Discursos Bento XVI 12511

A UMA DELEGAÇÃO DA B’NAI B’RITH INTERNATIONAL Sala dos Papas Quinta-feira, 12 de Maio de 2011

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Queridos amigos

Tenho o prazer de saudar esta delegação da B’nai B’rith International. Recordo com satisfação o meu primeiro encontro com uma delegação da vossa organização, há cerca de cinco anos.

Nesta ocasião, gostaria de expressar o meu apreço pelo vosso empenho no diálogo entre católicos e judeus, especialmente pela vossa participação activa no encontro do Comité Internacional de Ligação Católico-Judaica, realizado em Paris no final de Fevereiro. O encontro marcou o quadragésimo aniversário do diálogo organizado conjuntamente pela Comissão da Santa Sé para as Relações Religiosas com o Judaísmo e pelo Comité Judaico Internacional para as Consultas Inter-Religiosas. O que aconteceu nestes quarenta anos deve ser considerado um grande dom do Senhor e uma razão de sincera gratidão Àquele que guia os nossos passos com a sua infinita e eterna sabedoria.

O encontro de Paris confirmou o desejo dos católicos e judeus de enfrentar juntos os grandes desafios das nossas comunidades num mundo em rápida transformação e, de maneira significativa, a nossa responsabilidade religiosa comum de combater a pobreza, a injustiça, a discriminação e a negação dos direitos humanos universais. Existem várias formas através das quais judeus e cristãos podem cooperar para melhorar o mundo de acordo com a vontade do Todo-Poderoso para o bem da humanidade.

Os nossos pensamentos dirigem-se imediatamente para as obras de caridade concretas e de serviço aos pobres e aos necessitados. Todavia, uma das coisas mais importantes que juntos podemos fazer é dar testemunho comum do nosso credo, vivido profundamente, que todos os homens e mulheres foram criados à imagem divina (cf.
Jn 1,26-27), e que portanto possuem igual e inviolável dignidade. Esta convicção permanece o fundamento mais firme de todos os esforços para defender e promover os direitos inalienáveis de cada ser humano.

Numa recente conferência entre as delegações do Grão-Rabinato de Israel e a Comissão da Santa Sé para as Relações Religiosas com o Judaísmo, realizada em Jerusalém no final de Março, foi sublinhada a necessidade de promover uma justa compreensão do papel da religião na vida das sociedades contemporâneas, como o correctivo de uma visão meramente horizontal e, por conseguinte, mutilada da pessoa humana e da coexistência social. A vida e a obra de todos os fiéis deveriam dar um testemunho constante do transcendente, apontar para as realidades invisíveis que estão para além de nós e encarnar a convicção de que uma Providência carinhosa e compassiva guia o êxito final da história, independentemente de quão difícil e ameaçador por vezes o caminho possa aparecer. Graças ao profeta, temos esta certeza: «Bem conheço os desígnios que tenho acerca de vós — oráculo do Senhor — desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança» (Jr 29,11).

Com estes sentimentos, invoco sobre vós e as vossas famílias as bênçãos divinas da sabedoria, misericórdia e paz.



AOS PARTICIPANTES NUM ENCONTRO PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO INSTITUTO JOÃO PAULO II PARA OS ESTUDOS SOBRE MATRIMÓNIO E FAMÍLIA

Sala Clementina Sexta-feira, 13 de Maio de 2011

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados Irmãos e Irmãs

É com alegria que vos recebo hoje, a poucos dias da beatificação do Papa João Paulo II que, há trinta anos, como ouvimos, quis fundar o Pontifício Conselho para a Família e, contemporaneamente, o vosso Instituto Pontifício; dois Organismos que demonstram como ele estava firmemente persuadido da importância decisiva da família para a Igreja e para a Sociedade. Saúdo os representantes da vossa grande comunidade, já espalhada por todos os Continentes, assim como a benemérita Fundação para o matrimónio e a família, que criei para sustentar a vossa missão. Estou grato ao Decano, Mons. Melina, pelas palavras que me dirigiu em nome de todos. O novo Beato João Paulo II que, como foi recordado, há precisamente trinta anos foi vítima do terrível atentado na Praça de São Pedro, confiou-vos em particular para o estudo, a pesquisa e a difusão, as suas «Catequeses sobre o amor humano», que contêm uma profunda reflexão sobre o corpo humano. Unir a teologia do corpo à teologia do amor, para encontrar a unidade do caminho do homem: eis o tema que gostaria de vos indicar como horizonte para o vosso trabalho.

