Discursos Bento XVI 26949

CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM OS SACERDOTES, RELIGIOSOS, RELIGIOSAS, SEMINARISTAS E MOVIMENTOS LEIGOS Catedral dos Santos Vito, Venceslau e Adalberto - Praga

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Sábado, 26 de Setembro de 2009


Prezados irmãos e irmãs

Dirijo a todos vós a saudação de São Paulo que ouvimos na leitura breve: Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai! Dirijo-a em primeiro lugar ao Cardeal Arcebispo, a quem agradeço as amáveis palavras. Estendo a minha saudação aos outros Cardeais e Prelados presentes, aos sacerdotes e aos diáconos, aos seminaristas, aos religiosos, às religiosas, aos catequistas, aos agentes que trabalham no campo da pastoral, aos jovens, às famílias, às associações e aos movimentos eclesiais.

Encontramo-nos congregados esta tarde num lugar que vos é querido, que é sinal visível de quanto é poderosa a graça divina que age no coração dos crentes. A beleza deste templo milenário é, com efeito, um testemunho vivo da rica história de fé e de tradição cristã do vosso povo; uma história iluminada, de modo particular, pela fidelidade daqueles que selaram a sua adesão a Cristo e à Igreja mediante o martírio. Penso nas figuras dos Santos Venceslau, Adalberto e João Nepomuceno, pedras miliárias do caminho da vossa Igreja, aos quais se acrescentam os exemplos do jovem São Vito, que preferiu morrer em vez de atraiçoar Cristo, do monge São Procópio e de Santa Ludmila. Penso nas vicissitudes de dois Arcebispos desta Igreja local, no século passado: Cardeais Josef Beran e Frantisek Tomásek, e de numerosos Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis, que resistiram com firmeza heróica à perseguição comunista, chegando até ao sacrifício da vida. De onde hauriram a força, estes intrépidos amigos de Cristo, a não ser do Evangelho? Sim! Eles deixaram-se fascinar por Jesus Cristo, que disse: "Se alguém quiser vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me!" (
Mt 16,24). Na hora da dificuldade, eles ouviram ressoar no coração esta outra sua consideração: "Se me perseguiram a mim, também vos perseguirão a vós" (Jn 15,20).

O heroísmo das testemunhas da fé recorda que só do conhecimento pessoal e do profundo vínculo com Cristo é possível haurir a energia espiritual para realizar plenamente a vocação cristã. Só o amor de Cristo torna eficaz a obra apostólica, principalmente nos momentos de dificuldade e de provação. Amar Cristo e os irmãos deve ser a característica de cada baptizado e de cada comunidade. Nos Actos dos Apóstolos, lemos que "a multidão daqueles que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma" (Ac 4,32). E Tertuliano, um autor dos primeiros séculos, escrevia que os pagãos permaneciam impressionados pelo amor que unia os cristãos entre si (cf. Apologeticum XXXIX). Caros irmãos e irmãs, imitai o Mestre divino, que "não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10,45). O amor resplandeça em cada uma das vossas paróquias e comunidades, nas várias associações e movimentos. A vossa Igreja, em conformidade com a imagem de São Paulo, seja um só corpo bem estruturado, que tem Cristo como Cabeça, e em quem cada membro age em harmonia com o todo. Alimentai o amor de Cristo mediante a oração e a escuta da sua palavra; nutri-vos dele na Eucaristia e sede, com a sua graça, artífices de unidade e de paz em todos os ambientes.

As vossas comunidades cristas, depois do longo Inverno da ditadura comunista, há vinte anos recomeçaram a manifestar-se livremente, quando o vosso povo, com os acontecimentos encetados pela manifestação estudantil de 17 de Novembro de 1989, readquiriu a própria liberdade. Porém, vós sentis que também nos dias de hoje não é fácil viver e dar testemunho do Evangelho. A sociedade traz em si as feridas causadas pela ideologia ateia e sente-se muitas vezes fascinada pela moderna mentalidade do consumismo hedonista, com uma perigosa crise de valores humanos e religiosos, e a deriva de um relativismo ético e cultural predominante. Neste contexto, torna-se urgente um renovado compromisso da parte de todos os componentes eclesiais, para revigorar os valores espirituais e morais na vida da sociedade contemporânea. Sei que as vossas comunidade já se encontram comprometidas em muitas frentes, de modo particular no âmbito caritativo mediante a Cáritas. A vossa actividade pastoral inclua com especial zelo o campo da educação das novas gerações. As escolas católicas promovam o respeito pelo homem; que se preste atenção à pastoral juvenil também fora do âmbito escolar, sem descuidar as demais categorias de fiéis. Cristo é para todos! Desejo de coração um entendimento sempre crescente com as outras instituições, quer públicas, quer particulares. A Igreja é sempre útil reiterá-lo não pede privilégios, mas apenas para trabalhar livremente ao serviço de todos e com espírito evangélico.

