Discursos Bento XVI 1007


DISCURSO DO PATRIARCA DA IGREJA ORTODOXA DA ETIÓPIA

NA TERCEIRA CONGREGAÇÃO GERAL

DA II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS

SAUDAÇÃO

À SUA SANTIDADE ABUNA PAULOS Terça-feira, 6 de Outubro de 2009



Santidade

Agradeço-lhe do fundo do coração a sua atenciosa apresentação e por ter aceite o meu convite para participar nesta segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. Tenho a certeza de que a minha gratidão e o meu apreço são partilhados por todos os membros da Assembleia.

A sua presença é um eloquente testemunho da antiguidade e das ricas tradições da Igreja na África. Desde os tempos apostólicos, entre as várias pessoas desejosas de escutar a mensagem de salvação de Cristo estavam também os habitantes da Etiópia (cf. Ac 8,26-40). A fidelidade do seu povo ao Evangelho continua a exprimir-se através da obediência à sua lei de amor, mas também, como nos lembrou, da perseverança diante das perseguições e do supremo sacrifício do martírio em nome de Cristo.

Vossa Santidade recordou que a proclamação do Evangelho não pode ser separada do compromisso de construir uma sociedade segundo a vontade de Deus, que deve respeitar as bênçãos da criação e proteger a dignidade e a inocência de todos os seus filhos. Em Cristo, sabemos que a reconciliação é possível, que a justiça pode prevalecer e que a paz pode durar! Esta é a mensagem de esperança que nós somos chamados a proclamar. Esta é a promessa que os habitantes da África esperam ver cumprida.

Oremos, então, para que as nossas Igrejas possam estar mais próximas da unidade que é dom do Espírito Santo, e para que sejam testemunhas da esperança trazida pelo Evangelho. Continuemos a trabalhar para o desenvolvimento integral de todos os povos da África, fortalecendo as famílias que são o sustentáculo da sociedade africana, educando os jovens que são o futuro da África e contribuindo para a formação de sociedades que se distingam pela honestidade, integridade e solidariedade! Que as nossas decisões durante estas semanas possam ajudar os seguidores de Cristo em todo o continente a serem exemplos convincentes de rectidão, misericórdia e paz, e a ser a luz que guia o caminho das futuras gerações.

Santidade, agradeço-lhe mais uma vez a sua presença e as suas preciosas reflexões. Que a sua participação neste Sínodo seja uma bênção para as nossas Igrejas!




NO CONCERTO "JOVENS CONTRA A GUERRA" POR OCASIÃO DO 70º ANO DO INÍCIO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Auditorium de Via della Conciliazione

Quinta-feira, 8 de Outubro de 2009


Senhor Presidente
1008 da República Italiana
Senhores Cardeais
Venerados Padres sinodais
Senhores Embaixadores
Gentis Senhores e Senhoras!

Aceitei com prazer o convite para assistir ao Youth against war concert 70 anos após o início da Segunda Guerra Mundial: jovens contra a guerra", organizado conjuntamente pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, pela Comissão para as Relações religiosas com o Judaísmo, pela Embaixada da Alemanha junto da Santa Sé e pelo Europäisches KulturForum Mainau com o patrocínio do International Jewish Committee for Interreligious Consultations. Dirijo a minha saudação e um profundo agradecimento a todos os promotores e organizadores; agradeço em particular ao Cardeal Walter Kasper ter-se feito intérprete dos sentimentos comuns. Dirijo um pensamento deferente ao Presidente da República Italiana e à sua gentil Esposa, grato pela sua presença. Utilizando a linguagem universal da música, esta iniciativa deseja encorajar os jovens a construir juntos o futuro do mundo, inspirando-se nos valores da paz e da fraternidade entre os homens. Saúdo os Senhores Cardeais, os Padres sinodais, os distintos Membros do Corpo Diplomático junto da Santa Sé, os patrocinadores e todos os presentes.

Agradeço de coração aos jovens músicos dos 15 países que se reuniram no Inter-Regionalen JugendSinfonierorchester, com o seu Director Jochem Hoschstenbach pela excepcional execução. Agradeço de igual modo à solista Senhora Michelle Breedt o canto expressivo e ao professor Klaus Maria Brandauer a vivaz interpretação dos textos. Incluo neste agradecimento também todos os que o tornaram possível esta tarde: o International Jewish Committee for Interreligious Consultations (IJCIC) como promotor do concerto e o Pontíficio Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a Embaixada alemã junto da Santa Sé e a Europäisches KulturForum Mainau como organizadores.

