosas. Peço a ajuda do Senhor para cada comunidade oriental a fim de que, onde quer que ela se encontre, saiba integrar-se no seu novo contexto social e eclesial, sem perder a sua identidade própria e levando as características da espiritualidade oriental, de modo que utilizando "as palavras do Oriente e do Ocidente" a Igreja fale eficazmente de Cristo ao homem contemporâneo. Deste modo, os cristãos enfrentarão os desafios mais urgentes da humanidade, construirão a paz e a solidariedade universais e testemunharão a "grande esperança" da qual são os portadores incansáveis.

Formulo votos fervorosos e jubilosos para Vossa Beatitude e para a Igreja Sírio-Católica.

Peço ao Príncipe da Paz que o ampare como "Caput et Pastor", assim como a todos os seus irmãos e filhos, a fim de que sejam semeadores de paz antes de mais na Terra Santa, no Iraque e no Líbano, onde a Igreja síria tem uma presença histórica tão apreciada.

Ao confiar-vos à Santíssima Mãe de Deus, concedo de todo o coração ao novo Patriarca e a cada um de vós, assim como às comunidades que representais, a Bênção Apostólica.




OS BISPOS DA IGREJA CALDEIA EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 24 de Janeiro de 2009

Beatitude
852 Amados Irmãos no Episcopado!

No momento em que realizais a vossa visita ad limina Apostolorum, é com grande alegria que vos recebo, Pastores da Igreja Caldeia, com o vosso Patriarca, Sua Beatitude o Cardeal Emmanuel III Delly, ao qual agradeço as amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome. Esta visita é um momento importante porque permite consolidar os vínculos de fé e de comunhão com a Igreja de Roma e com o Sucessor de Pedro. Ela proporciona-me também a ocasião para vos saudar calorosamente assim como, por vosso intermédio, a todos os fiéis da vossa venerável Igreja patriarcal, e de vos garantir a minha oração fervorosa e a minha proximidade espiritual, nestes momentos difíceis que a vossa região ainda vive e particularmente o Iraque.

Permiti que eu recorde aqui com emoção a recordação das vítimas da violência no Iraque durante os últimos anos. Penso em D. Paul Faraj Rahho, Arcebispo de Mossul, no Pe. Ragheed Aziz Ganni, e em muitos outros sacerdotes e fiéis da vossa Igreja patriarcal. O seu sacrifício é o sinal do seu amor à Igreja e ao seu país. Rezo a Deus para que os homens e as mulheres desejosos de paz nesta amada região unam os seus esforços para fazer cessar a violência e deste modo permitir que todos vivam na segurança e na concórdia recíproca! Neste contexto, é com emoção que recebo o dom do pluvial usado por D. Faraj Rahho nas celebrações quotidianas da missa e a estola usada pelo Pe. Ragheed Aziz Ganni. Este dom fala do seu amor supremo a Cristo e à Igreja.

A Igreja Caldeia, cujas origens remontam aos primeiros séculos da era cristã, tem uma longa e venerável tradição que exprime o seu enraizamento nas regiões do Oriente, onde ela está presente desde as suas origens, assim como o seu contributo insubstituível à Igreja universal, sobretudo com os seus teólogos e mestres espirituais. A sua história mostra também como ela participou de modo activo e fecundo na vida das vossas nações. Hoje a Igreja Caldeia, que ocupa um lugar importante entre os diferentes componentes dos vossos países deve prosseguir esta missão ao serviço do seu desenvolvimento humano e espiritual. Para isto, é necessário promover um alto nível cultural dos fiéis, sobretudo dos jovens. Uma boa formação nos diversos campos do saber, quer no religioso quer no profano, é um investimento precioso para o futuro.

Mantendo relações cordiais com os membros das outras comunidades, a Igreja está chamada a desempenhar um papel fundamental de moderação em vista da construção de uma sociedade nova na qual cada um possa viver na concórdia e no respeito recíproco. Sei que desde sempre a coabitação entre a comunidade muçulmana e a comunidade cristã conheceu incertezas. Os cristãos, que habitam desde sempre no Iraque, são seus cidadãos a pleno título com os direitos e os deveres de todos, sem distinção de religião. Desejo dar o meu apoio aos esforços de compreensão e de boas relações que privilegiastes como caminho para viver na mesma terra sagrada para todos.

