Discursos Bento XVI 1112


VISITA PASTORAL A TURIM


ENCONTRO COM OS JOVENS Praça São Carlos Domingo, 2 de Maio de 2010

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Estimados jovens de Turim
Queridos jovens que vindes
do Piemonte e das Regiões vizinhas!

Sinto-me verdadeiramente feliz por me encontrar convosco, nesta minha visita a Turim, para venerar o santo Sudário. Saúdo todos vós com grande afecto e agradeço-vos o acolhimento e o entusiasmo da vossa fé. Através de vós, saúdo toda a juventude de Turim e das Dioceses do Piemonte, com uma oração especial pelos jovens que vivem situações de sofrimento, de dificuldade e de confusão. Dirijo um pensamento especial e um forte encorajamento a quantos, no meio de vós, estão a percorrer o caminho rumo ao sacerdócio, à vida consagrada, assim como rumo a generosas escolhas de serviço aos últimos. Estou grato ao vosso Pastor, Cardeal Severino Poletto, pelas cordiais expressões que me dirigiu e agradeço aos vossos representantes que me manifestaram os propósitos, as problemáticas e as expectativas da juventude desta cidade e região.

Há vinte e cinco anos, por ocasião do Ano Internacional da Juventude, o venerável e amado João Paulo II dirigiu uma Carta Apostólica aos jovens e às jovens do mundo, centrada no encontro de Jesus com o jovem rico de que nos fala o Evangelho (cf. Carta aos Jovens, 31 de Março de 1985). Precisamente a partir desta página (cf.
Mc 10,17-22 Mt 19,16-22), que foi objecto também na minha Mensagem do corrente ano para a Jornada Mundial da Juventude, gostaria de vos transmitir alguns pensamentos que vos possam ajudar no vosso crescimento espiritual e na vossa missão no interior da Igreja e no mundo.

O jovem do Evangelho sabemo-lo pergunta a Jesus: "Que devo fazer para alcançar a vida eterna?". Hoje, não é fácil falar de vida eterna e de realidades eternas, porque a mentalidade do nosso tempo nos diz que nada existe de definitivo: tudo muda e muito rapidamente. "Mudar" tornou-se, em muitos casos, a palavra de ordem, o exercício mais exaltante da liberdade, e deste modo também vós jovens sois levados muitas vezes a pensar que seja impossível realizar opções definitivas, que comprometam para a vida inteira. Mas este é o modo correcto de utilizar a liberdade? É realmente verdade que para sermos felizes temos que contentar-nos com alegrias momentâneas, pequenas e fugazes que, quando terminam, deixam a amargura no coração? Caros jovens, não é esta a verdadeira liberdade, a felicidade não se alcança assim. Cada um de nós é criado não para realizar certas opções provisórias e revogáveis, mas escolhas definitivas e irrevogáveis, que dão sentido pleno à existência. Vemos isto na nossa vida: cada experiência bonita, que nos enche de felicidade, gostaríamos que nunca mais terminasse. Deus criou-nos em vista do "para sempre", colocou no coração de cada um de nós a semente para uma vida que realize algo de bonito e de grande. Tende a coragem das escolhas definitivas e vivei-as com fidelidade! O Senhor poderá chamar-vos ao matrimónio, ao sacerdócio, à vida consagrada, a um dom particular de vós mesmos: respondei-lhe com generosidade!

No diálogo com o jovem que possuía muitos bens, Jesus indica qual é a riqueza maior e mais importante da vida: o amor. Amar a Deus e amar aos outros com todo o nosso ser. A palavra amar – sabemo-lo – presta-se a várias interpretações e tem diversos significados: temos necessidade de um Mestre, Cristo, que nos indique o seu sentido mais autêntico e profundo, que nos oriente para a fonte do amor e da vida. Amor é o nome próprio de Deus. O Apóstolo João no-lo recorda: "Deus é amor", e acrescenta que "não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e nos mandou o seu Filho". E "se Deus nos amou deste modo, também nós devemos amar-nos uns aos outros" (1Jn 4,8 1Jn 4,10-11). No encontro com Cristo e no amor recíproco experimentamos em nós a própria vida de Deus, que permanece em nós com o seu amor perfeito, total e eterno (cf. 1Jn 4,12). Portanto, não existe nada maior para o homem, um ser mortal e limitado, do que participar na vida de amor de Deus. Hoje vivemos num contexto cultural que não favorece relacionamentos humanos profundos e abnegados mas, ao contrário, induz com frequência a fechar-se em si mesmo, ao individualismo, a deixar prevalecer o egoísmo que existe no homem. Mas o coração de um jovem é por natureza sensível ao amor verdadeiro. Por isso, dirijo-me com grande confiança a cada um de vós e digo-vos: não é fácil fazer da vossa vida algo de bonito e de grande, é algo exigente, mas com Cristo tudo é possível!