Queridos amigos! Esta tarde volta à nossa memória a tragédia da Segunda Guerra Mundial, dolorosa página de história impregnada de violência e de desumanidade, que causou a morte de milhões de pessoas, deixando os vencedores divididos e a Europa para reconstruir. A guerra, querida pelo nacional-socialismo, atingiu tantas populações inocentes da Europa e de outros Continentes, enquanto, com o drama do Shoah, feriu sobretudo o povo judeu, objecto de um extermínio programado. Contudo não faltaram convites à racionalidade e à paz que se elevaram de muitas partes. Aqui em Roma ressoou amargurada a voz do meu venerado Predecessor Pio XII. Na radiomensagem de 24 de Agosto de 1939 – precisamente na iminência do rebentar da guerra – proclamou com decisão: "nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra" (cf. AAS, XXXI, 1939, p. 334). Infelizmente ninguém conseguiu impedir aquela catástrofe imane: prevaleceu inexorável a lógica do egoísmo e da violência. Recordar aqueles tristes acontecimentos seja admoestação, sobretudo para as novas gerações, a nunca ceder à tentação da guerra.

Como recordou o Cardeal Kasper, este ano comemoramos outro aniversário significativo: os vinte anos da queda do muro de Berlim, símbolo eloquente do fim dos regimes totalitários comunistas do Leste europeu. "A queda do muro – escreveu João Paulo II – como a queda de perigosos simulacros e de uma ideologia opressiva, demonstraram que as liberdades fundamentais, que dão significado à vida humana, não podem ser reprimidas nem sufocadas por muito tempo" (João Paulo II, Katholikentag, 23 de Maio de 1990; cf. Insegnamenti, XIII, 1, 1990, p. 1389). A Europa e o mundo inteiro tem sede de liberdade e de paz! É necessário construir juntos a verdadeira civilização, que não seja baseada na força, mas sim "fruto da vitória sobre nós próprios, sobre as potencias da injustiça, do egoísmo e do ódio, que podem chegar a desfigurar o homem" (cf. ibid., XII, 2, 1989, p. 397). O movimento ecuménico, que encontrou na segunda guerra mundial um catalisador – ressaltou oportunamente o Cardeal Kasper – pode contribuir para a construir, trabalhando juntamente com os judeus e com todos os crentes. Deus nos abençoe e conceda à humanidade o dom da sua paz. Queridos amigos, obrigado mais uma vez pela vossa presença.

VIGÍLIA MARIANA "COM A ÁFRICA E PARA A ÁFRICA"

ORGANIZADA PELA SECRETARIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS

E O DEPARTAMENTO DE PASTORAL UNIVERSITÁRIA

DO VICARIATO DE ROMA

Sala Paulo VI

Sábado 10 de Outubro de 2009


1009 Recitação do Rosário com os Padres sinodais e estudantes das Pontifícias Universidades de Roma, ligados via satélite com outros jovens universitários de oito capitais africanas: Cairo (Egipo), Nairobi (Quénia), Cartum (Sudão), Joanesburgo (África do Sul), Onitsha (Nigéria), Kinshasa (República Democrática do Congo), Maputo (Moçambique), Uagadugu (Burquina Faso), aos quais depois se uniram via rádio os grupos de jovens de Madagáscar, da Guiné Equatorial e de outras regiões do continente africano.

Venerados Padres sinodais
Caros irmãos e irmãs
Queridos estudantes universitários

No final deste encontro de oração mariana, dirijo a todos a minha saudação mais cordial, com um sentimento de reconhecimento particular aos Padres sinodais presentes. Agradeço às Autoridades italianas, que apoiaram esta iniciativa e, sobretudo, à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e ao Departamento para a pastoral universitária do Vicariato de Roma, que a promoveram e organizaram.