Para cumprir a sua missão, a Igreja precisa de afirmar os seus vínculos de comunhão com o seu Senhor que a reúne a a envia entre os homens. Esta comunhão deve ser vivida antes de tudo na Igreja, para que o seu testemunho seja credível, assim como afirma o próprio Jesus: "Para que todos sejam um só; como tu, ó Pai estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (
Jn 17,21). Por isso, que a Palavra de Deus esteja sempre no centro dos vossos projectos e da vossa acção pastoral! É na fidelidade a esta Palavra que se constrói a unidade entre todos os fiéis, em comunhão com os seus Pastores. Nesta perspectiva, as orientações do Concílio Vaticano II sobre a liturgia darão também a todos a possibilidade de acolher com sempre mais frutos os dons feitos pelo Senhor à sua Igreja na liturgia e nos sacramentos.

Além disso, na vossa Igreja patriarcal, a Assembleia sinodal é uma riqueza inegável que deve ser um instrumento privilegiado a fim de contribuir para tornar mais sólidos e eficazes os vínculos de comunhão e viver a caridade interepiscopal. Ela é o lugar no qual se realiza efectivamente a corresponsabilidade graças a uma autêntica colaboração entre os seus membros e graças a encontros regulares bem preparados que permitem elaborar orientações pastorais comuns. Peço ao Espírito Santo que faça crescer cada vez mais entre vós a unidade e a confiança mútua para que o serviço pastoral que vos foi confiado se realize plenamente para o maior bem da Igreja e dos seus membros. Por outro lado, sobretudo no Iraque, a Igreja Caldeia, que é maioritária, tem uma responsabilidade particular para promover a comunhão e a unidade do Corpo místico de Cristo. Encorajo-vos a prosseguir os vossos encontros com os Pastores das diversas Igrejas sui iuris e também com os responsáveis das outras Igrejas cristãs, a fim de impulsionar o ecumenismo.

Em cada eparquia, as diversas estruturas pastorais, administrativas e económicas previstas pelo direito são também para vós ajudas preciosas a fim de realizar efectivamente a comunhão no seio das comunidades e favorecer as colaborações.

Entre as urgências que deveis enfrentar, encontra-se a situação dos fiéis que se deparam com a violência quotidiana. Congratulo-me com a sua coragem e perseverança face às provas e às ameaças de que são objecto, particularmente no Iraque. O testemunho que dão ao Evangelho é um sinal eloquente da vivacidade da sua fé e da força da sua esperança. Encorajo-vos vivamente a apoiar os fiéis para superar as dificuldades actuais e afirmar a sua presença, fazendo apelo sobretudo às Autoridades responsáveis para o reconhecimento dos seus direitos humanos e civis, estimulando-os também a amar a terra dos seus antepassados à qual permenecem profundamente ligados.

O número dos fiéis da diáspora não cessou de crescer, sobretudo após os recentes acontecimentos. Agradeço a quantos que, em diversos países, participam ao acolhimento fraterno de pessoas que, por um período, infelizmente tiveram que deixar o Iraque. Seria bom que os fiéis caldeus que vivem fora das fronteiras nacionais, mantivessem e intensificassem os seus vínculos com o seu Patriarca, a fim de que não sejam excluídos do seu centro de unidade. É indispensável que os fiéis conservem a sua identidade cultural e religiosa e que os mais jovens descubram e apreciem a riqueza do património da sua Igreja patriarcal. Nesta perspectiva, a assistência espiritual e moral da qual os fiéis espalhados pelo mundo precisam, deve ser cuidadosamente tomada em consideração pelos Pastores, em relação fraterna com os Bispos das Igrejas locais onde se encontram. Estarão também atentos a que os futuros sacerdotes, formados até na diáspora, apreciem e consolidem os vínculos com a sua Igreja patriarcal.

Por fim, gostaria de saudar afectuosamente os sacerdotes, os diáconos, os seminaristas, os religiosos e as religiosas e todas as pessoas que carregam convosco a preocupação do anúncio do Evangelho. Que, sob a vossa orientação paterna, todos dêem um testemunho vivo da sua unidade e da fraternidade que os reúne! Conheço o seu apego à Igreja e o seu zelo apostólico. Convido-os a desenvolver cada vez mais o seu amor a Cristo e a prosseguir corajosamente o seu compromisso ao serviço da Igreja e da sua missão. Sede como pais, irmãos e amigos para os vossos sacerdotes, dedicando sobretudo uma atenção especial à sua formação inicial e permanente sólida e também convidando-os, com as vossas palavras e exemplos, a permanecerem próximos das pessoas que se encontram em necessidade ou em dificuldade, dos doentes e dos sofredores.

