Discursos Bento XVI 22421

NO FINAL DA VIA-SACRA NO COLISEU Monte Palatino Sexta-feira Santa, 22 de Abril de 2011

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Amados irmãos e irmãs,

Esta noite, na fé, acompanhámos Jesus, que percorre o último trecho do seu caminho terreno, o trecho mais doloroso: o do Calvário. Ouvimos o alarido da multidão, as palavras da condenação, o ludíbrio dos soldados, o pranto da Virgem Maria e das outras mulheres. Agora mergulhámos no silêncio desta noite, no silêncio da cruz, no silêncio da morte. É um silêncio que guarda em si o peso do sofrimento do homem rejeitado, oprimido, esmagado, o peso do pecado que desfigura o seu rosto, o peso do mal. Esta noite, no íntimo do nosso coração, revivemos o drama de Jesus, carregado com o sofrimento, o mal, o pecado do homem.

E agora, que resta diante dos nossos olhos? Resta um Crucificado; uma Cruz levantada no Gólgota, uma Cruz que parece determinar a derrota definitiva d’Aquele que trouxera a luz a quem estava mergulhado na escuridão, d’Aquele que falara da força do perdão e da misericórdia, que convidara a acreditar no amor infinito de Deus por cada pessoa humana. Desprezado e repelido pelos homens, está diante de nós o «homem de dores, afeito ao sofrimento, como aquele a quem se volta a cara» (
Is 53,3).

Mas fixemos bem aquele homem crucificado entre a terra e o céu, contemplemo-lo com um olhar mais profundo, e descobriremos que a Cruz não é o sinal da vitória da morte, do pecado, do mal, mas o sinal luminoso do amor, mais ainda, da imensidão do amor de Deus, daquilo que não teríamos jamais podido pedir, imaginar ou esperar: Deus debruçou-Se sobre nós, abaixou-Se até chegar ao ângulo mais escuro da nossa vida, para nos estender a mão e atrair-nos a Si, levar-nos até Ele. A Cruz fala-nos do amor supremo de Deus e convida-nos a renovar, hoje, a nossa fé na força deste amor, a crer que em cada situação da nossa vida, da história, do mundo, Deus é capaz de vencer a morte, o pecado, o mal, e dar-nos uma vida nova, ressuscitada. Na morte do Filho de Deus na cruz, há o gérmen de uma nova esperança de vida, como o grão de trigo que morre no seio da terra.

Nesta noite carregada de silêncio, carregada de esperança, ressoa o convite que Deus nos dirige através das palavras de Santo Agostinho: «Tende fé! Vireis a Mim e haveis de saborear os bens da minha mesa, como é verdade que Eu não recusei saborear os males da vossa mesa... Prometi-vos a minha vida... Como antecipação, franqueei-vos a minha morte, como que para vos dizer: Convido-vos a participar na minha vida... É uma vida onde ninguém morre, uma vida verdadeiramente feliz, que oferece um alimento incorruptível, um alimento que restabelece e nunca acaba. A meta a que vos convido... é a amizade como o Pai e o Espírito Santo, é a ceia eterna, é a comunhão comigo ... é participar na minha vida» (cf. Discurso 231, 5).

Fixemos o nosso olhar em Jesus Crucificado e peçamos, rezando: Iluminai, Senhor, o nosso coração, para Vos podermos seguir pelo caminho da Cruz; fazei morrer em nós o «homem velho», ligado ao egoísmo, ao mal, ao pecado, e tornai-nos «homens novos», mulheres e homens santos, transformados e animados pelo vosso amor.



AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA DA «EUROPEAN BROADCASTING UNION» Sábado, 30 de Abril de 2011

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Estimados amigos!

Estou feliz por dar as boas-vindas a todos vós, membros e participantes na 17ª assembleia das rádios e televisões da European Broadcasting Union, que este ano é hóspede da Rádio Vaticano, por ocasião do 80° aniversário da sua fundação. Saúdo o Arcebispo Claudio Maria Celli, Presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Agradeço ao Presidente da European Broadcasting Union, Jean Paul Philippot, e ao Padre Federico Lombardi, Director-Geral da Rádio Vaticano, as amáveis palavras com que explicaram a natureza do vosso encontro e os problemas que deveis enfrentar.