Queridos amigos universitários de Roma, também a vós naturalmente dirijo um "obrigado" sincero, por terdes respondido em grande número ao meu convite. Como sabeis, está a realizar-se nestes dias no Vaticano a segunda Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África. O facto de nos reunirmos, o Sucessor de Pedro e numerosos Pastores da Igreja da África, juntamente com outros peritos qualificados, constitui um motivo de alegria e de esperança, exprime a comunhão e alimenta-a. Já os Padres da Igreja comparavam a comunidade cristã com uma orquestra ou com um coro bem ordenados e harmoniosos, como aqueles que animaram a nossa oração, e aos quais dirigimos o nosso agradecimento.

Como em circunstâncias precedentes, também esta tarde pudemos utilizar algumas técnicas modernas de telecomunicações para "lançar a rede" – uma rede de oração! – unindo Roma à África. E assim, graças à colaboração de Telespazio, do Centro Televisivo Vaticano e da Rádio Vaticano, puderam participar na recitação do Rosário numerosos estudantes universitários, de diversas cidades africanas, reunidos com os seus Pastores. Dirijo-lhes uma saudação afectuosa.

Irmãos e irmãs de língua francesa, e de modo especial, a vós que viestes de Burkina Faso, da República Democrática do Congo e do Egipto, dirijo-vos a minha cordial saudação. Convido-vos a permanecer unidos, através da oração, com os Bispos de toda a África, reunidos em Roma para o Sínodo, a fim de que a Igreja possa oferecer uma contribuição eficaz para a reconciliação, a justiça e a paz neste amado continente, e ser um sinal autêntico de esperança para todos os povos africanos. "Sal da terra... e luz do mundo". Que a Virgem Maria, Nossa Senhora da África, vos conserve na paz e vos conduza rumo ao seu Filho, Jesus, o Salvador! Deus vos abençoe!

Queridos amigos, saúdo com afecto os numerosos jovens estudantes, e de modo especial aqueles que vêm do Quénia, da Nigéria, da África do Sul e do Sudão, que se uniram connosco na oração a Maria, Mãe de Jesus. Confiamos à sua materna protecção o bom êxito da segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. Que a sua intercessão possa sustentar os cristãos de todos os lugares, especialmente os povos da África, e que o seu exemplo nos ensine a olhar para o Senhor e a perseverar na oração, no meio das nossas dores e alegrias. Dirijo uma saudação particular aos jovens, homens e mulheres da África, que estão presentes no meu coração e nas minhas orações. Sede sempre testemunhas leais e promotores activos da justiça, da reconciliação e da paz.

Saúdo os universitários reunidos em Maputo com o Terço na mão e o nome de Maria nos lábios, rezando com a África e pela África, para que os fiéis cristãos, repletos do Espírito Santo, possam cumprir a missão recebida de Jesus: serem o sal de uma terra justa e a luz que guia o mundo para a reconciliação e a paz. Obrigado, meus amigos, pela vossa oração e pelo vosso testemunho cristão! Sobre vós vele a Virgem Mãe, a quem confio toda a juventude de Moçambique e demais países africanos de língua oficial portuguesa.

Em preparação para o encontro de hoje, realizou-se em Roma um congresso organizado pela Direcção Geral para a Cooperação e o Desenvolvimento, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Vicariato de Roma, sobre o tema: "Para uma nova cultura do desenvolvimento na África: o papel da cooperação universitária". Ao expressar o meu apreço e o meu encorajamento a prosseguir este projecto, desejo frisar a importância da formação de jovens intelectuais e a colaboração científica e cultural entre os Ateneus para propor e animar o desenvolvimento humano integral na África e nos outros Continentes. Neste contexto, confiei idealmente a vós, queridos jovens, a Encíclica Caritas in veritate, na qual evoco a urgência de elaborar uma nova síntese humanística (cf. n. 21), que restabeleça os vínculos entre a antropologia e a teologia. Meditando os mistérios do Rosário, encontramos mais uma vez a verdadeira face de Deus, que em Jesus Cristo nos revela a sua presença na vida cada povo. O Deus de Jesus Cristo caminha com o homem: graças a Ele, é possível construir a civilização do amor (cf. ibid, n. 39). Queridos universitários de Roma e da África, peço-vos que sejais, na Igreja e na sociedade, agentes da caridade intelectual, necessária para enfrentar os grandes desafios da história contemporânea. Nas Universidades, sede investigadores da verdade sinceros e apaixonados, construindo comunidades académicas de alto nível intelectual, onde for possível exercer e usufruir da racionalidade aberta e ampla, que abre o caminho para o encontro com Deus. Sabei criar pontes de colaboração científica e cultural entre os diversos Ateneus, sobretudo com os africanos. Queridos estudantes africanos, dirijo-vos um convite especial para que vivais o tempo do estudo como uma preparação para prestar um serviço de animação cultural nos vossos países. A nova evangelização na África conta também com o vosso compromisso generoso.