Pouco depois da morte de Michelangelo, Paolo Veronese foi chamado à presença da Inquisição, com a acusação de ter pintado figuras inapropriadas ao redor da Última Ceia. O pintor respondeu que também na Capela Sistina os corpos estavam representados nus, com pouca reverência. Foi precisamente o inquisidor que defendeu Michelangelo com uma resposta que se tornou famosa: «Não sabes que nestas figuras só há coisas espirituais?». Como modernos, temos dificuldade de compreender estas palavras, porque o corpo nos aparece como matéria inerte, pesada, oposta ao conhecimento e à liberdade, próprias do espírito. Mas os corpos pintados por Michelangelo são impregnados de luz, vida e esplendor. Assim, ele queria mostrar que os nossos corpos escondem um mistério. Neles o espírito manifesta-se e age. Como afirma são Paulo, eles são chamados a ser corpos espirituais (cf.
1Co 15,44). Então, podemos interrogar-nos: pode este destino do corpo iluminar as etapas do seu caminho? Se o nosso corpo é chamado a ser espiritual, a sua história não deverá ser a da aliança entre corpo e espírito? Com efeito, longe de se opor ao espírito, o corpo é o lugar onde o espírito pode habitar. À luz disto, é possível compreender que os nossos corpos não são matéria inerte e pesada mas, se soubermos ouvir, falam a linguagem do amor verdadeiro.

A primeira palavra desta linguagem encontra-se na criação do homem. O corpo fala-nos de uma origem que nós não conferimos a nós mesmos. «Vós tecestes-me no seio da minha mãe», diz o Salmista ao Senhor (Ps 139,13). Podemos afirmar que o corpo, ao revelar-nos a Origem, traz consigo um significado filial, porque nos recorda a nossa geração que, através dos nossos pais que nos transmitiram a vida, remonta a Deus Criador. Somente quando reconhece o amor originário que lhe deu a vida, o homem pode aceitar-se a si mesmo, pode reconciliar-se com a natureza e com o mundo. À criação de Adão segue-se a de Eva. A carne recebida de Deus é chamada a tornar possível a união de amor entre o homem e a mulher e a transmitir a vida. Antes da Queda, os corpos de Adão e Eva aparecem em harmonia perfeita. Neles existe uma linguagem que não criaram, um eros radicado na sua natureza, que os convida a receberem-se mutuamente do Criador, para assim se poderem oferecer. Então compreendemos que, no amor, o homem é «recriado», Incipit vita nova, dizia Dante (Vita Nuova I, 1), a vida da nova unidade dos dois numa só carne. A verdadeira fascinação da sexualidade nasce da grandeza deste horizonte que se abre: a beleza integral, o universo da outra pessoa e do «nós» que nasce na união, a promessa de comunhão que nela se oculta, a nova fecundidade, o caminho que o amor abre a Deus, fonte do amor. Então, a união numa só carne faz-se união de toda a vida, até que o homem e a mulher se tornem um único espírito. Abre-se assim um caminho em que o corpo nos ensina o valor do tempo, do lento amadurecimento do amor. Nesta luz, a virtude da caridade recebe um sentido renovado. Não é um «não» aos prazeres e à alegria da vida, mas o grande «sim» ao amor como profunda comunicação entre as pessoas, que exige o tempo e o respeito, como um caminho conjunto rumo à plenitude e como amor que se torna capaz de gerar a vida e de acolher generosamente a vida nova que nasce.