Queridos irmãos e irmãs, que o Senhor vos conceda ser como o sal de que o Evangelho fala, o sal que dá sabor à vida, para serdes trabalhadores fiéis na vinha do Senhor. Em primeiro lugar, compete a vós, amados Bispos e sacerdotes, trabalhar indefessamente pelo bem de quantos são confiados aos vossos cuidados. Inspirai-vos na imagem evangélica do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas, as chama pelo nome, as conduz para lugares seguros e está disposto a oferecer-se a si mesmo por elas (cf. Jn 10,1-19). Queridos consagrados, com a profissão dos conselhos evangélicos, vós evocais o primado que Deus deve ter na vida de cada ser humano e, vivendo em fraternidade, dais testemunho de quão enriquecedora é a prática do mandamento do amor (cf. Jn 13,34). Fiéis a esta vocação, ajudai os homens e as mulheres do nosso tempo a deixar-se fascinar por Deus e pelo Evangelho do seu Filho (cf. Vita consecrata, 104). E vós, queridos jovens, que estais nos seminários ou nas casas de formação, preocupai-vos em adquirir uma sólida preparação cultural, espiritual e pastoral. Neste Ano sacerdotal que proclamei para comemorar o 150º aniversário da morte do Santo Cura d'Ars, vos sirva de exemplo a figura deste Pastor totalmente dedicado a Deus e às almas, plenamente consciente de que precisamente o seu ministério, animado pela oração, constituía o seu caminho de santificação.

Estimados irmãos e irmãs, no corrente ano nós recordamos várias celebrações com o espírito agradecido ao Senhor: os 280 anos da canonização de São João Nepomuceno, o 80º aniversário da dedicação desta Catedral intitulada a São Vito e o 20º aniversário da canonização de Santa Inês de Praga, acontecimento que anunciou a libertação do vosso país da opressão ateia. Muitos motivos para continuar o caminho eclesial com alegria e entusiasmo, contando com a intercessão maternal de Maria, Mãe de Deus, e de todos os vossos Santos Protectores. Amém!





ENCONTRO ECUMÉNICO Sala do Trono do Arcebispado de Praga Domingo, 27 de Setembro de 2009

27909 Senhores Cardeais
Excelências
Irmãos e irmãs em Cristo!

Dou graças ao Senhor Omnipotente pela oportunidade que me é concedida de me encontrar convosco, que sois os representantes das diversas comunidades cristãs deste país. Agradeço ao Dr. Cernè, Presidente do Conselho Ecuménico das Igrejas na República Checa, as gentis palavras de boas-vindas que me dirigiu em vosso nome.

Queridos amigos, a Europa continua a ser submetida a muitas mudanças. É difícil crer que transcorreram só dois decénios desde quando a queda dos precedentes regimes deu início a uma difícil mas produtiva transição rumo a estruturas politicas mais participativas. Neste período, os cristãos uniram-se juntamente com outros homens de boa vontade para ajudar a reconstruir uma ordem política justa, e continuam hoje a empenhar-se no diálogo para abrir novos caminhos rumo à compreensão recíproca, à colaboração em vista da paz e do progresso do bem comum.

Não obstante, estão a emergir sob novas formas tentativas destinadas a marginalizar a influencia do cristianismo na vida pública, por vezes sob o pretexto de que os seus ensinamentos são danosos para o bem-estar da sociedade. Este fenómeno exige que nos detenhamos a reflectir. Como sugeri na minha Encíclica sobre a esperança cristã, a separação artificial do Evangelho da vida intelectual e pública deveria levar-nos a um compromisso numa recíproca "auto-crítica da era moderna" e numa "auto-critica do cristianismo moderno", sobretudo em relação à esperança que elas podem oferecer à humanidade (cf. Spe salvi ). Podemos perguntar-nos: O que tem para dizer hoje o Evangelho à República Checa e mais em geral a toda a Europa, num período marcado pela proliferação de diversas visões do mundo?