No olhar de Jesus – como diz o Evangelho – que olha com amor para o jovem, sentimos todo o desejo que Deus tem de permanecer connosco, de estar próximo de nós; existe um desejo de Deus, do nosso sim, do nosso amor. Sim, dilectos jovens, Jesus quer ser vosso amigo, vosso irmão na vida, o Mestre que vos indica o caminho a percorrer para alcançar a felicidade. Ele ama-vos por aquilo que sois, na vossa fragilidade e debilidade, para que, tocados pelo seu amor, possais ser transformados. Vivei este encontro com o amor de Cristo numa relação forte com Ele; vivei-o na Igreja, principalmente nos Sacramentos. Vivei-o na Eucaristia, em que se torna presente o seu Sacrifício: Ele realmente doa o seu Corpo e o seu Sangue por nós, para redimir os pecados da humanidade, para que nos tornemos um só com Ele, para que aprendamos também nós a lógica do doar-se. Vivei-o na Confissão onde, oferecendo-nos o seu perdão, Jesus acolhe-nos com todos os nossos limites para nos dar um coração novo, capaz de amar como Ele. Aprendei a ter familiaridade com a palavra de Deus, a meditá-la, de maneira especial na lectio divina, a leitura espiritual da Bíblia. Finalmente, sabei encontrar o amor de Cristo no testemunho de caridade da Igreja. Turim oferece-vos, na sua história, exemplos maravilhosos: segui-os, vivendo concretamente a gratuidade do serviço. Tudo, na comunidade eclesial, deve ser finalizado para fazer com que os homens sintam concretamente a caridade infinita de Deus.

Estimados amigos, o amor de Cristo pelo jovem do Evangelho é o mesmo que Ele tem por cada um de vós. Não é um amor confinado no passado, não é uma ilusão e não é reservado a poucos. Vós encontrareis este amor e experimentareis toda a sua fecundidade, se procurardes o Senhor com sinceridade e se viverdes com empenhamento a vossa participação na vida da comunidade cristã. Cada um se sinta "parte viva" da Igreja, comprometido na obra de evangelização, sem medo, num espírito de harmonia sincera com os irmãos na fé e em comunhão com os Pastores, saindo de uma tendência individualista também na vivência da fé, para respirar a plenos pulmões a beleza de fazer parte do grande mosaico da Igreja de Cristo.

Nesta tarde não posso deixar de vos indicar como modelo um jovem da vossa Cidade: o Beato Piergiorgio Frassati, cujo vigésimo aniversário de beatificação se celebra este ano. A sua existência foi inteiramente envolvida pela graça e pelo amor de Deus e foi consumida, com serenidade e alegria, no serviço apaixonado a Cristo e aos irmãos. Jovem como vós, viveu com grande dedicação a sua formação cristã e deu o seu testemunho de fé, simples e eficaz. Um jovem fascinado pela beleza do Evangelho das Bem-Aventuranças, que experimentou toda a alegria de ser amigo de Cristo, de O seguir, de se sentir de forma viva parte da Igreja. Prezados jovens, tende a coragem de escolher aquilo que é essencial na vida! "Viver e não simplesmente ir vivendo", repetia o Beato Piergiorgio Frassati. Como Ele, descobri que vale a pena comprometer-se por Deus e com Deus, responder à sua chamada nas escolhas fundamentais e nas opções quotidianas, mesmo quando custa!

O percurso espiritual do Beato Piergiorgio Frassati recorda que o caminho dos discípulos de Cristo exige a coragem de sair de si mesmo, para seguir a estrada do Evangelho. Vós viveis nas paróquias e nas outras realidades eclesiais este caminho exigente do espírito; vivei-lo também na peregrinação das Jornadas Mundiais da Juventude, encontro sempre esperado. Sei que estais a preparar-vos para o próximo grande encontro, programado em Madrid em Agosto de 2011. Faço votos de coração a fim de que este acontecimento extraordinário, no qual espero que possais participar em grande número, contribua para fazer crescer em cada um o entusiasmo e a fidelidade no seguimento de Cristo e no acolhimento jubiloso da sua mensagem, fonte de vida nova.