Quando o meu predecessor Pio XI se dirigiu a Guglielmo Marconi para que dotasse o Estado da Cidade do Vaticano de uma Estação de rádio à altura da melhor tecnologia disponível naquela época, demonstrou que tinha intuído com perspicácia em que direcção se ia desenvolvendo o mundo das comunicações, e quais potencialidades a rádio podia oferecer para o serviço da missão da Igreja. Efectivamente, através da rádio, os Papas puderam transmitir para além das fronteiras mensagens de grande importância para a humanidade, como aquelas justamente famosas de Pio XII durante a segunda guerra mundial, que deram voz às aspirações mais profundas de justiça e de paz, ou como a de João XXIII no momento culminante da crise entre Estados Unidos e União Soviética, em 1962. Ainda através da rádio, Pio XII pôde fazer difundir centenhas de milhares de mensagens das famílias para os prisioneiros e os dispersos durante a guerra, desempenhando uma obra humanitária que lhe valeu uma gratidão imarscecível. Além disso, através da rádio foram por muito tempo sustentadas as expectativas de crentes e de povos submetidos a regimes que oprimiam os direitos humanos e a liberdade religiosa. A Santa Sé está consciente das potencialidades extraordinárias que o mundo da comunicação tem para o progresso e o crescimento das pessoas e da sociedade. Pode-se dizer que todo o ensinamento da Igreja neste sector, a partir dos discursos de Pio XII, passando pelos documentos do Concílio Vaticano II, até às minhas mais recentes mensagens sobre as novas tecnologias numéricas, é permeado por uma veia de optimismo, de esperança e de simpatia sincera por aqueles que se comprometem neste campo para favorecer o encontro e o diálogo, servir a comunidade humana e contribuir para a prosperidade pacífica da sociedade.

Naturalmente, cada um de vós sabe que também no desenvolvimento das comunicações sociais se escondem dificuldades e riscos. Por isso, permiti que eu manifeste a todos vós o meu interesse e a minha solidariedade na importante obra que levais a cabo. Nas sociedades hodiernas estão em jogo valores basilares para o bem da humanidade, e a opinião pública, em cuja formação o vosso trabalho tem uma grande importância, encontra-se frequentemente desorientada e dividida. Vós sabeis bem quais são as preocupações da Igreja católica, a propósito do respeito pela vida humana, da defesa da família, do reconhecimento dos direitos autênticos e das justas aspirações dos povos, dos desequilíbrios que causam o subdesenvolvimento e a fome em muitas regiões do mundo, do acolhimento dos migrantes, do desemprego e da segurança social, das novas pobrezas e marginalizações sociais, das discriminações e das violações da liberdade religiosa, do desarmamento e da busca de uma solução pacífica dos conflitos. Referi-me a muitas destas questões na Encíclica «Caritas in veritate». Alimentar todos os dias uma informação correcta e equilibrada, e um debate aprofundado para encontrar as melhores soluções compartilhadas sobre estas problemáticas numa sociedade pluralista, é tarefa que compete às rádios e às televisões. Trata-se de um trabalho que exige elevada honestidade profissional, justiça e respeito, abertura às diversas perspectivas, clareza na abordagem dos problemas, liberdade em relação às barreiras ideológicas e consciência da complexidade dos problemas. Trata-se de uma busca paciente daquela «verdade quotidiana», que melhor traduz os valores na vida e melhor orienta o caminho da sociedade, e que deve ser procurada com humildade por todos.

Nesta busca, a Igreja católica tem uma sua contribuição específica a oferecer, e tenciona fazê-lo, testemunhando a sua adesão à verdade que é Cristo, mas ao mesmo tempo com abertura e espírito de diálogo. Como afirmei no encontro com os qualificados representantes do mundo político e cultural britânico na Westminster Hall de Londres no passado mês de Setembro, a religião não procura manipular os não-crentes, mas ajudar a razão na descoberta dos princípios morais objectivos. A religião contribui para «purificar» a razão, ajudando-a a não ser vítima de desvios, como a manipulação da parte da ideologia, ou a aplicação parcial que não tem plenamente em consideração a dignidade da pessoa humana. Ao mesmo tempo, também a religião reconhece que tem necessidade da correcção da parte da razão, para evitar excessos, como o integralismo ou o sectarismo. «A religião não é um problema a resolver, mas um factor que contribui de modo vital para o debate público na nação». Por isso convido-vos também, «no âmbito das vossas esferas de influência, a procurar promover e encorajar o diálogo entre fé e razão», na perspectiva do serviço ao bem comum nacional.

O vosso é um «serviço público», serviço às pessoas, para as ajudar todos os dias a conhecer e a compreender melhor o que acontece e por que motivo acontece, e a comunicar concretamente para as acompanhar ao longo do caminho comum da sociedade. Sei bem que este serviço encontra dificuldades, e que tem diferentes aspectos e proporções nos diversos países. Pode haver o desafio da competição por parte das transmissoras comerciais; o condicionamento de uma política vivida como divisão do poder, e não como serviço ao bem comum; a escassez de recursos económicos, acentuada por situações de crise; o impacto do desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação; e a busca insistente da audiência. Mas os desafios do mundo contemporâneo que vos comprometem são demasiado grandes e urgentes, para vos deixardes desanimar e sentir a tentação da renúncia, diante de tais dificuldades.

