Discursos Bento XVI 1025

1025 6. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, para lutar contra a fome, promovendo um desenvolvimento humano integral, é necessário compreender também as necessidades do mundo rural, e inclusive evitar que a tendência à diminuição da contribuição dos doadores chegue a criar incertezas no financiamento das actividades de cooperação: deve-se descartar o risco de que o mundo rural possa ser considerado, por falta de clarividência, como uma realidade secundária. Ao mesmo tempo, há que favorecer o acesso ao mercado internacional dos produtos provenientes das regiões mais depauperadas, hoje com frequências relegadas a espaços limitados. Para alcançar tais finalidades, é necessário subtrair as regras do comércio internacional à lógica do lucro por si só, orientando-as a favor da iniciativa económica dos países mais necessitados de desenvolvimento que, dispondo de receitas mais relevantes, poderão atingir a auto-suficiência que representa o prelúdio para a segurança alimentar.

7. Também não se podem esquecer os direitos fundamentais da pessoa, entre os quais sobressai o direito a uma alimentação suficiente, sadia e nutritiva, assim como à água; eles desempenham um papel importante para a consecução de outros direitos, a começar pelo primeiro deles, que é o direito à vida. Por conseguinte, é necessário que amadureça "uma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações" (Caritas in veritate ). Mesmo se tudo o que foi pacientemente realizado ao longo destes anos pela FAO, por um lado, favoreceu a ampliação dos objectivos deste direito em vista da única garantia de satisfazer as necessidades primárias, por outro, pôs em evidência a necessidade da sua oportuna regulamentação.

8. Os métodos de produção alimentar impõem, igualmente, uma análise atenta da relação entre o desenvolvimento e a salvaguarda do meio ambiente. O desejo de possuir e de utilizar de maneira excessiva e desordenada os recursos do planeta constitui a causa primordial de toda a degradação do meio ambiente. A salvaguarda ambiental apresenta-se, portanto, como um desafio actual para garantir um desenvolvimento harmonioso, respeitador do desígnio de Deus Criador e, por conseguinte, capaz de salvaguardar o planeta (cf. ibid., nn. 48-51). Se a humanidade inteira é chamada a tomar consciência das obrigações que lhe são próprias em relação às gerações vindouras, também é verdade que os Estados e as Organizações internacionais têm o dever de tutelar o meio ambiente como um bem colectivo. Nesta perspectiva, é indispensável aprofundar as interacções entre a segurança ambiental e o fenómeno preocupante das mudanças climáticas, realçando a índole central da pessoa humana e, de maneira particular, das populações mais vulneráveis a estes dois fenómenos. Não são suficientes normas, legislações, planos de desenvolvimento e investimentos, dado que é preciso modificar os estilos de vida pessoais e colectivos, os hábitos de consumo e as necessidades genuínas; contudo, é necessário principalmente que haja consciência do dever moral de distinguir o bem do mal nas obras humanas para redescobrir, desta forma, o laço de comunhão que une a pessoa e a criação.

9. É importante recordar – como observei também na Carta Encíclica Caritas in veritate – que "a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a "ecologia humana" é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental". É verdade: "O sistema ecológico rege-se sobre o respeito de um projecto que se refere tanto à sã convivência em sociedade como ao bom relacionamento com a natureza". "O problema decisivo é a solidez moral da sociedade em geral". Por conseguinte, "os deveres que temos para com o meio ambiente estão ligados aos deveres que temos para com a pessoa considerada em si mesma e em relação aos outros; não se podem exigir de uns e espezinhar os outros. Esta é uma grave antinomia da mentalidade e do costume actual, que avilta a pessoa, transtorna o meio ambiente e prejudica a sociedade" (cf. ibid., n. 51).

