Discursos Bento XVI 11009


SAUDAÇÃO

AOS DEPENDENTES DAS VILAS PONTIFÍCIAS

DE CASTEL GANDOLFO Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009



Prezados irmãos e irmãs

Tendo chegado ao fim da minha permanência em Castel Gandolfo, desejo renovar-vos a minha gratidão pela obra preciosa e diligente que desempenhais aqui, nas Vilas pontifícias. Saúdo em primeiro lugar o Director, Doutor Saverio Petrillo, e agradeço-lhe as amáveis palavras, com que interpretou os sentimentos corais; além disso, saúdo os colaboradores e todos vós, que fazeis parte do grupo de trabalho deste "apêndice" do Vaticano. Nestes meses, pude dar-me conta pessoalmente da atenção e da diligência com que levais a cabo a vossa actividade quotidiana. Obrigado de coração a todos vós!

O meu agradecimento estende-se às vossas famílias que, de certa maneira, participam do vosso serviço à Santa Sé, aceitando a vossa disponibilidade, que comporta não poucas ausências em casa, especialmente no período da minha permanência em Castel Gandolfo. Peço ao Senhor que vos assista, bem como os vossos entes queridos, cumulando-vos com a sua graça e acompanhando-vos com o seu amor paternal.

1003 Hoje, celebramos a memória de Santa Teresa do Menino Jesus, recordada pela Igreja principalmente porque intuiu e descreveu a profunda verdade do Amor, como centro e coração da Igreja, e viveu este mistério intensamente na sua existência, que contudo foi breve. Precisamente pela centralidade que nela adquire a relação com Cristo e a escolha do amor, pelo espaço que ela reserva inclusive aos afectos e aos sentimentos ao longo do caminho espiritual, Teresa de Lisieux é uma Santa muito actual, que se propõe como singular modelo e guia de todos, jovens e adultos. Confio-vos à sua salvaguarda especial, a fim de que possais desempenhar o vosso trabalho com tranquilidade e de modo proveitoso. Vele sempre sobre vós e as vossas famílias também a Virgem Maria, que invoco com confiança, enquanto vos asseguro uma recordação na oração e abençoo todos vós com afecto.




À SENHORA MERCEDES ARRASTIA TUASON NOVA EMBAIXADORA DAS FILIPINAS JUNTO DA SANTA SÉ Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009




Senhora Embaixadora!

Grato pelas amáveis palavras que me dirigiu, aceito de boa vontade as Cartas credenciais que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da República das Filipinas junto da Santa Sé. Gostaria de retribuir a calorosa saudação que me dirigou em nome de Sua Excelência, a Presidente Gloria Macapagal-Arroyo, e peço-lhe que lhe transmita assim como a todo o amado povo filipino a certeza da minha proximidade espiritual e oração, especialmente pelas vítimas do furacão Ketsana.

Durante mais de meio século, a Santa Sé e as Filipinas mantiveram excelentes relações diplomáticas, fortalecendo a sua cooperação duradoura para a promoção da paz, da dignidade humana e da liberdade. O espírito de boa vontade que nos conduziu a este dia certamente induzirá um novo desejo de trabalhar em conjunto para que a justiça e a liberdade caminhem a par e passo, e que os princípios democráticos sejam fundados na verdade. Da sua parte, a Igreja, no meio de tantas mudanças das condições sociais, económicas e políticas em todo o mundo, continua a oferecer o Evangelho como o caminho para o progresso humano autêntico (cf. Spe Salvi, 23). Estou confiante que a fé do povo filipino uma fé, como Sua Excelência indicou, que lhes dá "capacidade" para enfrentar qualquer sofrimento ou dificuldade originará neles um desejo de participar ainda mais fervorosamente na tarefa mundial de construção de uma civilização de amor, cuja semente Deus implantou em cada pessoa e em cada cultura.