1010 Queridos irmãos e irmãs, com a recitação do Rosário confiamos o segundo Sínodo para a África à intercessão materna da Virgem Santa. Depositemos nas suas mãos as esperanças, as expectativas, os projectos dos povos africanos, assim como as suas dificuldades e os seus sofrimentos. A todos os que estão ligados connosco das várias partes da África, e at odos vós aqui presentes, concedo de coração a Bênção Apostólica.



NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO

PELA ACADEMIA PIANÍSTICA DE ÍMOLA Sala Paulo VI

Sábado, 17 de Outubro de 2009




Senhores Cardeais
Prezados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Autoridades
Caros amigos

Encontramo-nos esta tarde para mais um concerto, também este de notável nível artístico e de elevado valor histórico, a breve distância do concerto executado na semana passada no Auditorium de Via della Conciliazione. Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação: aos Senhores Cardeais, aos Bispos e aos Prelados, às Autoridades, aos amáveis hóspedes e a quantos estão presentes. Desejo transmitir uma saudação especial aos Padres sinodais, que quiseram compartilhar connosco também este momento de tranquila distensão.

Em nome de todos, transmito um cordial agradecimento à Academia pianística internacional "Encontros com o maestro", de Ímola. Gostaria de agradecer e manifestar sentimentos de sincero apreço principalmente ao maestro Franco Scala, que há vinte anos fundou esta benemérita instituição musical e continua a guiá-la com paixão e talento. Exprimo-lhe também o meu agradecimento pelas palavras com que, no início desta tarde, desejou interpretar os sentimentos corais dos participantes. Dirijo um amável "obrigado" à pianista Jin Ju, que nos fez apreciar as potencialidades expressivas do fortepiano e do piano, e a carga emotiva das músicas que executou. Enfim, quero saudar e agradecer a todos aqueles que, de vários modos, cooperaram para a realização do concerto.

Queridos amigos, esta tarde fomos acompanhados ao longo de um itinerário histórico e artístico fascinante e ideal que voltou a percorrer a evolução do fortepiano, sucessivamente piano, um dos instrumentos musicais mais conhecidos e preferidos pelos compositores mais famosos, instrumento capaz de oferecer uma não pequena gama de matizes musicais harmónicas. Os sete instrumentos utilizados, provenientes da importante colecção de Ímola, que contém mais de cem, constituem por si só um matrimónio estético, artístico e histórico, quer porque emitem aqueles sons que foram ouvidos pelos homens do passado, quer porque dão testemunho do progresso do artesanato do piano, revelando as intuições e os sucessivos aperfeiçoamentos de construtores hábeis e ímpares.

1011 Este concerto permitiu-nos, mais uma vez, apreciar a beleza da música, linguagem espiritual e portanto universal, veículo muito oportuno para a compreensão e a união entre as pessoas e os povos. A música faz parte de todas as culturas e, poderíamos dizer, acompanha todas as experiências humanas, da dor ao prazer, do ódio ao amor, da tristeza à alegria, da morte à vida. Vejamos como, ao longo dos séculos e dos milénios, a música foi sempre utilizada para dar forma àquilo que não se consegue fazer com as palavras, porque suscita emoções diversamente difíceis de comunicar. Portanto, não é um caso se cada civilização deu importância e valor à música nas suas várias formas e expressões.

A música, a grande música, aplaca o espírito, suscita sentimentos profundos e convida quase naturalmente a elevar a mente e o coração a Deus em todas as situações, tanto alegres como tristes, da existência humana. A música pode tornar-se oração. Mais uma vez, obrigado a todos aqueles que organizaram esta bonita tarde. Queridos amigos, abençoo todos vós do íntimo do coração.




