Discursos Bento XVI 1095

1095 O bom clima que existe habitualmente nas relações inter-religiosas permite aprofundar os vínculos de estima e de amizade assim como a colaboração entre todos os componentes da sociedade. O ensinamento aos jovens generosos dos valores fundamentais do respeito e da fraternidade há-de favorecer a compreensão recíproca. Possam os vínculos que unem, sobretudo cristãos e muçulmanos, continuar a fortalecer-se e a fazer progredir a paz e a justiça e a promover o bem comum, rejeitando qualquer tentação de violência ou intolerância!

Amados irmãos no Episcopado, no momento de concluir o nosso encontro, confio cada uma das vossas dioceses à protecção materna da Virgem Maria. Neste tempo marcado pela incerteza, que Ela nos dê a força de olhar para o futuro com confiança! Que Ela seja um sinal de esperança para os povos do Burquina Faso e do Níger! De todo o coração vos concedo uma afectuosa Bênção Apostólica, assim como aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas e a todos os fiéis das vossas dioceses.





AOS BISPOS ESCANDINAVOS

EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 25 de Março de 2010

Queridos Irmãos Bispos

Dou-vos boas-vindas a Roma, por ocasião da vossa visita "ad limina" e agradeço ao Bispo Arborelius as palavras que me dirigiu em vosso nome. Vós exerceis o governo pastoral sobre os fiéis católicos no extremo norte da Europa, e viestes aqui para manifestar e renovar os laços de comunhão entre o povo de Deus naquelas terras e o Sucessor de Pedro no coração da Igreja universal. O vosso rebanho é pouco numeroso, e espalhado numa vasta região. Muitas pessoas têm que viajar longas distâncias para encontrar uma comunidade católica onde prestar culto. Para elas, é muito importante compreender que cada vez que se reúnem ao redor do altar para o sacrifício eucarístico, elas participam num acto da Igreja universal, em comunhão com todos os seus irmãos católicos no mundo inteiro. É esta comunhão que se exerce e aprofunda através das visitas quinquenais dos bispos à Sé Apostólica.

É-me grato observar que um Congresso sobre a Família será realizado em Jönköping, no mês de Maio do corrente ano. Uma das mensagens mais importantes que o povo das terras nórdicas tem necessidade de ouvir de vós é a lembrança da centralidade da família para a vida de uma sociedade sadia. Tristemente, nos anos mais recentes testemunhou-se um enfraquecimento do compromisso na instituição do matrimónio e na compreensão cristã da sexualidade humana, que durante tanto tempo serviu como alicerce para os relacionamentos pessoais e sociais na sociedade europeia. As crianças têm direito de ser concebidas e levadas no ventre, de ser trazidas ao mundo e de crescer no âmbito do matrimónio: é através de um relacionamento seguro e reconhecido com os próprios pais, que elas podem descobrir a sua identidade e alcançar o desenvolvimento humano que lhes é próprio (cf. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987). Em sociedades com uma nobre tradição de defesa dos direitos de todos os seus membros, esperar-se-ia que este direito fundamental das crianças tivesse a prioridade sobre qualquer direito presumível dos adultos, de impor sobre elas modelos alternativos de vida familiar, e certamente sobre qualquer direito presumível ao aborto. Considerando que a família é "a primeira e indispensável mestra da paz" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008), a mais confiável promotora da coesão social e a melhor escola das virtudes da boa cidadania, é do interesse de todos, e de maneira particular dos governos, defender e fomentar uma vida familiar estável.

Não obstante a população católica dos vossos territórios constitua unicamente uma pequena percentagem da totalidade, contudo está a crescer e, ao mesmo tempo, um bom número de outras pessoas ouvem com respeito e atenção àquilo que a Igreja tem a dizer. Nas terras nórdicas, a religião tem um importante papel a desempenhar para formar a opinião pública e influenciar as decisões sobre questões relativas ao bem comum. Portanto, exorto-vos a continuar a transmitir aos povos dos vossos respectivos países o ensinamento da Igreja a respeito das questões sociais e éticas, como já o fazeis mediante iniciativas como a vossa carta pastoral de 2005 "O amor pela vida" e o próximo Congresso sobre a Família. A fundação do Newman Institute em Uppsala constitui uma iniciativa muito apreciada a este propósito, garantindo que o ensino católico receba o lugar que lhe é próprio no mundo académico escandinavo, enquanto ajuda também as novas gerações a adquirir uma compreensão madura e informada da sua fé.