Excelência, estou feliz por observar as várias iniciativas para o desenvolvimento em curso no seu país, inclusive a modernização dos sistemas de irrigação, a melhoria do transporte público e a reforma dos programas de assistência social. Enquanto as Filipinas continuam a implementar estes e outros planos para um desenvolvimento justo e sustentável, estou confiante que irá haurir de todos os seus recursos espirituais e materiais a fim de que os seus cidadãos possam prosperar no corpo e na alma, conhecendo a bondade de Deus e vivendo em solidariedade com o próximo. Certamente, estes programas, em primeiro lugar, são destinados a melhorar as condições de vida actuais dos mais pobres, permitindo-lhes deste modo cumprir as suas responsabilidades perante as suas famílias e levar a cabo os deveres que lhes competem como membros de uma comunidade mais vasta. Acima de tudo, a luta contra a pobreza exige honestidade, integridade e uma fidelidade firme para com os princípios de justiça, especialmente da parte daqueles que foram directamente encarregados de funções de governo e administração pública.

Num tempo em que determinados grupos abusam do nome de Deus, o "trabalho da caridade" (Caritas in veritate ) é particularmente urgente. Isto verifica-se de modo especial nas regiões que infelizmente foram marcadas por conflitos. Encorajo todos a perseverar a fim de que a paz possa triunfar. Como mencionou, Senhora Embaixadora, iniciativas que se destinem a facilitar o diálogo e o intercâmbio cultural são particularmente eficazes, para que a paz nunca se torne um mero produto de um processo técnico elaborado através de meios legislativos, judiciais ou económicos. Na convicção de que o mal só pode ser vencido com o bem (cf. Rm 12,21), muitos no seu país estão a dar passos corajosos para reunir as pessoas a fim de incentivar a reconciliação e a compreensão recíproca. Penso de modo particular no louvável trabalho da Bishops Ulama Conference (buc), da Mindanao People's Conference, assim como de muitas organizações de base. O Special Non-Aligned Movement Ministerial Meeting on Interfaith Dialogue and Cooperation for Peace and Development, que o seu país irá hospedar em Dezembro, também oferece a promessa de promover a paz em Mindanao e no mundo.

Em conclusão, Senhora Embaixadora, gostaria de aproveitar esta oportunidade para garantir ao povo filipino o meu afecto e a oração contínua por eles. Encorajo-os a fazer com que a sua fé profunda, a sua herança cultural e os valores democráticos que pertencem ao seu património desde o tempo da independência, resplandeçam como um exemplo para todos.

Ao dar as cordiais boas-vindas a Sua Excelência e à sua distinta família, formulo os meus melhores votos para que a sua permanência em Roma possa ser agradável, e que a importante missão que lhe foi confiada possa consolidar as relações entre a Santa Sé e a República das Filipinas, em benefício de todos. Pela intercessão da Nossa Senhora da Verdade, da Justiça e da Santidade, possa Deus abençoar os esforços das autoridades e dos cidadãos, para que a sua nação possa caminhar pela via do progresso humano autêntico numa atmosfera de harmonia e paz.




À SENHORA BARONESA HENRIETTE JOHANA CORNELIA MARIA VAN LYNDEN-LEIJTEN NOVA EMBAIXADORA DOS PAÍSES BAIXOS JUNTO DA SANTA SÉ Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009

Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

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Excelência

Estou feliz por lhe dar boas-vindas ao Vaticano e aceitar as Cartas que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária do Reino dos Países Baixos junto da Santa Sé. Gostaria de lhe manifestar a minha gratidão pelos bons votos que Vossa Excelência me transmite da parte da Rainha Beatriz. Quanto a mim, peço-lhe que comunique a Sua Majestade as minhas cordiais saudações e a certeza das minhas preces incessantes por todo o povo da sua nação.