10. A fome é o sinal mais cruel e concreto da pobreza. Não é possível continuar a aceitar a opulência e o desperdício, quando o drama da fome adquire dimensões cada vez maiores. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, a Igreja católica prestará sempre atenção aos esforços destinados a debelar a fome; mediante a palavra e os gestos concretos, ela apoiará sempre a obra solidária – programada, responsável e regulada – que todos os componentes da comunidade internacional forem chamados a empreender. A Igreja não tem a intenção de interferir nas opções políticas. Respeitadora do saber e dos resultados alcançados pelas ciências, assim como das escolhas determinadas pela razão, quando as mesmas são esclarecidas de maneira responsável por valores autenticamente humanos, ela une-se ao esforço em vista de eliminar a fome. Este é o sinal mais imediato e concreto da solidariedade animada pela caridade, sinal que não deixa espaço a atrasos nem a compromissos. Esta solidariedade confia na técnica, nas leis e nas instituições para ir ao encontro das aspirações de pessoas, de comunidades e de povos inteiros, mas não deve excluir a dimensão religiosa, que encerra em si uma poderosa força espiritual, capaz de servir a promoção da pessoa humana. Reconhecer o valor transcendente de cada homem e de cada mulher permanece o primeiro passo a dar para favorecer a conversão do coração que pode apoiar o compromisso em vista de erradicar a miséria, a fome e a pobreza, sob todas as suas formas.

Agradeço-vos a vossa amável atenção e, para concluir, formulo os meus bons votos nas línguas oficiais da FAO, a todos os Estados membros da Organização:

Deus abençoe os vossos esforços, para garantir a todos o pão quotidiano.

Obrigado!

God bless your efforts to ensure that everyone is given their daily bread.

Que Dieu bénisse vos efforts pour assurer le pain quotidien à chaque personne.

Dios bendiga sus esfuerzos para garantizar el pan de cada día para cada persona.



AOS PROFESSORES E ESTUDANTES DOS PONTIFÍCIOS ATENEUS ROMANOS E ÀS UNIVERSIDADES CATÓLICAS Quinta-feira, 19 de Novembro de 2009

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Sala Paulo VI


Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Reitores,
Autoridades académicas e Professores
Prezados estudantes, irmãos e irmãs

É com alegria que vos recebo e vos dou graças por terdes vindo ad Petri Sedem, para serdes confirmados na vossa importante e exigente tarefa de ensino, de estudo e de investigação ao serviço da Igreja e de toda a sociedade. Agradeço cordialmente ao Cardeal Zenon Grocholewski as palavras que me dirigiu, ao introduzir este encontro, em que recordamos duas celebrações particulares: o 30º aniversário da Constitutição Apostólica Sapientia christiana, promulgada no dia 15 de Abril de 1979 pelo Servo de Deus João Paulo II, e o 60º aniversário do reconhecimento por parte da Santa Sé, do Estatuto da Fédération Internationale des Universités Catholiques (FIUC).

Estou feliz por recordar juntamente convosco estes aniversários significativos, que me oferecem a ocasião de evidenciar mais uma vez o papel insubstituível das Faculdades eclesiásticas e das Universidades católicas na Igreja e na sociedade. O Concílio Vaticano II já o tinha salientado na Declaração Gravissimum educationis, quando exortava as Faculdades eclesiásticas a aprofundar os vários sectores das ciências sagradas, para ter um conhecimento cada vez mais profundo da Revelação, para explorar o tesouro da sabedoria cristã, favorecer o diálogo ecuménico e inter-religioso, e para responder aos problemas emergentes no âmbito cultural (cf. n. 11). Este mesmo Documento conciliar recomendava a promoção das Universidades católicas, distribuindo-as nas várias regiões do mundo e, principalmente, preocupando-se com o seu nível qualitativo para formar pessoas versadas no saber, prontas para dar testemunho da sua fé no mundo e para desempenhar tarefas de responsabilidade na sociedade (cf. n. 10). O convite do Concílio encontrou um vasto eco na Igreja. Com efeito, hoje existem 1.300 Universidades católicas e cerca de 400 Faculdades eclesiásticas, espalhadas em todos os continentes, muitas das quais foram instituídas ao longo das últimas décadas, dando testemunho de uma atenção crescente das Igrejas particulares pela formação dos eclesiásticos e dos leigos na cultura e na pesquisa.

