Discursos Bento XVI 28119

ÀS DELEGAÇÕES DA ARGENTINA E DO CHILE NO 25º ANIVERSÁRIO DO TRATADO DE PAZ Sala Clementina Sábado, 28 de Novembro de 2009

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Senhoras Presidentes da Argentina e do Chile
Senhores Cardeais
Queridos Irmãos no Episcopado
Senhores Embaixadores
Amigos todos

É com o máximo prazer que vos recebo e vos dou as boas-vindas a esta Sé de Pedro, por ocasião da celebração do vigésimo quinto aniversário do Tratado de Paz e Amizade, que encerrou a disputa territorial mantida pelos vossos respectivos países durante muito tempo na região austral. Com efeito, trata-se de uma oportuna e feliz comemoração daquelas intensas negociações que, com a mediação pontifícia, se concluíram com uma solução digna, razoável e equitativa, evitando assim um conflito armado que arriscava a opor entre si dois povos irmãos.

O Tratado de Paz e Amizade e a mediação que o tornou possível estão indissoluvelmente ligados à querida figura do Papa João Paulo II que, impelido por sentimentos de afecto para com estas queridas nações, e em sintonia com o seu trabalho incansável como mensageiro e artífice de paz, não hesitou em aceitar a tarefa delicada e crucial de ser mediador em tal contencioso. Com a ajuda inestimável do Cardeal Antonio Samoré, ele mesmo acompanhou pessoalmente todos os procedimentos destas amplas e complexas negociações, até à definição da proposta que levou à assinatura do Tratado, na presença das delegações de ambos os países e do então Secretário de Estado de Sua Santidade e Prefeito do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, Cardeal Agostino Casaroli.

A intervenção pontifícia foi uma resposta também a um pedido expresso dos Episcopados do Chile e da Argentina que, em comunhão com a Santa Sé, ofereceram a sua colaboração definitiva para a consecução do mencionado acordo. É necessário agradecer, outrossim, os esforços de todas as pessoas que, nos governos e nas delegações diplomáticas de ambos os países, ofereceram a sua contribuição positiva para fazer progredir este caminho de resolução pacífica, cumprindo assim os profundos anseios de paz das populações argentina e chilena.

A vinte e cinco anos de distância, podemos constatar com satisfação como aquele acontecimento histórico contribuiu beneficamente para revigorar em ambos os países os sentimentos de fraternidade, assim como uma cooperação e integração mais decididas, concretizadas em numerosos programas económicos, intercâmbios culturais e importantes obras de infra-estrutura, superando deste modo preconceitos, suspeitas e reticências do passado. Na realidade, o Chile e a Argentina não são apenas duas nações vizinhas, mas muito mais: são dois povos irmãos, com uma comum vocação para a fraternidade, o respeito e a amizade, que em grande parte é fruto da tradição católica que está na base da sua história e do seu rico património cultural e espiritual.

Este acontecimento, que hoje comemoramos, já faz parte da grande história de duas nações nobres, mas também de toda a América Latina. O Tratado de Paz e de Amizade é um exemplo luminoso da força do espírito humano e da vontade de paz face à barbárie e à insensatez da violência e da guerra como meios para resolver as disputas. Uma vez mais, é preciso ter presente as palavras que o meu Predecessor, Papa Pio XII, pronunciou num momento especialmente difícil da história: "Nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra" (Radiomensagem, 24 de Agosto de 1939). Por conseguinte, é necessário perseverar em cada momento com vontade firme e até às últimas consequências, procurando resolver as controvérsias com verdadeira vontade de diálogo e de acordo, através de negociações pacientes e compromissos necessários, e tendo sempre em consideração as exigências justas e os interesses legítimos de todos.

Para que a causa da paz abra caminho na mente e no coração de todos os homens e, de modo especial, daqueles que são chamados a servir os seus cidadãos a partir das magistraturas mais elevadas das nações, é preciso que esteja assente em convicções morais firmes, na serenidade dos ânimos, às vezes tensos e polarizados, e na busca constante do bem comum nacional, regional e mundial. Com efeito, a consecução da paz exige a promoção de uma autêntica cultura da vida, que respeite a dignidade do ser humano em plenitude, unida ao fortalecimento da família como célula básica da sociedade. Requer também a luta contra a pobreza e a corrupção, o acesso a uma educação de qualidade para todos, uma prosperidade económica solidária, a consolidação da democracia e a erradicação da violência e da exploração, especialmente contra as mulheres e as crianças.