Num mundo que está cada vez mais intimamente interligado, as relações diplomáticas da Santa Sé com os Estados singularmente oferecem muitas oportunidades para a cooperação em importantes questões globais. Nesta luz, a Santa Sé valoriza os seus vínculos com os Países Baixos e espera fortalecê-los ainda mais nos anos vindouros. O seu país, como membro fundador da Comunidade Económica Europeia e sede de diversas instituições jurídicas, desde há muito tempo está na vanguarda no que se refere às iniciativas que visam revigorar a cooperação internacional, para o maior bem da família humana. Por isso, a missão que Vossa Excelência está prestes a encetar é rica de oportunidades de acção conjunta para fomentar a paz e a prosperidade, à luz do desejo que tanto a Santa Sé como os Países Baixos têm de ajudar a pessoa humana.

A defesa e a promoção da liberdade constituem um elemento-chave neste tipo de compromisso humanitário, para o qual quer a Santa Sé quer o Reino dos Países Baixos chamam frequentemente a atenção. No entanto, é preciso compreender que a liberdade tem necessidade de ser alicerçada na verdade a verdade da natureza da pessoa humana e deve orientar-se para o bem dos indivíduos e da sociedade. Na crise financeira dos últimos doze meses, o mundo inteiro foi capaz de observar as consequências do individualismo exagerado, que tende a favorecer a busca de uma evidente vantagem pessoal e a excluir os outros bens. Tem-se reflectido muito sobre a necessidade de uma sólida abordagem ética dos processos de integração económica e política, e muitas pessoas conseguem reconhecer que a globalização deve orientar-se para a finalidade do desenvolvimento humano integral dos indivíduos, das comunidades e dos povos modelado não tanto por forças mecânicas ou deterministas, mas por valores humanitários que sejam abertos à transcendência (cf. Caritas in veritate ). O nosso mundo tem necessidade de "recuperar o verdadeiro sentido da liberdade, que não consiste no inebriamento de uma autonomia total, mas na resposta ao apelo do ser" (Ibid., n. 70). Daqui, a convicção da Santa Sé a respeito do papel insubstituível das comunidades de fé na vida e no debate públicos.

Embora uma parte da população holandesa se declare agnóstica ou até ateia, mais de metade da mesma professa a cristandade, e o número crescente de imigrantes que seguem outras tradições religiosas tornam mais necessário do que nunca que as autoridades civis reconheçam o lugar ocupado pela religião na sociedade holandesa. Uma indicação de que o seu governo está a fazê-lo é o facto de que no seu país as escolas confessionais recebem assistência do Estado, e justamente, porque tais instituições são chamadas a oferecer uma contribuição significativa para a compreensão mútua e para a coesão social, transmitindo os valores que estão arraigados numa visão transcendental da dignidade humana.

A este propósito, ainda mais elementares do que as escolas são as famílias, edificadas sobre o fundamento de um matrimónio estável e fecundo entre um homem e uma mulher. Nada pode igualar nem substituir o valor formativo do crescimento num ambiente familiar seguro, aprendendo a respeitar e a fomentar a dignidade pessoal dos outros, adquirindo a capacidade de "acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso e profunda solidariedade" (Familiaris consortio
FC 43 cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 221), em síntese, aprendendo a amar. Por outro lado, uma sociedade que encoraja modelos alternativos de vida doméstica, por amor a uma presumível diversidade, provavelmente acumulará consequências sociais que não podem conduzir ao desenvolvimento humano integral (cf. Caritas in veritate Caritas in veritate, 44 e 51). A Igreja católica no seu país deseja ardentemente desempenhar o papel que lhe é próprio, ajudando e promovendo uma vida familiar estável, como a Conferência Episcopal Holandesa declarou no seu recente documento sobre o cuidado pastoral dos jovens e da família. A minha esperança ardente é de que a contribuição católica oferecida para o debate ético seja ouvida e receba a atenção de todos os sectores da sociedade holandesa, a fim de que a nobre cultura que desde há séculos tem caracterizado o seu país, possa continuar a ser conhecida pela sua solidariedade para com os pobres e os vulneráveis, pela sua promoção da liberdade autêntica e pelo seu respeito pela dignidade e pelo valor inestimável de cada ser humano.

