Discursos Bento XVI 865

865 A Civitas Vaticana é na realidade um ponto quase invisível sobre os mapas-mundo da geografia mundial, um Estado pequeno e inerme sem exércitos temíveis, aparentemente irrelevante nas grandes estrategias geopolíticas internacionais. Contudo, este presídio visível da absoluta independência da Santa Sé, foi e é centro de irradiação de uma constante acção a favor da solidariedade e do bem comum. E não é porventura verdade que precisamente por isto se olha com grande atenção de todas as partes para este pequeno pedaço de terra? O Estado Vaticano, que encerra em si tesouros de fé, de história, de arte, conserva um património precioso para toda a humanidade. Do seu coração, onde junto do túmulo de São Pedro habita o Papa, eleva-se uma incessante mensagem de verdadeiro progresso social, de esperança, de reconciliação e de paz. Mas, este nosso Estado, depois de ter solenemente recordado o 80º aniversário da sua fundação, retoma o caminho com mais vigor apostólico. Possa a cidade do Vaticano ser cada vez mais uma verdadeira "cidade sobre o monte", luminosa graças às convicções e à generosa dedicação de quantos nela trabalham ao serviço da missão eclesial do Sucessor de Pedro. Com estes votos, ao invocar a protecção materna de Maria, a intercessão dos Santos Pedro e Paulo e dos outros mártires que com o seu sangue tornaram este lugar sagrado, concedo de bom grado a minha Bênção a todos vós aqui reunidos, fazendo-a extensiva com afecto à grande família do Estado da Cidade do Vaticano.




AO COLÉGIO PIO LATINO-AMERICANO POR OCASIÃO DOS CENTO E CINQUENTA ANOS DA FUNDAÇÃO Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2009

Venerados irmãos no Episcopado
Queridos Padre Reitor, superiores,
religiosas e alunos do Pontifício Colégio Pio Latino-Americano de Roma!

1. Agradeço as amáveis palavras que em nome de todos me dirigiu Monsenhor Carlos José Náñez, Arcebispo de Córdova e Presidente da Comissão Episcopal do Pontifício Colégio Pio Latino-Americano. Alegro-me por vos receber por ocasião da celebração dos cento e cinquenta anos da fundação desta benemérita instituição.

A 27 de Novembro de 1858 teve início o frutuoso andamento deste Colégio como valoroso centro de formação, primeiro de seminaristas e, há pouco mais de três décadas, de diáconos e sacerdotes. Hoje, mais de quatro mil alunos sentem-se membros dessa grande família. Todos eles olharam para esta alma mater com afecto profundo, porque ela se distinguiu desde o seu início por um clima de singeleza, de acolhimento, de oração e de fidelidade ao Magistério do Sumo Pontífice, o que contribui em grande medida para que nos colegiais cresça o amor a Cristo e o desejo de servir humildemente a Igreja, procurando sempre a maior glória de Deus e o bem das almas.

2. Queridos alunos do Colégio Pio Latino-Americano, vós sois herdeiros deste rico património humano e espiritual, que deve ser perpetuado e enriquecido com uma séria cultivação das diversas disciplinas eclesiásticas e com a vivência jubilosa da universalidade da Igreja. Aqui, nesta cidade, os Apóstolos Pedro e Paulo proclamaram com coragem o Evangelho e lançaram os fundamentos sólidos para o propagar em todo o mundo, em cumprimento do mandato do Mestre: "Ide, pois, e fazei que todas as nações se tornem discípulas, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos" (Mt 28,19-20).

Vós próprios sois fruto desta maravilhosa sementeira da mensagem redentora de Cristo ao longo da história. De facto, provindes de vários países, nos quais, há mais de quinhentos anos, valorosos missionários deram a conhecer Jesus, nosso Salvador. Deste modo, por meio do baptismo, aqueles povos abriram-se à vida de graça que os tornou filhos de Deus por adopção e receberam, além disso, o Espírito Santo, que fecundou as suas culturas, purificando-as e desenvolvendo as sementes que o Verbo encarnado tinha lançado nelas, orientando-as assim pelos caminhos do Evangelho (cf. Discurso na Sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, n. 1).