A Igreja católica, que continua na terra a missão de Cristo, que com a sua morte na cruz trouxe a paz ao mundo (cf. Ef
Ep 2,14-17), não deixa de proclamar a todos a sua mensagem de salvação e de reconciliação e, unindo os seus esforços aos de todos os homens de boa vontade, dedica-se com determinação ao cumprimento das aspirações de paz e de concórdia de toda a humanidade.

Excelentíssimas Senhoras Presidentes, estimados amigos, enquanto vos agradeço novamente a vossa visita significativa, dirijo o meu olhar para Cristo dos Andes, no pináculo da Cordilheira, e peço-lhe que, como um dom constante da sua graça, sele para sempre a paz e a amizade entre argentinos e chilenos, ao mesmo tempo que, como dádiva do meu carinho, vos concedo uma especial Bênção apostólica.




A SUA BEATITUDE ANASTAS ARCEBISPO DE TIRANA, DURRES E TODA A ALBÂNIA Sexta-feira, 4 de Dezembro de 2009

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Beatitude

"Graças e paz vos sejam dadas da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo" (
2Th 1,2). É-me grato transmitir as fraternas boas-vindas a Vossa Beatitude e aos demais ilustres representantes da Igreja ortodoxa autocéfala da Albânia que hoje o acompanham. Recordo com gratidão, não obstante as tristes circunstâncias, o nosso encontro por ocasião do funeral do saudoso Papa João Paulo II. Lembro-me também com satisfação que este meu Predecessor teve a ocasião de o saudar em Tirana, durante a sua Visita Apostólica à Albânia.

Como bem se sabe, a Ilíria recebeu o Evangelho nos tempos apostólicos (cf. Ac 17,1 Rm 15,19). Desde então, a mensagem salvífica de Cristo tem produzido frutos no vosso país, até aos dias de hoje. Como os escritos primitivos da vossa cultura testemunha, graças à sobrevivência de uma antiga fórmula baptismal latina, juntamente com um hino bizantino relativo à Ressurreição do Senhor, a fé dos nossos pais cristãos deixou vestígios maravilhosos e indeléveis nas primeiras linhas da história, na literatura e nas artes do vosso povo.

No entanto, o testemunho mais extraordinário encontra-se certamente na própria vida. Durante a segunda metade do século passado, os cristãos na Albânia, tanto ortodoxos como católicos, mantiveram viva a sua fé, apesar de um regime ateu extremamente repressivo e hostil; e, como bem sabemos, muitos cristãos pagaram cruelmente por esta fé com as suas próprias vidas. Felizmente, a derrocada daquele regime abriu o caminho à reconstrução das comunidades católicas e ortodoxas na Albânia. A actividade missionária de Vossa Beatitude é reconhecida de maneira particular na reconstrução dos lugares de culto, na formação do clero e no serviço catequético que está a ser promovido, um movimento de renovação que Vossa Beatitude justamente descreveu como Ngjallja (Ressurreição).

Desde que conquistou a liberdade, a Igreja ortodoxa da Albânia pôde participar fecundamente no diálogo teológico internacional entre católicos e ortodoxos. O vosso compromisso a este propósito reflecte felizmente as relações amistosas entre católicos e ortodoxos no vosso país e oferece inspiração a todo o povo albanês, demonstrando como é possível para os cristãos viver em harmonia.