O cristianismo tem muito para oferecer a nível prático e moral, dado que o Evangelho nunca cessa de inspirar homens e mulheres para se porem ao serviço dos seus irmãos e irmãs. Poucos poderiam contestar isto. Contudo, quantos fixam o seu olhar em Jesus de Nazaré com olhos de fé sabem que Deus oferece uma realidade mais profunda e igualmente inseparável da "economia" da caridade que age neste mundo (cf. Caritas in veritate ): Ele oferece a salvação.

A palavra salvação é rica de significado, mas exprime algo fundamental e universal do anseio humano pela felicidade e plenitude. Ela faz alusão ao desejo ardente de reconciliação e de comunhão que brota espontaneamente nas profundezas do espírito humano. É a verdade central do Evangelho e o objectivo para o qual está orientado qualquer esforço de evangelização e de cuidado pastoral. E é o critério sobre o qual os cristãos se focalizam sempre de novo, no seu empenho em curar as feridas das divisões do passado. Para esta finalidade — como observou o Dr. Cernè — a Santa Sé organizou um Congresso internacional em 1999 sobre Jan Hus para facilitar a análise da complexa e atormentada história religiosa nesta nação e mais em geral na Europa (cf. João Paulo II, Discurso ao Congresso internacional sobre Jan Hus, 1999). Rezo a fim de que tais iniciativas ecuménicas deem fruto não só para prosseguir o caminho da unidade dos cristãos, mas para o bem de toda a sociedade europeia.

Adquirimos confiança sabendo que a proclamação por parte da Igreja da salvação em Jesus Cristo é sempre antiga e sempre nova, embebida da sabedoria do passado e cheia de esperança para o futuro. Quando a Europa se põe à escuta da história do cristianismo, ouve a sua própria história. As suas noções de justiça, liberdade e responsabilidade social, juntamente com as suas instituições culturais e jurídicas estabelecidas para defender estas ideias e transmiti-las às gerações futuras, estão plasmadas pela sua herança cristã. Na verdade, a memória do passado anima as suas aspirações para o futuro.

Isto explica porque, de facto, os cristãos se inspiram no exemplo de figuras como Santo Adalberto e Santa Inês da Boémia. O seu empenho pela difusão do Evangelho foi motivado pela convicção de que os cristãos não se devem fechar em si, receosos do mundo, mas ao contrário, devem partilhar com confiança o tesouro de verdade que lhes foi confiado. Do mesmo modo os cristãos de hoje, abrindo-se à situação actual e reconhecendo tudo o que existe de bom na sociedade, devem ter a coragem de convidar homens e mulheres à conversão radical que provém do encontro com Cristo e introduz numa nova vida de graça.

Sob este ponto de vista nós compreendemos mais claramente porque os cristãos se devem unir a outros para recordar à Europa as suas raízes. Não porque estas raízes tenham murchado há tempos. Ao contrário! É pelo facto de que elas continuam — de modo ténue mas ao mesmo tempo fecundo — a providenciar ao Continente o apoio espiritual e moral que permite estabelecer um diálogo significativo com pessoas de outras culturas e religiões. Precisamente porque o Evangelho não é uma ideologia, não pretende fechar em esquemas rígidos as realidades sociopolíticas que evolvem. Ao contrário, ele transcende as vicissitudes deste mundo e lança nova luz sobre a dignidade da pessoa humana em cada época. Queridos amigos, peçamos a Deus que infunda em nós um espírito de coragem para compartilhar as verdades salvíficas eternas que permitiram, e continuarão a permitir, o progresso social e cultural deste Continente.

A salvação realizada por Jesus com a sua paixão, morte, ressurreição e ascensão ao céu não só transforma a nós que cremos n'Ele, mas estimula-nos a partilhar esta Boa Nova com outros. A nossa capacidade de haurir da verdade ensinada por Jesus Cristo, iluminada pelos dons do Espírito de conhecimento, sabedoria e intelecto (cf.
Is 11,1-2 Ex 35,31) nos estimule a trabalhar infatigavelmente a favor da unidade que Ele deseja para todos os seus filhos renascidos no Baptismo, e aliás, para todo o género humano.