Há vinte anos, em 1991, o Venerável João Paulo II, que amanhã terei a alegria de proclamar Beato, recebia a vossa Assembleia geral no Vaticano, encorajando-vos a desenvolver a vossa mútua colaboração, para favorecer o crescimento da comunidade dos povos do mundo. Hoje, penso nos processos em curso nos países do Mediterrâneo e do Próximo Oriente, vários dos quais são também membros da vossa Associação. Sabemos que as novas formas de comunicação desempenharam e ainda desempenham um papel não secundário nestes mesmos processos. Faço votos por que saibais pôr os vossos contactos internacionais e as vossas actividades ao serviço de uma reflexão e de um compromisso destinados a garantir que os meios de comunicação social sirvam o diálogo, a paz e o desenvolvimento dos povos na solidariedade, superando as distâncias culturais, as desconfianças e os temores.

Enfim, caros amigos, enquanto vos desejo, a vós e à vossa Associação, um trabalho fecundo, desejo manifestar novamente a minha gratidão pela colaboração concreta que, em muitas circunstâncias, oferecestes e ainda ofereceis ao meu ministério, como nas grandiosas celebrações do Natal e da Páscoa, ou por ocasião das minhas viagens. Por conseguinte, também para mim e para a Igreja católica, vós sois aliados e amigos importantes na nossa missão. Neste espírito, é com prazer que invoco a Bênção do Senhor sobre todos vós, os vossos entes queridos e o vosso trabalho.


AOS MEMBROS DA "PAPAL FOUNDATION" Sala Clementina Quinta-feira, 5 de Maio de 2011

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É com prazer que vos dou as boas-vindas, membros da Papal Foundation, por ocasião da vossa visita anual a Roma. Durante este tempo pascal, marcado pela alegria espiritual e a gratidão pelo dom da nossa nova vida em Cristo, rezo a fim de que esta peregrinação aos túmulos dos apóstolos e mártires renove em todos vós o amor pelo Senhor e pela sua Igreja.

Este encontro dá-me a agradável oportunidade de renovar os meus agradecimentos pela importante contribuição que a Fundação oferece à missão da Igreja, através da promoção de actividades de caridade que estão a peito do Papa. Estou muito grato pelo vosso envolvimento em projectos finalizados ao desenvolvimento humano integral, pelo vosso encorajamento às actividades apostólicas das dioceses e congregações religiosas no mundo inteiro, pela vossa preocupação com a educação dos futuros líderes da Igreja e pelo vosso apoio às actividades da Santa Sé. A Papal Foundation nasceu como instrumento para demonstrar solidariedade concreta ao Sucessor de Pedro na sua solicitude pela Igreja Universal. Que possais considerar o vosso compromisso com os ideais da Fundação como uma expressão privilegiada do empenho cristão na Igreja e perante o mundo. Desta forma, podereis testemunhar que a Igreja é missionária por sua natureza; pois «cabe-nos a responsabilidade de transmitir aquilo que por nossa vez tínhamos, por graça, recebido» (Verbum Domini, 91).

Caros amigos, com estes sentimentos e com afecto no Senhor, confio a vós e a vossas famílias à intercessão amorosa de Maria, Mãe da Igreja, e concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica, como penhor de alegria e paz da Páscoa.



NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ITALIANA POR OCASIÃO DO SEXTO ANIVERSÁRIO DE INÍCIO DE PONTIFICADO

Sala Paulo VI Quinta-feira, 5 de Maio de 2011

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Senhor Presidente da República
Senhores Cardeais
Excelentíssimos Ministros e Autoridades
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Presbiterado
Gentis Senhores e Senhoras!

Também este ano, com a habitual e requintada cortesia, o Presidente da República Italiana, Excelentíssimo Senhor Giorgio Napolitano, quis proporcionar-nos um momento de elevação musical pelo aniversário do início do meu Pontificado. Enquanto o saúdo, com deferência, Senhor Presidente, juntamente com a sua gentil Senhora, expresso vivo agradecimento por esta agradável homenagem e pelas cordiais palavras que me dirigiu, manifestando também a proximidade do querido povo italiano ao Bispo de Roma e recordando o inesquecível momento da beatificação de João Paulo II. Saúdo as demais Autoridades do Estado italiano, os Senhores Embaixadores, as várias Personalidades, a Câmara Municipal de Roma e todos vós. Dirijo um agradecimento especial ao Maestro, aos Solistas, à Orquestra e ao Coro do Teatro da Ópera de Roma pela maravilhosa execução das duas obras-primas de António Vivaldi e de Joaquim Rossini, sumos compositores dos quais a Itália, que celebra 150 anos de unificação política, deve orgulhar-se. Obrigado também a quantos tornaram possível este evento.

