Discursos Bento XVI 7521

ASSEMBLEIA DO II CONGRESSO ECLESIAL REGIONAL Basílica de Aquileia Sábado, 7 de Maio de 2011

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Senhor Cardeal Patriarca
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados irmãos e irmãs

Na magnífica moldura desta Basílica histórica, que nos recebe de modo solene, dirijo a minha saudação mais cordial a todos vós, que representais as quinze Dioceses do Trivéneto. Estou muito feliz por vos encontrar, enquanto vos preparais para celebrar, no próximo ano, o segundo Congresso eclesial de Aquileia. Saúdo com afecto o Cardeal Patriarca de Veneza e os Irmãos no Episcopado, de modo particular o Arcebispo de Gorízia, a quem agradeço as expressões com que me recebeu, e o Arcebispo-Bispo de Pádua, que me ofereceu um quadro sobre o caminho rumo ao Congresso. Saúdo com igual afecto os presbíteros, os religiosos, as religiosas e os numerosos fiéis leigos. Juntamente com o Apóstolo João, também eu vos repito: «Graça e paz vos sejam dadas da parte daquele que é, que era e que há-de vir» (
Ap 1,4). Através da «reunião sinodal», o Espírito Santo fala às vossas amadas Igrejas e a todos vós singularmente, sustendando-vos em vista de um crescimento mais maduro na comunhão e na colaboração recíproca. Esta «reunião eclesial» permite a todas as comunidades cristãs, que vós aqui representais, compartilhar antes de tudo a experiência originária do Cristianismo, a do encontro pessoal com Jesus, que revela plenamente a cada homem e a cada mulher o significado e o rumo do caminho na vida e na história.

Oportunamente, quisestes que também o vosso Congresso eclesial se realizasse na Igreja-Mãe de Aquileia, da qual brotaram as Igrejas do nordeste da Itália, mas também as Igrejas da Eslovénia e da Áustria, além de algumas Igrejas da Croácia e da Baviera, e até da Hungria. Por isso, reunir-se em Aquileia constitui um retorno significativo às «raízes» para se redescobrir como «pedras» vivas do edifício espiritual, que tem os seus fundamentos em Cristo e o seu prolongamento nas testemunhas mais eloquentes da Igreja de Aquileia: os santos Ermagora e Fortunato, Hilário e Taciano, Crisógono, Valeriano e Cromácio. Voltar a Aquileia significa sobretudo aprender da gloriosa Igreja que vos gerou, como vos deveis comprometer hoje, num mundo radicalmente mudado, para uma nova evangelização do vosso território e para transmitir às gerações futuras a preciosa herança da fé cristã.

«Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,7). Os vossos Pastores reiteraram este convite do Apocalipse a cada uma das vossas Igrejas e às diferentes realidades eclesiais. Assim, solicitaram-vos a descobrir e a «narrar» aquilo que o Espírito Santo realizou e ainda está a realizar nas vossas comunidades; a ler com os olhos da fé as profundas transformações em curso, os novos desafios e as exigências emergentes. Como anunciar Jesus Cristo, como comunicar o Evangelho e como educar para a fé hoje? Quisestes preparar-vos de modo minucioso, diocese por diocese, em vista do Congresso de 2012, para enfrentar também os desafios que superam os confins das realidades diocesanas singularmente, numa nova evangelização arraigada na fé desde há séculos e renovada no vigor. A presença no dia de hoje, nesta Basílica maravilhosa, das dioceses nascidas de Aquileia parece indicar a missão do nordeste do futuro que se abre também aos territórios circunstantes e àqueles que, por diversos motivos, entram em contacto com eles. O nordeste da Itália é testemunha e herdeiro de uma história rica de fé, de cultura e de arte, cujos sinais ainda são bem visíveis inclusive na hodierna sociedade secularizada. A experiência cristã forjou um povo afável, diligente, tenaz e solidário. Ele está profundamente marcado pelo Evangelho de Cristo, apesar da pluralidade das suas identidades culturais. Demonstram-no a vitalidade das vossas comunidades paroquiais, a vivacidade das agregações, o compromisso responsável dos agentes no campo pastoral. O horizonte da fé e as motivações cristãs deram e continuam a oferecer um renovado impulso à vida social, inspiram as intenções e orientam os costumes. São sinais evidentes disto a abertura à dimensão transcendente da vida, apesar do materialismo difundido; um sentido religioso de base, compartilhado pela quase totalidade da população; o apego às tradições religiosas; a renovação dos percursos de iniciação cristã; as múltiplas expressões de fé, de caridade e de cultura; as manifestações da religiosidade popular; o sentido da solidariedade e o voluntariado. Conservai, fortalecei e vivei esta herança preciosa. Sede ciosos daquilo que engrandeceu e ainda hoje torna grandes estas Terras!