Com estes sentimentos, e com afecto fraterno por vós e pelos membros das vossas respectivas comunidades, exprimo o meu mais profundo agradecimento a todos vós e confio-vos a Deus Omnipotente, que é a nossa fortaleza, o nosso refúgio e a nossa libertação (cf. Ps 144,2). Amém!




ENCONTRO COM O MUNDO ACADÉMICO Salão de Vladislav do Castelo de Praga Domingo, 27 de Setembro de 2009

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Senhor Presidente
Ilustres Reitores e Professores
Queridos estudantes e amigos!

O encontro desta tarde oferece-me a agradável oportunidade de manifestar a minha estima pelo papel indispensável que as universidades e os institutos académicos desempenham na sociedade. Agradeço ao estudante que gentilmente me saudou em vosso nome, aos membros do coro universitário pela sua excelente interpretação e ao ilustre Reitor da Universidade Carlos, ao Professor Václav Hampl, as suas profundas palavras. O mundo académico, apoiando os valores culturais e espirituais da sociedade e ao mesmo tempo oferecendo-lhes a própria contribuição, desempenha o precioso serviço de enriquecer o património intelectual da nação e de fortalecer os fundamentos do seu futuro desenvolvimento. As grandes mudanças que há vinte anos transformaram a sociedade checa foram causadas, não por último, pelos movimentos de reforma que tiveram origem nas universidades e nos círculos estudantis. Aquela busca de liberdade continuou a guiar o trabalho dos estudiosos: a sua diakonia para a verdade é indispensável para o bem-estar de qualquer nação.

Quem vos fala foi um professor, atento ao direito da liberdade académica e à responsabilidade no uso autêntico da razão, e agora é o Papa que, no seu papel de Pastor, é reconhecido como voz competente para a reflexão ética da humanidade. Se é verdade que há quem considere que as questões apresentadas pela religião, pela fé e pela ética não têm lugar no âmbito da razão pública, esta visão não é minimamente evidente. A liberdade que está na base da prática da razão — tanto na universidade como na Igreja — tem uma finalidade determinada: destina-se à investigação da verdade, e como tal exprime uma dimensão própria do Cristianismo, que não ocasionalmente levou ao nascimento da universidade. Na realidade, a sede de conhecimento do homem estimula cada geração a ampliar o conceito de razão e beber nas fontes da fé. Foi precisamente a rica herança da sabedoria clássica, assimilada e posta ao serviço do Evangelho, que os primeiros missionários cristãos trouxeram a estas terras e que foi estabelecida como fundamento de uma unidade espiritual e cultural que permanece até hoje. A mesma convicção fez com que o meu predecessor, Papa Clemente vi, instituísse em 1347 esta famosa Universidade Carlos, que continua a oferecer uma importante contribuição ao mais vasto mundo académico, religioso e cultural europeu.

A autonomia própria de uma universidade, aliás, de qualquer instituição escolar, encontra significado na capacidade de se tornar responsável perante a verdade. Não obstante, aquela autonomia pode ser vanificada de diversas formas. A grande tradição formativa, aberta ao transcendente, que está na origem das universidades em toda a Europa, foi sistematicamente subvertida, aqui nesta terra e noutras partes, pela ideologia redutiva do materialismo, pela repressão da religião e pela opressão do espírito humano. Contudo, em 1989 o mundo foi testemunha de modo dramático da derrocada de uma ideologia totalitária falhada e do triunfo do espírito humano.

O anseio pela liberdade e pela verdade é parte inalienável da nossa comum humanidade. Ele nunca pode ser eliminado e, como demonstrou a história, só pode ser negado pondo em perigo a própria humanidade. É a este anseio que procuram responder a fé religiosa, as várias artes, a filosofia, a teologia e as outras disciplinas científicas, cada uma com o próprio método, quer a nível de uma reflexão atenta, quer a nível de uma boa prática.

Ilustres Reitores e Professores, juntamente com a vossa pesquisa há um ulterior aspecto essencial da missão da universidade na qual estais comprometidos, ou seja, a responsabilidade de iluminar as mentes e os corações dos jovens de hoje. Este grave aspecto não é certamente novo. Desde os tempos de Platão, a educação não consiste no mero acúmulo de conhecimentos ou de habilidades, mas numa paideia, uma formação humana nas riquezas de uma tradição intelectual finalizada a uma vida virtuosa. Se é verdade que as grandes universidades, que na Idade Média nasciam em toda a Europa, tendiam com confiança para o ideal da síntese de todos os saberes, isto estava sempre ao serviço de uma autêntica humanitas, ou seja, de uma perfeição do indivíduo no interior da unidade de uma sociedade bem ordenada. Deve ser assim também hoje: quando a compreensão da plenitude e unidade da verdade é despertada nos jovens, eles sentem o prazer de descobrir que a pergunta sobre o que eles podem conhecer lhes abre o horizonte da grande aventura sobre como devem ser e sobre o que devem realizar.