Jovens de Turim e do Piemonte, sede testemunhas de Cristo neste nosso tempo! O santo Sudário seja para vós de maneira totalmente particular um convite a imprimir no vosso espírito o rosto do amor de Deus, para serdes vós mesmos, nos vossos ambientes, com os vossos coetâneos, uma expressão credível do rosto de Cristo. Maria, que venerais nos vossos Santuários marianos, e São João Bosco, Padroeiro da juventude, vos ajudem a seguir Cristo, sem jamais vos cansardes. E vos acompanhem sempre a minha oração e a minha Bênção, que vos concedo com grande carinho.

Obrigado pela vossa atenção!


VENERAÇÃO DO SANTO SUDÁRIO - MEDITAÇÃO Domingo, 2 de Maio de 2010

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Queridos amigos!

Para mim, este é um momento muito esperado. Estive diante do Santo Sudário noutras ocasiões, mas desta vez vivo esta peregrinação e esta reflexão com intensidade particular: talvez porque o passar dos anos me torna ainda mais sensível à mensagem deste extraordinário Ícone; talvez, diria sobretudo, porque estou aqui como Sucessor de Pedro e trago no meu coração toda a Igreja, aliás, toda a humanidade. Dou graças a Deus pelo dom desta peregrinação e também pela oportunidade de partilhar convosco uma breve meditação, que me foi sugerida pelo subtítulo desta solene Ostensão: "O mistério do Sábado Santo".

Pode-se dizer que o Sudário é o Ícone deste mistério, o Ícone do Sábado Santo. De facto, é um lençol sepulcral, que envolveu o corpo de um homem crucificado totalmente correspondente a quanto os Evangelhos nos dizem de Jesus, o qual, crucificado por volta do meio-dia, expirou aproximadamente às três da tarde. Ao anoitecer, porque era Parasceve, isto é a vigília do sábado solene de Páscoa, José de Arimateia, um rico e competente membro do Sinédrio, pediu corajosamente a Pôncio Pilatos para poder sepultar Jesus no seu sepulcro novo, que tinha sido escavado na rocha a pouca distância do Gólgota. Ao obter a autorização, comprou um lençol e, deposto o corpo de Jesus da cruz, envolveu-o com o lençol e colocou-o naquele túmulo (cf.
Mc 15,42-46). Assim refere o Evangelho de Marcos, e com ele concordam os outros Evangelistas. A partir daquele momento, Jesus permeneceu no sepulcro até ao alvorecer do dia seguinte que era sábado, e o Sudário de Turim oferece-nos a imagem de como era o seu corpo estendido no túmulo durante aquele tempo, que foi breve cronologicamente (cerca de um dia e meio), mas imenso, infinito no seu valor e significado.

O Sábado Santo é o dia do escondimento de Deus, como se lê numa antiga Homilia: "O que aconteceu? Hoje sobre a terra há um grande silêncio, grande silêncio e solidão. Grande silêncio porque o Rei dorme... Deus morreu na carne e desceu para abalar o reino dos infernos" (Homilia sobre o Sábado Santo, PG 43,439). No Credo, nós professamos que Jesus Cristo "padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia".

Queridos irmãos, no nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu: "Deus está morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos. Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior: a escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida, de modo particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por esta escuridão.

E, no entanto, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no facto de que o Santo Sudário se comporta como um documento "fotográfico", dotado de um "positivo" e de um "negativo". Com efeito, é exactamente assim: o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém" entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem: "Passio Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical.

Naquele "tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto alguma: "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exactamente isto no Sábado Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o impensável: ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos": também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão nunca estaremos sozinhos: "Passio Christi. Passio hominis".

