Discursos Bento XVI 1090

1090 Exorto-vos a haurir força da vossa recente experiência na Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, enquanto continuais a pregar a reconciliação e o perdão. Os efeitos da violência podem levar anos para ser debelados, contudo a mudança do coração, que é a condição indispensável para uma paz justa e duradoura, deve ser implorada desde já como uma dádiva da graça de Deus. Como anunciadores do Evangelho, tendes procurado incutir no vosso povo e na sociedade um sentido de responsabilidade em relação às gerações presentes e vindouras, encorajando o perdão, a aceitação recíproca e o respeito pelos compromissos assumidos. De igual modo, tendes trabalhado pela promoção dos direitos humanos fundamentais através da prática da lei, exortando à aplicação de um modelo integral de desenvolvimento económico e humano. Aprecio tudo quanto a Igreja no vosso país está a realizar em vista de assistir os pobres a viver com dignidade e amor-próprio, de ajudá-los a encontrar um trabalho a longo prazo e de os tornar capazes de oferecer a sua própria contribuição à sociedade.

Como sinal e instrumento de uma humanidade restabelecida e reconciliada, desde já a Igreja experimenta a paz do Reino através da sua comunhão no Senhor. Que a vossa pregação e a vossa actividade pastoral continuem a ser inspiradas por uma espiritualidade de comunhão que une mentes e corações em obediência ao Evangelho, pela participação na vida sacramental da Igreja e pela fidelidade à vossa autoridade episcopal. O exercício de tal autoridade jamais deveria ser visto "como algo impessoal ou burocrático, precisamente porque é uma autoridade que deriva do testemunho" (cf. Pastores gregis ). Por este motivo, vós mesmos deveis ser os primeiros mestres e testemunhas da nossa comunhão na fé e no amor de Cristo, compartilhando iniciativas, ouvindo os vossos colaboradores, ajudando os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos a aceitar-se e a apoiar-se uns aos outros como irmãos e irmãs, sem distinção de raça ou de grupo étnico, num generoso intercâmbio de dons.

Como parte significativa deste testemunho, encorajo-vos a dedicar as vossas energias ao fortalecimento da educação católica e, deste modo, à preparação dos leigos, em particular para oferecerem um testemunho convincente de Cristo em todos os aspectos da família e da vida social e política. Trata-se de uma tarefa à qual a Universidade de Santa Maria de Juba e os movimentos eclesiais podem oferecer uma contribuição significativa. Depois dos pais, os catequistas constituem o primeiro elo na corrente de transmissão do precioso tesouro da fé. Exorto-vos a prover à sua formação e às suas necessidades.

Finalmente, gostaria de manifestar o meu apreço pelos vossos esforços em vista de manter bons relacionamentos com os seguidores do islão. Enquanto trabalhais para promover a cooperação nas iniciativas concretas, encorajar-vos-ia a salientar os valores que os cristãos compartilham com os muçulmanos, como a base para aquele "diálogo da vida", que é um primeiro passo essencial rumo ao genuíno respeito e entendimento inter-religioso. A mesma abertura e o mesmo amor deveriam ser manifestados às pessoas pertencentes às religiões tradicionais.

Prezados Irmãos Bispos, através de vós transmito cordiais saudações aos sacerdotes e aos religiosos do vosso país, às famílias e, de modo particular, às crianças. É com grande carinho que vos confio à intercessão de Santa Bakhita e de São Daniel Comboni, bem como à salvaguarda de Maria, Mãe da Igreja. Concedo cordialmente a todos a minha Bênção apostólica, como penhor de sabedoria, júbilo e fortaleza no Senhor.



VISITA À IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DE ROMA

Domingo, 14 de Março de 2010


Imagens da celebração



Queridas Irmãs e amados Irmãos!

Desejo agradecer de coração a toda a comunidade, aos vossos responsáveis, sobretudo ao pároco Kruse, por me ter convidado para celebrar convosco este domingo Laetare, este dia no qual o elemento determinante é a esperança, que olha para a luz que da ressurreição de Cristo irrompe nas trevas da nossa quotidianidade, nas questões não resolvidas da nossa vida. Querido pároco Kruse, o senhor expôs-nos a mensagem de esperança de São Paulo. O Evangelho, do décimo segundo capítulo de João, que gostaria de explicar, é também um Evangelho da esperança e, ao mesmo tempo, é um Evangelho da Cruz. Estas duas dimensões caminham juntas: dado que o Evangelho se refere à Cruz, fala da esperança, e dado que doa esperança, deve falar da Cruz.