Em Roma, junto da Cátedra do Príncipe dos Apóstolos, vós tendes uma oportunidade privilegiada de forjar o vosso coração de verdadeiros apóstolos, cujo ser e agir esteja firmemente ancorado no Senhor, que deve ser sempre para vós base, bússola e meta dos vossos esforços. Além disso, o Colégio permite-vos partilhar fraternalmente a vossa experiência humana e sacerdotal e oferece-vos a ocasião favorável para vos abrirdes permanentemente ao conhecimento de outras culturas e expressões eclesiais. Isto ajudar-vos-á a ser discípulos autênticos de Jesus Cristo e missionários intrépidos da sua Palavra, com uma visão aberta e com grandeza de alma. Deste modo, estareis mais capacitados para serdes homens de Deus que o conhecem em profundidade, trabalhadores abnegados na sua vinha e dispensadores solícitos da caridade de Jesus Cristo para com os mais necessitados.

3. Os vossos Bispos enviaram-vos para o Pontifício Colégio Pio Latino-Americano para que vos enchais da sabedoria de Cristo crucificado, de modo que, ao regressar às vossas dioceses, possais colocar este tesouro à disposição dos demais nos diversos cargos que vos forem confiados. Isto exige que aproveiteis bem o tempo da vossa permanência em Roma. A constância nos estudos e a investigação rigorosa, além de vos fazer conhecer os mistérios da fé na verdade sobre o homem à luz do Evangelho e da tradição da Igreja, fomentará em vós uma vida espiritual arraigada na Palavra de Deus e sempre alimentada pela riqueza incomparável dos sacramentos.

866 4. O amor e a adesão à Sé Apostólica é uma das características mais relevantes dos povos latino-americanos e caribenhos. Por isso, o meu encontro convosco me faz recordar os dias que passei em Aparecida, quando verifiquei emocionado as manifestações de colegialidade e de comunhão fraterna no ministério episcopal dos representantes das Conferências Episcopais daqueles nobres países. Com a minha presença, eu quis encorajar os Bispos na sua reflexão sobre algo fundamental para revigorar a fé da Igreja que peregrina naquelas amadas terras: fazer com que todos os nossos fiéis sejam "discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que os nossos povos n'Ele tenham tenham vida".

Convido-vos a unir-vos com entusiasmo a este espírito, expresso no dinamismo com que todas aquelas dioceses iniciaram, ou estão a fazê-lo, a "Missão continental", estimulada em Aparecida, iniciativa que facilitará a realização de programas catequéticos e pastorais destinados à formação e desenvolvimento de comunidades cristãs evangelizadas e missionárias. Acompanhai estes propósitos com a vossa fervorosa oração, a fim de que os fiéis conheçam, se entreguem e imitem cada vez mais Jesus Cristo, participando com frequência nas celebrações dominicais de cada comunidade e dando testemunho d'Ele, de modo que se convertam em instrumentos eficazes dessa "Nova Evangelização", para a qual o meu venerado Predecessor, o Servo de Deus João Paulo II, convocou várias vezes.

5. Ao concluir este encontro, quis renovar o meu cordial agradecimento a todos os presentes, sobretudo à Comissão Episcopal para o Colégio, que tem a tarefa de animar os seus alunos a fortalecer o seu sentido de comunhão e de fidelidade ao Romano Pontífice e aos seus próprios Pastores. De igual modo, desejo manifestar nas pessoas dos Superiores do Colégio o meu agradecimento à Companhia de Jesus, à qual o meu predecessor São Pio X recomendou a perpetuidade da direcção desta insigne instituição, assim como às religiosas e ao pessoal que acompanham com esmero e entusiasmo estes jovens. Penso também com gratidão em quantos financiam com a sua ajuda económica e apoiam com a sua generosidade e oração esta obra eclesial.