Este é o mistério do Sábado Santo! Exactamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição. E eis que, parece-me, olhando para este Santo Lençol com os olhos da fé se perceba algo desta luz. Com efeito, o Sudário foi imerso naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é luminoso; e eu penso que se milhões e milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem contar quantos o contemplam através das imagens – é porque nele não vêem só a escuridão, mas também a luz; não tanto a derrota da vida e do amor, mas ao contrário, a vitória, a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio; vêem a morte de Jesus mas entrevêem a sua Ressurreição; agora a vida pulsa no seio da morte, porque lá inabita o amor. Este é o poder do Sudário: do rosto deste "Homem do sofrimento", que traz em si a paixão do homem de todos os tempos e lugares, também as nossas paixões, os nossos sofrimentos, as nossas dificuldades, os nossos pecados – "Passio Christi. Passio hominis" – promana uma solene majestade, um senhorio paradoxal. Este rosto, estas mãos e estes pés, este lado, todo este corpo fala, ele próprio é uma palavra que podemos escutar no silêncio. De que modo fala o Sudário? Fala com o sangue, e o sangue é a vida! O Sudário é um Ícone escrito com o sangue; sangue de um homem flagelado, coroado de espinhos, crucificado e ferido no lado direito. A imagem impressa no Sudário é a de um morto, mas o sangue fala da sua vida. Cada traço de sangue fala de amor e de vida. Especialmente a mancha abundante próxima do lado, feita de sangue e água derramados abundantemente de uma grande ferida causada por um golpe de lança romana, aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma fonte que murmura no silêncio, e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silêncio do Sábado Santo.

Queridos amigos, louvemos sempre o Senhor pelo seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor e louvemos a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade. Obrigado.



ENCONTRO COM OS DOENTES Igreja da Pequena Casa da Divina Providência-Cottolengo Domingo, 2 de Maio de 2010

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Senhor Cardeal
Amados irmãos e irmãs!

Desejo expressar a todos vós a minha alegria e reconhecimento ao Senhor que me trouxe até vós, neste lugar, onde de tantas formas e segundo um carisma particular se manifestam a caridade e a providência do Pai celeste. O nosso é um encontro que se enquadra muito bem na minha peregrinação ao Santo Sudário, no qual podemos ler todo o drama do sofrimento, mas também, à luz da Ressurreição de Cristo, o pleno significado que ele assume para a redenção do mundo. Agradeço a Pe. Aldo Sarotto as significativas palavras que me dirigiu: através dele o meu obrigado abrange quantos trabalham neste lugar, a Pequena Casa da Divina Providência, como a quis chamar São José Bento Cottolengo. Saúdo com reconhecimento as três famílias religiosas que nasceram do coração de Cottolengo e da "fantasia" do Espírito Santo. Obrigado a todos vós, queridos doentes, que sois o tesouro precioso desta casa e desta Obra.

Como talvez sabeis, durante a Audiência geral de quarta-feira passada, juntamente com a figura de São Leonardo Murialdo, apresentei também o carisma e a obra do vosso Fundador. Sim, ele foi um verdadeiro campeão da caridade, cujas iniciativas, como árvores frondosas, estão diante dos nossos olhos e sob o olhar do mundo. Relendo os testemunhos da época, vemos que não foi fácil para Cottolengo iniciar o seu empreendimento. As numerosas actividades de assistência presentes no território a favor dos mais necessitados não eram suficientes para curar a chaga da pobreza, que afligia a cidade de Turim. Cottolengo procurou dar uma resposta a esta situação, acolhendo as pessoas em dificuldade e privilegiando as que não eram recebidas e curadas por outros. O primeiro núcleo da Casa da Divina Providência não teve vida fácil e não durou muito tempo. Em 1832, no bairro de Valdocco, surgiu uma nova estrutura, ajudada também por algumas famílias religiosas.