João narra-nos que Jesus tinha subido a Jerusalém para celebrar a Páscoa e depois diz: "Estavam lá também alguns gregos que tinham ido para o culto". Certamente eram homens do grupo dos chamados phoboumenoi ton Theon, os "temerosos de Deus", que, além do proselitismo do seu mundo, estavam em busca do Deus autêntico que é verdadeiramente Deus, em busca do único Deus, ao qual pertence o mundo inteiro e que é o Deus de todos os homens. E, na Bíblia de Israel, tinham encontrado aquele Deus, que pediam e procuravam, pelo qual cada homem anseia em silêncio, reconhecendo nele aquele Deus que criou o mundo. Ele é Deus de todos os homens e, ao mesmo tempo, escolheu um povo concreto e um lugar para, dali, estar presente entre nós. São os que procuram Deus, e vieram a Jerusalém para adorar o único Deus, para saber algo acerca do seu mistério. Além disso, o evangelista narra-nos que estas pessoas ouvem falar de Jesus, vão ter com Filipe, o apóstolo proveniente de Betsaída, onde metade da população falava grego, e dizem: "Queremos ver Jesus". O seu desejo de conhecer Deus leva-os a querer ver Jesus e através dele conhecer Deus mais de perto. "Queremos ver Jesus": uma expressão que nos comove, porque todos nós gostaríamos de o ver e conhecer cada vez mais verdadeiramente. Penso que aqueles gregos nos interessam por dois motivos: por um lado, a sua situação é igual à nossa, também nós somos peregrinos com a pergunta sobre Deus, em busca de Deus. E também nós gostaríamos de conhecer Jesus mais de perto, vê-lo deveras. Contudo é também verdade que, como Filipe e André, deveríamos ser amigos de Jesus, amigos que o conhecem e podem abrir aos outros o caminho que conduz a ele. E por isso penso que neste momento deveríamos rezar assim: Senhor, ajuda-nos a ser homens a caminho rumo a ti. Senhor, concede-nos poder ver-te cada vez mais. Ajuda-nos a ser teus amigos, que abrem aos outros a porta para ti. Se isto levou efectivamente a um encontro entre Jesus e aqueles gregos, São João não o narra. A resposta de Jesus, que ele nos refere, vai muito além daquele momento contingente. Trata-se de uma dupla resposta: fala da glorificação de Jesus que então começava: "Chegou a hora de ser glorificado o Filho do Homem" (Jn 12,23). O Senhor explica este conceito da glorificação com a parábola do grão de trigo: "Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto" (v. 24). De facto, o grão de trigo deve morrer, num certo modo partir-se no terreno, para absorver em si as forças da terra e assim tornar-se caule e fruto. No que se refere ao Senhor, esta é a parábola do seu próprio mistério. Ele mesmo é grão de trigo que veio de Deus, o grão divino, que se deixa cair na terra, que se deixa partir, quebrar na morte e, precisamente através disto, se abre e pode assim dar fruto na vastidão do mundo. Já não se trata de um encontro com esta ou com aquela pessoa por um momento. Agora, como ressuscitado, é "novo" e ultrapassa os limites de espaço e de tempo. Agora alcança deveras os gregos. Agora mostra-se a eles e fala com eles, e eles falam com Deus e deste modo nasce a fé, cresce a Igreja a partir de todos os povos, a comunidade de Jesus Cristo ressuscitado, que se tornará o seu corpo vivo, fruto do grão de trigo. Podemos encontrar nesta parábola também uma referência ao mistério da Eucaristia: Ele, que é o grão de trigo, cai na terra e morre.

Nasce assim a santa multiplicação do pão da Eucaristia, na qual ele se torna pão para os homens de todos os tempos e de todos os lugares.

