Discursos Bento XVI 990

AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DOS BISPOS DO BRASIL DOS REGIONAIS NORDESTE 1 E 4 EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sala do Consistório

Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Sexta-feira, 25 de Setembro de 2009




Caríssimos Irmãos no Episcopado

Sede bem-vindos! Com grande satisfação acolho-vos nesta casa e de todo coração desejo que a vossa visita ad Limina proporcione o conforto e o encorajamento que esperais. Agradeço a amável saudação que acabais de dirigir-me pela boca de Dom José, Arcebispo de Fortaleza, testemunhando os sentimentos de afeto e comunhão que unem vossas Igrejas particulares à Sé de Roma e a determinação com que abraçastes o urgente compromisso da missão para reacender a luz e a graça de Cristo nas sendas da vida do vosso povo.

Queria falar-vos hoje da primeira dessas sendas: a família assentada no matrimônio, como «aliança conjugal na qual o homem e a mulher se dão e se recebem» (cf. Gaudium et spes GS 48). Instituição natural confirmada pela lei divina, está ordenada ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, que constitui a sua coroa (cf. ibid., 48). Pondo em questão tudo isto, há forças e vozes na sociedade atual que parecem apostadas em demolir o berço natural da vida humana. Os vossos relatórios e os nossos colóquios individuais tocavam repetidamente esta situação de assédio à família, com a vida saindo derrotada em numerosas batalhas; porém é alentador perceber que, apesar de todas as influências negativas, o povo de vossos Regionais Nordeste 1 e 4, sustentado por sua característica piedade religiosa e por um profundo sentido de solidariedade fraterna, continua aberto ao Evangelho da Vida.

991 Sabendo nós que somente de Deus pode provir aquela imagem e semelhança que é própria do ser humano (cf. Gen Gn 1,27), tal como aconteceu na criação – a geração é a continuação da criação –, convosco e vossos fiéis «dobro os joelhos diante do Pai, de quem recebe o nome toda paternidade no céu e na terra, que por sua graça, segundo a riqueza da sua glória, sejais robustecidos por meio do seu Espírito, quanto ao homem interior» (Ep 3,14-16). Que em cada lar o pai e a mãe, intimamente robustecidos pela força do Espírito Santo, continuem unidos a ser a bênção de Deus na própria família, buscando a eternidade do seu amor nas fontes da graça confiadas à Igreja, que é «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Lumen gentium LG 4).

Mas, enquanto a Igreja compara a família humana com a vida da Santíssima Trindade – primeira unidade de vida na pluralidade das pessoas – e não se cansa de ensinar que a família tem o seu fundamento no matrimônio e no plano de Deus, a consciência difusa no mundo secularizado vive na incerteza mais profunda a tal respeito, especialmente desde que as sociedades ocidentais legalizaram o divórcio. O único fundamento reconhecido parece ser o sentimento ou a subjetividade individual que exprime-se na vontade de conviver. Nesta situação, diminui o número de matrimônios, porque ninguém compromete a vida sobre uma premissa tão frágil e inconstante, crescem as uniões de fato e aumentam os divórcios. Sobre esta fragilidade, consuma-se o drama de tantas crianças privadas de apoio dos pais, vítimas do mal-estar e do abandono e expande-se a desordem social.

A Igreja não pode ficar indiferente diante da separação dos cônjuges e do divórcio, diante da ruína dos lares e das conseqüências criadas pelo divórcio nos filhos. Estes, para ser instruídos e educados, precisam de referências extremamente precisas e concretas, isto é, de pais determinados e certos que de modo diverso concorrem para a sua educação. Ora é este princípio que a prática do divórcio está minando e comprometendo com a chamada família alargada e móvel, que multiplica os «pais» e as «mães» e faz com que hoje a maioria dos que se sentem «órfãos» não sejam filhos sem pais, mas filhos que os têm em excesso. Esta situação, com as inevitáveis interferências e cruzamento de relações, não pode deixar de gerar conflitos e confusões internas contribuindo para criar e gravar nos filhos uma tipologia alterada de família, assimilável de algum modo à própria convivência por causa da sua precariedade.