Nesta luz, seria bom salientar os elementos da fé que as nossas Igrejas compartilham entre si: a profissão coral do Credo niceno-constantinopolitano; o comum baptismo para a remissão dos pecados e para a incorporação em Cristo e na Igreja; o legado dos primeiros Concílios Ecuménicos; a comunhão real, embora imperfeita, que já compartilhamos; o desejo comum e os esforços de colaboração em vista de construir sobre aquilo que já existe. Quero recordar aqui duas iniciativas importantes tomadas na Albânia: o estabelecimento da Sociedade Bíblica Interconfessional e a criação da Comissão para as Relações Inter-Religiosas. Trata-se de esforços oportunos para promover a compreensão mútua e a cooperação tangível, não apenas entre católicos e ortodoxos, mas inclusive entre cristãos, muçulmanos e bektashis.

Rejubilo com Vossa Beatitude e com todo o povo albanês por esta renovação espiritual. Ao mesmo tempo, é com acção de graças ao Deus Todo-Poderoso que reflicto sobre a sua contribuição pessoal para a promoção de relações fraternais com a Igreja católica. Esteja persuadido de que, por nossa vez, faremos tudo o que pudermos para oferecer um comum testemunho de irmandade e paz, e para assumir convosco um compromisso renovado para a unidade das nossas Igrejas, em obediência ao novo mandamento de nosso Senhor.

Beatitude, é com este espírito de comunhão que tenho o prazer de lhe dar as boas-vindas à cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo!




NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA Capela Sistina Sexta-feira, 4 de Dezembro de 2009

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Prezados amigos

É difícil falar ainda, depois de uma música tão majestosa e tão profundamente emocionante. Mas por mais pobre que ela possa ser, julgo que é oportuno dirigir uma palavra de saudação, de agradecimento e de reflexão. Assim, gostaria de saudar de coração todos vós aqui reunidos na Capela Sistina. Em primeiro lugar, estou grato ao Senhor Presidente Federal e à sua gentil Esposa, porque nos honram esta tarde com a sua presença. Dilecto Senhor Presidente Federal, a sua visita é um verdadeiro prazer para mim. Deste modo, Vossa Excelência exprime a proximidade e o carinho do povo alemão pelo Sucessor de Pedro, que é seu compatriota. Um sentido Vergelt's Gott ("Deus vos recompense") também pelas suas amáveis palavras que entram em profundidade, e pelo facto de que Vossa Excelência tornou possível esta tarde para nós. De igual modo, agradeço de coração ao Domkapellmeister, Senhor Reinhard Kammler, aos Augsburger Domsingknaben e à Residenz-Kammerorchester München, a execução magistral deste magnífico Oratório. Obrigado por este maravilhoso dom!

A ocasião desta tarde solene é – como pudemos sentir – dúplice. Por um lado, este ano celebramos o 60º aniversário da fundação da República Federal da Alemanha, com a assinatura da Lei Fundamental de 23 de Maio de 1949; por outro, recordamos também o 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, aquela fronteira de morte que durante muitos anos tinha dividido a nossa Pátria, separando com a força homens, famílias, vizinhos e amigos. Nessa época muitos tinham interpretado os acontecimentos do dia 9 de Novembro de 1989 como os alvores inesperados da liberdade, depois de uma noite de violência e opressão longa e cheia de sofrimento por causa de um sistema totalitário que, no final, levava ao niilismo, a um esvaziamento das almas. Na ditadura comunista, nenhuma acção era considerada um mal em si e sempre imoral. O que servia para as finalidades do partido era bom – por mais desumano que pudesse ser. Hoje, alguns interrogam-se se a ordem social ocidental é muito melhor e mais humanitária. Com efeito, a história da República Federal da Alemanha é uma prova disto. E devemo-lo em boa parte à Lei Fundamental. Tal Constituição contribuiu essencialmente para o desenvolvimento pacífico da Alemanha nas seis décadas transcorridas, porque ela exorta os homens a dar à dignidade humana, com responsabilidade diante de Deus Criador, a prioridade em cada legislação estatal; a respeitar o matrimónio e a família como fundamento de toda a sociedade; e a ter em consideração e respeito profundo por aquilo que é sagrado para os outros. Que os cidadãos da Alemanha, ao cumprirem o dever da renovação espiritual-política, após o nacional-socialismo e depois da segunda guerra mundial, como foi expresso na Lei Fundamental, possam continuar a colaborar para a construção de uma sociedade livre e social.