Cottolengo, mesmo atravessando na sua vida momentos dramáticos, manteve sempre uma serena confiança diante dos acontecimentos; atento a captar os sinais da paternidade de Deus, reconheceu, em todas as situações, a sua presença e a sua misericórdia e, nos pobres, a imagem mais amável da sua grandeza. Guiava-o uma convicção profunda: "Os pobres são Jesus dizia não são uma sua imagem. São Jesus em pessoa e como tal é preciso servi-los. Todos os pobres são os nossos donos, mas estes que à vista material são tão repugnantes são os nossos senhores, são as nossas verdadeiras gemas. Se não os tratarmos bem, afastam-nos da Pequena Casa. Eles são Jesus". São José Bento Cottolengo sentiu que devia comprometer-se por Deus e pelo homem, movido no fundo do coração pela palavra do apóstolo Paulo: A caridade de Cristo nos constrange (cf.
2Co 5,14). Ele quer traduzi-la em total dedicação ao serviço dos mais pequeninos e esquecidos. Princípio fundamental da sua obra foi, desde o início, praticar para com todos a caridade cristã, que lhe permitia reconhecer em cada homem, até o que estava à margem da sociedade, uma grande dignidade. Ele tinha compreendido que quem é atingido pelo sofrimento e pela rejeição tende a fechar-se e isolar-se e a não ter confiança na própria vida. Por isso ocupar-se de tantos sofrimentos humanos significava, para o nosso Santo, criar relações de proximidade afectiva, familiar e espontânea, dando vida a estruturas que pudessem favorecer esta proximidade, com aquele estilo de família que continua ainda hoje.

Recuperação da dignidade pessoal por São José Bento Cottolengo significava restabelecer e valorizar o que é humano: desde as necessidades fundamentais psicossociais às morais e espirituais, da reabilitação das funções físicas à busca de um sentido para a vida, levando a pessoa a sentir-se ainda parte viva da comunidade eclesial e do tecido social. Estamos gratos a este grande apóstolo da caridade porque, visitando estes lugares e encontrando o sofrimento quotidiano nos rostos e nos membros de tantos irmãos nossos acolhidos aqui como se estivessem na própria casa, nós fazemos experiência do valor e do significado mais profundo do sofrimento e da dor.

Queridos doentes, vós desempenhais uma obra importante: vivendo os vossos sofrimentos em união com Cristo crucificado e ressuscitado, participais no mistério do seu sofrimento para a salvação do mundo. Oferecendo o nosso sofrimento a Deus por meio de Cristo, nós podemos colaborar na vitória do bem sobre o mal, porque Deus torna fecunda a nossa oferta, o nosso acto de amor. Amados irmãos e irmãs, todos vós que estais aqui, cada um pela própria parte: não vos sintais alheios ao destino do mundo, mas senti-vos peças preciosas de um lindíssimo mosaico que Deus, como grande artista, vai formando dia após dia também através da vossa contribuição. Cristo, que morreu na Cruz para nos salvar, deixou-se pregar para que daquele madeiro, daquele sinal de morte, pudesse florescer a vida em todo o seu esplendor. Esta Casa é um dos frutos maduros nascidos da Cruz e da Ressurreição de Cristo, e manifesta que o sofrimento, o mal, a morte não têm a última palavra, porque da morte e do sofrimento a vida pode ressurgir. Testemunhou isto de modo exemplar um de vós, que desejo recordar: o Venerável frei Luigi Bordino, maravilhosa figura de religioso enfermeiro.

Então, neste lugar compreendemos melhor que, se a paixão do homem foi assumida por Cristo na sua Paixão, nada será perdido. A mensagem desta solene Ostensão do Santo Sudário: "Passio Christi – Passio hominis", compreende-se aqui de modo particular. Rezemos ao Senhor crucificado e ressuscitado para que ilumine a nossa peregrinação quotidiana com a luz do seu Rosto; ilumine a nossa vida, o presente e o futuro, a dor e a alegria, as canseiras e as esperanças da humanidade inteira. A todos vós, queridos irmãos e irmãs, invocando a intercessão de Maria Virgem e de São José Bento Cottolengo, concedo de coração a minha Bênção: vos conforte e fortaleça nas provações e vos obtenha todas as graças que vêm de Deus, autor e dador de todos os dons perfeitos. Obrigado!





AOS NOVOS RECRUTAS DA GUARDA SUÍÇA PONTIFÍCIA NA SOLENE CERIMÓNIA DE JURAMENTO Sala Clementina

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Sexta-feira, 7 de Maio de 2010




Caríssimo senhor Comandante
Reverendo Capelão
Prezados Guardas
Estimados familiares!

É com alegria que apresento a todos vós as boas-vindas e a saudação, de modo particular aos novos recrutas, aqui congregados juntamente com os seus parentes e amigos.