É firme convicção da Igreja que os problemas atuais, que encontram os casais e debilitam a sua união, têm a sua verdadeira solução num regresso à solidez da família cristã, lugar de confiança mútua, de dom recíproco, de respeito da liberdade e de educação para a vida social. É importante recordar que, «pela sua própria natureza, o amor dos esposos exige a unidade e a indissolubilidade da sua comunidade de pessoas, a qual engloba toda a sua vida» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1644). De fato, Jesus disse claramente: «O que Deus uniu, o homem não separe» (Mc 10,9), e acrescenta: «Quem despede a sua mulher e se casa com outra, comete adultério contra a primeira. E se uma mulher despede o seu marido e se casa com outro, comete adultério também» (Mc 10,11-12). Com toda a compreensão que a Igreja possa sentir face a tais situações, não existem casais de segunda união, como os há de primeira; aquela é uma situação irregular e perigosa, que é necessário resolver, na fidelidade a Cristo, encontrando com a ajuda de um sacerdote um caminho possível para pôr a salvo quantos nela estão implicados.

Para ajudar as famílias, vos exorto a propor-lhes, com convicção, as virtudes da Sagrada Família: a oração, pedra angular de todo lar fiel à sua própria identidade e missão; a laboriosidade, eixo de todo matrimônio maduro e responsável; o silêncio, cimento de toda a atividade livre e eficaz. Desse modo, encorajo os vossos sacerdotes e os centros pastorais das vossas dioceses a acompanhar as famílias, para que não sejam iludidas e seduzidas por certos estilos de vida relativistas, que as produções cinematográficas e televisivas e outros meios de informação promovem. Tenho confiança no testemunho daqueles lares que tiram as suas energias do sacramento do matrimônio; com elas torna-se possível superar a prova que sobrevém, saber perdoar uma ofensa, acolher um filho que sofre, iluminar a vida do outro, mesmo fraco ou diminuído, mediante a beleza do amor. É a partir de tais famílias que se há de restabelecer o tecido da sociedade.

Estes são, caríssimos Irmãos, alguns pensamentos que deixo-vos ao concluirdes a vossa visita ad Limina, rica de notícias consoladoras mas também carregada de trepidação pela fisionomia que no futuro possa adquirir a vossa amada Nação. Trabalhai com inteligência e com zelo; não poupeis fadigas na preparação de comunidades ativas e cientes da própria fé. Nestas se consolidará a fisionomia da população nordestina segundo o exemplo da Sagrada Família de Nazaré. Tais são os meus votos que corroboro com a Bênção Apostólica que concedo a todos vós, extensiva às famílias cristãs e diversas comunidades eclesiais com seus pastores e todos os fiéis das vossas diletas dioceses.



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA

(26-28 DE SETEMBRO DE 2009)


ENTREVISTA AOS JORNALISTAS DURANTE O VOO PARA A REPÚBLICA CHECA Sábado, 26 de Setembro de 2009

26909
Primeira pergunta: como Vossa Santidade disse no Angelus de domingo passado, a República Checa encontra-se não só geográfica, mas também historicamente, no coração da Europa. Poderia explicar melhor este "historicamente" e dizer-nos como e por que pensa que esta visita possa ser significativa para o continente no seu conjunto, no seu caminho cultural, espiritual e, eventualmente, político, de construção da União Europeia?

R. - Em todos os séculos, a República Checa, o seu território, foi lugar de encontro de culturas. Comecemos pelo século IX: por um lado, na Morávia, temos a grande missão dos irmãos Cirilo e Metódio, que de Bizâncio levam a cultura bizantina, mas criam uma cultura eslava, com caracteres cirílicos e uma liturgia em língua eslava; por outro, na Boémia, as dioceses confinantes de Regensburg e Passau anunciam o Evangelho em língua latina e, dessa maneira, na conexão com a cultura romano-latina as duas culturas encontram-se. Todos os encontros são difíceis, mas também fecundos. Poder-se-ia demonstrar facilmente com este exemplo. Faço um grande salto: no século XIV foi Carlos IV quem fundou em Praga a primeira universidade na Europa central. A universidade por si mesma é um lugar de encontro de culturas; neste caso, além disso, torna-se um lugar de encontro entre cultura eslava e germanófona. Assim como no século e no período da Reforma, exactamente nesse território, os encontros e confrontos tornam-se decisivos e fortes, como sabemos. Agora, faço um salto ao presente: no século passado, a República Checa sofreu sob uma ditadura comunista particularmente rigorosa, mas também teve uma resistência quer católica, quer laica, de altíssimo nível. Penso nos textos de Václav Havel, do Cardeal Vlk, em personalidades como o Cardeal Tomásek, que realmente transmitiram à Europa uma mensagem do que é a liberdade e de como devemos viver e trabalhar na liberdade. E penso que deste encontro de culturas nos séculos, e precisamente desta última fase de reflexão, não só, de sofrimento por um conceito novo de liberdade e de sociedade livre, nascem para nós tantas mensagens importantes, que podem e devem ser fecundas para a construção da Europa. Devemos estar muito atentos exactamente à mensagem deste país.