A Constituição Apostólica Sapientia christiana, desde as suas primeiras expressões, releva a urgência ainda actual de superar a lacuna existente entre fé e cultura, convidando a um maior compromisso de evangelização, com a firme convicção de que a Revelação cristã constitui uma força transformadora, destinada a permear os modos de pensar, os critérios de juízo, as normas de acção. Ela é capaz de iluminar, purificar e renovar os hábitos dos homens e as suas culturas (cf. Proémio, 1) e deve constituir o ponto fulcral do ensino e da investigação, assim como o horizonte que ilumina a natureza e as finalidades de cada Faculdade eclesiástica. Nesta perspectiva, enquanto se sublinha o dever que os cultores das disciplinas sagradas têm de alcançar, mediante a pesquisa teológica, um conhecimento mais profundo da Verdade revelada, encorajam-se ao mesmo tempo os contactos com os outros campos do saber, para um diálogo fecundo, sobretudo em vista de oferecer uma contribuição preciosa para a missão que a Igreja é chamada a desempenhar no mundo. Depois de trinta anos, as linhas-base da Constituição Apostólica Sapientia christiana ainda conservam toda a sua actualidade. Aliás, na sociedade contemporânea, onde o conhecimento se torna cada vez mais especializado e sectorial, mas é profundamente assinalado pelo relativismo, é ainda mais necessário abrir-se à "sabedoria" que deriva do Evangelho. Efectivamente, o homem é incapaz de se compreender plenamente a si próprio sem Jesus Cristo: somente Ele ilumina a sua verdadeira dignidade, a sua vocação, o seu destino derradeiro, e abre o coração a uma esperança sólida e duradoura.

Queridos amigos, o vosso compromisso de servir a verdade que Deus nos revelou faz parte da missão evangelizadora que Cristo confiou à Igreja: portanto, é um serviço eclesial. A este propósito, a Sapientia christiana cita a conclusão do Evangelho segundo Mateus: "Ide, pois, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado" (
Mt 28,19-20). É importante para todos, docentes e estudantes, nunca perder de vista a finalidade a perseguir, isto é, ser instrumento do anúncio evangélico. Os anos dos estudos eclesiásticos superiores podem-se comparar com a experiência que os Apóstolos viveram com Jesus: no acto de permanecer com Ele, aprenderam a verdade, para se tornar depois anunciadores em toda a parte. Ao mesmo tempo, é importante recordar que o estudo das ciências sagradas jamais deve ser separado da oração, da união com Deus, da contemplação – como evoquei nas recentes Catequeses sobre a teologia monástica medieval – caso contrário, as reflexões sobre os mistérios divinos correm o risco de serem um inútil exercício intelectual. Em última análise, toda a ciência sagrada encontra inspiração na "ciência dos santos", na sua intuição dos mistérios de Deus vivo, na sabedoria, que é dádiva do Espírito Santo e alma da "fides quaerens intellectum" (cf. Audiência geral, 21 de Outubro de 2009).

A Federação Internacional das Universidades Católicas (FIUC) foi fundada em 1924, por iniciativa de alguns Reitores, e reconhecida pela Santa Sé 25 anos mais tarde. Estimados Reitores as Universidades católicas, o 60º aniversario da erecção canónica desta vossa Federação constitui uma ocasião muito propícia para realizar um balanço da actividade levada a cabo e para traçar as linhas dos compromissos futuros.

Celebrar um aniversário é dar graças a Deus que orientou os nossos passos, mas significa também haurir da própria história um impulso ulterior para renovar a vontade de servir a Igreja. Neste sentido, o vosso lema é um programa inclusive para o porvir da Federação: "Sciat ut serviat", saber para servir. Numa cultura que manifesta uma "carência de sabedoria, de reflexão e de pensamento capaz de realizar uma síntese orientadora" (Encíclica Caritas in veritate ), as Universidades católicas, fiéis à sua identidade que faz da inspiração cristã um ponto qualificador, são chamadas a promover uma "nova síntese humanista" (ibid., n. 21), im saber que seja "sabedoria capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos" (ibid., n. 30), um saber iluminado pela fé.

Prezados amigos, o serviço que prestais é precioso para a missão da Igreja. Enquanto a todos formulo sinceros bons votos para o ano académico há pouco iniciado e para o pleno sucesso do Congresso da FIUC, confio cada um de vós e as instituições que representais à salvaguarda maternal de Maria Santíssima, Sede da Sabedoria, e de bom grado concedo a todos vós a Bênção apostólica.