AO SENHOR YVES GAZZO NOVO CHEFE DA DELEGAÇÃO DA COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS JUNTO DA SANTA SÉ Segunda-feira, 19 de Outubro de 2009

Senhor Embaixador

Sinto-me feliz por receber Vossa Excelência e por acreditá-lo como Representante da Comissão das Comunidades Europeias junto da Santa Sé. Ficar-lhe-ia grato se se dignasse transmitir a Sua Excelência o Sr. José Barroso que acaba de ser reeleito na chefia da Comissão, os votos cordiais que formulo pela sua pessoa e pelo novo mandato que lhe é confiado, assim como por todos os seus colaboradores.

A Europa comemora este ano o vigésimo aniversário da queda do muro de Berlim. Quis saudar de modo particular este acontecimento indo à República Checa. Nessa terra provada pelo jugo de uma dolorosa ideologia, pude dar graças pelo dom da liberdade readquirida que permitiu que o continente europeu reencontrasse a sua integridade e unidade.

Vossa Excelência acaba de definir a realidade da União Europeia como "uma área de paz e de estabilidade que reúne 27 Estados com os mesmos valores fundamentais". É uma feliz apresentação. Contudo, é justo realçar que a União Europeia não se dotou destes valores, mas ao contrário são estes valores partilhados que a fizeram nascer e foram como que a força de gravidade que atraiu para o centro como países fundadores diversas nações que sucessivamente a ela aderiram ao longo do tempo. Estes valores são o fruto de uma longa e sinuosa história na qual, ninguém o pode negar, o Cristianismo desempenhou um papel fundamental. A igual dignidade de todos os seres humanos, a liberdade do acto de fé como raiz de todas as outras liberdades cívicas, a paz como elemento decisivo do bem comum, o desenvolvimento humano – intelectual, social e económico – como vocação divina (cf. Caritas in veritate ) e o sentido da História que dela deriva são elementos centrais da Revelação cristã que continuam a modelar a civilização europeia.

Quando a Igreja recorda as raízes cristãs da Europa, não procura um estatuto privilegiado para si mesma. Ela pretende ser memória histórica recordando antes de tudo uma verdade – cada vez mais silenciada – isto é, a inspiração decisivamente cristã dos Padres fundadores da União Europeia. Mais profundamente, ela deseja manifestar também que o sulco de valores provém principalmente da herança cristã que continua ainda hoje a alimentá-la.

Estes valores comuns não constituem uma agregação anárquica ou aleatória, mas formam um conjunto coerente que se ordena e se articula, historicamente, a partir de uma visão antropológica determinada. Pode a Europa omitir o princípio orgânico original destes valores que revelou ao homem a sua eminente dignidade e o facto de que a sua vocação pessoal o abre a todos os outros homens com os quais ele está chamado a constituir uma só família? Deixar-se cair neste esquecimento, não significaria expor-se ao risco de ver estes grandes e belos valores entrar em concorrência ou em conflito uns com os outros? Ou ainda, não correriam eles o risco de serem instrumentalizados pelos indivíduos e pelos grupos de pressão, desejosos de fazer valer os interesses particulares em detrimento de um projecto colectivo ambicioso – que os europeus esperam – tendo a preocupação do bem comum dos habitantes do Continente e do mundo inteiro? Este perigo já foi sentido e denunciado por numerosos observadores pertencentes a horizontes muito diversos. É importante que a Europa não permita que o seu modelo de civilização se desfaça. O seu impulso original não deve ser abafado pelo individualismo nem pelo utilitarismo.

Os imensos recursos intelectuais, culturais e económicos do continente continuarão a dar frutos, se permanecerem fecundos mediante a visão transcendente da pessoa humana que constitui o tesouro mais precioso da herança europeia. Esta tradição humanista, na qual se reconhecem numerosas famílias de pensamento por vezes muito diferentes, torna a Europa capaz de enfrentar os desafios futuros e de responder às expectativas da população. Trata-se principalmente da busca do justo e delicado equilíbrio entre a eficácia económica e as exigências sociais, da salvaguarda do meio ambiente, e sobretudo do apoio indispensável e necessário à vida humana desde a concepção até à morte natural e à família fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher. A Europa só será realmente ela mesma se souber conservar a originalidade que fez a sua grandeza e que é susceptível de a tornar, amanhã, um dos maiores agentes na promoção do desenvolvimento integral das pessoas que a Igreja católica considera como o único caminho susceptível de remediar os desequilíbrios actuais do nosso mundo.