P. - Vinte anos depois da queda dos regimes comunistas do Leste europeu; João Paulo II, visitando diversos países sobreviventes ao comunismo, encorajava-os a usar com responsabilidade a liberdade recuperada. Hoje, qual é a sua mensagem para os povos da Europa Oriental nesta nova fase histórica?

R. - Como disse, estes países sofreram particularmente sob a ditadura, mas no sofrimento também amadureceram conceitos de liberdade que são actuais e agora devem ser ainda ulteriormente elaborados e realizados. Por exemplo, penso num texto de Václav Havel que diz: "A ditadura baseia-se na mentira e se a mentira for superada, se ninguém mais mentir e se vier à luz a verdade, haverá liberdade". E assim elaborou este nexo entre verdade e liberdade, onde liberdade não é libertinagem, arbitrariedade, mas está vinculada e é condicionada aos grandes valores da verdade, do amor, da solidariedade e do bem em geral. Desse modo, penso que estes conceitos, estas ideias amadurecidas no tempo da ditadura não se devem perder: precisamente agora devemos voltar a elas! E na liberdade, frequentemente um pouco vazia e sem valores, reconhecer de novo que liberdade e valores, liberdade e bem, liberdade e verdade caminham juntos: caso contrário, destrói-se também a liberdade. Parece-me esta a mensagem que vem desses países e que deve ser actualizada neste momento.

P. - Santidade, a República Checa é um país muito secularizado no qual a Igreja católica é uma minoria. Em tal situação, como pode contribuir efectivamente a Igreja para o bem comum do país?

R. - Diria que normalmente são as minorias criativas que determinam o futuro, e neste sentido a Igreja católica deve compreender como minoria criativa que tem uma herança de valores que não são coisas do passado, mas uma realidade muito viva e actual. A Igreja deve actualizar-se, estar presente no debate público, na nossa luta por um conceito verdadeiro de liberdade e de paz. Assim, pode contribuir para os diversos sectores. Diria que o primeiro é precisamente o diálogo intelectual entre agnósticos e crentes. Ambos tem necessidade do outro: o agnóstico não pode estar contente por não saber se Deus existe ou não, mas deve buscar e sentir a grande herança da fé; o católico não se pode satisfazer porque tem a fé, mas deve procurar Deus, ainda mais, e no diálogo com os outros reaprender Deus de modo mais profundo. Este é o primeiro nível: o grande diálogo intelectual, ético e humano. Depois, no sector educativo, a Igreja tem muito para fazer e para oferecer no que diz respeito à formação. Na Itália, falamos sobre o problema da emergência educativa. É um problema comum a todo o Ocidente: a Igreja neste aspecto deve de novo actualizar-se, concretizar, abrir para o futuro a sua grande herança. O terceiro sector é a "Caritas". A Igreja desde sempre teve isto como sinal da sua identidade: ajudar os pobres, ser instrumento da caridade. A Caritas na República Checa realiza muitíssimo nas diversas comunidades, nas situações de necessidade e oferece muito também à humanidade sofredora nos diversos continentes, dando dessa maneira um exemplo de responsabilidade aos outros, de solidariedade internacional, que é também condição de paz.

P. - Santidade, a sua última Encíclica, "Caritas in veritate", teve uma ampla repercussão no mundo. Como avalia esta repercussão? Está satisfeito? Pensa que efectivamente a recente crise mundial seja uma ocasião para que a humanidade se torne mais disponível para reflectir sobre a importância dos valores morais e espirituais, a fim de enfrentar os grandes problemas do seu futuro? E a Igreja, continuará a oferecer orientações nesta direcção?

R. - Estou muito contente por este grande debate. Era esta justamente a finalidade: incentivar e motivar um debate sobre estes problemas, não deixar as coisas como estão mas encontrar novos modelos para uma economia responsável, quer para cada país, quer para a totalidade da humanidade unificada. Parece-me realmente visível, hoje, que a ética não é algo exterior à economia, a qual como uma técnica poderia funcionar por si, mas é um princípio interior da economia, a qual não funciona se não considerar os valores humanos da solidariedade, as responsabilidades recíprocas e se não integrar a ética na construção da própria economia: é o grande desafio deste momento. Com a Encíclica, espero ter contribuído para este desafio. O debate em curso parece-me encorajador. Certamente, queremos continuar a responder aos desafios do momento e a ajudar a fim de que o sentido da responsabilidade seja mais forte do que o desejo de lucro, que a responsabilidade em relação aos outros seja mais forte do que o egoísmo; neste sentido, queremos contribuir para uma economia humana também no futuro.