No interior do vosso próprio rebanho, o cuidado pastoral das famílias e dos jovens tem necessidade de ser promovido com vigor, e com uma atenção especial pelos numerosos indivíduos que experimentaram dificuldades no início da recente crise financeira. Dever-se-ia demonstrar a devida sensibilidade aos numerosos casais em que só um dos cônjuges é católico. Os imigrantes no meio da população católica nas terras nórdicas têm necessidades que lhes são próprias, e é importante que a vossa aproximação pastoral das famílias os inclua, a fim de ajudar para a sua integração na sociedade. Os vossos países têm sido particularmente generosos para com os refugiados do Médio Oriente, muitos dos quais são cristãos das Igrejas Orientais. Quanto a vós, ao receberdes "o estrangeiro que reside convosco" (Lv 19,34), tende a certeza de ajudar estes novos membros da vossa comunidade a aprofundar o seu conhecimento e a sua compreensão da fé através de programas de catequese específicos no processo de integração no país que os hospeda, eles deveriam ser encorajados a não se afastar dos elementos mais preciosos das próprias culturas, particularmente da sua fé.

Neste Ano sacerdotal, peço-vos que reserveis uma prioridade especial ao encorajamento e ao apoio dos vossos sacerdotes, que muitas vezes têm que trabalhar isolados uns dos outros e em circunstâncias difíceis para levar os sacramentos ao povo de Deus. Como sabeis, propus a figura de São João Vianney a todos os presbíteros do mundo, como manancial de inspiração e intercessão neste Ano dedicado à exploração mais profunda do significado e do papel indispensável do sacerdócio na vida da Igreja. Ele consagrou-se incansavelmente a ser um canal da graça purificadora e santificadora de Deus para o povo que ele servia, e todos os sacerdotes são chamados a fazer a mesma coisa: compete a vós, como seus Ordinários, fazer com que eles sejam bem preparados para esta tarefa sagrada. Assegurai também que os fiéis leigos apreciem aquilo que os seus presbíteros realizam por eles, e que lhes ofereçam o encorajamento e o apoio espiritual, moral e material de que têm necessidade.

Gostaria de homenagear a enorme contribuição que os religiosos e as religiosas ofereceram para a vida da Igreja nos vossos países ao longo de muitos anos. Os países nórdicos são também abençoados com a presença de um certo número de novos movimentos eclesiais, que trazem um renovado dinamismo para a missão da Igreja. Perante esta vasta gama de carismas, existem muitos modos como os jovens podem ser atraídos a dedicar a própria vida ao serviço da Igreja, através de uma vocação sacerdotal ou religiosa. Enquanto assumis a vossa responsabilidade de promover tais vocações (cf. Christus Dominus CD 15), procurai dirigir-vos tanto às populações nativas como às imigrantes. Do âmago de qualquer comunidade católica sadia, o Senhor chama sempre homens e mulheres para O servir deste modo. O facto de que um número cada vez maior de vós, Bispos das terras nórdicas, sois originários dos próprios países em que servis, é um sinal claro de que o Espírito Santo está em acção ali no meio das vossas comunidades católicas. Rezo a fim de que a sua inspiração continue a produzir frutos entre vós e aqueles aos quais vós dedicastes a vossa vida.
Com grande confiança no poder vivificador do Evangelho, empenhai as vossas energias na promoção de uma nova evangelização no meio da população dos vossos territórios. Uma parte integrante desta missão é a atenção permanente à actividade ecuménica, e estou feliz por observar as numerosas funções em que os cristãos dos países nórdicos se reúnem, em vista de oferecer um testemunho unificado perante o mundo.

1096 Com estes sentimentos confio todos vós, assim como o vosso povo, à intercessão dos Santos nórdicos, especialmente Santa Brígida, co-Padroeira da Europa, e é de bom grado que concedo a minha Bênção apostólica como penhor de força e paz no Senhor.