AOS PARTICIPANTES NA 24ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL PROMOVIDA PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE Sexta-feira, 20 de Novembro de 2009

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Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me feliz por vos encontrar por ocasião da XXIV Conferência Internacional organizada pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde sobre um tema de grande relevância social e eclesial: Efatá! A pessoa surda na vida da Igreja. Saúdo o Presidente do Pontifício Conselho, Arcebispo Zygmunt Zimowski, e agradeço-lhe as suas cordiais palavras. A minha saudação estende-se ao Secretário e ao novo Subsecretário, aos Sacerdotes, aos Religiosos e aos Leigos, aos Peritos e a todos vós aqui presentes. Desejo expressar o meu apreço e encorajamento pelo generoso compromisso por vós prodigalizado neste importante sector da pastoral.

De facto, são numerosas e delicadas as problemáticas relativas às pessoas surdas, que se tornaram objecto de atenta reflexão nestes dias. Trata-se de uma realidade articulada, que vai do horizonte sociológico ao pedagógico, do médico e psicológico ao ético-espiritual e pastoral. Os relatórios dos especialistas, a troca de experiências entre quem trabalha no sector, os próprios testemunhos de surdos, ofereceram a possibilidade de uma análise aprofundada da situação e de formular propostas e indicações para uma atenção cada vez mais adequada a estes nossos irmãos e irmãs.

A palavra "Efatá", colocada no início do título da Conferência, traz à mente o conhecido episódio do Evangelho de Marcos (cf. 7, 31-37), que constitui um paradigma de como o Senhor age em relação às pessoas surdas. Jesus afasta-se com um homem surdo-mudo e, depois de ter realizado alguns gestos simbólicos, levanta os olhos ao Céu e diz-lhe: "Efatá!", isto é: "Abre-te".Naquele momento, refere o evangelista, os ouvidos abriram-se-lhe e soltou-se-lhe a língua e começou a falar correctamente. Os gestos de Jesus são plenos de atenção amorosa e exprimem profunda compaixão pelo homem que está diante dele: manifesta-lhe o seu interesse concreto, tira-o da confusão da multidão, faz-lhe sentir a sua proximidade e compreensão mediante alguns gestos densos de significado. Coloca-lhe os dedos nos ouvidos e com a saliva toca-lhe a língua. Convida-o depois a dirigir com Ele o olhar interior, o do coração, para o Pai celeste. Por fim, cura-o e restitui-o à sua família, ao seu povo. E a multidão, admirada, exclama: "Tudo fez admiravelmente. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!" (
Mc 7,37).

Com o seu modo de agir, que revela o amor de Deus Pai, Jesus não cura só a surdez física, mas indica que existe outra forma de surdez da qual a humanidade se deve curar, aliás da qual deve ser salva: é a surdez do espírito, que levanta barreiras cada vez mais altas à voz de Deus e do próximo, sobretudo ao grito de ajuda dos últimos e dos que sofrem, e fecha o homem num egoísmo profundo e arruinador. Como tive a ocasião de recordar na homilia da minha visita pastoral à Diocese de Viterbo, a 6 de Setembro passado, "podemos ver neste "sinal" o desejo ardente de Jesus de vencer no homem a solidão e a incomunicabilidade criadas pelo egoísmo, para dar rosto a uma "nova humanidade", a humanidade da escuta e da palavra, do diálogo, da comunicação, da comunhão com Deus. Uma humanidade "boa", como boa é toda a criação de Deus; uma humanidade sem discriminações, sem exclusões... de modo que o mundo seja deveras e para todos "campo de fraternidade genuína""... (cf. ed. port. de L'Oss. Rom. Setembro de 2009).

Infelizmente a experiência nem sempre confirma gestos de acolhimento zeloso, de solidariedade convicta e de comunhão calorosa em relação às pessoas surdas. As numerosas associações, nascidas para tutelar e promover os seus direitos, evidenciam a existência jamais aplacada de uma cultura marcada por preconceitos e discriminações. São atitudes deploráveis e injustificáveis, porque contrárias ao respeito da dignidade da pessoa surda e da sua plena integração social. Mas são muito mais vastas as iniciativas promovidas por instituições e associações, quer no campo eclesial quer no civil, inspiradas numa autêntica e generosa solidariedade, que contribuíram para um melhoramento das condições de vida de muitas pessoas surdas. A este propósito, é significativo recordar que as primeiras escolas para a instrução e a formação religiosa destes nossos irmãos e irmãs surgiram na Europa, já no século XVIII. A partir de então foram-se multiplicando, na Igreja, obras caritativas, sob o impulso de sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, com a finalidade de oferecer aos surdos não só uma formação, mas também uma assistência integral para a plena realização de si mesmos. Contudo, não é possível esquecer a grave situação na qual eles ainda hoje vivem em países em vias de desenvolvimento, quer pela falta de políticas e legislações apropriadas, quer pela dificuldade de acesso às curas médicas básicas; de facto, a surdez é com frequência consequência de doenças facilmente curáveis. Portanto, faço apelo às autoridades políticas e civis, assim como aos organismos internacionais, para que ofereçam o apoio necessário para promover, também naqueles países, o devido respeito pela dignidade e pelos direitos das pessoas surdas, favorecendo, com ajudas adequadas, a sua plena integração social. A Igreja, seguindo o ensinamento e o exemplo do seu divino Fundador, continua a acompanhar as diversas iniciativas pastorais e sociais em seu benefício com amor e solidariedade, reservando atenção especial a quantos sofrem, na consciência de que precisamente no sofrimento está escondida uma força particular que aproxima interiormente o homem a Cristo, uma graça particular.