P. - E para concluir, uma pergunta um pouco pessoal: durante o Verão, teve um pequeno acidente no pulso. Está completamente curado? Pôde retomar plenamente a sua actividade e trabalhar na segunda parte do seu livro sobre Jesus, como deseja?

R. - Não está totalmente superado, mas podeis ver que a mão direita já está activa e posso fazer o essencial: posso comer e, sobretudo, escrever. O meu pensamento desenvolve-se sobretudo quando escrevo; assim para mim foi verdadeiramente um sofrimento, uma escola de paciência, não ter podido escrever por seis semanas. Contudo, pude trabalhar, ler, fazer outras coisas e também adiantar um pouco o livro. Mas, ainda tenho muito para fazer. Penso que, com a bibliografia e tudo o que ainda falta, "Deo adiuvante", poderia ser concluído na próxima Primavera. Mas esta é uma esperança!



CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Aeroporto Internacional Stará Ruzyne - Praga Sábado, 26 de Setembro de 2009

26919

Senhor Presidente
Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado
Excelências, Senhoras e Senhores

É para mim uma grande alegria estar hoje aqui convosco na República Checa, e estou profundamente grato a todos pela cordialidade das vossas boas-vindas. Agradeço ao Presidente da República, Sua Excelência Václav Klaus, o convite que me dirigiu para visitar o país, e as suas amáveis palavras. Estou honrado pela presença das Autoridades civis e políticas, e estendo-lhes a minha saudação, e também a todo o povo checo. Estou aqui, em primeiro lugar, para visitar as comunidades católicas da Boémia e da Morávia, e transmito uma saudação cordial e fraterna ao Cardeal Vlk, Arcebispo de Praga, a Sua Excelência D. Graubner, Arcebispo de Olomouc e Presidente da Conferência Episcopal Checa, bem como a todos os Bispos e fiéis aqui presentes. Fiquei particularmente impressionado pelo gesto do jovem casal que me trouxe alguns dons típicos da cultura desta nação, juntamente com a oferenda de um pouco da vossa terra. Isto recorda-me quão profundamente a cultura checa está permeada pelo Cristianismo, dado que estes elementos do pão e do sal encontram um significado particular entre as imagens do Novo Testamento.

Se toda a cultura europeia foi profundamente plasmada pela herança cristã, isto é verdade de maneira particular nas terras checas porque, graças à acção missionária dos Santos Cirilo e Metódio no século IX, a antiga língua eslava foi redigida pela primeira vez. Apóstolos dos povos eslavos e fundadores da sua cultura, eles são justamente venerados como Padroeiros da Europa. Além disso, é digno de menção o facto de que estes dois grandes Santos da tradição bizantina encontraram aqui missionários provenientes do Ocidente latino.

Na sua história, este território inserido no coração do continente europeu, na encruzilhada entre Norte e Sul, Leste e Oeste, foi um ponto de encontro de diferentes povos, tradições e culturas. Não se pode negar que isto às vezes chegou a causar tensões, mas ao longo do tempo este revelou-se como um encontro frutuoso. Daqui, o papel significativo que as terras checas desempenharam na história intelectual, cultural e religiosa da Europa, por vezes como um campo de batalha, mais frequentemente como uma ponte.

Nos próximos meses recordar-se-á o vigésimo aniversário da "Revolução de Veludo", que felizmente pôs termo de modo pacífico a uma época particularmente árdua para este país, uma época em que a circulação de ideias e de movimentos culturais era controlada de maneira rígida. Uno-me a vós e aos vossos vizinhos, dando graças pela vossa libertação daqueles regimes opressivos. Se a queda do Muro de Berlim marcou um linha divisória na história mundial, isto é ainda mais verdadeiro em relação aos países da Europa Central e Oriental, tornando-os capazes de assumir aquele lugar que lhes compete na comunidade das nações, em qualidade de protagonistas soberanos.