Há que ser reconquistada a ideia de uma formação integral, baseada sobre a unidade do conhecimento radicado na verdade. Isto pode contrastar a tendência, tão evidente na sociedade contemporânea, para uma fragmentação do saber. Com o crescimento maciço da informação e da tecnologia nasce a tentação de separar a razão da busca da verdade. Mas a razão, quando é separada da orientação humana fundamental para a verdade, começa a perder a própria direcção. Ela acaba por se tornar insensível sob a aparência de modéstia, quando se contenta com o que é puramente parcial ou provisório, ou sob a aparência de certeza, quando impõe a capitulação às exigências de quantos dão de maneira indiscriminada igual valor praticamente a tudo. O relativismo que deriva disto gera um disfarce, por detrás do qual podem esconder-se novas ameaças à autonomia das instituições académicas.

Se por um lado passou a época da ingerência derivante do totalitarismo político, por outro, não é porventura verdade que com frequência hoje no mundo a prática da razão e a pesquisa académica são obrigadas — de modo subtil e por vezes nem tanto subtil — a resignar-se às pressões de grupos de interesses ideológicos e à ilusão de objectivos utilitaristas a curto prazo ou apenas pragmáticos? Que poderia acontecer, se a nossa cultura se tivesse que construir a si mesma unicamente sobre argumentos que estão na moda, com escassa referência a uma tradição intelectual histórica genuína ou sobre as convicções que são promovidas com muito ruído e fortemente financiadas? O que poderia acontecer se, na ansiedade por manter uma secularização radical, acabasse por se separar das raízes que lhe dão vida? As nossas sociedades não se tornarão mais razoáveis ou tolerantes ou maleáveis, mas ao contrário, serão mais frágeis e menos inclusivas, e terão cada vez mais dificuldade em reconhecer o que é verdadeiro, nobre e bom.

Queridos amigos, desejo encorajar-vos em tudo o que fazeis para ir ao encontro do idealismo e da generosidade dos jovens de hoje, não só com programas de estudo que os ajudem a distinguir-se, mas também mediante a experiência de ideais partilhados e de ajuda recíproca no grande empreendimento do aprendizado. As habilidades de análise e as que são exigidas para formular uma hipótese científica, juntas com a arte prudente do discernimento, oferecem um antídoto eficaz às atitudes de fechamento em si, de indiferença e até de alienação que por vezes se encontram nas nossas sociedades do bem-estar e que podem atingir sobretudo os jovens.

Neste contexto de uma visão eminentemente humanista da missão da universidade, gostaria de mencionar brevemente a superação daquela ruptura entre ciência e religião que foi uma preocupação central do meu predecessor, o Papa João Paulo II.

Ele, como sabeis, promoveu uma compreensão mais plena da relação entre fé e razão, entendidas como as duas asas com as quais o espírito humano é elevado à contemplação da verdade (cf. Fides et ratio, Prefácio). Uma apoia a outra e cada uma tem o seu próprio âmbito de acção (cf. ibid., 17), não obstante ainda existam os que gostariam de separar uma da outra. Quantos propõem esta exclusão positivista do divino da universalidade da razão, não só negam aquela que é uma das mais profundas convicções dos crentes: eles acabam por contrastar precisamente o diálogo das culturas que eles mesmos propõem. Uma compreensão da razão surda ao divino, que relega as religiões para o reino das subculturas, é incapaz de entrar no diálogo das culturas do qual o nosso mundo tem urgente necessidade. No final, a "fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade" (Caritas in veritate ). Esta confiança na capacidade humana de procurar a verdade, de encontrar a verdade e de viver segundo a verdade levou à fundação das grandes universidades europeias. Certamente, nós devemos reafirmar isto hoje para infundir no mundo intelectual a coragem necessária para o desenvolvimento de um futuro de autêntico bem-estar, um futuro verdadeiramente digno do homem.