Excelência, enquanto formulo os meus melhores votos para o bom êxito da sua missão, gostaria de lhe assegurar que os vários Departamentos da Cúria Romana estão prontos para lhe oferecer ajuda e apoio no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o povo do Reino dos Países Baixos, invoco cordialmente as abundantes bênçãos de Deus.




AO SENHOR MIGUEL HUMBERTO DÍAZ NOVO EMBAIXADOR DOS ESTADOS UNIDOS JUNTO DA SANTA SÉ Palácio Pontifício de Castel Gandolfo

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Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009




Excelência

É-me grato aceitar as Cartas mediante as quais Vossa Excelência é acreditado como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário dos Estados Unidos da América. Recordo-me com prazer do meu encontro com o Presidente Barack Obama e com a sua família no passado mês de Julho, e é de bom grado que retribuo as amáveis saudações que o Senhor Embaixador me comunica da sua parte. Aproveito também esta ocasião para manifestar a minha esperança de que as relações diplomáticas entre os os Estados Unidos da América e a Santa Sé, formalmente iniciadas há vinte e cinco anos, continuarão a caracterizar-se pelo fecundo diálogo e cooperação na promoção da dignidade humana, pelo respeito pelos direitos humanos fundamentais e do serviço à justiça, à solidariedade e à paz no seio de toda a família humana.

Durante a minha visita pastoral ao seu país, no ano passado, tive o prazer de encontrar uma democracia vibrante, comprometida no serviço ao bem comum e modelada por uma visão de igualdade e de comum oportunidade, baseada na dignidade e liberdade conferidas por Deus a cada ser humano. Esta visão, contida nos documentos constituintes da nação, continua a inspirar o crescimento dos Estados Unidos como uma sociedade coesiva e ao mesmo tempo pluralista, enriquecida constantemente pelos dons trazidos pelas novas gerações, inclusive pelos numerosos imigrantes que continuam a fortalecer e rejuvenescer a sociedade americana. Nos últimos meses, a confirmação desta dialéctica de tradição e originalidade, unidade e diversidade, voltou a capturar a imaginação do mundo, em que muitos povos olham para a experiência americana e para a sua visão constituinte, ao procurarem modelos realizáveis de democracia responsável e de desenvolvimento sólido, numa sociedade global cada vez mais interdependente.

Por este motivo, aprecio o seu reconhecimento sobre a necessidade de um maior espírito de solidariedade e de compromisso multilateral na abordagem dos urgentes problemas que se apresentam ao nosso planeta. A promoção dos valores da "vida, liberdade e busca da felicidade" já não pode ser visto em termos predominantemente individualistas, nem sequer nacionais mas, ao contrário, deve ser considerado a partir da perspectiva mais elevada do bem comum de toda a família humana. Obviamente, a crise económica internacional duradoura exige uma revisão das estruturas políticas, económicas e financeiras do momento presente, à luz da urgência ética de assegurar o desenvolvimento integral de todos os povos. Com efeito, é necessário um modelo de globalização inspirado por um humanismo autêntico, em que os povos do mundo sejam vistos não meramente como vizinhos, mas como irmãos e irmãs.

Por sua vez, o multilateralismo não deveria limitar-se puramente às problemáticas económicas e políticas; pelo contrário, deveria encontrar expressão na determinação de abordar toda a miríade de questões ligadas ao futuro da humanidade e à promoção da dignidade humana, inclusive ao acesso seguro à alimentação e à água, à assistência médica básica, às justas políticas de gestão do comércio e da imigração, particularmente no que diz respeito às famílias, ao controle climático e ao cuidado do meio ambiente e à eliminação do flagelo das armas nucleares. A propósito desta última questão, desejo manifestar a minha satisfação pelo recente encontro do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, presidida pelo Presidente Obama, que aprovou unanimemente a resolução sobre o desarmamento atómico, apresentando à comunidade internacional a finalidade de um mundo livre de armas nucleares. Trata-se de um sinal promissor, nas vésperas da Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares.