6. Confio a Maria Santíssima, Nossa Senhora de Guadalupe, todos e cada um de vós, assim como os vossos familiares e comunidades de origem, para que a sua protecção materna vos assista amorosamente nas vossas tarefas e vos ajude a enraizar-vos muito profundamente em seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, fruto bendito do seu seio.

Muito obrigado.


AO CONSELHO DOS GOVERNADORES DO FUNDO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA Sala Clementina

20 de Fevereiro de 2009




Senhor Presidente do Conselho governamental
Governadores, Representantes
permanentes dos Estados Membros Oficiais do IFAD
Senhoras e Senhores

867 Estou feliz por ter esta oportunidade de me encontrar com todos vós no encerramento das celebrações que marcam o 30º aniversário do estabelecimento do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola. Agradeço ao Presidente demissionário, Sr. Lennart Båge, as suas amáveis palavras e transmito os parabéns e bons votos ao Sr. Kanayo Nwanze, pela sua eleição para este alto ofício. Estou grato a todos vós por terdes vindo aqui hoje e asseguro-vos as minhas orações pelo importante trabalho que vós levais a cabo para promover o desenvolvimento rural. O vosso trabalho é particularmente crucial no momento presente, por causa do efeito prejudicial sobre a segurança alimentar da actual instabilidade dos preços dos produtos agrícolas. Isto exige estratégias novas e clarividentes para a luta contra a pobreza rural e a promoção do desenvolvimento rural. Como sabeis, a Santa Sé compartilha plenamente o vosso compromisso para superar a pobreza e a fome, e para ir ao encontro dos povos mais pobres do mundo. Rezo a fim de que a celebração do aniversário do IFAD seja para vós um incentivo para perseguir estas metas dignas com renovadas energia e determinação nos anos vindouros.

Desde os seus primeiros dias, o Fundo internacional alcançou uma forma exemplar de cooperação e co-responsabilidade entre as nações nas diferentes etapas do desenvolvimento. Quando países ricos e nações em fase de desenvolvimento se reúnem para tomar decisões conjuntas e para determinar os critérios específicos para a contribuição orçamentária de cada país para o Fundo, pode-se verdadeiramente dizer que os vários Estados Membros se encontram em termos de igualdade, expressando a sua solidariedade recíproca e o seu compromisso comum para erradicar a pobreza e a fome. Num mundo cada vez mais interdependente, os processos decisórios conjuntos deste tipo são essenciais, se quisermos que as questões internacionais sejam abordadas de maneira equitativa e com clarividência.

Igualmente louvável é a evidência dada pelo IFAD à promoção das oportunidades de emprego no interior das comunidades rurais, para que se tornem, a longo prazo, independentes da ajuda externa. A assistência oferecida aos produtores locais ajuda a construir a economia e contribui para o desenvolvimento global da nação interessada. Neste sentido, os projectos de "crédito rural", elaborados para assistir os pequenos proprietários de terra e os trabalhadores agrícolas que não possuem a sua própria terra, podem incentivar a economia mais vasta e oferecer uma maior segurança alimentar para todos. Estes projectos ajudam também as comunidades indígenas a florescer na sua terra e a viver em harmonia com a sua cultura tradicional, não sendo forçadas a desarraigar-se para ir procurar um emprego nas cidades superpovoadas, repletas de problemas sociais, onde com frequência devem padecer condições de vida miseráveis.

Esta abordagem tem o mérito especial de fazer com que o sector agrícola recupere o seu justo lugar na economia e no tecido social das nações em fase de desenvolvimento. Aqui, uma contribuição válida pode ser oferecida pelas Organizações Não-Governamentais, entre as quais algumas têm vínculos estreitos com a Igreja católica e estão comprometidas na aplicação do seu ensinamento social. O princípio da subsidiariedade exige que cada grupo no seio da sociedade seja livre de oferecer a própria contribuição para o bem de todos. Com demasiada frequência, aos trabalhadores agrícolas nas nações em fase de desenvolvimento é negada esta oportunidade, quando o seu trabalho é avidamente explorado e o seu produto é desviado para mercados distantes, tendo como resultado pouco ou nenhum benefício para a própria comunidade local.