Queridos amigos, com estas reflexões formulo na oração os melhores votos pelo vosso empenhativo trabalho. Rezo para que ele seja sempre inspirado e dirigido por uma sabedoria humana que procura sinceramente a verdade que nos torna livres (cf.
Jn 8,28). Sobre vós e as vossas famílias invoco a bênção da alegria e da paz de Deus.




MENSAGEM AOS JOVENSO Esplanada de Melnik em Stará Boleslav Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009

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Queridos jovens!

No final desta celebração, dirijo-me directamente a vós e antes de tudo saúdo-vos com afecto. Viestes em grande número de todo o país e também dos países vizinhos; "acampastes" aqui ontem à noite e pernoitastes nas tendas, fazendo juntos uma experiência de fé e de fraternidade. Obrigado por esta vossa presença, que me faz sentir o entusiasmo e a generosidade que são próprios da juventude. Convosco também o Papa se sente jovem! Dirijo um agradecimento particular ao vosso representante pelas suas palavras e pelo maravilhoso dom.

Queridos amigos, não é difícil verificar que em cada jovem há uma aspiração pela felicidade, por vezes misturada com um sentido de preocupação; uma aspiração que muitas vezes a actual sociedade consumista explora de modo falso e alienante. Ao contrário, é preciso avaliar seriamente o anseio pela felicidade que exige uma resposta verdadeira e completa. De facto, na vossa idade são feitas as primeiras grandes escolhas, capazes de orientar a vida para o bem ou para o mal. Infelizmente, não são poucos os vossos coetâneos que se deixam atrair por miragens ilusórias de paraísos artificiais para se encontrar depois numa triste solidão. Mas existem também muitos jovens e moças que desejam transformar, como disse o vosso porta-voz, a doutrina na acção para dar um sentido pleno à sua vida. Convido-vos a todos a olhar para a experiência de Santo Agostinho, o qual dizia que o coração de cada pessoa é irrequieto enquanto não encontrar o que deveras procura. E ele descobriu que só Jesus Cristo era a resposta satisfatória ao desejo, seu e de cada homem, de uma vida feliz, cheia de significado e de valor (cf. Confissões, I, 1, 1).

Como fez com ele, o Senhor vem ao encontro de cada um de vós. Bate à porta da vossa liberdade e pede para ser acolhido como um amigo. Deseja tornar-vos felizes, colmar-vos de humanidade e de dignidade. A fé cristã é isto: o encontro com Cristo, Pessoa viva que dá à vida um novo horizonte e com isto a direcção decisiva. E quando o coração de um jovem se abre aos seus desígnios divinos, não tem grande dificuldade em reconhecer e seguir a sua voz. De facto, o Senhor chama cada um pelo nome e a cada um deseja confiar uma missão específica na Igreja e na sociedade. Queridos jovens, tomai consciência de que o Baptismo vos tornou filhos de Deus e membros do seu Corpo que é a Igreja. Jesus renova-vos constantemente o convite para ser seus discípulos e suas testemunhas. Muitos de vós são chamados ao matrimónio e a preparação para este Sacramento constitui um verdadeiro caminho vocacional. Considerai então seriamente a chamada divina a constituir uma família cristã e a vossa juventude seja o tempo no qual construir com sentido de responsabilidade o vosso futuro. A sociedade precisa de famílias cristãs, de famílias santas!

Depois, se o Senhor vos chama a segui-lo no sacerdócio ministerial ou na vida consagrada, não hesiteis em responder ao seu convite. Em particular, neste Ano Sacerdotal, faço apelo a vós, jovens: estai atentos e disponíveis para a chamada de Jesus a oferecer a vida ao serviço de Deus e do seu povo. A Igreja, também neste país, precisa de sacerdotes numerosos e santos, e de pessoas totalmente consagradas ao serviço de Cristo, Esperança do mundo.

A esperança! Esta palavra, sobre a qual falo com frequência, conjuga-se bem com juventude. Vós, queridos jovens, sois a esperança da Igreja! Ela espera que vos torneis mensageiros da esperança, como aconteceu no ano passado, na Austrália, na Jornada Mundial da Juventude, grande manifestação de fé juvenil, que pude viver pessoalmente e na qual alguns de vós participastes. Em maior número podereis ir a Madrid, em Agosto de 2011. Convido-vos desde já para este grande encontro dos jovens com Cristo na Igreja.