A missão prioritária que o Senhor vos confia hoje, renovados pelo encontro pessoal com Ele, consiste em dar testemunho do amor de Deus pelo homem. Sois chamados a fazê-lo antes de tudo com as obras do amor e as opções de vida em benefício das pessoas concretas, a partir das mais débeis, frágeis, indefesas e não auto-suficientes, como os pobres, os idosos, os doentes, os portadores de deficiência, aquelas pessoas que são Paulo denomina os membros mais frágeis do corpo eclesial (cf. 1Co 12,15-27). As ideias e as realizações na abordagem da longevidade, recurso precioso para os relacionamentos humanos constituem um testemunho bonito e inovador da caridade evangélica, projectada em dimensão social. Procurai pôr no âmago da vossa atenção a família, berço do amor e da vida, célula fundamental da sociedade e da comunidade eclesial; este compromisso pastoral torna-se mais urgente devido à crise cada vez mais difundida da vida conjugal e da diminuição da natalidade. Em toda a vossa obra pastoral, sabei reservar um cuidado totalmente especial aos jovens: eles, que hoje olham para o futuro com grande incerteza, vivem com frequência em condições de dificuldade, de insegurança e de fragilidade, mas têm no coração uma grande fome e sede de Deus, que pede atenção e resposta constantes!

Também neste vosso contexto, hoje a fé cristã deve enfrentar novos desafios: a busca muitas vezes exasperada do bem-estar económico, numa fase de grave crise económica e financeira, o materialismo prático e o subjectivismo predominante. Na complexidade de tais situações, sois chamados a promover o sentido cristão da vida, mediante o anúncio explícito do Evangelho, transmitido com orgulho delicado e com profunda alegria nos vários âmbitos da existência quotidiana. Da fé vivida com coragem brota, tanto hoje como no passado, uma fecunda cultura feita de amor pela vida, desde a concepção até ao seu fim natural, de promoção da dignidade da pessoa, de exaltação da importância da família, fundada no matrimónio fiel e aberto à vida, e de compromisso em prol da justiça e da solidariedade. As transformações culturais em curso exigem que sejais cristãos convictos, «sempre prontos a responder para a vossa defesa a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (1P 3,15), capazes de enfrentar os renovados desafios culturais, num confronto construtivo respeitoso e consciente com todos os indivíduos que vivem nesta sociedade.

A posição geográfica do nordeste, que já não é só encruzilhada entre o leste e o oeste da Europa, mas também entre o norte e o sul (o Adriático leva o Mediterrâneo ao coração da Europa), o fenómeno maciço do turismo e da imigração, a mobilidade territorial e o processo de homologação provocado pela acção pervasiva dos mass media, acentuaram o pluralismo cultural e religioso. Neste contexto, que de qualquer modo é aquele que a Providência nos concede, é necessário que os cristãos, sustentados por uma «esperança confiável», proponham a beleza do acontecimento de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, a cada homem e a cada mulher, num relacionamento franco e sincero com os não-praticantes, com os não-crentes e com os fiéis de outras religiões. Sois chamados a viver com aquela atitude repleta de fé, que é descrita pela Carta a Diogneto: nada renegai do Evangelho em que credes, mas permanecei no meio dos outros homens com simpatia, comunicando no estilo de vida que vos é próprio aquele humanismo que mergulha as suas raízes no Cristianismo, em vista de construir juntamente com todos os homens de boa vontade uma «cidade» mais humana, mais justa e mais solidária.

Como testemunha a longa tradição do catolicismo nestas regiões, continuai a testemunhar com energia o amor de Deus, também com a promoção do «bem comum»: o bem de todos e de cada um. Em geral, as vossas comunidades eclesiais têm uma relação positiva com a sociedade civil e com as várias Instituições. Continuai a oferecer a vossa contribuição para humanizar os espaços da convivência civil. Enfim, recomendo inclusive a vós, como às demais Igrejas que estão na Itália, o compromisso de suscitar uma nova geração de homens e mulheres capazes de assumir responsabilidades directas nos vários âmbitos do social, de modo particular no político. Mais do que nunca, ele tem necessidade de ver pessoas, sobretudo jovens, capazes de edificar uma «vida boa» a favor e ao serviço de todos. Com efeito, a este compromisso não podem subtrair-se os cristãos, que são certamente peregrinos rumo ao Céu, mas que já vivem aqui na terra uma antecipação da eternidade.