Queridos irmãos e irmãs surdos, vós não sois destinatários só do anúncio da mensagem evangélica, mas sois também a pleno título seus anunciadores, em virtude do vosso Baptismo. Vivei portanto todos os dias como testemunhas do Senhor nos ambientes da vossa existência, fazendo conhecer Cristo e o seu Evangelho. Neste Ano sacerdotal rezai também pelas vocações, para que o Senhor suscite numerosos e bons ministros para o crescimento das comunidades eclesiais.

Queridos amigos, agradeço-vos este encontro e confio todos vós aqui presentes à materna protecção de Maria, Mãe do amor, Estrela da esperança, Nossa Senhora do Silêncio. Com estes votos, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, que faço extensiva às vossas famílias e a todas as associações que trabalham activamente ao serviço dos surdos.



POR OCASIÃO DO ENCONTRO COM OS ARTISTAS NA CAPELA SISTINA Sábado, 21 de Novembro de 2009

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Ilustres Artistas
Senhoras e Senhores!

É com grande alegria que vos recebo neste lugar solene e rico de arte e de memórias. Dirijo a todos e a cada um a minha cordial saudação, e agradeço-vos por terdes aceite o meu convite. Com este encontro desejo expressar e renovar a amizade da Igreja com o mundo da arte, uma amizade consolidada no tempo, porque o Cristianismo, desde as suas origens, compreendeu bem o valor das artes e utilizou sabiamente as suas multiformes linguagens para comunicar a sua imutável mensagem de salvação. Esta amizade deve ser continuamente promovida e apoiada, para que seja autêntica e fecunda, adequada aos tempos e tenha em consideração as situações e as mudanças sociais e culturais. Eis o motivo deste nosso encontro. Agradeço de coração a D. Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura e da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja por o ter promovido e preparado, com os seus colaboradores, assim como pelas suas palavras que há pouco me dirigiu. Saúdo os Senhores Cardeais, os Bispos, os Sacerdotes e as distintas Personalidades aqui presentes. Agradeço também à Pontifíca Capela Musical Sistina que acompanha este momento significativo. Os protagonistas deste encontro sois vós, queridos e ilustres Artistas, pertencentes a países, culturas e religiões diversas, talvez até distantes de experiências religiosas, mas desejosos de manter viva uma comunicação com a Igreja católica e de não limitar os horizontes da existência unicamente à materialidade, a uma visão redutiva e banalizadora. Vós representais o mundo variegado das artes e, precisamente por isso, através de vós gostaria de fazer chegar a todos os artistas o meu convite à amizade, ao diálogo e à colaboração.