1091 Aquilo que nesta parábola cristológica, o Senhor diz de si, aplica-o a nós noutros dois versículos: "Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo aborrece a sua vida conservá-la-á para a vida eterna" (v. 25). Penso que quando ouvimos isto, num primeiro momento, não nos agrada. Gostaríamos de dizer ao Senhor: Que nos dizes, Senhor? Devemos aborrecer a nossa vida, nós próprios? Não é porventura a nossa vida um dom de Deus? Não fomos criados à tua imagem? Não deveríamos estar gratos e felizes porque nos doaste a vida? Mas a palavra de Jesus tem outro significado. Naturalmente o Senhor doou-nos a vida, e por isto lhe somos gratos. Gratidão e alegria são atitudes fundamentais da existência cristã. Sim, podemos ser felizes porque sabemos que esta vida é de Deus. Não é um caso sem sentido. Eu sou querido e amado. Quando Jesus diz que deveríamos aborrecer a nossa própria vida, quer dizer outra coisa. Pensa em duas atitudes fundamentais. Uma é aquela pela qual eu gostaria de ter para mim a minha vida, pela qual considero a minha vida como minha propriedade, considero-me a mim mesmo como minha propriedade, e por isso quero gozar o mais possível esta vida presente, de modo a viver muito vivendo para mim mesmo. Quem o faz, quem vive para si próprio e se considera e quer só a si mesmo, não se encontra, perde-se. É exactamente o contrário: não perder a vida, mas doá-la. É isto que nos diz o Senhor. E não é tomando a vida para nós, que a recebemos, mas é doando-a, indo além de nós mesmos, não olhando para nós, mas doando-se ao outro na humildade do amor, doando a nossa vida a ele e aos outros. Assim tornamo-nos ricos afastando-nos de nós próprios, libertando-nos de nós mesmos. Doando a vida, e não perdendo-a, recebemos deveras a vida.

O Senhor continua e afirma, num segundo versículo: "Se alguém quer servir-Me, que Me siga; e, onde Eu estiver, ali estará também o Meu servidor. E se alguém Me servir, Meu Pai há-de honrá-lo" (v. 26). Este doar-se, que na realidade é a essência do amor, é idêntico à Cruz. De facto, a Cruz não é mais do que esta lei fundamental do grão de trigo que morreu, a lei fundamental do amor: que nos tornamos nós próprios só quando nos doamos. Mas o Senhor acrescenta que este doar-se, este aceitar a Cruz, este afastar-se de si, é um ir com ele, enquanto nós, indo atrás dele e seguindo o caminho do grão de trigo, encontramos a via do amor, que parece imediatamente um caminho de tribulação e de fadiga, mas precisamente por isto é o caminho da salvação. Do caminho da Cruz, que é o caminho do amor, do perder-se e do doar-se, faz parte o seguimento, o ir com ele, que é, Ele mesmo, o caminho, a verdade e a vida. Este conceito inclui também o facto de que este seguimento se realiza no "nós", que nenhum de nós tem o próprio Cristo, o próprio Jesus, que só o podemos seguir se caminhamos todos com ele, entrando neste "nós" e aprendendo com ele o seu amor que doa. O seguimento realiza-se neste "nós". Faz parte do ser cristão o "sermos nós" na comunidade dos seus discípulos. E isto apresenta-nos a questão do ecumenismo: a tristeza por ter quebrado este "nós", por ter subdividido o único caminho em tantos, e deste modo ofuscado o testemunho que deveríamos dar desta forma, e o amor não pode encontrar a sua plena expressão. Que deveríamos dizer a este propósito? Hoje ouvimos muitas lamentações sobre o facto de que o ecumenismo teria chegado a um ponto morto, acusações recíprocas; contudo penso que deveríamos antes de tudo estar gratos por haver já tanta unidade. É bom que hoje, domingo Laetare, podemos rezar juntos, entoar os mesmos hinos, ouvir a mesma palavra de Deus, juntos explicá-la e procurar compreendê-la; que olhamos para o único Deus que vemos e ao qual queremos pertencer, e que, deste modo, já damos testemunho de que Ele é o Único, aquele que nos chamou a todos e ao qual, no mais profundo, todos pertencemos. Penso que deveríamos mostrar ao mundo sobretudo isto: não conflitos de todo o tipo, mas alegria e gratidão pelo facto de que o Senhor nos concede isto e porque existe uma real unidade, que pode tornar-se cada vez mais profunda e que deve ser cada vez mais um testemunho da palavra de Cristo, do caminho de Cristo neste mundo. Naturalmente não nos devemos contentar com isto, mesmo se devemos estar cheios de gratidão por esta comunhão. Contudo, o facto de que em coisas essenciais, na celebração da santa Eucaristia não podemos beber do mesmo cálice, não podemos estar à volta do mesmo altar, deve encher-nos de tristeza porque carregamos esta culpa, porque ofuscamos este testemunho. Deve tornar-nos interiormente inquietos, no caminho rumo a maior unidade, na consciência de que, no fundo, só o Senhor no-la pode doar porque uma unidade concordada por nós próprios seria obra humana e por conseguinte frágil, como tudo o que os homens realizam. Nós doamo-nos a ele, procuramos conhecê-lo cada vez mais e amá-lo, vê-lo, e deixamos que assim ele nos conduza, deveras, à unidade plena, pela qual o imploramos com toda a urgência neste momento.