Devido a todos estes motivos, Senhor Embaixador, a Santa Sé segue com respeito e grande atenção a actividade das Instituições europeias, desejando que elas, com o seu trabalho e criatividade, honrem a Europa que mais do que um continente, é uma "casa espiritual" (cf. Discurso às Autoridades civis e ao Corpo diplomático, Praga, 26 de Setembro de 2009). A Igreja deseja "acompanhar" a construção da União Europeia. Eis por que ela se permite recordar-lhe quais são os valores fundadores e constitutivos da sociedade europeia para que possam ser promovidos para o bem de todos.

1012 No momento em que inicia a sua missão junto da Santa Sé, desejo renovar a expressão da minha satisfação pelas excelentes relações que as Comunidades Europeias mantêm com a Santa Sé e apresento-lhe, Senhor Embaixador, os meus melhores votos para o feliz cumprimento do seu nobre cargo. Tenha a certeza de que encontrará junto dos meus colaboradores o acolhimento e a compreensão de que poderá ter necessidade.

Invoco de coração sobre Vossa Excelência, sobre a sua família e colaboradores a abundância das Bênçãos divinas.



À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO INSTITUTO BÍBLICO

NO CENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO Segunda-feira, 26 de Outubro de 2009

Senhor Cardeal
Reverendíssimo Prepósito-Geral da Companhia de Jesus
Ilustres Reitores
Ilustres professores e queridos alunos
do Pontifício Instituto Bíblico!

É com verdadeiro prazer que me encontro convosco por ocasião do centenário da fundação do vosso Instituto, querido pelo meu santo predecessor Pio X a fim de constituir na cidade de Roma um centro de estudos especializados sobre a Sagrada Escritura e as disciplinas conexas. Saúdo com deferência o Cardeal Zenon Grocholewski, ao qual dirijo o meu agradecimento pelas gentis palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo de igual modo o Prepósito-Geral, Padre Adolfo Nicolás Pachón, e aproveito de bom grado a ocasião que me é dada para manifestar sincera gratidão à Companhia de Jesus, a qual, não sem notável esforço, emprega investimentos financeiros e recursos humanos na gestão da Faculdade do antigo Oriente, da Faculdade bíblica aqui em Roma e da sede do Instituto em Jerusalém. Saúdo o Reitor e os professores, que consagraram a vida ao estudo e à pesquisa em constante escuta da palavra de Deus. Saúdo e agradeço aos funcionários, aos empregados e aos operários a sua apreciada colaboração, assim como aos benfeitores que puseram e continuam a pôr à disposição os recursos necessários para a manutenção das estruturas e para as actividades do Pontifício Instituto Bíblico. Saúdo os ex-alunos espiritualmente unidos a nós neste momento, e sobretudo saúdo a vós, queridos alunos, que provindes de todas as partes do mundo.

Transcorreram 100 anos após o nascimento do Pontifício Instituto Bíblico. No decorrer deste século, sem dúvida aumentou o interesse pela Bíblia e, graças ao Concílio Vaticano II, sobretudo à Constituição Dei Verbum – de cuja elaboração fui testemunha directa participando como teólogo nos debates que precederam a sua aprovação – sentiu-se muito mais a importância da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Isto favoreceu nas comunidades cristãs uma autêntica renovação espiritual e pastoral, que abrangeu sobretudo a pregação, a catequese, o estudo da teologia e o diálogo ecuménico. A esta renovação o vosso Pontifício Instituto deu uma própria e significativa contribuição com a pesquisa científica bíblica, com o ensinamento das disciplinas bíblicas e com a publicação de qualificados estudos e revistas especializadas. Com o transcorrer dos decénios sucederam-se várias gerações de ilustres professores – gostaria de recordar, entre outros, o Cardeal Bea – que formaram mais de 7 mil professores de Sagrada Escritura e promotores de grupos bíblicos, assim como muitos peritos inseridos actualmente em diversos serviços eclesiais, em todas as regiões do mundo. Damos graças ao Senhor por esta vossa actividade destinada a interpretar os textos bíblicos no espírito com o qual foram escritos (cf. Dei Verbum DV 12), e aberta ao diálogo com as outras disciplinas, com as diversas culturas e religiões. Embora tenha conhecido momentos de dificuldade, ela foi conduzida em constante fidelidade ao magistério segundo as finalidades próprias do vosso Instituto, que surgiu precisamente "ut in Urbe Roma altiorum studiorum ad Libros sacros pertinentium habetur centrum, quod efficaciore, quo liceat, modo doctrinam biblicam et studia omnia eidem adiuncta, sensu Ecclesiae catholicae promoveat" (Pius PP. X, Litt. Ap. Vinea electa (7 de Maio de 1909): AAS 1 (1909), 447-448).