ENCONTRO COM OS JOVENS DE ROMA E DO LÁCIO

EM PREPARAÇÃO À JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

DIÁLOGO COM OS JOVENS

Quinta-feira, 25 de Março de 2010


P. Santo Padre, o jovem do Evangelho perguntou a Jesus: bom mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna? Eu não sei nem sequer o que é a vida eterna. Não consigo imaginá-la, mas sei uma coisa: não quero desperdiçar a minha vida, desejo vivê-la profundamente e não sozinha. Receio que isto não aconteça, tenho medo de pensar só em mim mesma, de errar tudo e de me encontrar sem uma meta para alcançar, vivendo o dia-a-dia. É possível fazer da minha vida algo de belo e grandioso?

Queridos jovens!

Antes de responder à pergunta gostaria de expressar o meu sentido agradecimento por toda a vossa presença, por este maravilhoso testemunho da fé, do querer viver em comunhão com Jesus, pelo vosso entusiasmo em seguir Jesus e viver bem. Obrigado!

E agora a pergunta. A senhora disse que não sabe o que é a vida eterna e nem imaginá-la. Nenhum de nós é capaz de imaginar a vida eterna, porque está fora da nossa experiência. Contudo, podemos começar a compreender o que é a vida eterna, e penso que, com a sua pergunta, nos tenha dado uma descrição do essencial da vida eterna, isto é, da verdadeira vida: não desperdiçar a vida, vivê-la em profundidade, não viver para si mesmos, não viver o dia-a-dia, mas viver realmente a vida na sua riqueza e na sua totalidade. E como fazer? Esta é a grande questão, que também o rico do Evangelho apresentou ao Senhor (cf. Mc 10,17). À primeira vista, a resposta do Senhor parece muito seca. Afinal diz: guarda os mandamentos (cf. Mc 10,19). Mas por detrás, se reflectirmos bem, se ouvirmos bem o Senhor, na totalidade do Evangelho, encontramos a grande sabedoria da Palavra de Deus, de Jesus. Os mandamentos, segundo a outra Palavra de Jesus, são resumidos neste único: amar a Deus com todo o coração, com toda a razão, com toda a existência e amar o próximo como a si mesmo. Amar a Deus, supõe conhecer Deus, reconhecer Deus. É este o primeiro passo que devemos dar: procurar conhecer Deus. E assim sabemos que a nossa vida não existe por acaso, não é ocasional. A minha vida é querida por Deus desde a eternidade. Eu sou amado, sou necessário. Deus tem um projecto comigo na totalidade da história; tem um projecto precisamente para mim. A minha vida é importante e também necessária. O amor eterno criou-me em profundidade e espera por mim. Por conseguinte, este é o primeiro ponto: conhecer, procurar conhecer Deus e assim compreender que a vida é um dom, que é bom viver. Depois o essencial é o amor. Amar este Deus que me criou, que criou este mundo, que governa entre todas as dificuldades do homem e da história, e que me acompanha. E amar o próximo.

Os dez mandamentos que Jesus menciona na sua resposta, são apenas uma explicitação do mandamento do amor. São, por assim dizer, regras de amor, indicam o caminho do amor com estes pontos essenciais: a família, como fundamento da sociedade; a vida, que se deve respeitar como dom de Deus; a ordem da sexualidade, da relação entre homem e mulher; a ordem social e, finalmente, a verdade. Estes elementos essenciais explicam o caminho do amor, explicitam como amar realmente e como encontrar o caminho recto. Por conseguinte, há uma vontade fundamental de Deus para todos nós, que é idêntica para todos nós. Mas a sua aplicação é diferente em cada vida, porque Deus tem um projecto claro para cada homem. São Francisco de Sales certa vez disse: a perfeição, isto é, ser bom, viver a fé e o amor, é substancialmente uma, mas em formas muito diversas. Muito diversa é a santidade de um beneditino e de um homem político, de um cientista e de um camponês, e assim por diante. E assim para cada homem Deus tem o seu projecto e eu devo encontrar, nas minhas circunstâncias, o meu modo de viver esta única e comum vontade de Deus cujas grandes regras são indicadas nestas explicações do amor. Portanto, procurar também realizar aquilo que é a essência do amor, isto é, não ter a vida para mim, mas dar a vida; não "ter" a vida, mas fazer da vida um dom, não procurar a mim mesmo, mas dar aos outros. É isto o essencial, e implica renúncias, ou seja, sair de mim mesmo e não procurar a mim mesmo. E precisamente não procurando a mim mesmo, mas doando-me pelas coisas grandes e verdadeiras, encontro a vida. Assim cada um encontrará, na sua vida, as diversas possibilidades: comprometer-se no voluntariado, numa comunidade de oração, num movimento, na acção da sua paróquia, na própria profissão. Encontrar a minha vocação e vivê-la em cada lugar é importante e fundamental, quer eu seja um grande cientista ou um camponês. Tudo é importante aos olhos de Deus: é belo se é vivido profundamente com aquele amor que redime realmente o mundo.