Algumas circunstâncias significativas enriquecem este momento. Recordamos o décimo aniversário da Carta aos Artistas do meu venerado predecessor, o Servo de Deus João Paulo II. Pela primeira vez, na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, este Pontífice, também ele artista, escreveu directamente aos artistas com a solenidade de um documento papal e o tom amistoso de uma conversa entre "quantos – como recita a carta – com apaixonada dedicação, procuram novas "epifanias" da beleza". O mesmo Papa, há vinte e cinco anos, proclamou padroeiro dos artistas o Beato Angélico, indicando nele um modelo de perfeita sintonia entre fé e arte. Depois, o meu pensamento vai ao dia 7 de Maio de 1964, há quarenta e cinco anos, quando, neste mesmo lugar se realizava um histórico acontecimento, fortemente querido pelo Papa Paulo VI para reafirmar a amizade entre a Igreja e as artes. As palavras que pronunciou naquela circunstância ressoam ainda hoje debaixo da abóbada desta Capela Sistina, tocando o coração e o intelecto. "Nós temos necessidade de vós – disse ele –. O nosso ministério precisa da vossa colaboração. Porque, como sabeis, o Nosso ministério é pregar e tornar acessível e compreensível, aliás comovedor, o mundo do espírito, do invisível, do inefável, de Deus. E nesta operação... vós sois mestres. É a vossa profissão, a vossa missão; e a vossa arte é extrair do céu do espírito os seus tesouros e revesti-los de palavra, de cores, de formas de acessibilidade" (Insegnamenti II, [1964], 313). Era tanta a estima de Paulo VI pelos artistas que o estimulou a formular expressões deveras ousadas: "E se a Nós viesse a faltar o vosso auxílio – prosseguia – o ministério tornar-se-ia balbuciente e incerto e teria necessidade de fazer um esforço, diríamos, por se tornar ele mesmo artístico, aliás por se tornar profético. Para se elevar à força de expressão lírica da beleza intuitiva, teria necessidade de fazer coincidir o sacerdócio com a arte" (Ibid., 314). Naquela circunstância, Paulo VI assumiu o compromisso de "restabelecer a amizade entre a Igreja e os artistas", e pediu-lhes que o fizessem seu e o partilhassem, analisando com seriedade e objectividade os motivos que tinham perturbado essa relação e assumindo cada um com coragem e paixão a responsabilidade de um renovado e aprofundado percurso de conhecimento e de diálogo, em vista deum"renascimento"autênticoda arte, no contexto de um novo humanismo.

Aquele histórico encontro, como dizia, aconteceu aqui, neste santuário de fé e de criatividade humana. Não é portanto casual este nosso reencontrar-nos precisamente neste lugar, precioso pela sua arquitectura e pelas suas dimensões simbólicas, mas ainda mais pelos afrescos que o tornam inconfundível, começando pelas obras-primas de Perugino e Botticelli, Ghirlandaio e Cosimo Rosselli, Luca Signorelli e outros, para chegar às Histórias do Génesis e ao Juízo Final, obras excelsas de Michelangelo Buonarroti, que deixou aqui uma das criações mais extraordinárias de toda a história da arte. Ressoou aqui também com frequência a linguagem universal da música, graças ao génio de grandes músicos, que puseram a sua arte ao serviço da liturgia, ajudando a alma a elevar-se a Deus. Ao mesmo tempo, a Capela Sistina é um escrínio singular de memórias, porque constitui o cenário, solene e austero, de eventos que marcam a história da Igreja e da humanidade. Aqui, como sabeis, o Colégio dos cardeais elege o Papa; aqui vivi também eu, com trepidação e absoluta confiança no Senhor, o momento inesquecível da minha eleição para Sucessor do Apóstolo Pedro.

Queridos amigos, deixemos que estes afrescos hoje nos falem, atraindo-nos para a meta última da história humana. O Juízo Final, que sobressai atrás de mim, recorda que a história da humanidade é movimento e elevação, é inesgotável tensão para a plenitude, para a felicidade última, para um horizonte que excede sempre o presente enquanto o atravessa. Mas na sua dramaticidade este afresco coloca diante dos nossos olhos também o perigo da queda definitiva do homem, ameaça que domina a humanidade quando se deixa seduzir pelas forças do mal. Por isso, o afresco lança um forte grito profético contra o mal; contra qualquer forma de injustiça. Mas para os crentes Cristo ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida. Para quem o segue fielmente é a Porta que introduz naquele "face a face", naquela visão de Deus da qual brota já sem limites a felicidade plena e definitiva. Michelangelo oferece assim à nossa visão o Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim da história, e convida-nos a percorrer com alegria, coragem e esperança o itinerário da vida. A dramática beleza da pintura de Michelangelo, com as suas cores e formas, torna-se portanto anúncio de esperança, convite poderoso a elevar o olhar rumo ao horizonte último. O vínculo profundo entre beleza e esperança constituía também o núcleo essencial da sugestiva Mensagem que Paulo VI enviou aos artistas no encerramento do Concílio Vaticano II, a 8 de Dezembro de 1965: "A todos vós – proclamou solenemente – a Igreja do Concílio diz com a nossa voz: se vós sois os amigos da verdadeira arte, sois nossos amigos!" (Enchiridion Vaticanum,
1P 305). E acrescentou: "Este mundo no qual vivemos precisa de beleza para não precipitar no desespero. A beleza, como a verdade, é o que infunde alegria no coração dos homens, é aquele fruto precioso que resiste ao desgaste do tempo, que une as gerações e as faz comunicar na admiração. E isto graças às vossas mãos... Recordai-vos que sois os guardiães da beleza no mundo" (Ibid.).