Queridos amigos, a data do centenário constitui uma meta e ao mesmo tempo um ponto de partida. Enriquecidos pela experiência do passado, prossegui o vosso caminho com renovado compromisso, conscientes do serviço à Igreja que vos é pedido, isto é, aproximar a Bíblia à vida do Povo de Deus, para que saiba enfrentar de modo adequado os desafios inéditos que os tempos modernos apresentam à nova evangelização. Desejo comum é que a Sagrada Escritura se torne neste mundo secularizado não só a alma da teologia, mas também a fonte da espiritualidade e do vigor da fé de todos os crentes em Cristo. O Pontifício Instituto Bíblico continue, portanto, a crescer como centro eclesial de estudo de alta qualidade no âmbito da pesquisa bíblica, servindo-se das metodologias críticas modernas e em colaboração com os especialistas em dogmática e noutras áreas teológicas; garanta uma cuidadosa formação aos futuros professores de Sagrada Escritura para que, servindo-se das línguas bíblicas e das diversas metodologias exegéticas, possam aceder directamente aos textos bíblicos.

1013 A já citada Constituição dogmática Dei Verbum, a este propósito, ressaltou a legitimidade e a necessidade do método histórico-crítico, reconduzindo a três elementos essenciais: a atenção aos géneros literários; o estudo do contexto histórico; o exame do que se costuma chamar Sitz im Leben. O documento conciliar ao mesmo tempo mantém firme o carácter teológico da exegese indicando os pontos de força do método teológico na interpretação do texto. Isto porque o pressuposto fundamental sobre o qual se baseia a compreensão teológica da Bíblia é a unidade da Escritura, e a este pressuposto corresponde como caminho metodológico a analogia da fé, isto é, a compreensão de cada um dos textos a partir do conjunto. O texto conciliar acrescenta uma ulterior indicação metodológica. Sendo a Escritura uma coisa só a partir do único povo de Deus, que foi o seu portador através da história, consequentemente ler a Escritura como uma unidade significa lê-la a partir da Igreja com a verdadeira chave de interpretação. Se a exegese quer ser também teologia, deve reconhecer que a fé da Igreja é aquela forma de "sim-patia" sem a qual a Bíblia permanece um livro selado: a Tradição não fecha o acesso à Escritura, mas antes abre-o; por outro lado, compete à Igreja, nos seus organismos institucionais, a palavra decisiva na interpretação da Escritura. De facto, está confiado à Igreja o ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita e transmitida, exercendo a sua autoridade no nome de Jesus Cristo (cf. Dei Verbum DV 10).

Queridos irmãos, enquanto agradeço a vossa agradável visita, encorajo-vos a prosseguir o vosso serviço eclesial, em constante adesão ao magistério da Igreja e garantindo a cada um de vós o apoio da oração, e de coração concedo a todos, em penhor dos favores divinos, a Bênção Apostólica.



AO SENHOR ALI AKBAR NASERI

NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA ISLÂMICA DO IRÃO JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DA CARTAS CREDENCIAIS Quinta-feira, 29 de Outubro de 2009



Senhor Embaixador

Sinto-me feliz por recebê-lo neste dia no qual apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário da República Islâmica do Irão junto da Santa Sé. Expresso-lhe a minha gratidão pelas amáveis palavras que acabou de me dirigir assim como os votos que me transmitiu da parte de Sua Ex. o Senhor Mahmoud Ahmadinejad, Presidente da República. Ficar-lhe-ia grato se se dignar agradecer-lhe e certificá-lo dos meus cordiais votos por toda a Nação.