Queridos amigos, obrigado mais uma vez pela vossa presença e obrigado pelo vosso dom: o livro com as fotografias que contam a vida dos jovens nas vossas dioceses. Obrigado também pelo sinal da vossa solidariedade para com os jovens da África, que me quisestes entregar. O Papa pede-vos que vivais com alegria e entusiasmo a vossa fé; que cresçais na unidade entre vós e com Cristo; que rezeis e sejais assíduos na prática dos Sacramentos, em particular da Eucaristia e da Confissão; que cuideis a vossa formação cristã permanecendo sempre dóceis aos ensinamentos dos vossos Pastores. Guie-vos neste caminho São Venceslau com o seu exemplo e com a sua intercessão, e a Virgem Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe vos proteja sempre. A todos abençoo com afecto!





CERIMÓNIA DE DESPEDIDA Aeroporto Internacional Stará Ruzyne de Praga -Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009

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Senhor Presidente
Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado
Excelências, Senhores e Senhoras!

No momento da despedida, desejo agradecer-vos a vossa generosa hospitalidade durante a minha breve permanência neste maravilhoso país. Estou particularmente grato a Vossa Excelência, Senhor Presidente, pelas suas palavras e pelo tempo transcorrido na sua residência. Nesta festa de São Venceslau, protector e padroeiro do seu país, permita-me mais uma vez apresentar-lhe os votos mais sentidos de bom onomástico. Sendo também o onomástico de D. Václav Malý, dirijo inclusive a ele os meus votos e desejo agradecer-lhe o vivaz trabalho desempenhado para coordenar a organização da minha visita pastoral à República Checa.

Estou profundamente grato ao Cardeal Vlk, a D. Graubner e a todos os que se prodigalizaram para garantir o desenvolvimento organizado dos vários encontros e celebrações. Naturalmente incluo nos meus agradecimentos as autoridades, os meios de comunicação e os numerosos voluntários que ajudaram a regular a afluência do povo e todos os fiéis que rezaram para que esta visita desse bons frutos à nação checa e à Igreja nesta região.

Conservarei a memória dos momentos de oração que pude transcorrer juntamente com os bispos, os sacerdotes e os fiéis deste país. Foi especialmente comovedor, esta manhã, celebrar a Missa em Stará Boleslav, lugar do martírio do jovem duque Venceslau, e venerá-lo junto do seu túmulo no sábado à noite dentro da majestosa Catedral que domina o panorama de Praga. Ontem na Morávia, onde os Santos Cirilo e Metódio deram vida à sua missão apostólica, pude reflectir, em orante acção de graças, sobre as origens do cristianismo nesta região e, efectivamente, em todas as terras eslavas. A Igreja neste país foi deveras abençoada com uma extraordinária multidão de missionários e de mártires, assim como de santos contemplativos, entre os quais gostaria de recordar em particular Santa Inês da Boémia, cuja canonização, precisamente há vinte anos, foi providencialmente mensageira da libertação deste país da opressão ateia.

O meu encontro de ontem com os representantes das outras comunidades cristãs confirmou-me a importância do diálogo ecuménico nesta terra que tanto sofreu devido às consequências da divisão religiosa no tempo da guerra dos trinta anos. Muito já foi feito para curar as feridas do passado, e foram dados passos decisivos no caminho da reconciliação e da verdadeira unidade em Cristo. Na ulterior construção destas bases sólidas, a comunidade académica desempenha um papel importante, mediante uma busca da verdade sem sujeições. Foi para mim um prazer ter a oportunidade de me encontrar ontem com os representantes das universidades deste país e expressar-lhes o meu apreço pela nobre missão à qual dedicaram a sua vida.

Senti-me particularmente feliz por me encontrar com os jovens e encorajá-los a construir sobre as melhores tradições do passado desta nação, de modo especial, sobre a herança cristã. Segundo um ditado atribuído a Franz Kafka, "Quem mantém a capacidade de ver a beleza nunca envelhece" (Gustav Janouch, Conversas com Kafka). Se os nossos olhos permanecerem abertos à beleza da criação de Deus e as nossas mentes à beleza da sua verdade, então poderemos deveras esperar permanecer jovens e construir um mundo que reflicta algo da beleza divina, de modo a oferecer inspiração às futuras gerações para que façam o mesmo.

Senhor Presidente, queridos amigos, mais uma vez expresso o meu obrigado, prometendo que me recordarei de vós nas minhas orações e vos levarei no meu coração. Deus abençoe a República Checa! O Menino Jesus de Praga continue a inspirar e a guiar Vossa Excelência e todas as famílias da nação! Deus abençoe todos vós!