Para terminar, gostaria de contar uma pequena história de Santa Josepina Bakhita, esta pequena santa africana que na Itália encontrou Deus e Cristo, e que me dá sempre uma grande emoção. Era religiosa num convento; um dia, o Bispo do lugar visitou aquele mosteiro, viu esta pequena religiosa negra, da qual parecia que nada sabia e disse: "Irmã, o que faz aqui?". E Bakhita respondeu: "A mesma coisa que o senhor faz, excelência". O bispo visivelmente irritado responde: "Como, irmã, faz o mesmo que eu?", "Sim – responde a religiosa – ambos queremos fazer a vontade de Deus, não é verdade?". Por fim, este é o ponto essencial: conhecer, com a ajuda da Igreja, da Palavra de Deus e dos amigos, a vontade de Deus, quer nas suas grandes linhas, comuns para todos, quer na concretitude da minha vida pessoal. Assim a vida torna-se talvez não demasiado fácil, mas bela e feliz. Peçamos ao Senhor para que nos ajude sempre a encontrar a sua vontade e a segui-la com alegria.

P. O Evangelho disse-nos que Jesus fixou aquele jovem e o amou. Santo Padre, o que significa ser fixados com amor por Jesus; como podemos fazer também nós hoje esta experiência? Mas é deveras possível viver esta experiência também nesta vida de hoje?

Naturalmente diria que sim, porque o Senhor está sempre presente e olha para cada um de nós com amor. Mas nós devemos procurar este olhar e encontrar-nos com ele. Como fazer? Diria que o primeiro ponto para nos encontrarmos com Jesus, para fazer a experiência do seu amor, é conhecê-lo. Conhecer Jesus implica diversos caminhos. A primeira condição é conhecer a figura de Jesus como nos é mostrada nos Evangelhos, que nos dão um retrato muito rico da figura de Jesus, nas grandes parábolas, pensemos no filho pródigo, no samaritano, em Lázaro, etc. Em todas as parábolas, em todas as suas palavras, no sermão da montanha, encontramos realmente o rosto de Jesus, o rosto de Deus até à cruz onde, por amor a nós, se entrega totalmente até à morte e pode, no final, dizer "Nas tuas mãos, ó Pai, entrego a Minha vida, a Minha alma" (cf. Lc 23,46).

1097 Portanto: conhecer, meditar Jesus juntamente com os amigos, com a Igreja e conhecer Jesus não só de modo académico, teórico, mas com o coração, ou seja, falar com Jesus na oração. Não se pode conhecer uma pessoa do mesmo modo como posso estudar a matemática. Para a matemática é necessário e suficiente a razão, mas para conhecer uma pessoa, antes de tudo, a grande pessoa de Jesus, Deus e homem, é necessário a razão mas, ao mesmo tempo, também o coração. Só com a abertura do coração a ele, só com o conhecimento do conjunto de quanto disse e de quanto fez, com o nosso amor, com o nosso ir em sua direcção, podemos a pouco e pouco conhecê-lo cada vez mais e assim fazer também a experiência de ser amados. Então: ouvir a Palavra de Jesus, ouvi-la na comunhão da Igreja, na sua grande experiência e responder com a nossa oração, com o nosso diálogo pessoal com Jesus, com o qual lhe dizemos o que não podemos compreender, as nossas necessidades e as nossas perguntas. Num diálogo verdadeiro, podemos encontrar cada vez mais este caminho do conhecimento, que se torna amor. Naturalmente não só pensar, não só rezar, mas também fazer é uma parte do caminho rumo a Jesus: fazer coisas boas, empenhar-se pelo próximo. Há diversos caminhos; cada um conhece as próprias possibilidades, na paróquia e nas comunidades em que vive, para se empenhar também com Cristo e pelo próximo, pela vitalidade da Igreja, para que a fé seja verdadeiramente força formativa do nosso ambiente, e deste modo do nosso tempo. Por conseguinte, diria estes elementos: ouvir, responder, entrar na comunidade crente, comunhão com Cristo nos sacramentos, onde se doa a nós, quer na Eucaristia, quer na Confissão, etc. e, finalmente, fazer, realizar as palavras da fé de modo que se tornem a força da minha vida e assim aparece também a mim o olhar de Jesus e o seu amor ajuda-me, transforma-me.