«Creio», «Amém»: são as duas palavras com as quais inicia e se conclui o «Credo», a «Profissão de fé» da Igreja, que escutámos. O que significa creio? É uma palavra que tem vários significados: indica acolher algo dentro das próprias convicções, confiar em alguém, ter certeza. No entanto, quando a pronunciamos no «Credo» assume um significado mais profundo: é afirmar com confiança o sentido verdadeiro da realidade que nos apoia e sustenta o mundo; significa acolher este sentido como o terreno sólido sobre o qual podemos estar sem temor; é saber que o fundamento de tudo, de nós mesmos, não pode ser realizado por nós, mas só ser recebido. E a fé cristã não diz «creio em algo», mas «creio em Alguém», no Deus que se revelou em Jesus, n’Ele compreendo o autêntico sentido do mundo; e este crer abrange toda a pessoa, que está a caminho rumo a Ele. Depois, a palavra «amém», que em hebraico tem a mesma raiz da palavra «fé», retoma o conceito idêntico: o apoiar-se confiante numa base sólida, Deus.

Pensemos no trecho de Vivaldi, grande representante do século XVII veneziano. Infelizmente, conhece-se pouco da sua música sacra, que encerra tesouros preciosos: tivemos um exemplo disto na peça desta noite, provavelmente composta em 1715. Gostaria de fazer três observações. Primeiramente, um facto anómalo na produção vocal vivaldiana: a ausência de solistas, há só o coro. Deste modo, Vivaldi quer expressar o «nós» da fé. O «Credo» é o «nós» da Igreja que canta a sua fé, no espaço e no tempo, como comunidade de crentes; o «meu» afirmar «creio» está inserido no «nós» da comunidade. Depois, gostaria de relevar os dois maravilhosos quadros centrais: Et incarnatus est e Crucifixus. Vivaldi detém-se, como era comum, no momento no qual Deus, que parecia estar distante, se aproxima, se encarna e se doa a si mesmo na Cruz. Aqui a repetição das palavras, as modulações contínuas exprimem o sentido profundo da admiração diante deste Mistério e exortam-nos à meditação, à oração. Uma última observação. Carlos Goldoni, grande representante do teatro veneziano, no seu primeiro encontro com Vivaldi notava: «Encontrei-o circundado de música e com o breviário nas mãos». Vivaldi era sacerdote e a sua música nasce da sua fé.

A segunda obra-prima desta noite, o «Stabat Mater» de Joaquim Rossini, é uma grande meditação sobre o mistério da morte de Jesus e da dor profunda de Maria. Rossini tinha concluído a fase operística da sua carreira com apenas 37 anos, em 1829, com Guilherme Tell. A partir daquele momento deixou de compor peças de grandes proporções, apenas com duas excepções, ambas de música sacra: «Stabat Mater» e «Petite Messe Solennelle». A religiosidade de Rossini exprime uma rica variedade de sentimentos diante dos mistérios de Cristo, com uma forte tensão emotiva. Do grande afresco inicial do «Stabat Mater»,angustiado e afectuoso, aos trechos dos quais emerge a cantabilidade rossiniana e italiana, mas sempre cheia de tensão dramática, até à dupla fuga final com o poderoso Amen, que expressa a firmeza da fé, e o In sempiterna saecula, que parece querer explicar o sentindo da eternidade. Mas penso que as pérolas verdadeiras desta obra são os dois trechos «a cappella», o Eja mater fons amoris e o Quando corpus morietur. Aqui o Maestro volta à lição da grande polifonia, com uma intensidade emotiva que se transforma em oração fervorosa: «Quando o meu corpo morrer, faz com que à alma seja dada a glória do Paraíso». Rossini, com 71 anos, após ter composto a «Petite Messe Solennelle», escrevia: «Bom Deus, eis concluída esta pobre Missa... sabes bem que nasci para a ópera bufa! Pouca ciência, um pouco de coração e basta. Portanto, sê misericordioso e c0ncede-me o paraíso». Uma fé simples e genuína.

Queridos amigos, espero que os trechos desta noite tenham alimentado também a nossa fé. Ao Senhor Presidente da República italiana, aos solistas, às estruturas do Teatro da Ópera de Roma, ao maestro, aos organizadores e a todos os presentes renovo a minha gratidão e peço uma recordação na oração pelo meu ministério na vinha do Senhor. Que Ele continue a abençoar a vós e os vossos entes queridos. Obrigado.