Caros irmãos e irmãs! Dou graças a Deus que me concedeu compartilhar este momento tão significativo convosco. Confio-vos à Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, e aos vossos Santos Padroeiros, enquanto concedo com grande afecto a Bênção Apostólica a todos vós e aos vossos entes queridos. Obrigado pela vossa atenção!


ENCONTRO COM OS CIDADÃOS Praça São Marcos - Veneza Sábado, 7 de Maio de 2011

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Senhor Cardeal Patriarca
Irmãos no Episcopado
Senhor Presidente da Câmara Municipal
Ilustres Autoridades
Estimados irmãos e irmãs

Dirijo uma cordial saudação a cada um de vós, que das várias «calli» e dos «campos» desta maravilhosa Cidade confluístes neste cais, para expressar o vosso afecto ao Sucessor de Pedro, que veio em peregrinação às terras de São Marcos. A vossa presença, acompanhada por um entusiasmo vibrante, exprime a vossa fé e a vossa devoção, e isto é para mim motivo de grande alegria. Em particular, agradeço ao Senhor Presidente da Câmara Municipal as nobres expressões que, também em nome da Cidade inteira, me dirigiu e os sentimentos que me manifestou; juntamente com ele, saúdo e agradeço a todas as outras Autoridades civis e militares, que vieram receber-me.

Hoje tenho a alegria de poder encontrar a população desta laguna. Venho ao meio de vós para confirmar aquele profundo vínculo de comunhão que, historicamente, vos une ao Bispo de Roma e da qual são testemunhas antes de tudo os venerados Pastores que desta Sé patriarcal passaram para a Sé de São Pedro: muitos de vós conservam viva a recordação do Patriarca Albino Luciani, filho destas terras vénetas, que se tornou Papa com o nome de João Paulo I; e como deixar de recordar o Patriarca Angelo Giuseppe Roncalli que, tornando-se o Papa João XXIII, foi elevado pela Igreja à glória dos altares e proclamado beato? Recordemos enfim o Patriarca Giuseppe Sarto, o futuro são Pio X que, com o seu exemplo de santidade, continua a vivificar esta Igreja particular e toda a Igreja universal. Testemunhos da solicitude pastoral dos Papas pela vossa Cidade são inclusive as visitas pastorais, realizadas pelo Servo de Deus Paulo VI e pelo Beato João Paulo II. Também eu, no sulco destes meus Predecessores, quis vir hoje ao meio de vós, para vos trazer uma palavra de amor e de esperança, e para vos confirmar na fé da Igreja, que o Senhor Jesus desejou fundar na rocha que é Pedro e confiou à guia dos Apóstolos e dos seus sucessores, na comunhão com a Igreja de Roma, «que preside na caridade» (Santo Inácio).

Estimados amigos, em conformidade com as tradições venezianas, quisestes receber-me neste lugar sugestivo, que é como que a porta de acesso ao coração da Cidade. Daqui o olhar abrange a tranquila baía de São Marcos, o elegante Palácio Ducal, o maravilhoso cais da Basílica marciana, o perfil inconfundível da cidade, justamente chamada «a pérola do Adriático». Deste cais pode-se captar aquele aspecto de abertura singular que desde sempre caracteriza Veneza, encruzilhada de pessoas e de comunidades de todas as proveniências, culturas, línguas e religiões. Ponto de chegada e de encontro para os homens de todos os continentes, pela sua beleza, história e tradições civis, esta Cidade tem correspondido ao longo dos séculos à especial vocação de ser ponte entre Ocidente e Oriente. Também nesta nossa época, com as suas novas perspectivas e os seus complexos desafios, ela é chamada a assumir importantes responsabilidades para a promoção de uma cultura de acolhimento e de partilha, capaz de lançar pontes de diálogo entre os povos e as nações; uma cultura da concórdia e do amor, que tem os seus sólidos fundamentos no Evangelho.