P. Jesus convidou o jovem rico a deixar tudo, e a segui-lo, mas ele foi-se embora entristecido. Também eu como ele, tenho dificuldade em segui-lo, porque tenho medo de deixar as minhas coisas e por vezes a Igreja pede-me renúncias difíceis. Santo Padre, como posso encontrar a força para fazer escolhas corajosas, e quem me pode ajudar?

Então, comecemos com esta palavra que para nós é severa: renúncias. As renúncias são possíveis e, no fim, tornam-se também belas se têm um porquê e se este porquê justifica também a dificuldade da renúncia. São Paulo usou, neste contexto, a imagem das olimpíadas e dos atletas que nelas participavam (cf.
1Co 9,24-25). Diz: Eles, para conquistar finalmente a medalha – naquele tempo a coroa – devem viver uma disciplina muito dura, devem renunciar a muitas coisas, devem exercitar-se no desporto que praticam e fazem grandes sacrifícios e renúncias porque têm uma motivação, vale a pena. No final, talvez, não são vencedores, mas é bom ter-se disciplinado a si mesmo e ter sido capaz de fazer estas coisas com uma certa perfeição. A mesma coisa que é válida, com esta imagem de São Paulo, para as olimpíadas, para todo o desporto, é válida também para todas as outras coisas da vida. Uma vida profissional boa não pode ser alcançada sem renúncias, sem uma preparação adequada, que exige sempre uma disciplina, exige que se renuncie a algo, e assim por diante, também na arte e em todos os elementos da vida. Todos nós compreendemos que para alcançar uma finalidade, que ela seja profissional, desportiva, artística ou cultural, devemos renunciar, aprender para ir em frente. Precisamente também a arte de viver, de ser nós mesmos, a arte de ser um homem exige renúncias, e as renúncias verdadeiras, que nos ajudam a encontrar o caminho da vida, a arte da vida, são-nos indicadas na Palavra de Deus e ajudam-nos a não cair – digamos – no abismo da droga, do álcool, da escravidão da sexualidade, da escravidão do dinheiro, da preguiça. Todas estas coisas, num primeiro momento, parecem acções de liberdade. Na realidade, não são acções de liberdade, mas início de uma escravidão que se torna cada vez mais insuperável. Conseguir renunciar à tentação do momento, caminhar rumo ao bem cria a verdadeira liberdade e torna a vida preciosa. Neste sentido, parece-me, devemos ver que sem um "não" a certas coisas não cresce o grande "sim" à vida verdadeira, como a vemos nas figuras dos santos. Pensemos em São Francisco, nos santos do nosso tempo, Madre Teresa, Pe. Gnocchi e muitos outros, que renunciaram e que venceram e se tornaram não só livres eles mesmos mas também uma riqueza para o mundo e mostram-nos como se pode viver. Assim à pergunta "quem me ajuda", diria que nos ajudam as grandes figuras da história da Igreja, nos ajuda a Palavra de Deus, nos ajuda a comunidade paroquial, o movimento, o voluntariado, etc. E ajudam-nos as amizades de homens que "vão em frente", que já fizeram progressos no caminho da vida e que podem convencer-me de que caminhar assim é o modo justo. Peçamos ao Senhor para que nos dê sempre amigos, comunidades que nos ajudem a ver o caminho do bem e a encontrar deste modo a vida bela e jubilosa.