Todavia, não se deve subestimar o sacrifício de quarenta anos de repressão política. Uma tragédia particular para esta terra foi a tentativa impiedosa da parte do Governo daquela época, de fazer silenciar a voz da Igreja. Durante a vossa história, desde o tempo de São Venceslau, de Santa Ludmila e de Santo Adalberto, até à época de São João Nepomuceno, houve mártires corajosos, cuja fidelidade a Cristo se fez ouvir com voz mais clara e mais eloquente que a voz dos seus assassinos. Este ano celebra-se o quadragésimo aniversário da morte do Servo de Deus, o Cardeal Josef Beran, Arcebispo de Praga. Desejo prestar-lhe homenagem, bem como ao seu sucessor, o Cardeal Frantisek Tomásek, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente, pelo seu indómito testemunho cristão diante da perseguição. Eles, bem como outros inúmeros e corajosos sacerdotes, religiosos e leigos, homens e mulheres, mantiveram viva a chama da fé neste país. Agora que foi recuperada a liberdade religiosa, faço apelo a todos os cidadãos da República, para que voltem a descobrir as tradições cristas que plasmaram a sua cultura, e exorto a comunidade cristã a continuar a fazer ouvir a sua voz, enquanto a nação deve enfrentar os desafios do novo milénio. "Sem Deus, o homem não sabe aonde ir e nem sequer consegue compreender quem ele é" (Caritas in veritate ). A verdade do Evangelho é indispensável para uma sociedade próspera, porque abre à esperança tornando-nos capazes de descobrir a nossa inalienável dignidade de filhos de Deus.

Senhor Presidente, estou ao corrente do seu desejo de ver reconhecido à religião um papel maior nas questões do país. A bandeira presidencial que trêmula sobre o Castelo de Praga, tem como mote "Pravda Vítezi — a Verdade vence": o meu mais profundo desejo é que a luz da verdade continue a orientar esta nação, tão abençoada durante a sua história, pelo testemunho de grandes santos e mártires. Nesta era da ciência, é significativo evocar o exemplo de Johann Gregor Mendel, o abade agostiniano da Morávia, cujas pesquisas pioneiras lançaram as bases da genética moderna. Certamente, não se dirigia a ele a admoestação do seu Padroeiro, Santo Agostinho, que se queixava do facto de que muitos eram "mais propensos a admirar os factos do que a procurar as suas causas" (Epistula 120, 5; cf. João Paulo II, Comemoração do abade Gregor Mendel, no primeiro centenário da sua morte, 10 de Março de 1984, n. 2). O progresso autentico da humanidade é servido da melhor forma, precisamente por esta convergência entre sabedoria da fé e intuito da razão. Possa o povo checo usufruir sempre dos benefícios que provem desta feliz síntese.
Finalmente, quero renovar o meu agradecimento a todos vós, e dizer-vos quanto esperei para poder transcorrer estes dias na República Checa, que vós com orgulho denominais "žeme Ceská, domov muj" (terra checa, minha casa)! Obrigado de coração!




VISITA AO "MENINO JESUS DE PRAGA" Igreja de Santa Maria da Vitória de Praga Sábado, 26 de Setembro de 2009

26929
Senhores Cardeais
Senhor Presidente da Câmara Municipal
Ilustres Autoridades
Caros irmãos e irmãs
Queridas crianças

Dirijo a todos a minha cordial saudação e exprimo a alegria de visitar esta igreja, dedicada a Santa Maria da Vitória, onde é venerada a efígie do Menino Jesus, conhecida em toda a parte como o "Menino de Praga". Agradeço a D. Jan Graubner, Presidente da Conferência Episcopal, as suas palavras de boas-vindas em nome de todos os Bispos. Dirijo uma deferente saudação ao Presidente da Câmara Municipal e às demais Autoridades civis e religiosas, que quiseram estar presentes neste encontro. Saúdo-vos a vós, estimadas famílias, que viestes em grande número encontrar-vos comigo.

A imagem do Menino Jesus faz pensar imediatamente no mistério da Encarnação, no Deus Todo-Poderoso que se fez homem e viveu por trinta anos na humilde família de Nazaré, confiado pela Providência aos cuidados atenciosos de Maria e de José. Dirijo o pensamento às vossas famílias e a todas as famílias do mundo, às suas alegrias e às suas dificuldades. À reflexão unamos a oração, invocando do Menino Jesus o dom da unidade e da concórdia para todas as famílias. Pensemos de maneira especial nas famílias jovens, que devem fazer tantos esforços para dar aos filhos segurança e um futuro digno. Oremos pelas famílias em dificuldade, provadas pela enfermidade e pela dor, por aquelas que estão em crise, desunidas ou dilaceradas pela discórdia e pela infidelidade. Confiemos todas elas ao Santo Menino de Praga, consciente de quão importante é a sua estabilidade e a sua concórdia para o verdadeiro progresso da sociedade e para o futuro da humanidade.