Queridos amigos, olhando para a história da nossa Pátria nos últimos sessenta anos, temos motivos para dar graças a Deus com toda a nossa alma. E assim estamos conscientes de que tal desenvolvimento não é nosso mérito. Ele tornou-se possível graças a homens que agiram com uma profunda convicção cristã e com responsabilidade diante de Deus, dando início assim a processos de reconciliação que permitiram uma nova relação recíproca e comunitária dos países europeus. A história da Europa no século XX demonstra que a responsabilidade diante de Deus é de importância decisiva para o recto agir político (cf. Encíclica Caritas in veritate ). Deus une os homens numa verdadeira comunhão e leva cada indivíduo a compreender que na comunhão com o outro está sempre presente Alguém maior, que é a causa originária da nossa vida e do nosso permanecer em união. Isto manifesta-se-nos, de maneira particular, também no mistério do Natal, quando este Deus se aproxima no seu amor, quando Ele mesmo como homem, como menino, pede o nosso amor.

Um trecho do Oratório de Natal explica de modo impressionante esta comunhão que se fundamenta no amor e aspira ao amor eterno: Maria detém-se ao lado da manjedoura e ouve as palavras dos pastores, que se tornaram testemunhas e anunciadores da mensagem dos anjos a respeito daquele Menino. Aquele momento, em que Ela conserva tudo o que aconteceu, meditando-o no seu coração (cf.
Lc 2,19), Bach transforma-o, com a ária maravilhosa para contralto, num convite dirigido a cada um:

Encerra, ó meu coração,
este milagre de bem-aventurança,
solidamente na tua fé!
Que este milagre,
esta obra divina
fortaleça sempre a tua pouca fé!

Na comunhão com Jesus Cristo, cada homem pode ser para o outro um mediador em relação a Deus. Ninguém acredita por si só, mas todos vivem na própria fé, também graças a mediações humanas. No entanto, sozinha nenhuma delas seria suficiente para lançar a ponte rumo a Deus, porque daqui nenhum homem pode ter a certeza de que é absoluta garantia da existência e da proximidade de Deus. Contudo, na comunhão com Aquele que em si mesmo representa esta proximidade, nós homens podemos ser e somos mediadores uns para os outros. Como tais, seremos capazes de suscitar um renovado modo de pensar e de gerar novas energias, ao serviço de um humanismo integral.

Dirijo o meu agradecimento também aos promotores desta tarde agradável, aos músicos e a todos aqueles que tornaram possível a realização deste concerto através da sua contribuição generosa. A música maravilhosa que ouvimos no singular ambiente da Capela Sistina revigore a nossa fé e a nossa alegria no Senhor, a fim de que possamos ser suas testemunhas no mundo. A todos concedo de coração a minha Bênção apostólica.



AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DOS BISPOS DO BRASIL DOS REGIONAIS SUL 3 E SUL 4 EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sala do Consistório

Sábado, 5 de Dezembro de 2009




Venerados Irmãos no Episcopado,

Dou as boas-vindas e saúdo a todos e cada um de vós, ao receber-vos colegialmente no quadro da vossa visita ad limina. Agradeço a Dom Murilo Krieger as expressões de devotada estima que me dirigiu em nome de todos vós e do povo confiado aos vossos cuidados pastorais nos Regionais Sul 3 e 4, expondo também os seus desafios e esperanças. Ouvindo estas coisas, sinto elevarem-se do meu coração ações de graças ao Senhor pelo dom da fé misericordiosamente concedido às vossas comunidades eclesiais e por elas zelosamente conservado e arduamente transmitido, em obediência ao mandato que Jesus nos deixou de levar a sua Boa Nova a toda a criatura, procurando impregnar de humanismo cristão a cultura atual.