Podeis justamente sentir-vos orgulhosos do facto de que graças ao juramento que prestastes, começastes a fazer parte de um Corpo de Guarda que tem uma longa história. Acabastes de vestir o famoso uniforme, apresentais-vos a todos como Guardas suíços, as pessoas reconhecem-vos e prestam atenção a vós. Doravante, beneficiareis da competência secular e de todos os instrumentos à disposição para o cumprimento da vossa tarefa. Aquilo que hoje vos é transmitido torna-vos guardiães de uma tradição e portadores de um conhecimento prático que vos foi confiado. Vós tendes a tarefa de lhes dar continuidade e de os valorizar. É assim que se medirá a vossa responsabilidade, e isto chama-vos a um dom extraordinário de vós mesmos. O Sucessor de Pedro vê em vós um verdadeiro apoio e confia-se à vossa vigilância. Faço votos sinceros a fim de que, através deste serviço de guarda, transmitais a herança recebida dos vossos predecessores e amadureçais como homens e como cristãos.

Ao entrardes na Guarda Suíça Pontifícia, sois de modo indirecto mas real associados ao serviço de Pedro na Igreja. A partir de hoje, na vossa meditação da Palavra de Deus, convido-vos a prestar muita atenção ao Apóstolo Pedro quando ele, depois da Ressurreição de Cristo, se empenha a cumprir a missão que o Senhor lhe confiou. Estas passagens da Escritura elucidarão o sentido do vosso nobre compromisso, e isto de maneira particular nas possíveis horas de prostração ou de cansaço. No livro dos Actos dos Apóstolos, lemos que Pedro percorria toda a Judeia para visitar os fiéis (cf.
Ac 9,32). O primeiro dos Apóstolos manifesta, deste modo, concretamente a sua solicitude por todos. O Papa deseja reservar a mesma atenção a todas as Igrejas e a cada fiel, do mesmo modo como a todos os homens que esperam algo da Igreja. No Sucessor de Pedro, a caridade que anima a vossa alma é estimulada a tornar-se universal. As dimensões do vosso coração são chamadas a ampliar-se. O vosso serviço impelir-vos-á a descobrir na face de cada homem e cada mulher um peregrino que, ao longo do caminho, espera encontrar outro rosto através do qual lhe seja transmitido um sinal vivo do Senhor, Mestre de toda a vida e de todas as graças.

Sabemos que tudo aquilo que levamos a cabo em Nome de Jesus, por mais humilde que seja, nos transforma e configura um pouco mais ao homem novo regenerado em Cristo. Assim, o vosso serviço a favor do ministério petrino conferir-vos-á um sentido mais vivo da catolicidade, juntamente com uma percepção mais profunda da dignidade do homem que passa perto de vós e que procura no íntimo de si mesmo o caminho da vida eterna. Vivida com consciência profissional e com sentido sobrenatural, a vossa tarefa preparar-vos-á inclusive para os compromissos futuros pessoais e públicos que vós haveis de assumir quando deixardes o serviço, permitindo-vos enfrentá-los como verdadeiros discípulos do Senhor.

Invocando a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e dos vossos santos Padroeiros Sebastião, Martinho e Nicolau de Flüe, concedo de coração uma carinhosa Bênção Apostólica a todos vós, às vossas famílias, aos amigos e a todas as pessoas e a todas as pessoas que vieram circundar-vos no momento do vosso juramento.



VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL

NO 10º ANIVERSÁRIO DA BEATIFICAÇÃO DE JACINTA E FRANCISCO, PASTORINHOS DE FÁTIMA

(11-14 DE MAIO DE 2010)


ENCONTRO COM OS JORNALISTAS DURANTE O VOO PARA PORTUGAL Terça-feira, 11 de Maio de 2010

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Padre Lombardi: Santidade, quais preocupações e sentimentos que leva consigo em relação à situação da Igreja em Portugal? O que se pode dizer a Portugal, profundamente católico no passado e que levou a fé pelo mundo, mas que hoje está em vias de uma profunda secularização, tanto na vida quotidiana, como no âmbito jurídico e cultural? Como anunciar a fé num contexto indiferente e hostil à Igreja?