Há cerca de cinquenta anos, o meu predecessor, o Beato João XXIII disse quanto segue acerca da tarefa de cultivar a terra: "Os lavradores podem facilmente convencer-se de quanto é nobre o seu trabalho: vivem no templo majestoso da criação... Esse trabalho manifesta igualmente a dignidade dos que o realizam" (Mater et magistra
MM 143-144). Todo o trabalho humano é uma participação na providência criativa de Deus Todo-Poderoso, mas o trabalho agrícola é-o de maneira preeminente. Uma sociedade verdadeiramente humana saberá sempre apreciar e recompensar de maneira apropriada a contribuição feita pelo sector agrícola. Se for adequadamente ajudado e preparado, ele terá a potencialidade de tirar uma nação da pobreza e de lançar os fundamentos para uma prosperidade cada vez maior.

Senhoras e Senhores, enquanto damos graças pelas conquistas dos últimos trinta anos, há a necessidade de uma renovada determinação a agir em harmonia e solidariedade com os diferentes elementos da família humana, a fim de garantir o acesso equitativo aos recursos da terra, agora e no futuro. A motivação para realizar isto vem do amor: amor pelos pobres, amor que não pode tolerar a injustiça nem a privação, amor que rejeita descansar, enquanto a pobreza e a fome não forem eliminadas do meio de nós. As finalidades da erradicação da pobreza e da fome extremas, bem como da promoção da segurança alimentar e do desenvolvimento rural, longe de serem demasiado ambiciosas, tornam-se neste contexto imperativos obrigatórios para toda a comunidade internacional. Rezo ardentemente para que as actividades de organizações como a vossa continuem a oferecer uma contribuição significativa para a obtenção destas finalidades. Enquanto vos agradeço e encorajo a perseverar no bom trabalho que levais a cabo, confio-vos aos cuidados constantes do nosso Pai amoroso, Criador do Céu, da Terra e de tudo o que nela existe. Deus abençoe todos vós!




AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA A AMÉRICA LATINA Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009

Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado

1. Saúdo cordialmente os Conselheiros e Membros da Pontifícia Comissão para a América Latina, que na sua Assembleia Plenária reflectiram sobre "a situação actual da formação sacerdotal nos Seminários" daquela terra. Agradeço as palavras que, em nome de todos, me foram dirigidas pelo Presidente da Comissão, Senhor Cardeal Giovanni Battista Re, apresentando-me as linhas centrais dos trabalhos e das recomendações pastorais que surgiram neste encontro.

2. Dou graças a Deus pelos frutos eclesiais desta Pontifícia Comissão desde a sua criação, em 1958, quando o Papa Pio XII sentiu a necessidade de criar um organismo da Santa Sé para intensificar e coordenar mais estreitamente a obra desenvolvida em favor da Igreja na América Latina, perante a escassez dos seus sacerdotes e missionários. O meu venerado predecessor João Paulo II corroborou e revigorou esta iniciativa, com a finalidade de ressaltar a solicitude pastoral especial do Sucessor de Pedro pelas Igrejas que peregrinam naquelas queridas terras. Nesta nova etapa da Comissão, não posso deixar de mencionar com profunda gratidão o trabalho realizado durante longos anos pelo seu Vice-Presidente, D. Cipriano Calderón Polo, falecido recentemente, que o Senhor terá recompensado pelo seu serviço abnegado e fiel à Igreja.

868 3. No ano passado recebi muitos Bispos da América Latina e do Caribe, na sua visita ad limina. Dialoguei com eles sobre a realidade das Igrejas particulares que lhes foram confiadas, e assim pude conhecer mais de perto as esperanças e dificuldades do seu ministério apostólico. Acompanho todos vós com a minha oração, a fim de que continueis a exercer com fidelidade e alegria o vosso serviço ao Povo de Deus, fomentando no momento presente a "Missão continental", que está a pôr-se a caminho como fruto da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (cf. Documento conclusivo, n. 362).