A efígie do Menino Jesus, com a ternura da sua infância, faz-nos também sentir a proximidade de Deus e o seu amor. Compreendemos como somos preciosos aos seus olhos porque, precisamente graças a Ele, nos tornamos por nossa vez filhos de Deus. Cada ser humano é filho de Deus e, portanto, nosso irmão e, como tal, deve ser acolhido e respeitado. Possa a nossa sociedade compreender esta realidade! Cada pessoa humana seria então valorizada não por aquilo que possui, mas pelo que é, uma vez que no rosto de cada ser humano, sem distinção de raça nem de cultura, resplandece a imagem de Deus.

Isto é válido principalmente para as crianças. No Santo Menino de Praga contemplamos a beleza da infância e a predilecção que Jesus Cristo sempre manifestou para com os pequeninos, como lemos no Evangelho (cf.
Mc 10,13-16). E no entanto, quantas crianças não são amadas, nem acolhidas, nem respeitadas! Quantas são vítimas da violência e de todas as formas de exploração por parte de pessoas sem escrúpulos! Possam ser reservados aos menores o respeito e a atenção que lhes são devidos: as crianças constituem o futuro e a esperança da humanidade!

Agora, gostaria de dirigir uma palavra particular a vós, queridas crianças, e às vossas famílias. Viestes numerosos para me encontrar e por isto estou grato de coração. Vós, que sois os predilectos do Coração do Menino Jesus, sabei retribuir o seu amor e, seguindo o seu exemplo, sede obedientes, gentis e caridosos. Aprendei a ser, como Ele, o conforto dos vossos pais. Sede verdadeiros amigos de Jesus e recorrei a Ele sempre com confiança. Rezai a Ele por vós mesmas, pelos vossos pais, parentes, mestres e amigos, e orai também por mim. Mais uma vez, obrigado pela vossa recepção e abençoo-vos de coração, enquanto invoco sobre todos a protecção do Santo Menino Jesus, da sua Mãe Imaculada e de São José.



ENCONTRO COM AS AUTORIDADES POLÍTICAS E CIVIS E COM O CORPO DIPLOMÁTICO Castelo de Praga - Sala Espanhola Sábado, 26 de Setembro de 2009

26939

Excelências
Senhoras e Senhores

Estou-vos grato pela oportunidade que me é oferecida de me encontrar, neste contexto extraordinário, com as autoridades políticas e civis da República Checa e com os membros da comunidade diplomática. Agradeço sentidamente ao Senhor Presidente Klaus as amáveis palavras de saudação que pronunciou em vosso nome. Além disso, exprimo o meu apreço à Orquestra Filarmónica Checa pela execução musical que deu início ao nosso encontro, e que manifestou de maneira eloquente tanto as raízes da cultura checa como a relevante contribuição oferecida por esta nação à cultura europeia.

A minha visita pastoral à República Checa coincide com o vigésimo aniversário da derrocada dos regimes totalitários na Europa Central e Oriental, e da "Revolução de Veludo", que restabeleceu a democracia nesta nação. A euforia que se seguiu foi expressa em termos de liberdade. A duas décadas de distância das profundas mudanças políticas que transformaram este continente, o processo de restabelecimento e de reconstrução contínua, agora no interior do mais amplo contexto da unificação europeia e de um mundo cada vez mais globalizado. As aspirações dos cidadãos e as expectativas depositadas nos governos reclamavam novos modelos na vida pública e de solidariedade entre as nações e os povos, sem os quais o futuro de justiça, de paz e de prosperidade, prolongadamente esperado, teria permanecido sem resposta. Tais desejos continuam a desenvolver-se. Hoje, de maneira especial no meio dos jovens, sobressai de novo a interrogação a respeito da natureza da liberdade conquistada. Para qual finalidade se vive em liberdade? Quais são as suas autênticas características distintivas?