A sua presença aqui, esta manhã, manifesta o interesse do seu país pelo desenvolvimento de boas relações com a Santa Sé. Como Vossa Excelência sabe, através da sua presença nos organismos internacionais e das suas relações bilaterais com numerosos países, a Santa Sé deseja defender e promover a dignidade do homem. Ela deseja também estar ao serviço da família humana, dedicando um interesse particular aos aspectos éticos, morais e humanitários das relações entre os povos. Nesta perspectiva, a Santa Sé deseja consolidar as suas relações com a República Islâmica do Irão, e favorecer a compreensão recíproca e a colaboração em vista do bem comum.

O Irão é uma grande Nação que possui eminentes tradições espirituais e o seu povo possui uma profunda sensibilidade religiosa. Este pode ser um motivo de esperança para uma abertura crescente e para uma colaboração confiante com a comunidade internacional. Por seu lado, a Santa Sé estará sempre pronta a trabalhar em harmonia com quantos servem a causa da paz e promovem a dignidade com que o Criador dotou todos os seres humanos. Hoje, devemos esperar e apoiar uma nova fase de cooperação internacional, mais solidamente fundada nos princípios humanitários e na ajuda efectiva a quantos sofrem, menos dependente de cálculos frios de intercâmbios e benefícios técnicos e económicos.

A fé no único Deus deve aproximar todos os crentes e estimulá-los a trabalhar juntos pela defesa e promoção dos valores humanos fundamentais. Entre os direitos universais, a liberdade religiosa e a liberdade de consciência ocupam um lugar essencial, porque elas são a origem das outras liberdades. A defesa de outros direitos que nascem da dignidade das pessoas e dos povos, sobretudo a promoção da protecção da vida, da justiça e da solidariedade, devem ser também o objecto de uma colaboração real. Por outro lado, como tive muitas vezes a ocasião de ressaltar, o estabelecimento de relações cordiais entre os crentes das diversas religiões é uma necessidade urgente do nosso tempo, a fim de construir um mundo mais humano e conforme com o projecto de Deus para a criação. Por conseguinte, alegro-me com a existência, há vários anos, de encontros organizados regularmente, pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso e pela Organização para a Cultura e as Relações islâmicas, sobre temas de interesse comum. Contribuindo juntos para procurar o que é justo e verdadeiro, tais encontros permitem que todos progridam no conhecimento recíproco e cooperem na reflexão sobre as grandes questões que dizem respeito à vida da humanidade.

Por outro lado, os católicos estão presentes no Irão desde os primeiros séculos do cristianismo e sempre foram parte integrante da vida e da cultura da Nação. Esta comunidade é realmente iraniana e a sua experiência secular de convivialidade com os crentes muçulmanos é de grande utilidade para a promoção de uma maior compreensão e cooperação. A Santa Sé espera que as Autoridades iranianas saibam reforçar e garantir aos cristãos a liberdade de professar a sua fé e garantir à comunidade católica as condições essenciais para a sua existência, sobretudo a possibilidade de ter o pessoal religioso suficiente e facilidade de deslocamento no país para garantir o serviço religioso aos fiéis. Nesta perspectiva, faço votos por que se desenvolva um diálogo confiante e sincero com as instituições do país a fim de melhorar a situação das comunidades cristãs e das suas actividades no contexto da sociedade civil assim como de fazer crescer o seu sentido de pertença à vida nacional. Por seu lado, a Santa Sé que por sua natureza e missão se interessa directamente pela vida das Igrejas locais, deseja fazer os esforços necessários para ajudar a comunidade católica no Irão a manter vivos os sinais da presença cristã, num espírito de agradável entendimento com todos.

Senhor Embaixador, por fim gostaria de aproveitar desta feliz circunstância para saudar calorosamente as comunidades católicas que vivem no Irão, assim como os seus Pastores. O Papa permanece próximo de todos os seus fiéis e reza por eles a fim de que mantendo com perseverança a sua identidade própria e permanecendo ligados à sua terra, colaborem generosamente com todos os seus compatriotas no desenvolvimento da Nação.

Excelência, apresento-lhe os meus melhores votos de bom êxito para a missão que inicia junto da Santa Sé. Garanto-lhe que encontrará sempre junto dos meus colaboradores a compreensão e o apoio pelo seu feliz cumprimento.


Discursos Bento XVI 1007