À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO INSTITUTO LITÚRGICO DO ATENEU DE SANTO ANSELMO NO 50º ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO

Sala Clementina Quinta-feira, 6 de Maio de 2011

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Reverendo Padre Abade Primaz
Reverendo Magnífico Reitor
Ilustres Professores
Queridos Estudantes

É com alegria que vos recebo por ocasião do IX Congresso Internacional de Liturgia que celebrais no âmbito do cinquentenário de fundação do Pontifício Instituto Litúrgico. Saúdo cordialmente cada um de vós, em particular o Grão-Chanceler, o Abade Primaz Pe. Notker Wolf, e agradeço-lhe as gentis palavras que me dirigiu em nome de todos vós.

O Beato João XXIII, ouvindo as solicitações do movimento litúrgico que pretendia dar um novo impulso e alcance à oração da Igreja, pouco antes do Concílio Vaticano II e durante a sua celebração, quis que a Faculdade dos Beneditinos no Aventino constituísse um centro de estudos e de pesquisa para garantir uma sólida base à reforma litúrgica conciliar. De facto, nas vésperas do Concílio tornava-se cada vez mais evidente a urgência de uma reforma, postulada também pelas exigências apresentadas pelos vários episcopados. Por outro lado, a necessidade pastoral que animava o movimento litúrgico exigia que fosse favorecida e suscitada uma participação mais activa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso das línguas nacionais, e que se aprofundasse o tema da adaptação dos ritos nas várias culturas, sobretudo em terras de missão. Além disso, revelou-se clara desde o início a necessidade de estudar de modo mais aprofundado o fundamento teológico da Liturgia, para evitar que se caísse no ritualismo e para que a reforma fosse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja. O Papa João XXIII, animado por um espírito profético, para recolher e responder a tais exigências criou o Instituto Litúrgico, ao qual quis imediatamente atribuir o apelativo de «Pontifício» para indicar o seu vínculo peculiar com a Sé Apostólica.

Queridos amigos, o título escolhido para o Congresso deste Ano Jubilar é muito significativo: «O Pontifício Instituto Litúrgico entre memória e profecia». No que diz respeito à memória, devemos constatar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo no meio século de história, e por isso damos graças ao Dador de todos os bens. Como não recordar os pioneiros, presentes no acto de fundação da Faculdade: Pe. Cipriano Vagaggini, Pe. Adrien Nocent, Pe. Salvatore Marsili e Pe. Burkhard Neunheuser que, acolhendo as recomendações do Pontífice fundador, se comprometeram, sobretudo depois da promulgação da Constituição conciliarSacrosanctum concilium, a aprofundar «a prática da missão sacerdotal de Cristo. [A Liturgia] simboliza através de sinais visíveis e realiza de modo próprio de cada um deles a santificação dos homens; nela o Corpo Místico de Jesus Cristo — Cabeça e membros — presta a Deus o culto público integral» (n. 7).

Pertence à «memória» a própria vida do Pontifício Instituto Litúrgico, que ofereceu a sua contribuição para Igreja comprometida na recepção do Concílio Vaticano II, através de cinquenta anos de formação litúrgica académica. Formação recebida à luz da celebração dos santos mistérios, da liturgia comparada, da Palavra de Deus, das fontes litúrgicas, do magistério, da história dos âmbitos ecuménicos e de uma antropologia sólida. Graças a este importante trabalho formativo, um elevado número de pessoas licenciadas e diplomadas prestam agora o seu serviço à Igreja em várias partes do mundo, ajudando o povo santo de Deus a viver a Liturgia como expressão da Igreja em oração, como presença de Cristo entre os homens e como actualidade constitutiva da história da salvação. De facto, o Documento conciliar realça o duplo carácter teológico e eclesiológico da Liturgia. A celebração realiza contemporaneamente uma epifania do Senhor e uma epifania da Igreja, duas dimensões que se conjugam em unidade na assembleia litúrgica, onde Cristo actualiza o Mistério pascal de morte e ressurreição e o povo dos baptizados bebe mais abundantemente das fontes da salvação. Na acção litúrgica da Igreja subsiste a presença activa de Cristo: o que realizou na sua passagem entre os homens, Ele continua a realizá-lo através da sua acção sacramental pessoal, cujo centro é constituído pela Eucaristia.