Sem dúvida, o corpo contém em si também uma linguagem negativa: fala-nos da opressão do outro, do desejo de possuir e explorar. Todavia, sabemos que esta linguagem não pertence ao desígnio originário de Deus, mas é fruto do pecado. Quando ela é separada do seu sentido filial, da sua conexão com o Criador, o corpo revolta-se contra o homem, perde a sua capacidade de fazer transparecer a comunhão e torna-se terreno de apropriação do outro. Não é porventura este o drama da sexualidade, que hoje permanece encerrada no círculo restrito do próprio corpo e na emotividade, mas que na realidade só se pode realizar na vocação a algo maior? A este propósito, João Paulo II falava da humildade do corpo. Uma personagem de Claudel diz ao seu amado: «A promessa que o meu corpo te fez, sou incapaz de cumprir»; a isto segue-se a resposta: «O corpo rompe-se, mas não a promessa...» (Le soulier de satin, Dia III, Cena XIII). A força desta promessa explica que a Queda não é a última palavra sobre o corpo na história da salvação. Deus oferece ao homem também um caminho de redenção do corpo, cuja linguagem é preservada na família. Se, depois da Querda, Eva recebe este nome, Mãe dos vivos, isto testemunha que a força do pecado não consegue cancelar a linguagem originária do corpo, a bênção de vida que Deus continua a oferecer quando o homem e a mulher se unem numa única carne. A família é o lugar onde a teologia do corpo e a teologia do amor se entrelaçam. É aqui que se aprende a bondade do corpo, o seu testemunho de uma origem boa, na experiência de amor que recebemos dos pais. É aqui que se vive o dom pessoal numa só carne, na caridade conjugal que une os esposos. É aqui que se experimenta a fecundidade do amor, e que a vida se entrelaça com a de outras gerações. É na família que o homem descobre a sua relacionalidade, não como indivíduo autónomo que se auto-realiza, mas como filho, esposo e pai, cuja identidade se fundamenta no facto de ser chamado ao amor, a receber-se de outros e a doar-se a outros.

Este caminho a partir da criação encontra a sua plenitude com a Encarnação, com a vinda de Cristo. Deus assumiu o corpo, revelou-se nele. O movimento do corpo rumo ao outro é aqui integrado num outro movimento mais originário, o movimento humilde de Deus, que se abaixa ao encontro do corpo, para depois o elevar rumo a si. Como Filho, Ele recebeu o corpo filial na gratidão e na escuta do Pai, e entregou este corpo por nós, para gerar deste modo o novo corpo da Igreja. A liturgia da Ascensão canta esta história da carne, pecadora em Adão, assumida e redimida por Cristo. Trata-se de uma carne que se torna cada vez mais repleta de luz e de Espírito, cheia de Deus. Manifesta-se deste modo a profundidade da teologia do corpo. Quando é lida no conjunto da tradição, ela evita o risco de superficialidade e permite compreender a grandeza da vocação ao amor, que é um chamamento à comunhão das pessoas, na dúplice forma de vida da virgindade e do matrimónio.

Estimados amigos, o vosso Instituto encontra-se sob a salvaguarda de Nossa Senhora. Dante disse acerca de Maria palavras iluminadoras para uma teologia do corpo: «No teu ventre, o amor reacendeu-se» (Paraíso XXXIII, 7). No seu corpo de mulher adquiriu corpo aquele Amor que gera a Igreja. A Mãe do Senhor continue a proteger o vosso caminho e a tornar fecundo o vosso estudo e ensinamento, ao serviço da missão da Igreja para a família e a sociedade. Acompanhe-vos a Bênção Apostólica, que concedo de coração a todos vós. Obrigado!



AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA ORDINÁRIA DO CONSELHO SUPERIOR DAS PONTIFÍCIAS OBRAS MISSIONÁRIAS Sábado, 14 de Maio de 2011

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Sala Clementina



Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Desejo antes de tudo dirigir a minha cordial saudação ao novo Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, D. Fernando Filoni, ao qual agradeço de coração as palavras que me dirigiu em nome de todos. A isto acrescento votos fervorosos de proveitoso ministério. Ao mesmo tempo, expresso profunda gratidão ao Cardeal Ivan Dias pelo generoso e exemplar serviço que prestou à Congregação missionária e à Igreja universal nestes anos. O Senhor continue a guiar com a sua luz estes dois fiéis operários da sua vinha. Saúdo o Secretário, D. Savio Hon Tai-Fai, o Secretário Adjunto, Mons. Piergiuseppe Vacchelli, Presidente das Pontifícias Obras Missionárias, os colaboradores da Congregação e os Directores Nacionais das Pontifícias Obras Missionárias, reunidos em Roma das várias Igrejas particulares para a anual Assembleia Ordinária do Conselho Superior. A todos dou afectuosas boas-vindas.

Queridos amigos, com a vossa preciosa obra de animação e cooperação missionária recordais ao povo de Deus «a necessidade que o nosso tempo tem de um compromisso decidido namissio ad gentes» (Exort. ap. Verbum Domini, 95), para anunciar a «grande Esperança», «aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto» (Enc. Spe salvi ). De facto, novos problemas e novas escravidões emergem no nosso tempo, quer no chamado primeiro mundo, abastado e rico mas incerto acerca do futuro, quer nos Países emergentes, onde, também por causa de uma globalização caracterizada muitas vezes pelo lucro, acaba por aumentar a massa dos pobres, dos emigrados, dos oprimidos, nos quais esmorece a luz da esperança. A Igreja deve renovar constantemente o seu compromisso de levar Cristo, de prolongar a sua missão messiânica para o advento do Reino de Deus, Reino de justiça, de paz, de liberdade, de amor. Transformar o mundo segundo o projecto de Deus com a força renovadora do Evangelho, «para que Deus seja tudo em todos» (
1Co 15,28) é tarefa de todo o Povo de Deus. Por conseguinte, é necessário prosseguir com renovado entusiasmo a obra de evangelização, o anúncio jubiloso do Reino de Deus, que em Cristo veio no poder do Espírito Santo, para conduzir os homens à verdadeira liberdade dos filhos de Deus contra qualquer forma de escravidão. É preciso lançar as redes do Evangelho ao mar da história para guiar os homens rumo à terra de Deus.

«A missão de anunciar a Palavra de Deus é tarefa de todos os discípulos de Cristo, como consequência do seu baptismo» (Exort. ap. Verbum Domini, 94). Mas para que haja um decidido compromisso na evangelização, é necessário que cada cristão, assim como a comunidade, creiam verdadeiramente que «a Palavra de Deus é a verdade salvífica da qual cada homem precisa em todos os tempos» (ibid., 95). Se esta convicção de fé não estiver profundamente radicada na nossa vida, não poderemos sentir a paixão e a beleza de a anunciar. Na realidade, cada cristão deveria sentir sua a urgência de trabalhar pela edificação do Reino de Deus. Tudo na Igreja está ao serviço da evangelização: cada sector da sua actividade e também cada pessoa, nas várias tarefas que está chamada a desempenhar. Todos devem estar comprometidos na missio ad gentes: Bispos, presbíteros, religiosos, religiosas e leigos. «Nenhuma pessoa que crê em Cristo pode sentir-se alheia a esta responsabilidade que deriva do facto de ela pertencer sacramentalmente ao Corpo de Cristo» (ibid., 94). Por conseguinte, é necessário prestar particular atenção para que todos os sectores da pastoral, da catequese, da caridade sejam caracterizados pela dimensão missionária: a Igreja é missão.

Condição fundamental para o anúncio é deixar-se agarrar completamente por Cristo, Palavra de Deus encarnada, porque só quem está em escuta atenta do Verbo encarnado, quem está intimamente unido a Ele, se pode tornar anunciador (cf. ibid. 51; 91). O mensageiro do Evangelho deve permanecer sob o domínio da Palavra e deve alimentar-se dos Sacramentos: desta linfa vital dependem a sua existência e o seu ministério missionário. Só radicados profundamente em Cristo e na sua Palavra somos capazes de não ceder à tentação de reduzir a evangelização a um projecto unicamente humano, social, escondendo ou silenciando a dimensão transcendente da salvação oferecida por Deus em Cristo. É uma Palavra que deve ser testemunhada e proclamada explicitamente, porque sem um testemunho coerente ela torna-se menos compreensível e credível. Mesmo se muitas vezes nos sentimos inadequados, pobres, incapazes, conservemos sempre a certeza no poder de Deus, que coloca o seu tesouro «em vasos de creta» precisamente para que se veja que é Ele quem age através de nós.