Conservo uma grata recordação da minha permanência em Aparecida, quando vivemos uma experiência de intensa comunhão eclesial, com o único desejo de acolher o Evangelho com humildade e semeá-lo com generosidade. O tema escolhido Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n'Ele nossos povos tenham vida continua a orientar os esforços dos membros da Igreja naquelas amadas nações.

Quando apresentei aos membros da Cúria Romana um balanço da minha viagem apostólica ao Brasil, interroguei-me: "Fez bem Aparecida, na busca de vida para o mundo, em dar a prioridade ao discipulado de Jesus Cristo e à evangelização? Era porventura um fechamento errado na interioridade?". A isto respondi com toda a certeza: "Não! Aparecida decidiu de modo justo, porque precisamente através do novo encontro com Jesus Cristo e com o seu Evangelho, e só assim, são suscitadas as forças que nos tornam capazes de dar a resposta justa aos desafios do nosso tempo" (Discurso à Cúria Romana, 21 de Dezembro de 2007). Continua a ser fundamental este encontro pessoal com o Senhor, alimentado pela escuta da sua Palavra e a participação na Eucaristia, assim como a necessidade de transmitir com grande entusiasmo a nossa própria experiência de Cristo.

4. Nós Bispos, sucessores dos Apóstolos, somos os primeiros que temos de manter vivo o chamamento gratuito e amoroso do Senhor, como aquele que Ele dirigiu aos primeiros discípulos (cf.
Mc 1,16-20). Como eles, também nós fomos escolhidos para "permanecer com Ele" (cf. Mc 3,14), para acolher a sua Palavra, receber a sua força e viver como Ele, anunciando a todos os povos a Boa Nova do Reino de Deus.

Para todos nós, o seminário foi o tempo decisivo de discernimento e preparação. Ali, em profundo diálogo com Cristo, foi-se fortalecendo o nosso desejo de nos arraigarmos profundamente nele. Naqueles anos, aprendemos a sentir-nos na Igreja como na nossa própria casa, acompanhados por Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe amadíssima, sempre obediente à vontade de Deus. Por isso, apraz-me que esta Assembleia Plenária tenha dedicado a sua atenção à actual situação dos Seminários na América Latina.

5. Para obter presbíteros segundo o Coração de Cristo, é necessário depositar a confiança na acção do Espírito Santo, mais que em estratégias e cálculos humanos, e pedir com grande fé ao Senhor, "Dono da messe", que envie numerosas e santas vocações para o sacerdócio (cf. Lc 10,2), unindo sempre a esta súplica o afecto e a proximidade daqueles que estão no seminário em vista das ordens sagradas. Por outro lado, a necessidade de sacerdotes para enfrentar os desafios do mundo de hoje não deve induzir ao abandono de um discernimento esmerado dos candidatos, nem a descuidar as exigências necessárias, mesmo rigorosas, para que o seu processo formativo ajude a fazer deles sacerdotes exemplares.

6. Por conseguinte, as recomendações pastorais desta Assembleia devem constituir um ponto de referência imprescindível para iluminar a actividade dos Bispos da América Latina e do Caribe neste delicado campo da formação sacerdotal. Hoje mais do que nunca é preciso que os seminaristas, com intenção recta e para além de qualquer outro interesse, aspirem ao sacerdócio impelidos unicamente pela vontade de ser discípulos e missionários autênticos de Jesus Cristo que, em comunhão com os seus Bispos, O tornem presente com o seu ministério e o seu testemunho de vida. Para isso, é da máxima importância que se cuide atentamente da sua formação humana, espiritual, intelectual e pastoral, assim como da escolha adequada dos seus formadores e professores, que devem distinguir-se pela sua capacidade académica, o seu espírito sacerdotal e a sua fidelidade à Igreja, de modo que saibam inculcar nos jovens aquilo de que o Povo de Deus tem necessidade e espera dos seus pastores.

7. Confio as iniciativas desta Assembleia Plenária ao amparo maternal da Santíssima Virgem Maria, suplicando-lhe que acompanhe aqueles que estão a preparar-se para o ministério sacerdotal, no seu caminho nos passos do seu Filho divino, Jesus Cristo, nosso Redentor. Com estes sentimentos, concedo-vos com afecto a Bênção Apostólica.