O esplendor dos monumentos e a fama das instituições seculares manifestam a história gloriosa e a índole das populações vénetas, honestas e laboriosas, dotadas de grande sensibilidade, de capacidades organizativas e daquilo que na linguagem quotidiana se chama «bom senso». Tal património de tradições civis, culturais e artísticas encontrou um desenvolvimento fecundo também graças ao acolhimento da fé cristã, que tem raízes longínquas, já a partir do nascimento dos primeiros povoamentos desta laguna. Com o passar dos séculos, a fé transmitida pelos primeiros evangelizadores arraigou-se cada vez mais profundamente no tecido social, a ponto de se tornar uma parte essencial do mesmo. São um testemunho visível disto as igrejas maravilhosas e os numerosos nichos devocionais disseminados entre as «calli», os canais e as pontes. Gostaria de recordar, de modo particular, os dois importantes Santuários que, em épocas diversas, foram edificados pelos venezianos, em cumprimento de um voto para obter da Providência divina a libertação do flagelo da peste: ei-los diante deste cais, são a Basílica do Redentor e o Santuário de Nossa Senhora da Saúde, ambos metas de numerosos peregrinos, nas respectivas celebrações anuais. Os vossos antepassados sabiam bem que a vida humana está nas mãos de Deus, e que sem a sua bênção o homem constrói em vão. Por conseguinte, visitando a vossa Cidade, peço ao Senhor que conceda a todos vós uma fé sincera e frutuosa, capaz de alimentar uma grande esperança e uma busca paciente do bem comum.

Caros amigos, a minha oração eleva-se a Deus para implorar que infunda as suas bênçãos sobre Veneza e o seu território. Queridos venezianos, convido todos vós a procurar e conservar sempre a harmonia entre o olhar da fé e da razão, que permite que a consciência compreenda o verdadeiro bem, de maneira que as escolhas da comunidade civil sejam sempre inspiradas nos princípios éticos, correspondentes à profunda verdade da natureza humana. O homem não pode renunciar à verdade sobre si mesmo, sem comprometer o seu sentido da responsabilidade pessoal, a sua solidariedade para com o próximo e a sua honestidade nas relações económicas e de trabalho.

Ao introduzirmo-nos, no crepúscolo deste dia, na festa dominical, disponhamo-nos a celebrar a Páscoa semanal do Senhor com a alegria que caracteriza o tempo pascal, e com a certeza de que Jesus venceu a morte com a sua ressurreição e nos quer tornar partícipes da sua própria vida. Ao confiar-vos à salvaguarda materna de Maria Santíssima, invoco a Bênção do Senhor sobre esta Cidade, sobre quantos a habitam, sobre quem a governa e sobre aqueles que se prodigalizam a fim de a tornar cada vez mais digna de Deus e do homem. Obrigado a todos vós e bom domingo!



ASSEMBLEIA NO ENCERRAMENTO DA VISITA PASTORAL DIOCESANA Basílica de São Marcos - Veneza Domingo, 8 de Maio de 2011

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Magnificat anima mea Dominum

Queridos irmãos e irmãs! Com as palavras da Virgem Maria desejo cantar juntamente convosco o hino de louvor e de acção de graças ao Senhor pelo dom da Visita pastoral, que começou no Patriarcado de Veneza em 2005 e que hoje chegou à sua providente conclusão nesta Assembleia geral. A Deus, dador de todos os bens, dirijamos os nossos louvores por ter apoiado os vossos propósitos espirituais e os vossos esforços apostólicos durante este tempo da Visita pastoral, realizada pelo vosso Pastor, o Cardeal Angelo Scola, ao qual saúdo e agradeço as gentis palavras que me dirigiu em nome de todos. Com ele saúdo o Bispo Auxiliar e o Bispo eleito de Vicenza, os Vigários episcopais e quantos o coadjuvaram neste longo e complexo compromisso pastoral, acontecimento de graça e de forte experiência eclesial, no qual todo o povo cristão se regenerou na fé, tendendo com renovado impulso para a missão. E é portanto sobretudo a vós, queridos sacerdotes, religiosos, e fiéis leigos, que dirijo a minha afectuosa saudação e o sincero apreço pelo vosso serviço, sobretudo no desempenho das Assembleias eclesiais. Sinto-me feliz por saudar a histórica Comunidade arménia de Veneza com o Abade e os monges mequitaristas. Dirijo um pensamento ao Metropolita greco-ortodoxo da Itália Ghennadios e ao Bispo da Igreja Ortodoxa Russa Nestor, assim como aos Representantes das Comunidades luterana e anglicana.