O progresso genuíno, como insiste o magistério social da Igreja, deve ser integral e humano; ele não pode prescindir da verdade a respeito dos seres humanos e deve ser sempre orientado para o bem autêntico. Em síntese, a fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade, que é a única garantia da liberdade e do desenvolvimento real. Por sua vez, a Igreja presente nos Estados Unidos deseja contribuir para o debate sobre as graves questões éticas e sociais que estão a forjar o futuro da América, propondo argumentos respeitosos e razoáveis, fundamentados na lei natural e confirmados pela perspectiva da fé. A visão e a imaginação religiosas não limitam mas enriquecem o debate político e ético, e as religiões, precisamente porque tratam o destino último de cada homem e mulher, são chamados a ser uma força profética para a libertação e o desenvolvimento do homem no mundo inteiro, de maneira particular nas áreas dilaceradas pela hostilidade e pelo conflito. Na minha recente viagem à Terra Santa, salientei o valor da compreensão e da cooperação entre os seguidores das várias religiões ao serviço da paz, e assim é com apreço que observo o desejo que o seu governo tem de promover tal cooperação como parte de um diálogo mais vasto entre as culturas e os povos.

Permita-me, Senhor Embaixador, reafirmar uma convicção que manifestei no início da minha viagem apostólica aos Estados Unidos. A liberdade a liberdade que os americanos justamente têm a peito "é não só um dom, mas também um apelo à responsabilidade pessoal"; é "um desafio que se apresenta a cada geração, e deve ser enfrentado constantemente para a causa do bem" (Discurso na Casa Branca, 16 de Abril de 2008). A preservação da liberdade está inseparavelmente ligada ao respeito pela verdade e à busca da prosperidade humana autêntica. A crise das nossas democracias modernas exige um compromisso renovado num diálogo razoável, no discernimento de políticas sábias e justas, respeitadoras da natureza humana e da dignidade do homem. A Igreja nos Estados Unidos contribui para este discernimento, particularmente através da formação das consciências e do seu apostolado educativo, mediante o qual ela oferece uma contribuição positiva à vida cívica e ao debate público americanos. Aqui, penso de modo particular na necessidade de um discernimento preclaro em relação a questões que se referem à salvaguarda da dignidade humana e ao respeito pelo direito inalienável à vida, desde o momento da concepção até à morte natural, assim como à protecção do direito à objecção de consciência da parte dos agentes que trabalham no campo da saúde e, na realidade, de todos os cidadãos. A Igreja insiste sobre o vínculo indissolúvel entre a ética da vida e todos os demais aspectos da ética social, pois está persuadida de que, segundo as palavras proféticas do saudoso Papa João Paulo II, "não pode ter sólidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente, aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e marginalizada" (Evangelium vitae
EV 93 cf. Caritas in veritate ).

Senhor Embaixador, no momento em que Vossa Excelência dá início à sua nova missão ao serviço do seu país, formulo os meus bons votos e a promessa das minhas orações. Tenha a certeza de que poderá contar sempre com os departamentos da Santa Sé, que o assistirão no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência, a sua família e todo o querido povo americano, invoco cordialmente as bênçãos divinas da sabedoria, fortaleza e paz.



II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS

(4-25 DE OUTUBRO DE 2009)

MEDITAÇÃO

NA PRIMEIRA CONGREGAÇÃO GERAL Sala do Sínodo, Hora Tertia

Segunda-feira, 5 de Outubro de 2009


Queridos irmãos e irmãs!

Demos início agora ao nosso encontro sinodal, invocando o Espírito Santo e sabendo bem que neste momento não podemos realizar tudo aquilo que temos a fazer pela Igreja e pelo mundo: só na força do Espírito Santo podemos encontrar o que é recto e depois actuá-lo. E todos os dias começaremos o nosso trabalho invocando o Espírito Santo com a oração da Hora Tertia "Nunc sancte nobis Spiritus". Portanto, neste momento, juntamente convosco, gostaria de meditar um pouco sobre este hino, que abre o trabalho cada dia, agora no Sínodo, mas também depois na nossa vida quotidiana.