Infelizmente, o momento actual está marcado não só por fenómenos negativos a nível social e económico, mas também por um esmorecimento da esperança, por uma certa desconfiança nas relações humanas, e por isso crescem os sinais de resignação, agressividade e desespero. Depois, o mundo no qual vivemos corre o risco de mudar o seu rosto devido à obra nem sempre sábia do homem o qual, em vez de cultivar a sua beleza, explora sem consciência os recursos do planeta para vantagem de poucos e não raramente desfigura as suas maravilhas naturais. O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efémero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo.

De facto, uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem um "sobressalto" saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o "desperta" abrindo-lhe de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o. A expressão de Dostoievsky que estou para citar é sem dúvida ousada e paradoxal, mas convida a reflectir: "A humanidade pode viver – diz ele – sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto". Faz-lhe eco o pintor Georges Braque: "A arte existe para perturbar, enquanto a ciência tranquiliza". A beleza chama a atenção, mas precisamente assim recorda ao homem o seu destino último, volta a pô-lo em marcha, enche-o de nova esperança, dá-lhe a coragem de viver até ao fim o dom único da existência. A busca da beleza da qual falo, evidentemente, não consiste em fuga alguma no irracional ou no mero esteticismo.

Mas, com muita frequência, a beleza propagada é ilusória e falsa, superficial e sedutora até ao aturdimento e, em vez de fazer sair os homens de si e de os abrir a horizontes de verdadeira liberdade atraindo-os para o alto, aprisiona-os em si mesmos e torna-os ainda mais escravos, privados de esperança e de alegria. Trata-se de uma beleza sedutora mas hipócrita, que desperta a cupidez, a vontade de poder, de posse, de prepotência sobre o outro e que se transforma, muito depressa, no seu contrário, assumindo o rosto do obsceno, da transgressão ou da provocação gratuita. Ao contrário, a autêntica beleza abre o coração humano à nostalgia, ao desejo profundo de conhecer, de amar, de ir para o Alto, para o Além de si. Se aceitamos que a beleza nos toque intimamente, nos fira, nos abra os olhos, então redescobrimos a alegria da visão, da capacidade de colher o sentido profundo do nosso existir, o Mistério do qual somos parte e do qual podemos haurir a plenitude, a felicidade, a paixão do compromisso quotidiano. João Paulo II, na Carta aos Artistas, cita, a este propósito, este verso de um poeta polaco, Cyprian Norwid: "A beleza serve para entusiasmar para o trabalho, / o trabalho serve para ressurgir" (n. 3). E mais adiante acrescenta: "Enquanto busca da beleza, fruto de uma imaginação que vai além do quotidiano, a arte é, por sua natureza, uma espécie de apelo ao Mistério. Enquanto perscruta as profundezas mais obscuras da alma ou os aspectos mais perturbadores do mal, o artista torna-se de certa forma voz da expectativa universal de redenção" (n. 10). E na conclusão afirma: "A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente" (n. 16).

Estas últimas expressões levam-nos a dar um passo em frente na nossa reflexão. A beleza que se manifesta na criação e na natureza e que se expressa através das criações artísticas, precisamente pela sua característica de abrir e alargar os horizontes da consciência humana, de remetê-la para além de si mesma, de aproximá-la ao abismo do Infinito, pode tornar-se um caminho para o Transcendente, para o Mistério último, para Deus. A arte, em todas as suas expressões, no momento em que se confronta com as grandes interrogações da existência, com os temas fundamentais dos quais deriva o sentido do viver, pode assumir um valor religioso e transformar-se num percurso de profunda reflexão interior e de espiritualidade. Esta afinidade, esta sintonia entre percurso de fé e itinerário artístico, confirma-a um número incalculável de obras de arte que têm como protagonistas as personagens, as histórias, os símbolos daquele imenso depósito de "figuras" – em sentido lato – que é a Bíblia, a Sagrada Escritura. As grandes narrações bíblicas, os temas, as imagens, as parábolas inspiraram numerosas obras-primas em todos os sectores das artes, assim como falaram ao coração de cada geração de crentes mediante as obras do artesanato e da arte local, não menos eloquentes e envolvedoras.