853 O testemunho da caridade abnegada da Igreja em relação a quantos se encontram em necessidade, sem distinção de origem ou de religião, não pode deixar de estimular a expressão da solidariedade de todas as pessoas de boa vontade. É também importante desenvolver as obras de caridade, para que o maior número de fiéis se possa comprometer concretamente no serviço dos mais pobres. Sei que no Iraque, apesar dos terríveis momentos que atravessastes e que ainda viveis, se desenvolveram pequenas obras de uma extraordinária caridade, que honram Deus, a Igreja e o povo iraqueno.

Beatitude, queridos Irmãos no Episcopado, desejo que prossigais com coragem e esperança a vossa missão ao serviço do Povo de Deus que vos foi confiado. A oração e a ajuda dos vossos irmãos na fé e de numerosos homens de boa vontade no mundo inteiro vos acompanhem a fim de que o rosto do amor de Deus possa continuar a brilhar sobre o povo iraqueno que conhece tantos sofrimentos. Aos olhos do crente, eles, juntamente com o sacrifício de Cristo tornam-se elementos de união e de esperança. De igual modo, o sangue dos mártires dessa terra é uma intercessão eloquente diante de Deus. Levai aos vossos diocesanos a saudação e os encorajamentos afectuosos do Sucessor de Pedro. Confiando cada um de vós à intercessão materna da Virgem Maria, Mãe da esperança, dirijo-vos de coração uma particular Bênção Apostólica assim como aos sacerdotes, aos diáconos, às pessoas consagradas e a todos os fiéis da Igreja Caldeia.



AOS BISPOS DA RÚSSIA EM VISITA

«AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2009

Prezados e venerados Irmãos

No contexto do Ano Paulino, que estamos a celebrar, é-me particularmente grato receber-vos e saudar-vos com alegria, com as palavras do Apóstolo: "Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo" (1Co 1,3). Viestes a Roma para venerar os lugares sagrados onde São Pedro e São Paulo selaram a sua existência ao serviço do Evangelho com o martírio, e é precisamente este o primeiro significado da visita ad limina Apostolorum. Como Sucessores dos Apóstolos, vós encontrais o Sucessor de Pedro, salientando a comunhão que vos une a Ele. A comunhão com o Bispo de Roma, garante da unidade eclesial, permite que as comunidades confiadas aos vossos cuidados pastorais, embora sejam minoritárias, se sintam cum Petro e sub Petro, parte viva do Corpo de Cristo espalhado pela terra inteira. A unidade, que é dom de Cristo, cresce e desenvolve-se efectivamente nas situações concretas das várias Igrejas locais. A este propósito, o Concílio Vaticano II recorda que "todos os Bispos são o princípio e o fundamento de unidade nas suas Igrejas, formadas à imagem da Igreja universal, e nelas e delas é constituída como una e única Igreja católica" (Constituição Lumen gentium LG 23). A vós, Pastores da Igreja que vive na Rússia, o Sucessor de Pedro renova a expressão da sua solicitude e proximidade espiritual, com o encorajamento a continuar unidos na actividade pastoral, beneficiando também da experiência da Igreja universal.

Ouvi com grande interesse o que me referistes acerca das vossas comunidades, que estão a viver um processo de amadurecimento e a aprofundar conjuntamente o seu "rosto" de Igreja católica local. Para isto tende também o vosso esforço de inculturação da fé. Exprimo de bom grado o meu apreço pelo compromisso com que promoveis o relançamento da participação litúrgico-sacramental, da catequese, da formação sacerdotal e da preparação de um laicado maduro e responsável, que seja fermento evangélico nas famílias e na sociedade civil. Infelizmente também na Rússia, bem como noutras regiões do mundo, existem a crise da família e a consequente diminuição demográfica, juntamente com as demais problemáticas que afligem a sociedade contemporânea. Como se sabe, estes problemas preocupam também as Autoridades estatais, com as quais portanto é oportuno continuar a colaboração para o bem de todos. Neste contexto, justamente, a vossa atenção dirige-se de maneira especial aos jovens, aos quais a comunidade católica russa, fiel à "memória" das próprias testemunhas e mártires e, utilizando instrumentos e linguagens oportunos, é chamada a transmitir inalterado o património de santidade e de fidelidade a Cristo, e os valores humanos e espirituais que estão na base de uma promoção humana e evangélica eficaz.