1006 "Nunc sancte nobis Spiritus". Peçamos para que o Pentecostes não seja só um acontecimento do passado, o primeiro início da Igreja, mas seja hoje, aliás agora: "Nunc sancte nobis Spiritus".Peçamos que o Senhor realize agora a efusão do seu Espírito e crie novamente a sua Igreja e o mundo. Recordemos que os apóstolos depois da Ascensão não iniciaram – como talvez teria sido normal – a organizar, a criar a Igreja futura. Esperaram a acção de Deus, esperaram o Espírito Santo. Compreenderam que a Igreja não pode ser feita, que não é o produto da nossa organização: a Igreja deve nascer do Espírito Santo. Como o próprio Senhor foi concebido e nasceu do Espírito Santo, assim também a Igreja deve ser sempre concebida e nascer do Espírito Santo. Só com este acto criativo de Deus podemos entrar na actividade de Deus, na acção divina e colaborar com Ele. Neste sentido, também todo o nosso trabalho no Sínodo é colaborar com o Espírito Santo, com a força de Deus que nos antecede. E devemos sempre implorar de novo para que se cumpra esta iniciativa divina, na qual podemos depois ser colaboradores de Deus e contribuir para que de novo a sua Igreja nasça e cresça.

A segunda estrofe deste hino – "Os, lingua, mens, sensus, vigor, / Confessionem personent: / Flammescat igne caritas, / accendat ardor proximos" – é o coração desta oração. Imploremos a Deus três dons, os dons essenciais do Pentecostes, do Espírito Santo: confessio, caritas, proximos. Confessio: tem a língua de fogo que é "racional", doa a palavra justa e faz pensar à superação da Babilónia na festa do Pentecostes. A confusão nascida do egoísmo e da soberba do homem, cujo efeito é não mais poder compreender-se, é superada pela força do Espírito, que une sem uniformizar, que dá unidade na pluralidade: cada um pode entender o outro, inclusive nas diversidades das línguas. Confessio: a palavra, a língua de fogo que o Senhor nos dá, a palavra comum na qual estamos todos unidos, a cidade de Deus, a santa Igreja, na qual toda a riqueza das diversas culturas está presente. Flammescat igne caritas. Esta confissão não é uma teoria mas é vida, é amor. O coração da santa Igreja é o amor, Deus é amor e comunica-se comunicando-nos o amor. E enfim, o próximo. A Igreja nunca é um grupo fechado em si, que vive por si como um dos muitos grupos que existem no mundo, mas distingue-se pela universalidade da caridade, da responsabilidade pelo próximo.

Consideremos um por um estes três dons. Confessio: na linguagem da Bíblia e da Igreja antiga esta palavra possui dois significados essenciais, que parecem opostos mas que, com efeito, constituem uma única realidade. Confessio, antes de tudo, é a confissão dos pecados: reconhecer a nossa culpa e saber que diante de Deus somos insuficientes, somos culpados, não estamos na recta relação com Ele. Este é o primeiro ponto: conhecer-se a si mesmo na luz de Deus. Só nesta luz podemos nos conhecer a nós mesmos, podemos entender inclusive quanto mal existe em nós e assim, ver quanto deve ser renovado, transformado. Só na luz de Deus nos conhecemos uns aos outros e vemos realmente toda a realidade.

Parece-me que devemos considerar tudo isto nas nossas análises sobre a reconciliação, a justiça e a paz. São importantes as análises empíricas, é importante que se conheça exactamente a realidade deste mundo. Contudo, estas análises horizontais, feitas com tanta exactidão e competência, são insuficientes. Não indicam os verdadeiros problemas porque não os colocam à luz de Deus. Se não virmos que na raiz está o Mistério de Deus, as coisas do mundo irão mal porque a relação com Deus não é ordenada. E se a primeira relação, aquela de base, não for correcta, todas as outras relações, por mais que possa haver de bem, fundamentalmente não funcionam. Por isso, todas as nossas análises do mundo são insuficientes se não formos até este ponto, se não considerarmos o mundo na luz de Deus, se não descobrirmos que na raiz das injustiças, da corrupção, está um coração não recto, um fechamento para com Deus e, portanto, uma falsificação da relação essencial que é o fundamento de todas as outras.