Abril de 2010



VIA-SACRA NO COLISEU

Monte Palatino

Sexta-feira Santa, 2 de Abril de 2010




Amados irmãos e irmãs

Em oração, com o ânimo recolhido e comovido, percorremos nesta noite o caminho da Cruz. Subimos com Jesus ao Calvário e meditamos o seu sofrimento, tornando a descobrir como é profundo o amor que Ele teve e tem por nós. Mas, neste momento, não queremos limitar-nos a uma compaixão simplesmente ditada pelo nosso sentimento frágil; queremos antes de tudo sentir-nos participantes do sofrimento de Jesus, queremos acompanhar o nosso mestre compartilhando a sua Paixão na nossa vida, na vida da Igreja, pela vida do mundo; porque sabemos que é justamente na Cruz do Senhor, no amor sem limites que doa totalmente a si mesmo, que está a fonte da graça, da libertação, da paz, da salvação.

Os textos, as meditações e as orações da Via Sacra nos ajudaram a contemplar este mistério da Paixão a fim de aprender a imensa lição de amor que Deus nos deu na Cruz, para que nasça em nós um renovado desejo de converter o nosso coração, vivendo a cada dia no amor, a única força capaz de mudar o mundo.

Nesta noite, contemplamos Jesus com seu rosto cheio de dor, escarnecido, ultrajado, desfigurado pelo pecado do homem; amanhã de noite, o contemplaremos com sua face cheia de alegria, radiante e luminosa. Desde que Jesus desceu ao sepulcro, a tumba e a morte não são mais lugares sem esperança, onde a história se fecha no fracasso mais absoluto, onde o homem toca o limite extremo da sua impotência. A Sexta-feira Santa é o dia da esperança que é maior; aquela que amadureceu na Cruz enquanto Jesus exalava o último suspiro, gritando com grande voz: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Entregando a sua existência “doada” nas mãos do Pai, Ele sabe que a sua morte torna-se fonte de vida, como a semente na terra que deve romper-se para que a planta possa nascer: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto” (Jn 12,24). Jesus é o grão de trigo que cai na terra, despedaça-se, rompe-se, morre e por isso pode produzir fruto. Desde o dia em que Cristo foi alçado, a Cruz, que se apresenta como o sinal do abandono, da solidão, do fracasso, tornou-se um novo começo: da profundidade da morte, eleva-se a promessa da vida eterna. Na Cruz, já brilha o esplendor vitorioso da alvorada do dia de Páscoa.

No silêncio desta noite, no silêncio que envolve o Sábado Santo, tocados pelo amor de Deus sem limites, vivemos à espera da alvorada do terceiro dia, a alvorada da vitória do Amor de Deus, da alvorada da luz que permite aos olhos do coração ver de um modo novo a vida, as dificuldades, o sofrimento. Os nossos fracassos, as nossas desilusões, as nossas amarguras, que pareciam indicar a ruína de tudo, são iluminados pela esperança. O ato de amor da Cruz é confirmado pelo Pai e a luz fulgente da Ressurreição tudo envolve e transforma: da traição pode nascer a amizade; da negação, o perdão; do ódio, o amor.

Concedei-nos, Senhor, carregar com amor a nossa cruz, as nossas cruzes diárias, na certeza de que estas são iluminadas do fulgor da vossa Páscoa. Amém.



PROJEÇÃO DO FILME SOBRE PIO XII "SOTTO IL CIELO DI ROMA"

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Sala dos Suíços do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Sexta-feira, 9 de Abril de 2010


Queridos amigos!

Sinto-me muito feliz por ter assistido à primeira projecção do filme Sotto il cielo di Roma, uma co-produção internacional que apresenta o papel fundamental do Venerável Pio XII na salvação de Roma e de tantos perseguidos, entre 1943 e 1944. Mesmo se de género divulgativo, trata-se de um trabalho que, também à luz dos estudos mais recentes, quer reconstruir aqueles dramáticos acontecimentos e a figura do "Pastor Angelicus". Agradeço ao Senhor Paolo Garimberti, Presidente da RAI, as gentis palavras que me dirigiu. Expresso também um pensamento grato ao Senhor Ettore Bernabei, aos outros Produtores e a quantos colaboraram para realizar o significativo trabalho que acabamos de ver. Saúdo com afecto os Senhores Cardeais, os Prelados e todos os presentes.