Dilectos Irmãos no Episcopado, dado que não são poucas as preocupações com que vos deveis medir quotidianamente, exorto-vos a não desanimar se por vezes as realidades eclesiais vos parecerem modestas, e os resultados que alcançais não parecerem correspondentes aos esforços envidados. Pelo contrário, alimentai em vós e nos vossos colaboradores um autêntico espírito de fé, com a consciência inteiramente evangélica que Jesus Cristo não deixará de tornar fecundo, com a graça do seu Espírito, o vosso ministério para a glória do Pai, segundo tempos e modalidades que somente Ele conhece. Continuai a promover e a fomentar, com empenhamento e atenção constantes, as vocações sacerdotais e religiosas: a pastoral das vocações é particularmente necessária neste nosso tempo. Tende o cuidado de formar presbíteros com a mesma solicitude que São Paulo teve para com o seu discípulo Timóteo, para que sejam autênticos "homens de Deus" (cf. 1Tm 6,11). Sede para eles pais e modelos no serviço aos irmãos; encorajai a sua fraternidade, a amizade e a colaboração; ajudai-os na formação doutrinal e espiritual permanente. Rezai pelos sacerdotes e juntamente com eles, conscientes de que só quem vive de Cristo e em Cristo pode ser seu fiel ministro e testemunha. Preocupai-vos igualmente com a formação das pessoas consagradas e com o crescimento espiritual dos fiéis leigos, a fim de que sintam a sua vida como uma resposta à vocação universal à santidade, que deve manifestar-se num testemunho evangélico coerente em todas as circunstâncias quotidianas.

Vós viveis num contexto eclesial particular, ou seja, num país caracterizado na maioria da sua população por uma tradição ortodoxa milenar, com um rico património religioso e cultural. É essencial ter em consideração a necessidade de um renovado compromisso no diálogo com os nossos irmãos e irmãs ortodoxos; sabemos que este diálogo, não obstante os progressos alcançados, ainda conhece algumas dificuldades. Nestes dias sinto-me espiritualmente próximo dos queridos irmãos e irmãs da Igreja ortodoxa russa, que rejubilam pela eleição do Metropolita Cirilo como novo Patriarca de Moscovo e de todas as Rússias: transmito-lhe os meus bons votos mais cordiais pela delicada tarefa eclesial que lhe foi confiada. Peço ao Senhor que confirme todos no compromisso de caminhar juntos ao longo da vereda da reconciliação e do amor fraterno.

A vossa presença na Rússia seja uma chamada e um estímulo ao diálogo, também a nível pessoal. Se nos vários encontros nem sempre se consegue enfrentar questões basilares, todavia tais contactos contribuem para um melhor conhecimento recíproco, graças ao qual é possível colaborar de modo coral em âmbitos de comum interesse pela educação das novas gerações. É importante que os cristãos enfrentem unidos os grandes desafios culturais e éticos do momento presente, relativos à dignidade da pessoa humana e aos seus direitos inalienáveis, à defesa da vida em todas as suas fases, à tutela da família e a outras urgentes questões económicas e sociais.

Amados Irmãos, louvo o Senhor e estou-vos profundamente agradecido pelo bem que realizais, desempenhando o vosso ministério episcopal em plena fidelidade ao Magistério. Asseguro-vos uma recordação quotidiana na oração. Através de vós, chegue o meu agradecimento aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos, que convosco colaboram para o serviço de Cristo e do seu Evangelho. Invoco sobre vós e os vossos programas apostólicos a intercessão maternal da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos Apóstolos Pedro e Paulo, enquanto de coração concedo uma especial Bênção Apostólica a cada um de vós, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e a toda a comunidade católica que dá testemunho de Cristo no meio das populações da Federação Russa.



AO TRIBUNAL DA ROTA ROMANA

NA INAUGURAÇÃO DO ANO JUDICIÁRIO Sala Clementina

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Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2009




Ilustres Juízes,
Oficiais e Colaboradores do Tribunal da Rota Romana!

A Solene inauguração da actividade judiciária do vosso Tribunal oferece-me também este ano a alegria de receber os seus dignos componentes: o Monsenhor Decano, ao qual agradeço a nobre saudação que me dirigiu, o Colégio dos Prelados Auditores, os Oficiais do Tribunal e os Advogados do Estúdio Rotal. A todos vós dirijo a minha saudação cordial, juntamente com a expressão do meu apreço pelas importantes tarefas que desempenhais como fiéis colaboradores do Papa e da Santa Sé.