Queridos amigos, mais uma vez desejo agradecer-vos este convite, que me fizestes, pela cordialidade, com a qual me acolhestes – também pelas suas palavras, gentil senhora Esch. Agradeçamos por ter podido rezar e cantar juntos. Rezemos uns pelos outros, rezemos juntos para que o Senhor nos conceda a unidade e ajude o mundo para que creia. Amém.

CONFERIMENTO DA CIDADANIA HONORÁRIA

DO MUNICÍPIO DE ROMANO CANAVESE

"Auletta" da Sala Paulo VI

Quarta-feira, 17 de Março de 2010




Senhor Cardeal
Queridos Irmãos no Episcopado
e queridos irmãos no Sacerdócio
Senhor Presidente da Câmara Municipal
e Conselheiros municipais
Senhoras e Senhores!

1092 Estou muito feliz por receber a cidadania honorária do Município de Romano Canavese, cidade à qual estou ligado por laços de afecto. Antes de tudo porque é o lugar onde nasceu o meu caríssimo Secretário de Estado, o Cardeal Tarcisio Bertone, que conheço e estimo há tantos anos, especialmente desde quando eu era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A ele desejo renovar o meu vivo reconhecimento pelo precioso serviço à Santa Sé. Depois, porque eu mesmo, a 19 de Julho do ano passado, tive a alegria de visitar a vossa cidade e de encontrar o povo laborioso de Canavese. Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação, em particular ao Bispo de Ivrea, Mons. Arrigo Miglio e ao Presidente da Câmara Municipal, Senhor Oscar Ferrero: obrigado pelas palavras, pensamentos e orações.

O conferimento da cidadania honorária confirma a estima, a proximidade e o afecto que sentis em relação a mim; com este gesto, num certo sentido, quisestes acolher-me na grande família de Romano Canavese, mesmo se a minha presença nunca poderá ser física, mas certamente será cordial e fraterna. Sentir-me-ei de certa forma parte da vossa gloriosa história, que afunda as raízes no segundo século antes do nascimento de Cristo e teve momentos de particular relevo, sobretudo na alta Idade Média e no século XIX. Mas o que caracteriza Romano Canavese é sobretudo uma longa história de fé, que começa com o sangue dos mártires, entre os quais São Solutore, e que chega até aos nossos dias. Nesta ocasião renovo-vos o convite a conservar e cultivar os valores genuínos da vossa tradição e da vossa cultura, que se radicam no Evangelho. Em particular a testemunhar com empenho sempre renovado a fé no Senhor crucificado e ressuscitado, o apego à família, o espírito de solidariedade. Tende sempre confiança na ajuda de Deus, que nunca abandona os seus filhos e está próximo com a sua amorosa solicitude a quantos se comprometem pelo bem, pela paz e pela justiça.

Queridos amigos, ao renovar-vos os meus sentimentos de gratidão, invoco sobre cada um de vós, sobre as vossas famílias e sobre todos os cidadãos a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos Santos Padroeiros, para que continuem a proteger e a guiar a vossa Comunidade. Com afecto, concedo a cada um de vós e aos vossos concidadãos, agora meus concidadãos, uma especial Bênção Apostólica.




AOS MEMBROS DA UNIÃO DOS INDUSTRIAIS E DAS EMPRESAS DE ROMA Sala Clementina

Quinta-feira, 18 de Março de 2010


Distinto Presidente
Ilustres Senhores e Senhoras

Estou feliz por transmitir as minhas cordiais boas-vindas a cada um de vós, nesta vigília da festa de São José, que é um exemplo para todos aqueles que estão empenhados no mundo do trabalho. Dirijo o meu pensamento deferente ao Doutor Aurelio Regina, Presidente da União dos industriais e das empresas de Roma, agradecendo-lhe as amáveis expressões que me dirigiu. Juntamente com ele, saúdo a Junta e o Conselho directivo da Associação.