Confessio: compreender na luz de Deus as realidades do mundo, a primazia de Deus e, enfim, todo o ser humano e as realidades humanas, que tendem à nossa relação com Deus. E se ela não for correcta, não alcança o ponto desejado por Deus, não entra na sua verdade, também todo o resto não é corrigível porque nasce de novo com todos os vícios que destroem a rede social e a paz no mundo.

Confessio: ver a realidade na luz de Deus, entender que no fundo as nossas realidades dependem da nossa relação com o nosso Criador e Redentor, e assim ir à verdade, à verdade que salva. Santo Agostinho, ao referir-se ao 3º capítulo do Evangelho de São João, definiu o acto da confissão cristã como "realizar a verdade, ir à luz". Só vendo as nossas culpas na luz de Deus, a insuficiência da nossa relação com Ele, caminhamos à luz da verdade. E só a verdade salva. Finalmente, actuamos na verdade: confessar realmente nesta profundidade da luz de Deus é realizar a verdade.

Este é o primeiro significado da palavra confessio, confissão dos pecados, reconhecimento da culpabilidade que resulta da nossa relação falida com Deus. Mas, um segundo significado de confissão é dar graças a Deus, glorificar Deus, testemunhar Deus. Podemos reconhecer a verdade do nosso ser porque existe a resposta divina. Deus não nos deixou sós com os nossos pecados; até quando a nossa relação com a sua majestade está impedida, Ele não se retira mas vem e dá-nos a mão. Por conseguinte, confessio é testemunho da bondade de Deus, é evangelização. Poderíamos dizer que a segunda dimensão da palavra confessio é idêntica à evangelização. Vemos isto no dia de Pentecostes, quando São Pedro, no seu discurso, por um lado, acusa a culpa das pessoas – matastes o santo e o justo – mas ao mesmo tempo, diz: este Santo ressuscitou e ama-vos, abraça-vos, chama-vos para ser seus no arrependimento e no baptismo, e também na comunhão do seu Corpo. Na luz de Deus, confessar torna-se necessariamente anunciar Deus, evangelizar e desse modo renovar o mundo.

A palavra confessio, contudo, recorda-nos ainda outro elemento. No capítulo 10 da Carta aos Romanos São Paulo interpreta a confissão do capítulo 30 do Deuteronómio. Neste último texto parece que os judeus, entrando na forma definitiva da aliança, na Terra Santa, tenham medo e não possam realmente responder a Deus como deveriam. O Senhor diz-lhes: não tenhais medo, Deus não está longe. Para alcançar Deus não é necessário atravessar um oceano desconhecido, não são necessárias viagens espaciais no céu, coisas complicadas ou impossíveis. Deus não está distante, não está do outro lado do oceano, nesses espaços imensos do universo. Deus está próximo. Está no teu coração e nos teus lábios, com a palavra da Torah, que entra no teu coração e se anuncia nos teus lábios. Deus está em ti e contigo, está próximo.