Por isso, gratidão e alegria são os sentimentos que caracterizam este nosso encontro. Ele realiza-se no espaço sagrado, repleto de arte e de memória, da Basílica de São Marcos, onde a fé e a criatividade humana deram origem a uma eloquente catequese por imagens. O Servo de Deus Albino Luciani, que foi vosso inesquecível Patriarca, descreveu assim a sua primeira visita a esta Basílica, quando era jovem sacerdote: «Encontrei-me imerso num rio de luz... Finalmente podia ver e apreciar com os meus olhos todo o esplendor de um mundo de arte e de beleza único e irrepetível, cujo fascínio te penetra profundamente» (Io sono il ragazzo del mio Signore, Veneza-Quarto D'Altino, 1998). Este templo é imagem e símbolo da Igreja de pedras vivas, que sois vós, cristãos de Veneza.

Hoje «tenho de ficar em tua casa. Ele desceu imediatamente e recebeu-O» (
Lc 19,5-6). Quantas vezes, durante a Visita pastoral, ouvistes e meditastes estas palavras, dirigidas por Jesus a Zaqueu! Elas foram o motivo condutor dos vossos encontros comunitários, oferecendo-vos um estímulo eficaz a acolher Jesus Ressuscitado, caminho seguro para encontrar a plenitude de vida e de felicidade. De facto, a autêntica realização do homem e a sua verdadeira alegria não se encontram no poder, no sucesso, no dinheiro, mas apenas em Deus, que Jesus Cristo nos faz conhecer e nos torna próximo. É esta a experiência de Zaqueu. Ele, segundo a mentalidade actual, tem tudo: poder e dinheiro: pode considerar-se um «homem realizado»: fez carreira, alcançou o que queria e poderia dizer, como o rico estulto da parábola evangélica, «alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te» (Lc 12,19). Por isso o seu desejo de ver Jesus é surpreendente. O que o leva a procurar o encontro com Ele? Zaqueu dá-se conta de que aquilo que possui não é suficiente, sente o desejo de ir além. E eis que Jesus, o profeta de Nazaré, passa por Jericó, a sua cidade. D'Ele chegou-lhe o eco de algumas palavras não habituais: bem-aventurados os pobres, os mansos, os aflitos, os sequiosos de justiça. Palavras para ele estranhas, mas talvez precisamente por isso fascinantes, novas. Quer ver Jesus. Mas Zaqueu, mesmo sendo rico e poderoso, é pequeno de estatura. Por isso corre para a frente, sobe numa árvore, um sicómoro. Não lhe importa de se expor ao ridículo: encontrou uma forma para tornar possível o encontro. E Jesus chega, levanta o olhar para ele, chama-o pelo nome: «Zaqueu, desce depressa, pois tenho de ficar em tua casa» (Lc 19,5). A Deus nada é impossível! Deste encontro começa para Zaqueu uma vida nova: acolhe Jesus com alegria, descobrindo finalmente a realidade que pode encher deveras e plenamente a sua vida. Tocou pessoalmente a salvação, agora já não é o de antes e como sinal de conversão compromete-se a doar metade dos seus bens aos pobres e a restituir quatro vezes mais a quem tinha defraudado. Encontrou o verdadeiro tesouro, porque o Tesouro, que é Jesus, encontrou-o a ele!

Amada Igreja que estás em Veneza! Imita o exemplo de Zaqueu e vai além! Supera e ajuda o homem de hoje a superar os obstáculos do individualismo, do relativismo; nunca te deixes atrair para baixo pelas faltas que podem marcar as comunidades cristãs. Esforça-te por ver de perto a pessoa de Cristo, que disse: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida» (Jn 14,6). Como sucessor do Apóstolo Pedro, visitando nestes dias a vossa terra, repito a cada um de vós: não tenhais medo de ir contra a corrente para encontrar Jesus, de olhar para o alto para cruzar o seu olhar. No «logo» desta minha Visita pastoral está representada a cena de Marcos que entrega o Evangelho a Pedro, tirada de um mosaico desta Basílica. Hoje, simbolicamente, venho para entregar de novo o Evangelho a vós, filhos espirituais de são Marcos, para vos confirmar na fé e vos encorajar face aos desafios do momento presente. Caminhai confiantes pela vereda da nova evangelização, no serviço amoroso dos pobres e no testemunho corajoso no âmbito das várias realidades sociais. Sede conscientes de ser portadores de uma mensagem que é para cada homem e para todo o homem; uma mensagem de fé, de esperança e de caridade.