A realidade empresarial romana, formada em grande parte por pequenas e médias empresas, é uma das mais importantes associações territoriais, pertencentes à "Confindustria", que hoje trabalha, também ela, num contexto caracterizado pela globalização, pelos efeitos negativos da recente crise financeira, pela chamada "financiarização" da economia e das próprias empresas. Trata-se de uma situação complexa, porque a crise actual submeteu a uma prova dura os sistemas económicos e produtivos dos vários países. Todavia, ela deve ser vivida com confiança, porque pode ser considerada uma oportunidade do ponto de vista da revisão dos modelos de desenvolvimento e de uma nova organização do mundo da finanças, um "tempo novo" – como se disse – de profunda reflexão.

Na Encíclica social Caritas in veritate, observei que procedemos de uma fase de desenvolvimento em que se privilegiou aquilo que é material e técnico, em relação àquilo que é ético e espiritual, e encorajei a pôr no centro da economia e das finanças a pessoa (cf. n. 25), que Cristo revela na sua dignidade mais profunda. Além disso, propondo que a política não seja subordinada aos mecanismos financeiros, solicitei a reforma e a criação de ordenamentos jurídicos e políticos internacionais (cf. n. 67), proporcionados às estruturas globais da economia e das finanças, para alcançar de modo mais eficaz o bem comum da família humana. Seguindo os passos dos meus predecessores, reiterei que o aumento do desemprego, especialmente juvenil, o empobrecimento económico de muitos trabalhadores e o aparecimento de novas formas de escravidão exigem como objectivo prioritário o acesso a um trabalho digno para todos (cf. nn. 32 e 63). Aquilo que orienta a Igreja no seu tornar-se promotora de uma meta semelhante é a convicção de que o trabalho é um bem para o homem, para a família e para a sociedade, além de ser fonte de liberdade e de responsabilidade. Obviamente, na consecução de tais finalidades estão envolvidos, juntamente com outros sujeitos sociais, os empresários que devem ser particularmente encorajados no seu compromisso ao serviço da sociedade e do bem comum.

Ninguém ignora quantos sacrifícios é necessário enfrentar para abrir ou manter no mercado a própria empresa, como "comunidade de pessoas" que produz bens e serviços e que, portanto, não tem como única finalidade o lucro, de resto necessário. Em particular, as pequenas e médias empresas resultam cada vez mais carentes de financiamento, enquanto o crédito parece menos acessível, e a concorrência nos mercados globalizados é muito forte, especialmente da parte daqueles países onde não existem – ou são mínimos – os sistemas de tutela social para os trabalhadores. Isto dá origem a que o elevado custo do trabalho torne os próprios produtos e serviços menos competitivos e sejam exigidos grandes sacrifícios, para não despedir os próprios trabalhadores dependentes e permitir-lhes a actualização profissional.

1093 Em tal contexto, é importante saber superar esta mentalidade individualista e materialista, a qual sugere que se desviem os investimentos da economia real para privilegiar o emprego dos próprios capitais nos mercados financeiros, em vista de rendimentos mais fáceis e mais rápidos. Tomo a liberdade de recordar que, ao contrário, os caminhos mais seguros para contrastar o declínio do sistema empresarial do próprio território consistem em pôr-se em rede com outras realidades sociais, investir na investigação e na inovação, não praticar uma concorrência injusta entre as empresas, não esquecer os próprios deveres sociais e incentivar uma produtividade de qualidade para responder às necessidades reais das pessoas. Existem provas novas de que a vida de uma empresa depende da sua atenção a todos os sujeitos com os quais instaura relações, da eticidade do seu projecto e da sua actividade. A própria crise financeira demonstrou que, dentro de um mercado alterado por falências em cadeia, resistiram aquelas realidades económicas capazes de se adaptar a comportamentos morais e atentas às necessidades do próprio território. O bom êxito do empresariado italiano, especialmente em algumas regiões, foi sempre caracterizado pela importância atribuída à rede de relações que ela soube estabelecer com os trabalhadores e com as demais realidades empresariais, mediante relações de colaboração e de confiança recíproca. A empresa pode ser vital e produzir "riqueza social", se os empresários e os managers forem orientados por um olhar clarividente, que ao lucro especulativo prefere o investimento a longo prazo, e que promove a inovação em vez de pensar em acumular a riqueza somente para si.