À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO

SEMINÁRIO MAIOR ROMANO Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009

Senhor Cardeal
Caros amigos

869 Para mim é uma grande alegria estar no meu Seminário, ver os futuros sacerdotes da minha diocese, estar convosco no sinal de Nossa Senhora da Confiança. Com Ela que nos ajuda e nos acompanha, que nos dá realmente a certeza de ser sempre ajudados pela graça divina, vamos em frente!

Agora, queremos ver o que nos diz São Paulo com este texto: "Fostes chamados para a liberdade". A liberdade, em todos os tempos, foi o grande sonho da humanidade, desde o início, mas particularmente na época moderna. Sabemos que Lutero se inspirou neste texto da Carta aos Gálatas, e a conclusão foi que a Regra monástica, a hierarquia e o magistério lhe pareciam como um jugo de escravidão, do qual era necessário libertar-se. Sucessivamente, o período do Iluminismo foi totalmente orientado, imbuído deste desejo de liberdade, que se julgava ter finalmente alcançado. Mas também o marxismo se apresentou como caminho para a liberdade.

Esta tarde perguntamo-nos: o que é a liberdade? Como podemos ser livres? São Paulo ajuda-nos a compreender esta realidade complicada que é a liberdade, inserindo este conceito num contexto de visões antropológicas e teológicas fundamentais. Ele diz: "Esta liberdade não se torne um pretexto para viver segundo a carne, mas mediante a caridade ponde-vos uns ao serviço dos outros". O Reitor já nos disse que "carne" não é o corpo, mas "carne" na linguagem de São Paulo é expressão da absolutização do eu, do eu que quer ser tudo e tomar tudo para si mesmo. O eu absoluto, que não depende de nada nem de ninguém, parece possuir realmente, de modo definitivo, a liberdade. Sou livre se não dependo de ninguém, se posso fazer tudo o que quero. No entanto, precisamente esta absolutização do eu é "carne", ou seja, é degradação do homem, não é conquista da liberdade: o libertinismo não é liberdade mas, ao contrário, falência da liberdade.

E Paulo ousa propor um paradoxo forte: "Mediante a caridade, ponde-vos ao serviço" (em grego, douléuete); isto é, a liberdade realiza-se, paradoxalmente, no serviço; tornamo-nos livres, se nos tornarmos servos uns dos outros. E assim Paulo insere todo o problema da liberdade na luz da verdade do homem. Reduzir-se à carne, elevando-se aparentemente ao grau de divindade "Somente eu sou o homem" introduz na mentira. Porque na realidade não é assim: o homem não é um absoluto, como se o eu pudesse isolar-se e comportar-se somente segundo a própria vontade. É contra a verdade do nosso ser. A nossa verdade é que, antes de tudo, somos criaturas, criaturas de Deus, e vivemos no relacionamento com o Criador. Somos seres relacionais. E somente aceitando esta nossa relacionalidade entramos na verdade; caso contrário, decaímos na mentira e, no final, nela destruímo-nos a nós mesmos.

Somos criaturas, portanto dependentes do Criador. No período do Iluminismo, sobretudo para o ateísmo isto devia parecer como uma dependência da qual era necessário libertar-se. Porém, na realidade, seria dependência fatal somente se este Deus Criador fosse um tirano, não um Ser bom, só se fosse como são os tiranos humanos. Se, ao contrário, este Criador nos ama e a nossa dependência consiste em estar no espaço no ser amor, em tal caso a dependência é liberdade. Com efeito, deste modo estamos na caridade do Criador, estamos unidos a Ele, a toda a sua realidade, a todo o seu poder. Portanto, este é o primeiro ponto: ser criatura quer dizer ser amado pelo Criador, estar nesta relação de amor que Ele nos concede, com a qual nos previne. Disto deriva em primeiro lugar a nossa verdade que é, ao mesmo tempo, chamada à verdade.