Com a palavra «profecia», o olhar abre-se para novos horizontes. A Liturgia da Igreja vai além da própria «reforma conciliar» (cf. Sacrosanctum concilium
SC 1), cuja finalidade não era principalmente mudar os ritos e os textos, mas sim renovar a mentalidade e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do Mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também da nossa parte, Pastores e peritos, a Liturgia foi acolhida mais como um objecto para reformar do que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, dado que «existe um vínculo estreitíssimo e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. Da Liturgia a Igreja tira a força para a vida». Recordanos isto o beato João Paulo II naVicesimus quintus annus, onde a liturgia é vista como o coração pulsante de todas as actividades eclesiais. E o Servo de Deus Paulo VI, referindo-se ao culto da Igreja, com uma expressão sintética afirmava: «Da lex credendi passemos à lex orandi, e esta conduz-nos àlux operandi et vivendi» (Discurso, 2 de Fevereiro de 1970).

Ápice para o qual tende a acção da Igreja e ao mesmo tempo fonte da qual promana a sua virtude (cf. Sacrosanctum concilium SC 10), a Liturgia com o seu universo celebrativo torna-se assim a grande educadora para a primazia da fé e da graça. A Liturgia, teste privilegiado da Tradição viva da Igreja, fiel à sua tarefa nativa de revelar e tornar presente no hodie das vicissitudes humanas o opus Redemptionis, vive de uma relação correcta e constante entre sadia traditio e legitima progressio, lucidamente explicitada pela Constituição conciliar no n. 23. Com estes dois termos, os Padres conciliares quiseram transmitir o seu programa de reforma, em equilíbrio com a grande tradição litúrgica do passado e com o futuro. Muitas vezes tradição e progresso contrapõem-se de maneira inadequada. Na realidade, os dois conceitos integram-se: a tradição inclui ela mesma de certa forma o progresso. Como dizer que o rio da tradição tem em si também a sua fonte e tende para a foz.

Queridos amigos, faço votos por que esta Faculdade de Sacra Liturgia continue com renovado impulso o seu serviço à Igreja, em plena fidelidade à rica e preciosa tradição litúrgica e à reforma querida pelo Concílio Vaticano II, em conformidade com as linhas mestras daSacrosanctum concilium e dos pronunciamentos do Magistério. A Liturgia cristã é a da promessa realizada em Cristo, mas é também a Liturgia da esperança, da peregrinação rumo à transformação do mundo, que terá lugar quando Deus for tudo em todos (cf. 1Co 15,28). Por intercessão da Virgem Maria, Mãe da Igreja, em comunhão com a Igreja celeste e com os padroeiros São Bento e Santo Anselmo, invoco sobre cada um a Bênção Apostólica.



AOS NOVOS RECRUTAS DA GUARDA SUÍÇA PONTIFÍCIA E SEUS FAMILIARES Sexta-feira, 6 de Maio de 2011

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Sala Clementina





Senhor Comandante
Monsenhor Capelão
Estimados Oficiais
e Membros da Guarda Suíça
Prezados Irmãos e Irmãs

Estou particularmente feliz por me encontrar convosco por ocasião deste dia celebrativo e desejo dirigir uma saudação cordial especialmente aos novos recrutas que, seguindo o exemplo de não poucos dos seus concidadãos, quiseram dedicar alguns anos da sua juventude ao serviço do Sucessor de Pedro. A presença dos vossos pais, parentes e amigos, vindos a Roma para participar nestes dias de festa, exprime não só o vínculo de muitos católicos suíços à Santa Sé, mas inclusive o ensinamento, a educação moral e o bom exemplo, mediante os quais os pais transmitiram aos filhos a fé cristã e o sentido do serviço abnegado.

O dia de hoje constitui a ocasião para dirigir um olhar ao passado glorioso da Guarda Suíça Pontifícia. Penso em particular no evento — recordado várias vezes porque é fundamental na vossa história — do famoso «Saque de Roma», que viu os guardas suíços empenhados na corajosa defesa do Papa, até dar a vida por ele. A lembrança do saque de Roma deve fazer-nos meditar sobre o facto de que existe também a ameaça de um saque mais perigoso, que poderíamos definir espiritual. Com efeito, no contexto social hodierno muitos jovens correm o risco de cair num empobrecimento progressivo da alma, porque buscam ideais e perspectivas de vida superficiais, que só satisfazem necessidades e exigências materiais. Fazei com que a vossa permanência em Roma constitua um tempo propício para desfrutar da melhor forma das muitas possibilidades que esta cidade vos oferece para dar um sentido cada vez mais sólido e profundo à vossa vida. Ela é rica de história, cultura e fé; portanto, aproveitai as oportunidades que vos são dadas para ampliar o vosso horizonte cultural, linguístico e sobretudo espiritual. O período que passareis na «Cidade eterna» será um momento extraordinário da vossa existência: vivei-o com espírito de fraternidade sincera, ajudando-vos uns aos outros a levar uma vida exemplarmente cristã, que corresponda à vossa fé e à vossa missão peculiar na Igreja.