Este convite é, em primeiro lugar, para vós, queridos sacerdotes, configurados no sacramento da Ordem com Cristo «Cabeça e Pastor» e colocados na guia do seu povo. Reconhecidos pelo imenso dom recebido, continuai a desempenhar com generosidade e dedicação o vosso ministério, procurando apoio quer na fraternidade presbiteral vivida como co-responsabilidade e colaboração, quer na oração intensa e numa aprofundada actualização teológica e pastoral. Dirijo um pensamento afectuoso aos sacerdotes doentes e idosos, unidos espiritualmente a nós. Depois, o convite dirige-se a vós, pessoas consagradas, que constituís um recurso espiritual precioso para todo o povo cristão e indicais de modo especial, com a profissão dos votos, a importância e a possibilidade do dom total de si a Deus. Por fim, este convite dirige-se a todos vós, queridos fiéis leigos. Sabei dizer sempre e em toda a parte a razão da esperança que vos anima (cf. 1P 3,15). A Igreja precisa dos vossos dons e do vosso entusiasmo. Sabei dizer «sim» a Cristo que vos chama a ser seus discípulos, a ser santos. Gostaria de recordar, mais uma vez, que a «santidade» não significa fazer coisas extraordinárias, mas seguir todos os dias a vontade de Deus, viver verdadeiramente bem a própria vocação, com a ajuda da oração, da Palavra de Deus, dos Sacramentos e com o esforço quotidiano da coerência. Sim, são necessários fiéis leigos fascinados pelo ideal da «santidade», para construir uma sociedade digna do homem, uma civilização do amor.

Durante a Visita pastoral dedicastes especial atenção ao testemunho que as vossas comunidades cristãs são chamadas a dar, partindo dos fiéis mais motivados e conscientes. A este propósito, preocupastes-vos justamente por relançar a evangelização e a catequese dos adultos e das novas gerações precisamente a partir de pequenas comunidades de adultos e de pais, que, constituindo quase cenáculos domésticos, possam viver a lógica do acontecimento cristão antes de tudo no testemunho da comunhão e da caridade. Exorto-vos a não poupar energias no anúncio do Evangelho e na educação cristã, promovendo quer a catequese a todos os níveis, quer aquelas ofertas formativas e culturais que constituem um vosso património espiritual relevante. Sabei dedicar particular atenção à formação cristã das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Eles têm necessidade de válidos pontos de referência: sede para eles exemplos de coerência humana e cristã. Ao longo do percurso da Visita pastoral sobressaiu também a necessidade de um compromisso cada vez maior na caridade como experiência do dom generoso e gratuito de si, assim como a exigência de manifestar com clareza o rosto missionário da paróquia, até criar realidades pastorais que, sem renunciar à minuciosidade, sejam capazes de impulso apostólico.

Queridos amigos, a missão da Igreja dá fruto porque Cristo está realmente presente entre nós, de modo muito particular na Sagrada Eucaristia. A sua é uma presença dinâmica, que nos envolve para nos fazer seus, para nos assimilar a Si. Cristo atrai-nos para si, faz-nos sair de nós mesmos para fazer de todos nós uma coisa só com Ele. Deste modo Ele insere-nos também na comunidade dos irmãos: a comunhão com o Senhor é sempre também comunhão com os outros. Por isso a nossa vida espiritual depende essencialmente da Eucaristia. Sem ela a fé e a esperança esmorecem, a caridade esfria. Portanto, exorto-vos a cuidar cada vez mais a qualidade das celebrações eucarísticas, sobretudo das dominicais, para que o Dia do Senhor seja vivido plenamente e ilumine as vicissitudes e as actividades de todos os dias. Da Eucaristia, fonte inesgotável de amor divino, podeis obter a energia necessária para levar Cristo aos outros e para levar os outros a Cristo, para ser quotidianamente testemunhas de caridade e de solidariedade e para partilhar os bens que a Providência vos concede com os irmãos carentes do necessário.

Queridos amigos, garanto-vos a minha oração para que o importante caminho de crescimento na comunhão, que realizastes nestes anos da Visita pastoral, renove a vida de fé de toda a vossa Igreja particular e, ao mesmo tempo, suscite uma dedicação cada vez mais generosa ao serviço de Deus e dos irmãos. Maria Santíssima, que venerais com o título de Virgem Nicopeja, cuja imagem sugestiva resplandece nesta Basílica, obtenha em dom para todos vós e para a inteira Comunidade diocesana a plena fidelidade a Cristo. À intercessão da celeste Mãe do Redentor e ao apoio dos Santos e Beatos da vossa Terra confio o caminho que vos espera, enquanto com afecto concedo a vós e a toda a Igreja de São Marcos uma especial Bênção Apostólica, fazendo-a extensiva aos doentes, aos presos e a quantos sofrem no corpo e no espírito.