E por isso ver Deus, orientar-se para Deus, conhecer Deus, conhecer a vontade de Deus, inserir-se na vontade, ou seja, no amor de Deus é entrar cada vez mais no espaço da verdade. E este caminho do conhecimento de Deus, do relacionamento de amor com Deus, é a aventura extraordinária da nossa vida cristã: porque em Cristo conhecemos o rosto de Deus, o rosto de Deus que nos ama até à Cruz, até ao dom de si mesmo.

Mas a relacionalidade criatural implica também um segundo tipo de relação: estamos em relação com Deus mas, ao mesmo tempo, como família humana, estamos também em relação uns com os outros. Por outras palavras, liberdade humana significa, por um lado, estar na alegria e no amplo espaço do amor de Deus, mas implica também ser um só com o outro e pelo outro. Não existe liberdade contra o outro. Se eu me absolutizo, torno-me inimigo do outro, não podemos mais conviver, e toda a vida se torna crueldade, falência. Só uma liberdade compartilhada é uma liberdade humana; permanecendo juntos, podemos entrar na sinfonia da liberdade.

E portanto este é outro ponto de grande importância: somente aceitando o outro, aceitando também o aparente limite que deriva para a minha liberdade do respeito pela liberdade do outro, só inserindo-me na rede de dependências que finalmente faz de nós uma única família, estou a caminho da libertação conjunta.

Aqui surge um elemento muito importante: qual é a medida da partilha da liberdade? Vemos que o homem tem necessidade de ordem, de direito, para que assim possa realizar-se a sua liberdade, que é uma liberdade vivida em comum. E como podemos encontrar esta ordem justa, na qual ninguém seja oprimido, mas cada qual possa oferecer a sua contribuição para formar esta espécie de concerto de liberdades? Se não há uma verdade comum do homem, como se manifesta na visão de Deus, permanece apenas o positivismo e tem-se a impressão de algo imposto até de maneira violenta. Daqui deriva esta revolta contra a ordem e o direito, como se se tratasse de uma escravidão.

Mas se podemos encontrar a ordem do Criador na nossa natureza, a ordem da verdade que atribui a cada um o seu lugar, ordem e direito podem ser precisamente instrumentos de liberdade contra a escravidão do egoísmo. O serviço recíproco torna-se instrumento da liberdade, e aqui poderíamos inserir toda uma filosofia da política segundo a Doutrina Social da Igreja, que nos ajuda a encontrar esta ordem conjunta que atribui a cada um o seu lugar na vida comum da humanidade. Por conseguinte, a primeira realidade a respeitar é a verdade: liberdade contra a verdade não é liberdade. O serviço recíproco cria o espaço comum da liberdade.

E depois Paulo continua, dizendo: "Pois toda a lei se encerra num só preceito: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo"". Por detrás desta afirmação aparece o mistério de Deus encarnado, aparece o mistério de Cristo que na sua vida, na sua morte, na sua ressurreição se torna a lei viva. Imediatamente, as primeiras palavras da nossa Leitura "Sois chamados à liberdade" referem-se a este mistério. Fomos chamados pelo Evangelho, fomos chamados realmente no Baptismo, na participação na morte e na ressurreição de Cristo, e deste modo passamos da "carne", do egoísmo para a comunhão com Cristo. E assim estamos na plenitude da lei.

870 Provavelmente todos vós conheceis as bonitas palavras de Santo Agostinho: "Dilige et fac quod vis Ama e faz o que queres". O que Agostinho diz é verdade, se compreendemos a palavra "amor". "Ama e faz o que queres", mas devemos entrar realmente em comunhão com Cristo, identificar-nos com a sua morte e ressurreição, estar unidos a Ele na comunhão do seu Corpo. Na participação nos sacramentos, na escuta da Palavra de Deus, realmente a vontade divina, a lei divina entra na nossa vontade, a nossa vontade identifica-se com a sua, tornando-se uma única vontade, e assim estamos realmente livres, podemos verdadeiramente fazer o que queremos, porque queremos com Cristo, queremos na verdade e com a verdade.