Referindo-me à cultura, o pensamento dirige-se para dois lugares clássicos onde a mesma se forma e comunica – a universidade e a escola –, fixando a atenção principalmente nas comunidades acadêmicas que nasceram à sombra do humanismo cristão e nele se inspiram, honrando-se do nome «católicas». Ora «é precisamente na referência explícita e compartilhada de todos os membros da comunidade escolar – embora em graus diversos – à visão cristã que a escola é “católica”, já que nela os princípios evangélicos tornam-se normas educativas, motivações interiores e metas finais» (Congr. para a Educação Católica, Doc. A escola católica, n. 34). Possa ela, numa convicta sinergia com as famílias e com a comunidade eclesial, promover aquela unidade entre fé, cultura e vida que constitui a finalidade fundamental da educação cristã.

1034 Entretanto também as escolas estatais, segundo diversas formas e modos, podem ser ajudadas na sua tarefa educativa pela presença de professores crentes – em primeiro lugar, mas não exclusivamente, os professores de religião católica – e de alunos formados cristãmente, assim como pela colaboração das famílias e pela própria comunidade cristã. Com efeito, uma sadia laicidade da escola não implica a negação da transcendência, nem uma mera neutralidade face àqueles requisitos e valores morais que se encontram na base de uma autêntica formação da pessoa, incluindo a educação religiosa.

A escola católica não pode ser pensada nem vive separada das outras instituições educativas. Está ao serviço da sociedade: desempenha uma função pública e um serviço de pública utilidade, não reservado apenas aos católicos, mas aberto a todos os que queiram usufruir de uma proposta educativa qualificada. O problema da sua paridade jurídica e econômica com a escola estatal só poderá ser corretamente impostado se partirmos do reconhecimento do papel primário das famílias e subsidiário das outras instituições educativas. Lê-se no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Os pais têm direito de prioridade na escolha do gênero de educação a ser ministrada aos próprios filhos». O empenho plurissecular da escola católica situa-se nesta direção, impelido por uma força ainda mais radical, ou seja, a força que faz de Cristo o centro do processo educativo.

Este processo, que tem início nas escolas primária e secundária, realiza-se de modo mais alto e especializado nas universidades. A Igreja foi sempre solidária com a universidade e com a sua vocação de conduzir o homem aos mais altos níveis do conhecimento da verdade e do domínio do mundo em todos os seus aspectos. Apraz-me tributar aqui a mais viva gratidão eclesial às diversas congregações religiosas que entre vós fundaram e suportam renomadas universidades, lembrando-lhes, porém, que estas não são uma propriedade de quem as fundou ou de quem as freqüenta, mas expressão da Igreja e do seu patrimônio de fé.

Neste sentido, amados Irmãos, vale a pena lembrar que em agosto passado, completou 25 anos a Instrução Libertatis nuntius da Congregação da Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da teologia da libertação, nela sublinhando o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos de teses e metodologias provenientes do marxismo. As suas seqüelas mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa, anarquia fazem-se sentir ainda, criando nas vossas comunidades diocesanas grande sofrimento e grave perda de forças vivas. Suplico a quantos de algum modo se sentiram atraídos, envolvidos e atingidos no seu íntimo por certos princípios enganadores da teologia da libertação, que se confrontem novamente com a referida Instrução, acolhendo a luz benigna que a mesma oferece de mão estendida; a todos recordo que «a regra suprema da fé [da Igreja] provém efetivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de maneira independente» (João Paulo II, Enc. Fides et ratio
FR 55). Que, no âmbito dos entes e comunidades eclesiais, o perdão oferecido e acolhido em nome e por amor da Santíssima Trindade, que adoramos em nossos corações, ponha fim à tribulação da querida Igreja que peregrina nas Terras de Santa Cruz.

Venerados Irmãos no episcopado, na união a Cristo precede-nos e guia-nos a Virgem Maria, tão amada e venerada nas vossas dioceses e por todo o Brasil. Nela encontramos, pura e não deformada, a verdadeira essência da Igreja e assim, através dela, aprendemos a conhecer e a amar o mistério da Igreja que vive na história, sentimo-nos profundamente uma parte dela, tornamo-nos por nossa vez «almas eclesiais», aprendendo a resistir àquela «secularização interna» que ameaça a Igreja e os seus ensinamentos.