Cada geração tem a tarefa de se comprometer desde o início na árdua procura do modo como ordenar correctamente as realidades humanas, esforçando-se por compreender o recto uso da liberdade (cf. Spe salvi ). O dever de revigorar as "estruturas de liberdade" é fundamental, mas nunca é suficiente: as aspirações humanas elevam-se acima de nós mesmos, para além daquilo que qualquer autoridade política ou económica possa oferecer, rumo àquela esperança luminosa (cf. ibid., n. 35), que encontra a sua origem além de nós mesmos e, no entanto, manifesta-se no nosso interior como verdade, beleza e bondade. A liberdade procura uma finalidade e por este motivo exige uma convicção. A verdadeira liberdade pressupõe a busca da verdade — do verdadeiro bem — e por conseguinte encontra o seu próprio cumprimento precisamente no facto de conhecer e de fazer aquilo que é recto e justo. Por outras palavras, a verdade é a norma-guia para a liberdade, e a bondade é a sua perfeição. Aristóteles definiu o bem como "aquilo para o que todas as coisas tendem", e chegou a sugerir que, "não obstante seja digno alcançar a finalidade até para um único homem, todavia é melhor e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para uma polis" (Ética a Nicômaco, 1; cf. Caritas in veritate ). Na verdade, a elevada responsabilidade de manter alerta a sensibilidade pela verdade e pelo bem depende de quem quer que exerça o papel de guia: nos campos religioso, político ou cultural, cada qual segundo o modo que lhe é próprio. Em conjunto, temos que nos comprometer na luta pela liberdade e na procura da verdade: ou as duas coisas caminham juntas, de mãos dadas, ou então perecem juntas miseravelmente (cf. Fides et ratio
FR 90).

Para os cristãos, a verdade tem um nome: Deus. E o bem tem um rosto: Jesus Cristo. A fé cristã, desde o tempo dos Santos Cirilo e Metódio e dos primeiros missionários, desempenhou na realidade um papel decisivo no acto de plasmar a herança espiritual e cultural deste país. A mesma coisa deve verificar-se no presente e em vista do futuro. O rico património de valores espirituais e culturais, que se exprimem uns através dos outros, não apenas deu forma à identidade desta nação, mas também a dotou da perspectiva necessária para desempenhar um papel de coesão no coração da Europa. Durante séculos, esta terra constituiu um ponto de encontro entre diferentes povos, tradições e culturas. Como bem sabemos, ela conheceu capítulos dolorosos e traz em si a cicatriz dos trágicos acontecimentos causados pela incompreensão, pela guerra e pela perseguição. E todavia, é também verdade que as suas raízes cristãs favoreceram o crescimento de um considerável espírito de perdão, de reconciliação e de colaboração, que tornou as populações destas terras capazes de voltar a encontrar a liberdade e de inaugurar uma nova era, uma nova síntese e uma renovada esperança. Não é precisamente deste espírito, que tem necessidade a Europa de hoje?

A Europa é mais do que um continente. Ela é uma casa! E a liberdade encontra o seu significado mais profundo precisamente no facto de ser uma pátria espiritual. No pleno respeito pela distinção entre as esferas política e religiosa — distinção que garante a liberdade de expressar o próprio credo religioso e de viver em sintonia com ele — desejo evidenciar novamente o papel insubstituível do Cristianismo para a formação da consciência de cada geração e para a promoção de um consenso ético de base, ao serviço de cada pessoa que chama a este continente "casa"!

Neste espírito, presto homenagem à voz de quantos hoje, neste país e na Europa, procuram aplicar a própria fé de maneira respeitadora mas determinada, na arena pública, na expectativa de que as normas sociais e as linhas políticas sejam inspiradas pelo desejo de viver em conformidade com a verdade que torna livre cada homem e cada mulher (cf. Caritas in veritate ).

A fidelidade aos povos que vós servis e representais exige a fidelidade à verdade, a única que constitui a garantia da liberdade e do desenvolvimento humano integral (cf. ibid., n. 9). Efectivamente, a coragem de apresentar de maneira clara a verdade é um serviço a todos os membros da sociedade: com efeito, ele lança luz no caminho do progresso humano, indica os seus fundamentos éticos e morais e garante que as directrizes políticas se inspirem no tesouro da sabedoria humana. A atenção à verdade universal jamais deveria ser ocultada por interesses particularistas, por mais importantes que eles possam ser, porque isto levaria unicamente a novos casos de fragmentação social ou de discriminação, que precisamente aqueles grupos de interesse ou de pressão declaram que desejam ultrapassar. Com efeito, a busca da verdade, longe de ameaçar a tolerância das diferenças ou o pluralismo cultural, torna o consenso possível e permite ao debate público conservar-se lógico, honesto e responsável, assegurando aquela unidade que as noções superficiais de integração simplesmente não são capazes de realizar.