Quando alguns de vós hoje jurarem desempenhar fielmente o serviço na Guarda Suíça Pontifícia e outros o renovarem no seu coração, pensai no rosto luminoso de Cristo, que vos chama a ser homens autênticos e cristãos verdadeiros, protagonistas da vossa existência. A sua paixão, morte e ressurreição são uma exortação eloquente a enfrentar com maturidade consciente os obstáculos e os desafios da vida, sabendo, como nos recordou a Liturgia durante a Vigília pascal, que o Senhor ressuscitado é «Rei eterno que venceu as trevas do mundo». Só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele deve tornar-se cada vez mais o parâmetro da nossa vida e do nosso comportamento, como Ele escolheu a fidelidade plena e total à missão de salvação que lhe foi confiada pelo Pai como medida e fulcro da sua vida. Caros jovens, o Senhor caminha convosco, sustenta-vos, anima-vos a segui-lo na mesma fidelidade: desejo-vos que sintais sempre a alegria e a consolação da sua presença luminosa, corroborante.

Este encontro oferece-me o ensejo de manifestar aos novos recrutas a minha profunda gratidão pela opção de estarem, por algum tempo, à disposição do Sucessor de Pedro e de contribuir assim para garantir a ordem necessária e a segurança no interior da Cidade do Vaticano. É de bom grado que aproveito a ocasião para abranger com a expressão do meu reconhecimento todo o Corpo da Guarda Suíça Pontifícia, chamado a desempenhar, entre as várias tarefas, a de receber com cortesia e gentileza os peregrinos e os visitantes no Vaticano. Esta obra de vigilância, que vós desempenhais com diligência, amor e solicitude é decerto considerável e delicada: às vezes ela requer não pouca paciência, perseverança e disponibilidade à escuta.

Queridos amigos, o vosso serviço é mais útil do que nunca para o transcorrer tranquilo e seguro da vida diária e das manifestações espirituais e religiosas da Cidade do Vaticano. A vossa presença significativa no coração da cristandade, aonde multidões de fiéis chegam incessantemente para encontrar o Sucessor de Pedro e para visitar os túmulos dos Apóstolos, suscite cada vez mais em cada um de vós o propósito de intensificar a dimensão espiritual da vida, como também o compromisso a aprofundar a vossa fé cristã, testemunhando-a alacremente com comportamentos coerentes. Asseguro-vos a minha oração fervorosa e, de coração, concedo a cada um de vós e a quantos vos acompanham nesta circunstância singular, a Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL A AQUILEIA E VENEZA


ENCONTRO COM OS CIDADÃOS Praça do Capítulo - Aquileia Sábado, 7 de Maio de 2011

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Prezados irmãos e irmãs

É com grande alegria que venho até vós, filhos e herdeiros da ilustre Igreja de Aquileia, e começo aqui a minha visita às Igrejas destas Terras. A todos vós, Pastores e Autoridades civis, fiéis das Dioceses do Trivéneto, assim como das sedes da Eslovénia, Croácia, Áustria e Baviera, dirijo a minha cordial saudação. Agradeço ao Presidente da Câmara Municipal de Aquileia as suas amáveis palavras. Os restos arqueológicos e os admiráveis vestígios artísticos, que tornam Aquileia bem conhecida em toda a parte, convidam-me neste momento a remontar às origens desta Cidade, que nasceu em 181 e prosperou nos séculos seguintes, assim como canta o Bispo poeta Paulino: «…bela, ilustre, resplandecente de palácios, famosa pelos muros e mais ainda pelas inúmeras multidões dos teus cidadãos. Todas as cidades da Veneza te estavam submetidas e fizeram de ti capital e metrópole, dado que eras florescente pelo teu clero e maravilhosa pelas igrejas, que tinhas dedicado a Cristo» (Poetae Latini aevi Carolini, em M.G.H., 1881, p. 142). Aquileia nasceu e desenvolveu-se quando o Império, porta entre Oriente e Ocidente, lugar de defesa e de intercâmbios económicos e culturais, estava no auge do seu poder.