Estas obras – idealizadas para o grande público, com os meios mais modernos, e ao mesmo tempo finalizadas a ilustrar personagens ou vicissitudes do século passado – assumem um valor particular sobretudo para as novas gerações. Para quem, na escola, estudou certos acontecimentos, e talvez até ouviu falar deles, filmes como este podem ser úteis e estimulantes e podem ajudar a conhecer um período que não é minimamente distante, mas que as vicissitudes prementes da história recente e uma cultura fragmentada podem fazer esquecer.

Pio xii foi o Pontífice da nossa juventude. Com o seu rico ensinamento soube falar aos homens do seu tempo indicando o caminho da Verdade e com a sua grande sabedoria soube orientar a Igreja para o horizonte do Terceiro Milénio. Contudo, desejo ressaltar particularmente como Pio XII foi o Papa que, como pai de todos, presidiu à caridade em Roma e no mundo, sobretudo no tempo difícil do Segundo Conflito Mundial. Num discurso de 23 de Julho de 1944, logo depois da libertação da Cidade de Roma, agradecia aos Membros do Círculo de São Pedro a colaboração prestada, dizendo "(Vós) ajudais-nos a satisfazer mais amplamente o Nosso desejo de enxugar tantas lágrimas, de aliviar tantos sofrimentos", e indicava como central para cada cristão a exortação de São Paulo aos Colossenses (3, 14-15): "Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade que é o vínculo da perfeição. Resida nos vossos corações a paz de Cristo, para a qual fostes chamados, a fim de formar um só corpo" (Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, p. 87-88).

A primazia da caridade, do amor – que é o mandamento do Senhor Jesus: este é o princípio e a chave de leitura de toda a obra da Igreja, in primis do seu Pastor universal. A caridade é a razão de todas as acções e intervenções. É a razão global que move o pensamento e os gestos concretos, e sinto-me feliz por que também deste filme sobressai este princípio unificador. Permito-me sugerir esta chave de leitura, à luz do testemunho autêntico daquele grande mestre de fé, de esperança e de caridade que foi o Papa Pio XII.

Renovando a todos a expressão do meu reconhecimento, aproveito a ocasião para dirigir os melhores votos pascais, enquanto de coração abençoo a vós aqui presentes, juntamente com os colaboradores e quantos vos são queridos.



AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL

DOS BISPOS DO BRASIL (REGIÃO NORTE-2) EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Quinta-feira, 15 de Abril de 2010



Amados Irmãos no Episcopado

A vossa visita ad Limina tem lugar no clima de louvor e júbilo pascal que envolve a Igreja inteira, adornada com os fulgores da luz de Cristo Ressuscitado. Nele, a humanidade ultrapassou a morte e completou a última etapa do seu crescimento penetrando nos Céus (cf. Ef Ep 2,6). Agora Jesus pode livremente retornar sobre os seus passos e encontrar-Se como, quando e onde quiser com seus irmãos. Em seu nome, apraz-me acolher-vos, devotados pastores da Igreja de Deus peregrina no Regional Norte 2 do Brasil, com a saudação feita pelo Senhor quando se apresentou vivo aos Apóstolos e companheiros: «A paz esteja convosco» (Lc 24,36).

1099 A vossa presença aqui tem um sabor familiar, parecendo reproduzir o final da história dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,33-35): viestes narrar o que se passou no caminho feito com Jesus pelas vossas dioceses disseminadas na imensidão da região amazônica, com as suas paróquias e outras realidades que as compõe como os movimentos e novas comunidades e as comunidades eclesiais de base em comunhão com o seu bispo (cf. Documento de Aparecida, 179). Nada poderia alegrar-me mais do que saber-vos em Cristo e com Cristo, como testemunham os relatórios diocesanos que me enviastes e que vos agradeço. Reconhecido estou de modo particular a Dom Jesus Maria pelas palavras que acaba de me dirigir em nome vosso e do povo de Deus a vós confiado, sublinhando a sua fidelidade e adesão a Pedro. No regresso, assegurai-o da minha gratidão por tais sentimentos e da minha Bênção, acrescentando: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24,34).