Santo Padre: Antes de tudo, bom dia a todos e esperemos uma boa viagem, apesar da famosa nuvem sob a qual estamos passando. Quanto a Portugal, experimento, sobretudo, sentimentos de alegria, de gratidão, por tudo quanto fez e faz este país no mundo e na história, e pela profunda humanidade deste povo, que pude conhecer numa visita e com tantos amigos portugueses. Diria que é verdade, muito verdadeiro, que Portugal foi uma grande força da fé católica; levou esta fé a todas as partes do mundo; uma fé corajosa, inteligente e criativa. Soube criar uma grande cultura, o vemos no Brasil, no próprio Portugal, assim como na presença do espírito português na África ou na Ásia. Por outro lado, a presença do secularismo não é uma coisa totalmente nova. A dialética entre secularismo e fé tem uma longa história em Portugal. Já no século XVIII há uma forte presença do Iluminismo, basta pensar no nome Pombal. Assim, vemos que Portugal viveu sempre, nesses séculos, na dialética que, naturalmente hoje, se radicalizou e se mostra com todos os sinais do espírito europeu de hoje. E, este me parece um desafio e uma grande possibilidade. Nesses séculos de dialética entre Iluminismo, secularismo e fé, nunca faltaram pessoas que quiseram estabelecer pontes e criar um diálogo, ainda que, infelizmente, a tendência dominante foi a da contraposição e da exclusão de um e de outro. Hoje vemos que justamente esta dialética é uma chance; que devemos encontrar uma síntese e um diálogo profundo e de vanguarda. Na situação multicultural na qual estamos todos, vê-se que uma cultura européia que fosse unicamente racionalista não possuiria a dimensão religiosa transcendente; não seria capaz de entrar em diálogo com as grandes culturas da humanidade, que possuem, todas elas, esta dimensão religiosa transcendente, que é uma dimensão do ser humano. Portanto, pensar que existiria uma razão pura, anti-histórica, só existente em si mesma, e que esta seria “a” razão, é um erro; descobrimos cada vez mais que esta toca somente uma parte do homem, expressa uma certa situação histórica, mas não é a razão como tal. A razão, como tal, está aberta à transcendência e só no encontro entre a realidade transcendente, a fé e a razão que o homem encontra-se a si mesmo. Assim, penso que a tarefa e a missão da Europa nesta situação é justamente encontrar este diálogo, integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna, desse modo, também comunicáveis as culturas humanas. Por isso, diria que a presença do secularismo é algo normal, mas a separação, a contraposição, entre secularismo e cultura da fé é anômala e deve ser superada. O grande desafio deste momento é que ambos se encontrem e, desse modo, achem a sua verdadeira identidade. Como eu disse, esta é uma missão da Europa e uma necessidade humana nesta nossa história.

Padre Lombardi: Obrigado, Santidade e continuemos então no tema da Europa. A crise econômica se agravou recentemente na Europa e afeta particularmente também a Portugal. Alguns líderes europeus pensam que o futuro da União Européia esteja em risco. Quais as lições se podem aprender desta crise, também no campo ético e moral? Quais são as chaves para consolidar a unidade e a cooperação dos países europeus no futuro?

Santo Padre: Diria que justamente esta crise econômica, com sua componente moral, que ninguém pode deixar de ver, seja um caso de aplicação, de concretização, daquilo que tinha dito antes, ou seja, que duas correntes culturais separadas devem encontrar-se; caso contrário, não encontraremos a estrada para o futuro. Vemos aqui também um falso dualismo, ou seja, um positivismo econômico que julga poder funcionar sem a componente ética; um mercado que seria regulado somente por si mesmo, pelas meras forças econômicas, pela racionalidade positivista e pragmatista da economia. A ética seria uma coisa diferente, estranha a tudo isto. Na realidade, agora vemos que o puro pragmatismo econômico, que prescinde da realidade do homem – que é um ser ético - não termina positivamente, mas cria problemas insolúveis. Por isso, agora é o momento de ver que a ética não é uma coisa externa, mas interna à racionalidade e ao pragmatismo econômico. Por outro lado, devemos também confessar que a fé católica, cristã, freqüentemente era muito individualista; deixava as coisas concretas, econômicas, ao mundo, e pensava somente na salvação individual, aos atos religiosos, sem ver que estes implicam uma responsabilidade global, uma responsabilidade pelo mundo. Assim sendo, também aqui devemos entrar num diálogo concreto. Na minha encíclica Caritas in veritate – e toda a tradição da Doutrina social da Igreja vai por este lado – procurei ampliar o aspecto ético da fé para além do indivíduo, para a responsabilidade frente ao mundo, para uma racionalidade “performada” pela ética. Por outro lado, os últimos acontecimentos no mercado, nestes últimos dois ou três anos, mostraram que a dimensão ética é interna e deve entrar no interior do agir econômico, porque o homem é uno; e trata-se do homem, de uma antropologia sã, que implica tudo e, só assim, resolve-se o problema; só assim a Europa desenvolve e cumpre a sua missão.