Vós esperais do Papa, no início do vosso ano de trabalho, uma palavra que vos sirva de luz e orientação no desempenho das vossas delicadas mansões. Poderiam ser multíplices os argumentos sobre os quais falarmos nesta ocasião, mas vinte anos após as alocuções de João Paulo II sobre a incapacidade psíquica nas causas de nulidade matrimonial, de 5 de Fevereiro de 1987 (AAS 79 [1987], pp. 1453-1459) e de 25 de Janeiro de 1988 (AAS 80 [1988], pp. 1178-1185), parece oportuno perguntar em que medida estas intervenções tenham tido uma recepção adequada nos tribunais eclesiásticos. Não é este o momento para traçar um balanço, mas está diante dos olhos de todos o dado de facto de um problema que continua a ser de grande actualidade. Nalguns casos pode-se infelizmente sentir ainda viva a exigência de que falava o meu venerado Predecessor: a de preservar a comunidade eclesial "do escândalo de ver na prática destruído o valor do matrimónio cristão pelo multiplicar-se exagerado e quase automático das declarações de nulidade, em caso de falência do matrimónio, sob o pretexto de uma certa imaturidade ou debilidade psíquica do contraente" (Discurso à Rota Romana, 5/2/1987, cit., n. 9, p. 1458).

No nosso encontro de hoje pretendo recordar a atenção de quantos praticam o direito sobre a exigência de tratar as causas com a devida profundidade exigida pelo ministério de verdade e de caridade que é próprio da Rota Romana. De facto, à exigência do rigor processual os mencionados discursos, com base nos princípios da antropologia cristã, fornecem os critérios de base não só para o exame das perícias psiquiátricas e psicológicas, mas também para a própria definição judiciária das causas. A este propósito, é oportuno recordar ainda algumas distinções que traçam a linha de demarcação antes de tudo entre "uma maturidade psíquica que seria o ponto de chegada do desenvolvimento humano", e "a maturidade canónica, que é ao contrário o ponto mínimo de partida para a validade do matrimónio" (ibid., n. 6, p. 1457); em segundo lugar, entre incapacidade e dificuldade, enquanto "só a incapacidade, e não a dificuldade de prestar consentimento e para realizar uma verdadeira comunidade de vida e de amor, torna nulo o matrimónio" (ibid., n. 7, p. 1457); em terceiro lugar, entre a dimensão canónica da normalidade, que inspirando-se na visão integral da pessoa humana, "inclui também formas moderadas de dificuldade psicológica", e a dimensão clínica que exclui do conceito dela qualquer limite de maturidade e "toda a forma de psicopatologia" (Discurso à Rota Romana, 25.1.1988, cit., n. 5, p. 1181); por fim, entre a "capacidade mínima, suficiente para um válido consentimento" e a capacidade idealizada "de uma plena maturidade no que diz respeito a uma vida conjugal feliz" (ibid., n. 9, p. 1183).

Considerado depois o envolvimento das faculdades intelectivas e volitivas na formação do consenso matrimonial, o Papa João Paulo II, no mencionado discurso de 5 de Fevereiro de 1987, reafirmava o princípio segundo o qual uma verdadeira incapacidade "é hipotizável só na presença de uma séria forma de anomalia que, seja qual for a forma com que é definida, deve afectar substancialmente as capacidades de entender e/ou de querer" (Discurso à Rota Romana, cit. n. 7, p. 1457). A este propósito, parece oportuno recordar que a norma do código sobre a incapacidade psíquica no seu aspecto aplicativo foi enriquecida e integrada pela recente Instrução Dignitas connubii de 25 de Janeiro de 2005. De facto, ela para o verificar-se de tal incapacidade exige, já na época do matrimónio, a presença de uma particular anomalia psíquica (art. 209, 1) que perturbe gravemente o uso de razão (art. 209, 2, n. 1;
CIC 1095, n. 1) ou a faculdade crítica e electiva em relação a graves decisões, particularmente no que diz respeito à livre escolha do estado de vida (art. 209, 2; CIC 1095, n. 2), ou que provoque no contraente não só uma grave dificuldade, mas também a impossibilidade de enfrentar as tarefas relativas às obrigações essenciais do matrimónio (art. 209, 2, n. 3; CIC 1095, n. 3).