Na sua interpretação, São Paulo substitui a palavra Torah pela expressão confissão e fé. Diz: realmente Deus está próximo, não são necessárias expedições complicadas para chegar até Ele, nem aventuras espirituais ou materiais. Deus está próximo com a fé, está no teu coração, e com a confissão está nos teus lábios. Está em ti e contigo. Realmente Jesus Cristo com a sua presença dá-nos a palavra da vida. Assim entra, na fé, no nosso coração. Habita no nosso coração e na confissão levamos a realidade do Senhor ao mundo, a este nosso tempo. Este elemento parece-me muito importante: o Deus próximo. As coisas da ciência, da técnica incluem grandes investimentos: as aventuras espirituais e materiais são custosas e difíceis. Mas Deus doa-se gratuitamente. As maiores coisas desta vida – Deus, amor, verdade – são gratuitas. Deus doa-se no nosso coração. Diria que deveríamos meditar com frequência sobre esta gratuidade de Deus: não há necessidade de grandes dons materiais ou intelectuais para estar próximo de Deus. Deus doa-se gratuitamente no seu amor, está em mim no coração e nos lábios. Esta é a coragem, a alegria da nossa vida. Também é a coragem presente neste Sínodo, porque Deus não está distante: está connosco com a palavra da fé. Penso que esta dualidade também é importante: a palavra no coração e nos lábios. Esta profundidade da fé pessoal, que realmente me une intimamente com Deus, em seguida deve ser confessada: fé e confissão, interioridade na comunhão com Deus e testemunho da fé que se exprime nos meus lábios e se torna tão sensível e presente no mundo. São dois aspectos importantes que estão sempre juntos.

Depois, o hino sobre o qual estamos a falar indica também os lugares nos quais se encontra a confissão: "os, lingua mens, sensus vigor". Todas as nossas capacidades de pensar, falar, sentir, agir, devem ressoar – o latim usa o verbo "personare" – a palavra de Deus. O nosso ser, em todas as suas dimensões, deveria estar repleto desta palavra, que se torna assim realmente sensível no mundo que, através da nossa existência, ressoa no mundo: a palavra do Espírito Santo.

E depois, brevemente, outros dois dons. A caridade: é importante que o cristianismo não seja uma soma de ideias, uma filosofia, uma teologia, mas um modo de viver, o cristianismo é caridade, é amor. Só assim nos tornamos cristãos: se a fé se transforma em caridade, se é caridade. Podemos dizer que também logos e caritas caminham juntos. O nosso Deus é, por um lado, logos razão eterna. Mas esta razão é também amor, não é fria matemática que constrói o universo, não é um demiurgo: esta razão eterna é fogo, é caridade. Em nós mesmos deveria realizar-se esta unidade de razão e caridade, de fé e caridade. E assim, transformados na caridade tornar-nos, como dizem os Padres gregos, divinizados. Diria que no desenvolvimento do mundo este percurso é visto como uma subida, desde as primeiras realidades criadas até à criatura homem. Mas esta escada ainda não terminou. O homem deveria ser divinizado e assim realizar-se. A unidade da criatura e do Criador: é este o verdadeiro desenvolvimento, alcançar a graça de Deus nesta abertura. A nossa essência é transformada na caridade. Se falamos deste desenvolvimento, pensamos sempre também nesta última meta, onde Deus quer chegar connosco.

1007 Enfim, o próximo. A caridade não é algo individual, mas universal e concreto. Hoje, na Missa proclamámos a página evangélica do bom samaritano, na qual vemos a dupla realidade da caridade cristã, que é universal e concreta. Este samaritano encontra um judeu que está além dos confins da sua tribo e da sua religião. Mas a caridade é universal e por isso este estrangeiro em todos os sentidos é para ele o próximo. A universalidade abre os limites que fecham o mundo e criam as diversidades e os conflitos. Ao mesmo tempo, o facto de que se deve fazer algo pela universalidade não é filosofia mas acção concreta.

Devemos tender para esta unificação de universalidade e solidez, devemos abrir realmente estes confins entre tribos, etnias e religiões à universalidade do amor de Deus. E isto não só em teoria mas nos lugares da vida, com toda a solidez necessária. Rezemos ao Senhor para que nos doe tudo isto, na força do Espírito Santo. No final, o hino é glorificação do Deus Trino e Uno e oração de conhecer e crer. Assim, o fim regressa ao início. Rezemos para que possamos conhecer, conhecer se torne crer, e crer se torne amar, acção. Peçamos ao Senhor a fim de que nos doe o Espírito Santo, suscite um novo Pentecostes, nos ajude a ser os seus servidores neste momento do mundo. Amém.

Discursos Bento XVI 11009