Enquanto peço ao Senhor que derrame a abundância da sua luz sobre todo o mundo brasileiro da escola, confio os seus protagonistas à proteção da Virgem Santíssima e concedo a vós, aos vossos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, aos leigos empenhados, e a todos os fiéis das vossas dioceses paterna Bênção Apostólica.



ATO DE VENERAÇÃO À IMACULADA NA PRAÇA DE ESPANHA

Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria

Terça-feira, 8 de Dezembro de 2009


Imagens da celebração


Queridos irmãos e irmãs

No coração das cidades cristãs, Maria constitui uma presença dócil e tranquilizadora. Com o seu estilo discreto, doa a todos paz e esperança nos momentos alegres e tristes da existência. Nas igrejas, nas capelas, nas paredes dos edifícios: uma pintura, um mosaico, uma imagem recorda a presença de Maria que vela constantemente sobre os seus filhos. Também aqui, na Praça de Espanha, Maria é colocada no alto, como que a velar sobre Roma.

1035 O que diz Maria à cidade? Que recorda a todos, com a sua presença? Ela lembra que "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5,20) – como escreve o apóstolo Paulo. Ela é a Mãe Imaculada que repete inclusive aos homens do nosso tempo: não tenhais medo, Jesus venceu o mal; venceu-o pela raiz, libertando-nos do seu domínio.

Como temos necessidade desta boa notícia! Com efeito, cada dia através dos jornais, da televisão e da rádio, o mal é narrado, repetido e amplificado, habituando-nos às coisas mais horríveis, fazendo-nos tornar-nos insensíveis e, de certa maneira, intoxicando-nos, porque o negativo não se dilui totalmente, e acumula-se dia após dia. O coração endurece-se e os pensamentos obscurecem-se. Por isso, a cidade tem necessidade de Maria, que com a sua presença nos fala de Deus, nos recorda a vitória da Graça sobre o pecado e nos induz a esperar também nas situações humanamente mais difíceis.

Na cidade vivem – ou sobrevivem – pessoas invisíveis, que de vez em quando aparecem na primeira página ou nos ecrãs televisivos e são exploradas até ao último, enquanto a notícia e a imagem chamam a atenção. Trata-se de um mecanismo perverso, ao qual infelizmente é difícil resistir. A cidade primeiro esconde e depois expõe ao público. Sem piedade, ou com uma piedade falsa. No entanto, em cada homem existe o desejo de ser acolhido como pessoa e considerado uma realidade sagrada, porque cada história humana é sagrada, e exige o maior respeito.

Caros irmãos e irmãs, a cidade somos todos nós! Cada um contribui para a sua vida e para o seu clima moral, no bem e no mal. No coração de cada um de nós passa o confim entre o bem e o mal, e nenhum de nós deve sentir-se no direito de julgar os outros mas, ao contrário, cada um deve sentir o dever de melhorar-se a si mesmo! Os mass media tendem a fazer com que nos sintamos sempre "espectadores", como se o mal se referisse somente aos outros, e como se certas coisas nunca nos pudessem acontecer. Contudo, somos sempre "actores" e, tanto no mal como no bem, o nosso comportamento tem influência sobre os outros.

Queixamo-nos muitas vezes da poluição do ar, que em certos lugares da cidade é irrespirável. É verdade: é necessário o compromisso de todos para tornar mais limpa a cidade. E todavia, há outra poluição, menos perceptível aos sentidos, mas igualmente perigosa. Trata-se da poluição do espírito; ela torna os nossos rostos menos risonhos, mais obscuros, que nos leva a não nos cumprimentarmos, a não olharmos uns nos rostos dos outros... A cidade é feita de rostos, mas infelizmente as dinâmicas colectivas podem fazer-nos perder a percepção da sua profundidade. Vemos tudo superficialmente. As pessoas tornam-se corpos, e estes corpos perdem a alma, tornam-se coisas, objectos sem rosto, que se podem trocar e consumir.