Portanto, peçamos ao Senhor que nos ajude neste caminho iniciado com o Baptismo, um caminho de identificação com Cristo que se realiza sempre de novo na Eucaristia. Na terceira Oração eucarística, nós dizemos: "Em Cristo, tornamo-nos um só corpo e um só espírito". É um momento em que, através da Eucaristia e mediante a nossa verdadeira participação no mistério da morte e da ressurreição de Cristo, nos tornamos um único espírito com Ele, estamos nesta identidade da vontade e assim chegamos realmente à liberdade.

Por detrás desta palavra a lei está completa por detrás desta única palavra, que se torna realidade na comunhão com Cristo, aparecem atrás do Senhor todas as figuras dos Santos que entraram nesta comunhão com Cristo, nesta unidade do ser, nesta unidade com a sua vontade. Aparece sobretudo Nossa Senhora na sua humildade, na sua bondade, no seu amor. Nossa Senhora infunde-nos esta confiança, toma-nos pela mão, guia-nos e ajuda-nos no caminho do nosso estar unidos à vontade de Deus, como Ela esteve desde o primeiro momento e expressou esta união no seu "Fiat".

E finalmente, depois destas bonitas expressões, mais uma vez na Carta há uma referência à situação um pouco triste da comunidade dos Gálatas, quando Paulo diz: "Se vos mordeis e devorais mutuamente, vede que não acabeis por vos destruirdes totalmente uns aos outros... Caminhai segundo o Espírito". Parece-me que nesta comunidade que já não estava no caminho da comunhão com Cristo, mas da lei exterior da "carne" sobressaem naturalmente também polémicas, e Paulo diz: "Vós tornais-vos como feras, mordendo-vos uns aos outros". Refere-se assim às polémicas que nascem onde a fé degenera em intelectualismo, e a humildade é substituída pela arrogância de ser melhor que o outro.

Vejamos bem que também hoje existem situações semelhantes onde, em vez de se inserir na comunhão com Cristo, no Corpo de Cristo que é a Igreja, cada um quer ser superior ao outro e, com arrogância intelectual, quer fazer crer que ele seria melhor. E assim nascem as polémicas que são destruidoras, nasce uma caricatura da Igreja, que deveria ser uma única alma e um só coração.

Nesta advertência de São Paulo, também hoje temos que encontrar um motivo de exame de consciência: não pensar que somos superiores ao outro, mas encontrar-nos na humildade de Cristo, encontrar-nos na humildade de Nossa Senhora e entrar na obediência da fé. É precisamente assim que deveras se abre, também para nós, o grande espaço da verdade e da liberdade no amor.

Enfim, queremos dar graças a Deus porque nos mostrou o seu rosto em Cristo, porque nos ofereceu Nossa Senhora, nos doou os Santos, nos chamou a ser um só corpo, um único espírito com Ele. E oremos para que nos ajude a estar cada vez mais inseridos nesta comunhão com a sua vontade, para assim encontrarmos, com a liberdade, o amor e a alegria.

No final da visita, depois da ceia no refeitório do Seminário, o Santo Padre dirigiu algumas expressões aos seminaristas:

Dizem-me que se espera ainda uma minha palavra. Já falei talvez demasiado, mas gostaria de manifestar a minha gratidão, a minha alegria por estar convosco. Do diálogo que agora tive à mesa aprendi mais sobre a história do Latrão, a começar por Constantino, Sisto V, Bento XIV, Papa Lambertini.

Assim, vi todos os problemas da história e o renascimento sempre novo da Igreja em Roma. E compreendi que na descontinuidade dos acontecimentos exteriores existe a grande continuidade da unidade da Igreja de todos os tempos. E também da composição do Seminário aprendi que é expressão da catolicidade da nossa Igreja. De todos os continentes somos uma Igreja e temos em comum o futuro. Esperamos somente que ainda aumentem as vocações porque, como disse o Reitor, temos necessidade de trabalhadores na vinha do Senhor. Obrigado a todos vós!



AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA

DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA Sábado, 22 de Fevereiro de 2009



Excelências
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Discursos Bento XVI 865