O empresário atento ao bem comum é chamado a ver a própria actividade sempre no âmbito de um conjunto plural. Tal delineamento gera, mediante a dedicação pessoal e a fraternidade vivida concretamente nas escolhas económicas e financeiras, um mercado mais competitivo e ao mesmo tempo mais civil, animado pelo espírito de serviço. É claro que uma semelhante lógica empresarial pressupõe determinadas motivações, uma certa visão do homem e da vida; ou seja, um humanismo que nasça da consciência de ser chamado, como indivíduo e como comunidade, a fazer parte da única família de Deus, que nos criou à sua imagem e semelhança, redimindo-nos em Cristo; um humanismo que reavive a caridade e se faça guiar pela verdade; um humanismo aberto a Deus e, precisamente por isso, aberto ao homem e a uma vida intensa, como tarefa solidária e jubilosa (cf. n. 78). Em qualquer sector da existência humana, o desenvolvimento implica inclusive a abertura ao trascendente, à dimensão espiritual da vida, à confiança em Deus, ao amor, à fraternidade, ao acolhimento, à justiça e à paz (cf. n. 79). Apraz-me ressaltar tudo isto, enquanto nos encontramos na Quaresma, tempo propício para a revisão das nossas profundas atitudes e para nos interrogarmos sobre a coerência entre os fins para os quais tendemos e os meios que utilizamos.

Ilustres Senhores e Senhoras, deixo-vos estas reflexões. E, enquanto vos agradeço a vossa visita, formulo-vos bons votos para a vossa actividade económica, assim como para a associativa, e é de bom grado que vos concedo a minha Bênção, a vós e aos vossos entes queridos.

CONCERTO EM HONRA

POR OCASIÃO DA SUA FESTA ONOMÁSTICA

Sala Clementina

Sexta-feira, 19 de Março de 2010




Prezados amigos

No final de uma audiência tão intensa e espiritualmente profunda, a melhor coisa seria manter o silêncio e prolongar a meditação. Todavia, sinto-me muito feliz por vos dirigir uma saudação e agradecer a cada um a vossa presença no dia da minha festa onomástica, de modo particular a quantos me ofereceram este dom agradabilíssimo. Exprimo o meu cordial reconhecimento ao Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado, pelas bonitas palavras que me dirigiu. Saúdo com afecto os demais Cardeais, o Cardeal Decano Sodano, os Prelados e as autoridades eclesiásticas presentes. Dirijo um agradecimento especial aos músicos, a partir do Maestro José Peris Lacasa, compositor estreitamente ligado à Casa Real Espanhola. Mérito seu é ter elaborado uma versão de As últimas sete palavras do nosso Redentor na cruz, de Franz Joseph Haydn, que retoma as versões para quarteto de arcos e em forma de oratório, escritas pelo própio Haydn. Depois, congratulo-me com o Quarteto Henschel pela preciosa execução, e com a Senhora Susanne Kelling, que pôs a sua voz extraordinária ao serviço das palavras santas do Senhor Jesus.

A escolha desta obra foi realmente feliz. Com efeito, se por um lado a sua beleza austera é digna da solenidade de São José de quem o próprio insigne compositor levava o nome por outro, o seu conteúdo é muito adequado ao tempo quaresmal, aliás, predispõe-nos a viver o Mistério central da fé cristã. Com efeito, As últimas sete palavras do nosso Redentor na cruz é um dos exemplos mais sublimes, no campo musical, do modo como se podem unir a arte e a fé. A invenção da música é totalmente inspirada e como que "dirigida" pelos textos evangélicos, que culminam nas palavras pronunciadas por Jesus crucificado, antes de dar o seu último suspiro. Todavia, além de estar ligado ao texto, o compositor estava vinculado também às condições específicas exigidas pelos comitentes, ditadas pelo particular tipo de celebração em que a música teria sido executada. E foi precisamente a partir de tais vínculos tão convincentes que o génio criativo pôde manifestar-se em toda a sua excelência: tendo que imaginar sete sonatas de cunho dramático e meditativo, Haydn aposta na intensidade, como ele mesmo escreveu numa carta da época: "Cada sonata, ou cada texto, é expresso unicamente com os meios da música instrumental, de tal modo que ele suscitará necessariamente a impressão mais profunda na alma do ouvinte, até do menos preparado" (Carta a W. Forster, 8 de Abril de 1787).