Fala-se, a este propósito, de uma via pulchritudinis, um caminho da beleza que constitui ao mesmo tempo um percurso artístico, estético, e um itinerário de fé, de busca teológica. O teólogo Hans Urs von Balthasar começa a sua grande obra intitulada Glória. Uma estética teológica com estas sugestivas expressões: "A nossa palavra inicial chama-se beleza. A beleza é a última palavra que o intelecto pensante pode ousar pronunciar, porque ela mais não faz do que coroar, como auréola de esplendor inapreensível, o dúplice astro do verdadeiro e do bem e a sua indissolúvel relação". Depois observa: "Ela é a beleza desinteressada sem a qual o velho mundo era incapaz de se entender, mas que se despediu em ponta de pés do mundo moderno dos interesses, para o abandonar à sua cupidez e à sua tristeza. Ela é a beleza que já não é amada e conservada nem sequer pela religião". E conclui: "Quem, em seu nome, enruga os lábios ao sorriso, julgando-a um objecto exótico de um passado burguês, dele se pode estar certo que – secreta ou abertamente – já não é capaz de rezar e, depressa, nem sequer de amar". Portanto, o caminho da beleza conduz-nos a colher o Tudo no fragmento, o Infinito no finito, Deus na história da humanidade. Simone Weil escreveu a este propósito: "Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza, há realmente a presença de Deus. Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza é o sinal. A beleza é a prova experimental de que a encarnação é possível. Por isso qualquer arte de categoria é, por sua essência, religiosa". É ainda mais icástica a afirmação de Hermann Hesse: "Arte significa: dentro de tudo mostrar Deus". Fazendo eco às palavras do Papa Paulo VI, o Servo de Deus João Paulo II reafirmou o desejo da Igreja de renovar o diálogo e a colaboração com os artistas: "Para transmitir a mensagem que lhes foi confiada por Cristo, a Igreja precisa da arte" (Carta aos Artistas, n. 12); mas perguntava logo a seguir: "A arte precisa da Igreja?", solicitando assim os artistas a reencontrar na experiência religiosa, na revelação cristã e no "grande códice" que é a Bíblia uma fonte de inspiração renovada e motivada.

Queridos Artistas, encaminhando-me para a conclusão, gostaria de vos dirigir também eu, como já fez o meu Predecessor, um cordial, amistoso e apaixonado apelo. Vós sois guardiães da beleza; vós tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. Sede portanto gratos pelos dons recebidos e plenamente conscientes da grande responsabilidade de comunicar a beleza, de fazer comunicar na beleza e através da beleza! Sede também vós, através da vossa arte, anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade! E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita! A fé nada tira ao vosso génio, à vossa arte, aliás exalta-os e alimenta-os, encoraja-os a cruzar o limiar e a contemplar com olhos fascinados e comovidos a meta última e definitiva, o sol sem ocaso que ilumina e torna belo o presente.

Santo Agostinho, cantor apaixonado da beleza, reflectindo sobre o destino último do homem e quase comentando ante litteram a cena do Juízo que hoje tendes diante dos vossos olhos, escrevia assim: "Gozaremos, portanto de uma visão, ó irmãos, jamais contemplada pelos olhos, jamais ouvida pelos ouvidos, jamais imaginada pela fantasia: uma visão que supera todas as belezas terrenas, do ouro, da prata, dos bosques e dos campos, do mar e do céu, do sol e da lua, das estrelas e dos anjos; a razão é esta: que ela é a fonte de qualquer outra beleza" (In Ep. Jo. Tr. 4, 5: PL 35, 2008). Desejo que todos vós, queridos Artistas, tenhais nos vossos olhos, nas vossas mãos, no vosso coração esta visão, para que vos dê alegria e inspire sempre as vossas belas obras. Ao abençoar-vos de coração, saúdo-vos, como já fez Paulo VI, com uma só expressão: até breve!




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