ENCONTRO COM O MUNDO DA CULTURA E DA ECONOMIA Basílica da Saúde - Veneza Domingo, 8 de Maio de 2011

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Queridos amigos!

Sinto-me feliz por vos saudar cordialmente, como representantes do mundo da cultura, da arte e da economia de Veneza e do seu território. Agradeço-vos a vossa presença e a vossa simpatia. Expresso o meu reconhecimento ao Patriarca e ao Reitor que, em nome do Studium Generale Marcianum, se fez intérprete dos sentimentos de todos vós e introduziu este nosso encontro, o último da minha intensa visita, que iniciou ontem em Aquileia. Gostaria de vos deixar alguns temas muito sintéticos, que espero vos sejam úteis para a reflexão e o compromisso comum. Tiro estes temas de três palavras que são metáforas sugestivas: três palavras relacionadas com Veneza e, em particular, com o lugar onde nos encontramos: a primeira palavra é água; a segunda é Saúde, a terceira é Sereníssima.

Comecemos pela água – como parece ser lógico por muitos aspectos. A água é um símbolo ambivalente: de vida, mas também de morte; sabem-no bem as populações atingidas por inundações e maremotos. Mas a água é antes de tudo elemento essencial para a vida. Veneza é chamada a «Cidade da água». Também para vós que viveis em Veneza esta condição tem um duplo sinal, negativo e positivo: implica muitas dificuldades e, ao mesmo tempo, um fascínio extraordinário. O facto de ser Veneza «cidade de água» faz pensar num célebre sociólogo contemporâneo, que definiu «líquida» a nossa sociedade, e também a cultura europeia: uma cultura «líquida», para expressar a sua «fluidez», a sua pouca estabilidade ou talvez a sua ausência de estabilidade, a mutabilidade, a inconsistência que por vezes parece caracterizá-la. E aqui gostaria de inserir a primeira proposta: Veneza não como cidade «líquida» — no sentido acabado de mencionar — mas como cidade «da vida e da beleza». Não há dúvida de que é uma escolha, mas na história é preciso escolher: o homem é livre de interpretar, de dar um sentido à realidade, e precisamente nesta liberdade consiste a sua grande dignidade. No âmbito de uma cidade, seja ela qual for, também as escolhas de carácter administrativo, cultural e económico dependem, no fundo, desta orientação fundamental, que podemos chamar «política» no sentido mais nobre e mais alto da palavra. Trata-se de escolher entre uma cidade «líquida», pátria de uma cultura que parece ser cada vez mais a do relativismo e do efémero, e uma cidade que renova constantemente a sua beleza bebendo das fontes benéficas da arte, do saber, das relações entre os homens e entre os povos.

E agora a segunda palavra: «Saúde». Encontramo-nos no «Pólo da Saúde»: uma realidade nova, mas que tem raízes antigas. Aqui, na Ponta da Alfândega, surge uma das igrejas mais célebres de Veneza, obra de Longhena, edificada como voto a Nossa Senhora pela libertação da peste de 1630: Santa Maria da Saúde. Ao lado dela, o célebre arquitecto construiu o Convento dos Somaschi, que depois se tornou Seminário Patriarcal. «Unde origo, inde salus», recita o mote gravado no centro da rotunda maior da Basílica, expressão que indica como está estreitamente ligada à Mãe de Deus a origem da Cidade de Veneza, fundada, segundo a tradição, a 25 de Março de 421, dia da Anunciação. E precisamente por intercessão de Maria obteve a saúde, a salvação da peste. Mas reflectindo sobre este mote podemos encontrar também um significado ainda mais profundo e mais amplo. Da Virgem de Nazaré teve origem Aquele que nos doa a «saúde». A «saúde» é uma realidade omnicompreensiva, integral: vai do «estar bem» que nos permite viver serenamente um dia de estudo e de trabalho, ou de férias, à salus animae, da qual depende o nosso destino eterno. Deus cuida de tudo isto, sem excluir nada. Ocupa-se da nossa saúde em sentido pleno. Demonstra-o Jesus no Evangelho: Ele curou doentes de todos os tipos, mas também libertou os endemoniados, perdoou os pecados, ressuscitou os mortos. Jesus revelou que Deus ama a vida e quer libertá-la de qualquer negação, até àquela radical que é o mal espiritual, o pecado, raiz venenosa que afecta tudo. Por isso, o próprio Jesus pode ser chamado «Saúde» do homem: Salus nostra Dominus Jesus. Jesus salva o homem guiando-o de novo à relação saudável com o Pai na graça do Espírito Santo; imerge-o nesta corrente pura e vivificante que liberta o homem das suas «paralisias» físicas, psíquicas e espirituais: cura-o da dureza de coração, do fechamento egocêntrico e faz-lhe saborear a possibilidade de encontrar deveras a si mesmo perdendo-se por amor a Deus e ao próximo. Unde origo, inde salus. Este mote recorda numerosas referências; limito-me a recordar uma, a célebre expressão de santo Ireneu: «Gloria Dei vivens homo, vita autem hominis visio Dei [est]» (Adv. Haer. IV, 20, 7). Que poderia ser parafraseada do seguinte modo: a glória de Deus é a saúde total do homem, e ela consiste em estar em relação profunda com Deus. Podemos dizê-lo também com palavras queridas ao recém beato João Paulo II: o homem é o caminho da Igreja, e o Redendor do homem é Cristo.