Mas a glória de Aquileia era outra! Com efeito, diz-nos São Paulo, Deus não escolheu aquilo que é nobre e poderoso, mas o que para o mundo é frágil e insensato (cf.
1Co 1,27-28). Na longínqua província da Síria, no tempo de César Augusto, nasceu Aquele que veio para iluminar os homens com a luz da Verdade, Jesus, filho de Maria, Filho consubstancial e eterno do Pai, revelador do império eterno de Deus sobre os homens, do seu desígnio de comunhão para todos os povos; Aquele que, com a sua morte de cruz, padecida pela mão do Império, instaurará o verdadeiro reino de justiça, de amor e de paz, conferindo aos homens que O recebem, «o poder de se tornar filhos de Deus» (Jn 1,12). De Jerusalém, através da Igreja de Alexandria, o Alegre Anúncio da salvação de Cristo chegou até aqui. A semente da grande esperança chegou também a esta Região romana. A Comunidade de Aquileia tornou-se rapidamente, na Decima Regio do Império, uma Comunidade de mártires, de testemunhas heróicas da fé no Ressuscitado, semente de outros discípulos e de outras comunidades. Então, a grandeza de Aquileia não consistiu apenas em ser a nona cidade do Império e a quarta da Itália, mas também em ser uma Igreja viva, exemplar, capaz de um anúncio evangélico autêntico, corajosamente difundido nas regiões circunstantes, e conservado e alimentado durante séculos. Portanto, presto homenagem a esta terra abençoada, irrigada pelo sangue e pelo sacrifício de numerosas testemunhas, e rezo aos santos Mártires de Aquileia a fim de que suscitem também hoje na Igreja discípulos de Cristo, corajosos e fiéis, consagrados unicamente a Ele e por isso convictos e convincentes.

A liberdade de culto concedida ao Cristianismo no século IV fez ampliar o raio de acção da Igreja de Aquileia, alargando-o para além dos confins naturais da Venetia et Histria até à Récia, à Nórica, às amplas Regiões danubianas, à Panónia e à Sávia. Foi-se formando assim a província eclesiástica metropolitana de Aquileia, à qual Bispos de Igrejas muito distantes ofereciam a sua obediência, acolhiam a sua profissão de fé, unindo-se a ela mediante os vínculos indissolúveis da comunhão eclesial, litúrgica, disciplinar e até arquitectónica. Aquileia era o coração pulsante nesta Região, sob a guia douta e intrépida de Pastores santos, que a defendiam contra a propagação do arianismo. Entre todos, recordo Cromácio — sobre o qual já meditei na Catequese de 5 de Dezembro de 2007 — Bispo atento e activo como Agostinho em Hipona, como Ambrósio em Milão, «santíssimo e doutíssimo entre os Bispos», como o definiu Jerónimo. Isto enobreceu a Igreja que Cromácio amou e serviu, foi a sua profissão de fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Comentando a narração evangélica da mulher que perfuma primeiro os pés e depois a cabeça de Jesus, ele afirma: «Os pés de Cristo indicam o mistério da sua encarnação, pelo que nestes últimos tempos se dignou nascer de uma virgem; a cabeça, ao contrário, indica a glória da sua divindade, na qual procede do Pai antes de todos os tempos... Isto significa que devemos acreditar em duas coisas a respeito de Cristo: que Ele é Deus e homem, Deus gerado pelo Pai, homem nascido de uma virgem... Não podemos ser salvos de outra maneira, se não crermos nestas duas coisas a respeito de Cristo» (Cromácio de Aquileia, Catechesi al popolo, Città Nuova, 1989, p. 93).

Estimados irmãos, filhos e herdeiros da gloriosa Igreja de Aquileia, hoje estou no meio de vós para admirar esta rica e antiga tradição, mas sobretudo para vos confirmar na profunda fé dos vossos Pais: nesta hora da história redescobri, defendei e professai com ímpeto espiritual esta verdade fundamental. Com efeito, só de Cristo a humanidade pode receber esperança e futuro; só dele pode haurir o significado e a força do perdão, da justiça e da paz. Conservai sempre vivas, corajosamente, a fé e as obras das vossas origens! Sede nas vossas Igrejas e no seio da sociedade «quasi beatorum chorus», como afirmava Jerónimo acerca do clero de Aquileia, pela unidade da fé, o estudo da Palavra, o amor fraterno, a harmonia jubilosa e pluriforme do testemunho eclesial. Convido-vos a fazer-vos sempre de novo discípulos do Evangelho, para o traduzir em fervor espiritual, clareza de fé, caridade sincera e sensibilidade imediata pelos pobres: possais plasmar a vossa vida segundo aquele «sermo rusticus», do qual ainda falava Jerónimo, referindo-se à qualidade evangélica da comunidade de Aquileia. Sede assíduos à «manjedoura», como dizia Cromácio, ou seja ao altar, onde a alimentação é o próprio Cristo, Pão de vida, força nas perseguições, alimentação que anima em toda a desconfiança e debilidade, alimento da coragem e do ardor cristão. A recordação da Santa Mãe Igreja de Aquileia vos sustente, vos estimule a novas metas missionárias neste difícil período histórico, vos torne artífices de unidade e de compreensão no meio dos povos das vossas terras. Proteja-vos sempre no caminho a Virgem Maria e vos acompanhe a minha Bênção.




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