Maria Imaculada ajuda-nos a redescobrir e defender a profundidade das pessoas, porque nela existe a transparência perfeita da alma no corpo. É a pureza em pessoa, no sentido que nela espírito, alma e corpo são plenamente coerentes entre si e com a vontade de Deus. Nossa Senhora ensina-nos a abrir-nos à acção de Deus, a fim de olharmos para os outros como Ele o faz: a partir do coração. E a olharmos para eles com misericórdia, com amor, com ternura infinita, especialmente para aqueles mais sozinhos, desprezados, explorados. "Onde abundou o pecado, superabundou a graça".

Quero prestar homenagem publicamente a todos aqueles que em silêncio, não com palavras mas com actos, se esforçam por praticar esta lei evangélica do amor, que faz progredir o mundo. São numerosos, também aqui em Roma, e raramente fazem notícia. Homens e mulheres de todas as idades, que compreenderam que não é preciso condenar, queixar-se, recriminar, mas é mais válido responder ao mal com o bem. Isto muda as coisas; ou melhor, muda as pessoas e, por conseguinte, melhora a sociedade.

Estimados amigos romanos, e todos vós que viveis nesta cidade! Enquanto estamos ocupados com as actividades quotidianas, prestemos atenção à voz de Maria. Ouçamos o seu apelo, silencioso mas urgente. A cada um de nós, Ela diz: onde abundou o pecado, possa superabundar a graça, precisamente a partir do teu coração e da tua vida! E a cidade será mais bonita, mais cristã, mas humana.

Obrigado, Mãe Santa, por esta tua mensagem de esperança. Obrigado pela tua presença silenciosa mas eloquente no coração da nossa cidade. Virgem Imaculada, Salus Populi Romani, intercede por nós!



AO SENHOR EDUARDO DELGADO BERMÚDEZ,

NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DE CUBA JUNTO DA SANTA SÉ Sala Clementina

Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2009


1036 Senhor Embaixador

1. É com sumo prazer que o recebo neste solene acto em que Vossa Excelência apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cuba junto da Santa Sé, começando assim a importante missão que o seu Governo lhe confiou. Agradeço-lhe as suas atentas palavras e a saudação que me transmitiu da parte do Excelentíssimo Senhor Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, ao que correspondo com os meus melhores desejos para a sua alta responsabilidade.

2. Entre optimismos e dificuldades, Cuba alcançou um protagonismo decidido, principalmente no contexto económico e político do Caribe e da América Latina. Por outro lado, alguns sinais de distensão nas suas relações com os vizinhos Estados Unidos deixariam pressupor novas oportunidades para uma aproximação mutuamente conveniente, no pleno respeito da soberania e do direito dos Estados e dos seus cidadãos. Cuba, que continua a oferecer a numerosos países a sua colaboração em áreas vitais como a alfabetização e a saúde, favorece assim a cooperação e a solidariedade internacionais, sem que estas permaneçam sujeitas a ulteriores interesses, além da própria ajuda às populações necessitadas. Esperamos que tudo isto possa contribuir para tornar realidade o apelo que o meu venerado Predecessor, Papa João Paulo II, lançou na sua histórica viagem à Ilha: "Que Cuba se abra ao mundo com todas as magníficas possibilidades, e que o mundo se abra a Cristo" (Discurso na cerimónia de chegada a Havana, 21 de Janeiro de 1998).

3. Como muitos outros países, a sua Pátria também sofre as consequências da grave crise mundial que, acrescentada aos devastadores efeitos dos desastres naturais e ao embargo económico, atinge de maneira especial as pessoas e as famílias mais pobres. Nesta complexa situação geral, aprecia-se cada vez mais a urgente necessidade de uma economia que, edificada sobre bases éticas sólidas, ponha a pessoa e os seus direitos, bem como o seu bem material e espiritual, no centro dos seus interesses. Com efeito, o primeiro capital que se deve salvaguardar e salvar é o homem, a pessoa na sua integridade (cf. Caritas in veritate ).

É importante que os governos se esforcem por remediar os graves efeitos da crise financeira, contudo sem deixar de considerar as necessidades básicas dos cidadãos. A Igreja católica em Cuba, que nestes momentos e como sempre se sente próxima da população, quer contribuir com a sua ajuda modesta e efectiva. Desejo destacar, outrossim, que a maior cooperação alcançada com as Autoridades do seu país permitiu a realização de importantes programas de assistência e reconstrução, especialmente por ocasião das catástrofes naturais.