Nisto existe algo de semelhante ao trabalho do escultor, que deve medir-se constantemente com a matéria sobre a qual trabalha – pensemos no mármore da "Pietà" de Michelangelo – e todavia consegue fazer falar aquela matéria, fazer sobressais uma síntese singular e irrepetível de pensamento e de emoção, uma expressão artística absolutamente original mas que, ao mesmo tempo, está totalmente ao serviço daquele conteúdo de fé específico, é como que dominada por aquele acontecimento que representa no nosso caso, pelas sete palavras e pelo seu contexto.

Aqui oculta-se uma lei universal da expressão artística: saber comunicar uma beleza, que é também um bem e uma verdade, através de um instrumento sensível uma pintura, uma música, uma escultura, um texto escrito, uma dança, etc. Considerando bem, é a própria lei que Deus seguiu para se nos comunicar a si mesmo e o seu amor: encarnou na nossa carne humana e realizou a máxima obra-prima de toda a criação: "Um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem", – como escreve São Paulo (1Tm 2,5). Quanto mais "dura" é a matéria, tanto mais estreitos são os vínculos da expressão, e tanto mais sobressai o génio do artista. Assim, na "dura" cruz Deus pronunciou em Cristo a Palavra de amor mais bonita e mais verdadeira, que é Jesus no seu entregar-se pleno e definitivo: Ele é a última Palavra de Deus, não em sentido cronológico, mas qualitativo. É a Palavra universal, absoluta, mas foi proferida naquele homem concreto, naquele tempo e naquele lugar, naquela "hora" – diz o Evangelho de João. Este vincular-se à história, à carne, é sinal por excelência de fidelidade, de um amor tão livre que não tem medo de se unir para sempre, de manifestar o infinito no finito, o tudo no fragmento. Esta lei, que é a lei do amor, é inclusive a lei da arte nas suas expressões mais elevadas.

Caros amigos, talvez me tenha prolongado um pouco com esta reflexão, mas a culpa – ou talvez o mérito! – é de Franz Joseph Haydn. Demos graças ao Senhor por estes grandes génios artísticos, que souberam e quiseram medir-se com a sua Palavra – Jesus Cristo – e com as suas palavras – as Sagradas Escrituras. Renovo o meu agradecimento a quantos idealizaram e prepararam esta homenagem: o Senhor recompense cada um com generosidade.

1094 Agradeço mais uma vez sentidamente a todos aqueles que tornaram possível este acontecimento. Dirijo um agradecimento particular ao Quarteto Henschel e à meio-soprano, Senhora Susanne Kelling que, com a sua exibição expressiva, nos aproximou de forma musical das palavras do Salvador na Cruz. Muito obrigado!

Saúdo de todo o coração o Maestro José Peris Lacasa, autor de uma bem sucedida reelaboração de As últimas sete palavras de Cristo na Cruz, de Haydn, e que hoje tivemos o prazer de ouvir. Saúdo também aqueles que vieram da Espanha para esta ocasião. Muito obrigado!

A todos renovo uma saudação cordial, com os bons votos de seguir Jesus de perto, como a Virgem Maria, para viver a Semana Santa em profundidade e celebrar na verdade a Páscoa já próxima. Com esta intenção concedo-vos, bem como aos vossos entes queridos, a minha Bênção.






AOS BISPOS DO BURQUINA FASO E DO NÍGER EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 20 de Março de 2010



Amados irmãos no Episcopado!

É com grande alegria que vos acolho, a vós que recebestes o cargo pastoral da Igreja que está no Burquina Faso e no Níger. Saúdo particularmente o Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Séraphin Rouamba, Arcebispo de Koupéla, e agredeço-lhe as amáveis palavras. Aos vossos diocesanos e a todos os habitantes dos vossos países, sobretudo aos doentes e às pessoas que estão na prova, levai o encorajamento e a saudação afectuosa do Papa. A visita ad limina que realizais é um sinal concreto de comunhão entre as vossas Igrejas particulares e a Igreja universal, que se manifesta de modo significativo nos vossos vínculos com o Sucessor de Pedro. Desejo que o fortalecimento desta unidade, entre vós e no seio da Igreja, reforce o vosso ministério e aumente a credibilidade do testemunho dos discípulos de Cristo.