Padre Lombardi: Obrigado. Passemos agora à Fátima, onde será, em certo ponto, o cume – também espiritual – desta viagem. Santidade, qual o significado que as aparições de Fátima têm para nós hoje? Quando o senhor apresentou o texto do terceiro segredo de Fátima na Sala de Imprensa Vaticana, em junho do ano 2000, estávamos muitos de nós e outros colegas de então, e foi-lhe perguntado se a mensagem podia estender-se, para além do atentado a João Paulo II, também para outros sofrimentos dos Papas. Segundo o senhor, é possível enquadrar igualmente naquela visão o sofrimento da Igreja de hoje, pelos pecados de abusos sexuais contra os menores?

Santo Padre: Antes de tudo, gostaria de expressar a minha alegria de ir a Fátima, de rezar diante de Nossa Senhora de Fátima, que para nós é um sinal da presença da fé; que justamente dos pequenos nasce uma nova força da fé, que não se reduz aos pequenos, mas que tem uma mensagem para todo o mundo e toca a história precisamente no seu presente e ilumina esta história. No ano 2000, na apresentação, disse que uma aparição, ou seja, um impulso sobrenatural, não vem somente da imaginação da pessoa, mas na realidade da Virgem Maria, do sobrenatural; que um impulso deste tipo entra num sujeito e se expressa segundo as possibilidades do sujeito. O sujeito é determinado pelas suas condições históricas, pessoais, temperamentais e, portanto, traduz o grande impulso sobrenatural segundo as suas possibilidades de ver, de imaginar, de expressar; mas nestas expressões, articuladas pelo sujeito, esconde-se um conteúdo que vai além, mais profundo, e somente no curso da história podemos ver toda a sua profundidade, que estava – digamos – “vestida” nesta visão possível à pessoa concreta. Deste modo, diria também aqui que, além desta grande visão do sofrimento do Papa, que podemos referir ao Papa João Paulo II em primeira instância, indicam-se realidades do futuro da Igreja que se desenvolvem e se mostram paulatinamente. Por isso, é verdade que além do momento indicado na visão, fala-se, vê-se, a necessidade de uma paixão da Igreja, que naturalmente se reflete na pessoa do Papa; mas o Papa está para a Igreja e, assim, são sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor nos disse que a Igreja seria sempre sofredora, de diversos modos, até o fim do mundo. O importante é que a mensagem, a resposta de Fátima, não vai substancialmente na direção de devoções particulares, mas precisamente na resposta fundamental, ou seja, a conversão permanente, a penitência, a oração, e as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Deste modo, vemos que a resposta verdadeira e fundamental que a Igreja deve dar, que nós, cada pessoa, devemos dar nesta situação. A novidade que podemos descobrir hoje, nesta mensagem, reside também no fato que os ataques ao Papa e à Igreja vêm não só de fora, mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Também isso sempre foi sabido, mas hoje o vemos de um modo realmente terrificante: que a maior perseguição da Igreja não vem de inimigos externos, mas nasce do pecado na Igreja, e que a Igreja, portanto, tem uma profunda necessidade de re-aprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade de justiça. O perdão não substitui a justiça. Em uma palavra, devemos re-aprender precisamente estas coisas essenciais: a conversão, a oração, a penitência e as virtudes teologais. Assim respondemos que somos realistas ao esperar que o mal ataca sempre; ataca do interior e do exterior, mas que também as forças do bem estão presentes e que, no final, o Senhor é mais forte do que o mal, e Nossa Senhora é para nós a garantia visível, materna, da bondade de Deus, que é sempre a última palavra na história.

Padre Lombardi: Obrigado, Santidade, pela clareza, pela profundidade das suas respostas e por esta palavra conclusiva de esperança que nos ofereceu. Nos lhe desejamos sinceramente que esta viagem tão intensa possa transcorrer serenamente e que possa vivê-la também com toda a alegria e profundidade espiritual que o encontro com o mistério de Fátima nos inspira. Boa viagem para o senhor e nós procuraremos de fazer bem o nosso serviço e de difundir objetivamente aquilo que o senhor fará.



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