4. Espero que se continuem a multiplicar os sinais concretos de abertura ao exercício da liberdade religiosa, tal como se vem fazendo ao longo dos últimos anos, como por exemplo a oportunidade de celebrar a Santa Missa em algumas prisões, a realização de procissões religiosas, a reparação e a restituição de alguns templos e a construção de determinadas casas religiosas, ou a possibilidade de contar com a segurança social para os sacerdotes e os religiosos. Assim, a comunidade católica exercerá a sua tarefa pastoral específica com mais facilidade.

Em vista de progredir por este caminho, sobretudo em benefício dos cidadãos cubanos, seria também desejável que se pudesse continuar a dialogar para fixar conjuntamente, seguindo formas semelhantes às que se estabelecem com outras nações e respeitando as características próprias do seu país, uma estrutura jurídica que defina de maneira conveniente as relações existentes e nunca interrompidas entre a Santa Sé e Cuba, e que garanta o desenvolvimento da vida e a acção pastoral da Igreja nesta nação.

5. A Igreja católica está a preparar-se na sua Pátria com toda a intensidade para a celebração, no ano de 2012, do quarto Centenário da descoberta e da presença da imagem da Bem-Aventurada Virgem da Caridade do Cobre, Mãe e Padroeira de Cuba. Esta querida protecção mariana é um símbolo luminoso da religiosidade do povo cubano e das raízes cristãs da sua cultura. Com efeito a Igreja, que não se pode confundir com a comunidade política (cf. Gaudium et spes
GS 76), é depositária de um extraordinário património espiritual e moral, que contribuiu para forjar de maneira decisiva a "alma" cubana, conferindo-lhe carácter e personalidade própria.

A este propósito, todos os homens e mulheres, e de maneira especial os jovens, têm necessidade hoje, como em qualquer outra época, de redescobrir aqueles valores morais, humanos e espirituais, como por exemplo o respeito pela vida desde a sua concepção até ao seu ocaso natural, que tornam mais digna a existência do homem. Neste sentido, o serviço principal que a Igreja presta aos cubanos é o anúncio de Jesus Cristo e a sua mensagem de amor, perdão e reconciliação na verdade. Um povo que percorre este caminho de concórdia é um povo com esperança de um futuro melhor. Além disso a Igreja, consciente de que a sua missão ficaria mutilada sem o testemunho da caridade que brota do Coração de Cristo, pôs em acção na sua Pátria numerosas iniciativas de assistência social que, não obstante sejam de dimensões reduzidas, alcançam muitos enfermos, idosos e portadores de deficiência. Uma demonstração eloquente desta caridade é também a vida e o trabalho de numerosas pessoas que se deixaram iluminar e transformar pela mensagem de Cristo, como o Beato José Olallo Valdés, a cuja beatificação a primeira que se realizou no solo cubano assitiu o Excelentíssimo Senhor Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros.

Além disso, faço votos por que este clima, que ofereceu à Igreja a possibilidade de dar a sua modesta contribuição caritativa, favoreça também a sua participação nos meios de comunicação social e na realização de tarefas educativas complementares, de acordo com a sua missão pastoral e espiritual específica.

6. Não quero concluir as minhas palavras, sem dirigir uma última recordação ao povo cubano, sempre nobre, lutador, sofredor e trabalhador, expressando-lhe de coração a minha proximidade e afecto, ao mesmo tempo que não deixo de o confiar na minha oração ao Senhor, autor de todas as dádivas.

Senhor Embaixador, peço-lhe que tenha a bondade de reiterar a minha deferente saudação às mais altas Autoridades da República de Cuba, enquanto formulo a Vossa Excelência os meus melhores votos para que cumpra feliz e fecundamente a excelsa Missão que hoje começa junto da Santa Sé, e invoco sobre o Senhor Embaixador, a sua família e os seus colaboradores, os abundantes dons do Altíssimo, por intercessão de Nossa Senhora da Caridade do Cobre.




Discursos Bento XVI 28119