Contudo, nesta ocasião desejaria também reconsiderar o tema da incapacidade para contrair matrimónio, da qual o CIC 1095, à luz da relação entre a pessoa humana e o matrimónio e recordar alguns princípios fundamentais que devem iluminar os operadores do Direito. É preciso antes de tudo redescobrir em positivo a capacidade que em princípio cada pessoa humana tem de se casar em virtude da sua própria natureza de homem ou de mulher. Corremos de facto o risco de cair num pessimismo antropológico que, à luz da hodierna situação cultural, considera quase impossível casar-se. Excepto o facto que tal situação não é uniforme nas várias regiões do mundo, não se podem confundir com a verdadeira incapacidade consensual as reais dificuldades nas quais muitos se encontram, especialmente os jovens, chegando a considerar que a união matrimonial seja normalmente impensável e impraticável. Aliás, a reafirmação da inata capacidade humana para o matrimónio é precisamente o ponto de partida para ajudar os casais a descobrir a realidade natural do matrimónio e a importância que assume a nível da salvação. O que em definitiva está em questão é a própria verdade sobre o matrimónio e sobre a sua intrínseca natureza jurídica (cf. Bento XVI, Discurso à Rota Romana, 27.1.2007), AAS 99 [2007], pp. 86-91), pressuposto imprescindível para poder captar e avaliar a capacidade exigida para se casar.

Neste sentido, a capacidade deve ser posta em relação com o que é essencialmente o matrimónio, isto é, "a íntima comunhão de vida e de amor conjugal, fundada pelo Criador e estruturada com leis próprias" (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes GS 48), e, de modo particular, com as obrigações essenciais a ela inerentes, que devem ser assumidas da parte dos esposos (CIC 1095, n. 3). Esta capacidade não é medida em relação a um determinado grau de realização existencial ou efectiva da união conjugal mediante o cumprimento das obrigações essenciais, mas em relação à vontade eficaz de cada um dos contraentes, que torna possível e concreta tal realização já no momento do pacto nupcial. Portanto, o discurso sobre a capacidade ou incapacidade tem sentido na medida em que se refere ao próprio acto de contrair matrimónio, porque o vínculo posto em prática pela vontade dos esposos constitui a realidade jurídica da una caro bíblica (Gn 2,24 Mc 10,8 Ep 5,31 cf. CIC 1061,1), cuja válida subsistência não depende do sucessivo comportamento dos cônjuges ao longo da vida matrimonial. Diversamente, na óptica reducionista que menospreza a verdade sobre o matrimónio, a realização efectiva de uma verdadeira comunhão de vida e de amor, idealizada num plano de bem-estar puramente humano, torna-se essencialmente dependente só de factores acidentais, e não ao contrário da prática da liberdade humana apoiada pela graça. É verdade que esta liberdade da natureza humana, "ferida nas suas próprias forças naturais" e "inclinada para o pecado" (Catecismo da Igreja Católica CEC 405), é limitada e imperfeita, mas não por isto é inautêntica ou insuficiente para realizar aquele acto de autodeterminação dos contraentes que é o pacto conjugal, que dá vida ao matrimónio e à família fundada sobre ele.

Obviamente algumas correntes antropológicas "humanistas", orientadas para a auto-realização e para a autotranscendência egocêntrica, idealizam a tal ponto a pessoa e o matrimónio que acabam por negar a capacidade psíquica de tantas pessoas, fundando-a em elementos que não correspondem às exigências essenciais do vínculo conjugal. Perante estas concepções, os cultores do direito eclesial não podem deixar de considerar o realismo sadio ao qual fazia referência o meu venerado Predecessor (cf. João Paulo II, Discurso à Rota Romana, 27.1.1997), n. 4, AAS 89 [1997], p. 488), porque a capacidade faz referência ao mínimo necessário para que os nubentes possam dar o seu ser de pessoa masculina e de pessoa feminina a fim de fundar aquele vínculo ao qual é chamada a maioria dos seres humanos. Como consequência as causas de nulidade por incapacidade psíquica exigem, em linha de princípio, que o juiz se sirva da ajuda dos peritos para verificar a existência de uma verdadeira incapacidade (CIC 1680; art. 203, 1, DC), que é sempre uma excepção ao princípio natural da capacidade necessária para compreender, decidir e realizar a doação de si próprio da qual nasce o vínculo conjugal.

Venerados componentes do Tribunal da Rota Romana, eis quanto desejava expor-vos nesta circunstância solene que é para mim sempre muito agradável. Ao exortar-vos a perseverar com elevada consciência cristã no cumprimento do vosso cargo, cuja grande importância para a vida da Igreja sobressai também de quanto agora dito, desejo que o Senhor vos acompanhe sempre no vosso delicado trabalho com a luz da sua graça, da qual deseja ser penhor a Bênção Apostólica, que concedo a cada um com profundo afecto.





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