Depois de mais de um século, a evangelização já deu frutos abundantes, visíveis através de tantos sinais da vitalidade da Igreja-família de Deus nos vossos países. Que um novo impulso missionário anime as vossas comunidades, a fim de que a mensagem evangélica seja plenamente acolhida e vivida com fidelidade! A fé tem sempre necessidade de consolidar as suas raízes para não cair em práticas antigas ou incompatíveis com o seguimento de Cristo e para resistir às atracções de um mundo por vezes hostil ao ideal evangélico. Congratulo-me com os esforços empreendidos após numerosos anos por uma sadia inculturação da fé. Velareis por que eles sejam prosseguidos graças ao trabalho de pessoas competentes, no respeito das normas e fazendo referência a estruturas apropriadas. Por outro lado, encorajo-vos a prosseguir o bom esforço missionário de solidariedade que empreendestes com generosidade em relação às Igrejas irmãs do vosso continente!

A recente Assembleia sinodal para a África convidou as comunidades cristãs a enfrentar os desafios da reconciliação, da justiça e da paz. Alegro-me por saber que nas vossas dioceses, a Igreja continua, de vários modos, a luta contra os males que impedem as populações de alcançar um desenvolvimento autêntico. Assim, as graves inundações de Setembro passado deram a ocasião de promover a solidariedade em relação a todos e sobretudo aos mais desfavorecidos. Esta solidariedade enraizada no amor de Deus deve ser um compromisso permanente da comunidade eclesial: os vossos fiéis expressaram-na generosamente mais uma vez em relação às vítimas do recente sismo do Haiti, não obstante as grandes necessidades em que vivem. Agradeço-lhes sentidamente. Por fim, gostaria de me congratular de modo especial pela obra realizada pela Fundação João Paulo II para o Sahel que, no ano passado, celebrou em Ouagadougou o vigésimo quinto aniversário.

Queridos Irmãos no Episcopado, o Ano sacerdotal contribui para valorizar a grandeza do sacerdote e promover uma renovação interior na vida dos sacerdotes, a fim de que o seu ministério seja cada vez mais intenso e fecundo. O sacerdote é antes de tudo um homem de Deus, que procura responder cada vez com mais coerência à sua vocação e à sua missão ao serviço do povo que lhe está confiado e que deve guiar para Deus. Para esta finalidade, é necessário garantir-lhe uma sólida formação, não só no período de preparação para a ordenação, mas ao longo de todo o seu ministério. De facto, é indispensável que o sacerdote possa ter tempo para aprofundar a sua vida sacerdotal, para evitar de cair no activismo. O exemplo de São João Maria Vianney suscite no coração dos vossos sacerdotes, a cujo corajoso compromisso missionário presto homenagem, uma consciência renovada da sua doação total a Cristo e à Igreja, alimentada por uma fervorosa vida de oração e de amor apaixonado ao Senhor Jesus! Que o seu exemplo suscite numerosas vocações sacerdotais!

Os catequistas são os colaboradores indispensáveis dos sacerdotes no anúncio do Evangelho. Eles desempenham um papel essencial, não só na primeira evangelização e no catecumenato mas também na animação e no apoio das vossas comunidades, em união com os outros agentes pastorais. Por vosso intermédio, gostaria de os saudar calorosamente e encorajar na sua tarefa de evangelizadores dos seus irmãos. As vossas dioceses fazem esforços importantes em vista de garantir a sua formação humana, intelectual, espiritual e pastoral, o que lhes permite também garantir o seu serviço com fé e competência; por isto me alegro e vos encorajo a prosseguir, provendo às suas necessidades materiais para que possam levar uma vida digna.

Para que os leigos possam encontrar o lugar que lhes compete nas vossas comunidades e na sociedade, é necessário incrementar os meios de consolidar a sua fé. Ao desenvolver as instituições de formação, deveis dar-lhes a possibilidade de assumir responsabilidades na Igreja e na sociedade, para nela serem autênticas testemunhas do Evangelho. Convido-vos a prestar uma atenção particular às elites políticas e intelectuais dos vossos países, que muitas vezes se deparam com ideologias opostas a uma concepção cristã do homem e da sociedade. Uma fé garantida, fundada num relacionamento pessoal com Cristo, manifestada na prática habitual da caridade e apoiada por uma comunidade viva, é um apoio no desenvolvimento da vida cristã. Fazei também com que os jovens, com frequência cheios de generosidade, sintam o gosto de ir ao encontro de Cristo! O fortalecimento das capelanias escolares e universitárias ajudá-los-á a encontrar nele a luz capaz de os guiar ao longo da sua vida e de lhes transmitir o verdadeiro sentido do amor humano.
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Discursos Bento XVI 1090