ENCONTRO COM AS AUTORIDADES CIVIS E MILITARES, COM AS COMUNIDADES RELIGIOSAS E OS ADIDOS DOS DIVERSOS SERVIÇOS REALIZADOS

DURANTE O PERÍODO DE SUA PERMANÊNCIA DE VERÃO Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009

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Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, Sala dos Suíços


Queridos irmãos e irmãs

Está para terminar também este ano o período de Verão que habitualmente transcorro na residência de Castel Gandolfo. Estes meses ofereceram-me a oportunidade de constatar de perto a dedicação generosa e o compromisso competente que muitas pessoas assumem para assegurar toda a assistência a mim e aos meus colaboradores, aos hóspedes e aos peregrinos que me vêm visitar, especialmente aos domingos, para o tradicional encontro do Angelus. Por tudo isto, renovo a minha sincera gratidão a cada um de vós, no momento em que me despeço desta bonita e risonha localidade, que me é querida.

Saúdo e agradeço em primeiro lugar ao Bispo de Albano Laziale, D. Marcello Semeraro, ao pároco e à comunidade paroquial de Castel Gandolfo, juntamente com as diversas comunidades religiosas que aqui vivem e trabalham. Através de vários encontros, é-me dado constatar a tensão espiritual que anima toda a Igreja local de Albano, que encorajo a progredir com renovado entusiasmo no anúncio e no testemunho do Evangelho.

Depois, dirijo uma deferente saudação ao Senhor Presidente da Câmara Municipal e aos componentes da Administração do Município, que trabalham sempre para facilitar, no âmbito das suas competências, a minha estadia aqui em Castel Gandolfo. Enquanto vos agradeço a profícua colaboração que ofereceis durante o ano inteiro à Direcção das Vilas Pontifícias, é de bom grado que aproveito esta ocasião para manifestar os sentimentos do meu carinho e do meu reconhecimento a toda a população de Castel Gandolfo.

Dirijo-me agora aos dirigentes e aos adidos dos diversos Serviços do Governatorato, a começar pelo Corpo da Gendarmaria, a "Floreria" e os Serviços técnicos. Prezados amigos, também aqui em Castel Gandolfo posso apreciar a abnegação que vos distingue no vosso trabalho ao serviço do Sucessor de Pedro.Avóse às vossas famílias, garanto uma recordação constante na oração. Dirijo com profunda cordialidade a minha saudação reconhecida à Pontifícia Guarda Suíça, cuja presença no Palácio Apostólico e nos encontros do Papa com os peregrinos contribui visivelmente para oferecer aos visitantes uma hospitalidade ainda mais eficaz.

Enfim, dirijo um pensamento de gratidão sincera aos funcionários e aos agentes das diversas Forças da Ordem italianas, pela sua colaboração constante, assim como aos oficiais e aos aviadores do 31ª esquadrão da Aeronáutica Militar. Estou grato a todos pelo seu serviço qualificado, que contribui para tornar tranquila a minha estadia, bem como a dos meus colaboradores, e que me é muito útil nas minhas viagens de helicóptero.

Estimados irmãos e irmãs, reitero a todos mais uma vez o meu agradecimento do fundo do coração. Hoje, a Igreja recorda Santa Teresa do Menino Jesus, carmelita do mosteiro de Lisieux. O seu testemunho demonstra que somente a palavra de Deus, acolhida e compreendida nas suas exigências concretas, se torna manancial de vida renovada. À nossa sociedade, muitas vezes imbuída de uma cultura racionalista e de um materialismo prático difundido, a pequena Teresa de Lisieux indica, como resposta às grandes interrogações da existência a "pequena via", que ao contrário olha para a essência das coisas. É a vereda humilde do amor, capaz de abarcar e dar sentido e valor a toda a vicissitude humana. Caros amigos, segui o exemplo desta Santa; o caminho por ela percorrido está ao alcance de todos, porque é a senda da confiança total em Deus, que é Amor e nunca nos abandona.

Mais uma vez, obrigado pela vossa presença neste encontro; agradeço de modo especial àqueles que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos. Confio todos vós à protecção materna da Virgem Maria, e concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, assim como às vossas famílias e aos vossos entes queridos.

Discursos Bento XVI 26949