Estou convicto de que, à luz da tradição eclesial acerca das dimensões material, intelectual e espiritual das obras de caridade, os membros da comunidade católica, juntamente com os de outras Igrejas, comunidades eclesiais e religiões, continuarão a procurar, nesta nação e alhures, objectivos de desenvolvimento que contenham em si um valor mais humano e humanizador (cf. ibid., n. 9).

Estimados amigos, a nossa presença nesta magnífica capital, frequentemente denominada "o coração da Europa", estimula-nos a perguntar-nos em que consiste este "coração". É verdade que não existe uma resposta fácil para tal interrogação, no entanto um indício é constituído seguramente pelas jóias arquitectónicas que adornam esta cidade. A beleza extraordinária das suas igrejas, do castelo, das praças e das pontes não podem deixar de orientar as nossas mentes para Deus. A sua beleza exprime fé; são epifanias de Deus que, justamente, nos permitem considerar as grandes maravilhas às quais nós, criaturas, podemos aspirar quando damos expressão às dimensões estética e cognoscitiva do nosso ser mais profundo. Como seria trágico, se se admirassem tais exemplos de beleza, ignorando contudo o mistério transcendente que eles indicam. O encontro criativo da tradição clássica e do Evangelho deu vida a uma visão do homem e da sociedade sensível à presença de Deus no meio de nós. Esta visão, ao plasmar o património cultural deste continente, iluminou claramente o facto de que a razão não termina com aquilo que o olho vê mas, ao contrário, ela é atraída pelo que está além, por aquilo a que nós aspiramos profundamente: poderíamos dizer, o Espírito da Criação.

No contexto da actual encruzilhada de civilizações, tão frequentemente marcada por uma alarmante separação da unidade de bondade, verdade e beleza, e pela consequente dificuldade de encontrar um consenso sobre os valores comuns, cada esforço para o progresso humano deve inspirar-se nesta herança viva. A Europa, fiel às suas raízes cristãs, tem uma vocação particular a sustentar esta visão transcendente nas suas iniciativas ao serviço do bem comum de indivíduos, comunidades e nações. De importância particular é a tarefa urgente de encorajar os jovens europeus mediante uma formação que respeite e alimente a capacidade, que Deus lhes conferiu, de transcender precisamente aqueles limites que às vezes se presume que os deve aprisionar. Nos desportos, nas artes criativas e na investigação académica, os jovens encontram de bom grado a oportunidade para se elevarem. Não é porventura também verdade que, se confrontados com altos ideais, eles hão-de aspirar inclusive à virtude moral e a uma vida fundamentada no amor e na bondade? Encorajo profundamente os pais e os responsáveis pelas comunidades, a fim de que esperem das autoridades a promoção de valores que sejam capazes de integrar as dimensões intelectual, humana e espiritual numa formação sólida, digna das aspirações dos nossos jovens.

"Veritas vincit". Este é o mote da bandeira do Presidente da República Checa: em última análise, a verdade vence realmente, não com a força, mas graças à persuasão, ao testemunho heróico de homens e mulheres de princípios sólidos, ao diálogo sincero que sabe olhar, para além do interesse pessoal, para as necessidades do bem comum. A sede de verdade, bondade e beleza, gravada pelo Criador em todos os homens e mulheres, está destinada a orientar conjuntamente as pessoas na busca da justiça, da liberdade e da paz. A história demonstrou amplamente que a verdade pode ser atraiçoada e manipulada ao serviço de ideologias falsas, da opressão e da injustiça. No entanto, os desafios que a família humana deve enfrentar não nos interpelam a olhar para além destes perigos? No final, o que é mais desumano e destruidor do que o cinismo que gostaria de negar a grandeza da nossa busca da verdade, e do relativismo que corrói os próprios valores que sustentam a construção de um mundo unido e fraterno? Pelo contrário, nós temos de readquirir a confiança na nobreza e na grandeza do espírito humano, pela sua capacidade de alcançar a verdade, e deixar que esta confiança nos guie no trabalho paciente da política e da diplomacia.

Senhoras e Senhores, com estes sentimentos exprimo na oração os bons votos para que o vosso serviço seja inspirado e sustentado pela luz daquela verdade que é o reflexo da Sabedoria eterna de Deus Criador. Sobre vós e as vossas famílias, invoco de coração a abundância das Bênçãos divinas.




Discursos Bento XVI 990