Nesta aparição, palavras – se as houve – diluíram-se na surpresa de ver o Mestre redivivo, cuja presença diz tudo: Estive morto, mas agora vivo e vós vivereis por Mim (cf. Ap 1,18). E, por estar vivo e ressuscitado, Cristo pode tornar-Se «pão vivo» (Jn 6,51) para a humanidade. Por isso sinto que o centro e a fonte permanente do ministério petrino estão na Eucaristia, coração da vida cristã, fonte e vértice da missão evangelizadora da Igreja. Podeis assim compreender a preocupação do Sucessor de Pedro por tudo o que possa ofuscar o ponto mais original da fé católica: hoje Jesus Cristo continua vivo e realmente presente na hóstia e no cálice consagrados.

Uma menor atenção que por vezes é prestada ao culto do Santíssimo Sacramento é indício e causa de escurecimento do sentido cristão do mistério, como sucede quando na Santa Missa já não aparece como proeminente e operante Jesus, mas uma comunidade atarefada com muitas coisas em vez de estar recolhida e deixar-se atrair para o Único necessário: o seu Senhor. Ora, a atitude primária e essencial do fiel cristão que participa na celebração litúrgica não é fazer, mas escutar, abrir-se, receber… É óbvio que, neste caso, receber não significa ficar passivo ou desinteressar-se do que lá acontece, mas cooperar – porque tornados capazes de o fazer pela graça de Deus – segundo «a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos» (Const. Sacrosanctum Concilium SC 2). Se na liturgia não emergisse a figura de Cristo, que está no seu princípio e está realmente presente para a tornar válida, já não teríamos a liturgia cristã, toda dependente do Senhor e toda suspensa da sua presença criadora.

Como estão distantes de tudo isto quantos, em nome da inculturação, decaem no sincretismo introduzindo ritos tomados de outras religiões ou particularismos culturais na celebração da Santa Missa (cf. Redemptionis Sacramentum, 79)! O mistério eucarístico é um «dom demasiado grande – escrevia o meu venerável predecessor o Papa João Paulo II – para suportar ambigüidades e reduções», particularmente quando, «despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa» (Enc. Ecclesia de Eucharistia EE 10). Subjacente a várias das motivações aduzidas, está uma mentalidade incapaz de aceitar a possibilidade duma real intervenção divina neste mundo em socorro do homem. Este, porém, «descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias» (Const. Gaudium et spes GS 13). A confissão duma intervenção redentora de Deus para mudar esta situação de alienação e de pecado é vista por quantos partilham a visão deísta como integralista, e o mesmo juízo é feito a propósito de um sinal sacramental que torna presente o sacrifício redentor. Mais aceitável, a seus olhos, seria a celebração de um sinal que corresponda a um vago sentimento de comunidade.

Mas o culto não pode nascer da nossa fantasia; seria um grito na escuridão ou uma simples auto-afirmação. A verdadeira liturgia supõe que Deus responda e nos mostre como podemos adorá-Lo. «A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz» (Exort. ap. Sacramentum caritatis, 14). A Igreja vive desta presença e tem como razão de ser e existir ampliar esta presença ao mundo inteiro.

«Fica conosco, Senhor!» (cf. Lc 24,29): estão rezando os filhos e filhas do Brasil a caminho do XVI Congresso Eucarístico Nacional, daqui a um mês em Brasília, que deste modo verá o jubileu áureo da sua fundação enriquecido com o “ouro” da eternidade presente no tempo: Jesus Eucaristia. Que Ele seja verdadeiramente o coração do Brasil, donde venha a força para todos homens e mulheres brasileiros se reconhecerem e ajudarem como irmãos, como membros do Cristo total. Quem quiser viver, tem onde viver, tem de que viver. Aproxime-se, creia, entre a fazer parte do Corpo de Cristo e será vivificado! Hoje e aqui, tudo isto desejo à esperançosa parcela deste Corpo que é o Regional Norte 2, ao conceder a cada um de vós, extensiva a quantos convosco colaboram e a todos os fiéis cristãos, a Bênção Apostólica.





Discursos Bento XVI 1095