Por fim, a terceira palavra: «Sereníssima», o nome da República Véneta. Um título deveras maravilhoso, dir-se-ia utópico, em relação à realidade terrena, e contudo capaz de suscitar não só recordações de glórias passadas, mas também de ideais impulsionados para a projectação do hoje e do amanhã, nesta grande região. «Sereníssima» em sentido pleno é unicamente a Cidade celeste, a nova Jerusalém, que aparece no final da Bíblia, no Apocalipse, como uma visão maravilhosa (cf.
Ap 21, 1-22, 5). Mas o cristianismo concebe esta Cidade santa, completamente transfigurada pela glória de Deus, como uma meta que move os corações dos homens e estimula os seus passos, que anima o compromisso árduo e paciente por melhorar a cidade terrena. É preciso recordar sempre a este propósito as palavras do Concílio Vaticano II: «Que nada aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo. Todavia, a esperança de uma terra nova não deve enfraquecer, mas antes excitar a preocupação de cultivar esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, o qual nos dá já um esboço do século novo» (Const. Gaudium et spes GS 39). Nós ouvimos estas expressões num tempo no qual se esgotou a força das utupias ideológicas e não só está obscurecido o optimismo, mas também a esperança está em crise. Então não devemos esquecer que os Padres conciliares, que nos deixaram este ensinamento, tinham vivido a época das duas guerras mundiais e dos totalitarismos. A sua perspectiva não era certamente ditada por um optimismo fácil, mas pela fé cristã, que anima a esperança ao mesmo tempo grande e paciente, aberta ao futuro e atenta às situações históricas. Nesta mesma perspectiva o nome «Sereníssima» fala-nos de uma civilização da paz, fundada no respeito recíproco, no conhecimento recíproco, nas relações de amizade. Veneza tem uma longa história e um rico património humano, espiritual e artístico para ser capaz também hoje de oferecer uma preciosa contribuição na ajuda aos homens a crer num futuro melhor e a comprometer-se por construí-lo. Mas para isto não deve ter receio de outro elemento emblemático, contido no brasão de São Marcos: o Evangelho. O Evangelho é a maior força de transformação do mundo, mas não é uma utopia, nem uma ideologia. As primeiras gerações cristãs chamavam-no o «caminho», ou seja, o modo de viver que Cristo praticou primeiro e que nos convida a seguir. À cidade «sereníssima» chega-se por este caminho, que é o caminho da caridade na verdade, sabendo bem, como recorda ainda o Concílio, que não se deve «caminhar pela via da caridade unicamente nas grandes coisas, mas sim e sobretudo nas circunstâncias habituais da vida» e que a exemplo de Cristo «é necessário carregar também a cruz; aquela que da carne e do mundo é colocada sobre os ombros de quantos procuram a paz e a justiça» (ibid., 38).

Eis, queridos amigos, os temas de reflexão que desejava partilhar convosco. É para mim uma alegria concluir a minha visita em vossa companhia. Agradeço de novo ao Cardeal Patriarca, ao Auxiliar e a todos os colaboradores o magnífico acolhimento. Saúdo a Comunidade judaica de Veneza — que tem antigas raízes e é uma presença importante no tecido da cidade — com o seu Presidente, Prof. Amos Luzzato. Dirijo um pensamento também aos muçulmanos que vivem nesta cidade. Deste lugar tão significativo dirijo a minha cordial saudação a Veneza, à Igreja aqui peregrina e a todas as Dioceses do Trivéneto, deixando em penhor da minha recordação perene, a Bênção Apostólica. Obrigado pela vossa atenção.




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