O ministério da evangelização é fascinante e exigente: exige amor ao anúncio e ao testemunho, um amor tão radical que pode ser marcado também pelo martírio. A Igreja não pode faltar à sua missão de levar a luz de Cristo, de proclamar o feliz anúncio do Evangelho, mesmo se isto inclui a perseguição (cf. Exort. ap. Verbum Domini, 95). É parte da sua própria vida, como foi para Jesus. Os cristãos não devem ter receio, mesmo se «actualmente são o grupo religioso que sofrem o maior número de perseguições por causa da própria fé» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2011, 1). São Paulo afirma que «nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor» (Rm 8,38-39).

Queridos amigos, agradeço-vos pelo trabalho de animação e formação missionária que, como directores nacionais das Pontifícias Obras Missionárias, desempenhais nas vossas Igrejas locais. As Pontifícias Obras Missionárias, que os meus Predecessores e o Concílio Vaticano II promoveram e encorajaram (cf. Ad Gentes AGD 38) permanecem um instrumento privilegiado para a cooperação missionária e para uma proveitosa partilha do pessoal e dos recursos financeiros entre as Igrejas. Além disso, não devemos esquecer o apoio que as Pontifícias Obras Missionárias oferecem aos Colégios Pontifícios, aqui em Roma, onde, escolhidos e enviados pelos seus Bispos, se formam sacerdotes, religiosos e leigos para as Igrejas locais dos territórios de missão. A vossa obra é preciosa para a edificação da Igreja, destinada a tornar-se a «casa comum» de toda a humanidade. O Espírito Santo, o protagonista da Missão, nos guie e nos ampare sempre, por intercessão de Maria, Estrela da evangelização e Rainha dos Apóstolos. A todos vós e aos vossos colaboradores concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



AOS BISPOS INDIANOS DE RITO LATINO EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Segunda-feira, 16 de Maio de 2011

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Sala do Consistório




Queridos Irmãos Bispos

É com grande alegria que vos dou as boas-vindas por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum neste tempo pascal. Através de vós dirijo as minhas saudações a todos os fiéis confiados aos vossos cuidados, e agradeço ao Cardeal Telesphore Placidus Toppo os gentis sentimentos de comunhão com o Sucessor de Pedro, que expressou em vosso nome.

A presença de Cristo Ressuscitado entre os seus discípulos foi uma fonte de consolação profunda para eles, confirmando-os na fé e tornando mais profundo o amor por Ele; e no momento da sua Ascensão, delegou-os, dizendo: «ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (
Mt 28,19-20). Este mandamento incentivou o vosso grande padroeiro São Tomé, os outros apóstolos e todos aqueles que os seguiram, a pregar o Evangelho entre os povos; e através da pregação da Palavra e da celebração dos sacramentos, a vida divina da Santíssima Trindade foi transmitida a muitas almas cristãs.

Hoje, como em todos os tempos, o mandato apostólico encontra a sua fonte e o seu ponto central na proclamação do Filho de Deus Encarnado, que é a plenitude da revelação divina e «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6). Salvador de toda a criação, ele é o portador da Boa Nova para todos e a realização dos anseios mais profundos do homem. A revelação última de Deus que chega até nós através de Jesus Cristo e que os fiéis no mundo inteiro proclamam com alegria, está expressa especialmente nas Sagradas Escrituras e na vida sacramental da Igreja. O poder salvífico de Cristo é também proclamado na vida dos santos que acolheram de todo o coração a mensagem do Evangelho e viveram fielmente entre os seus irmãos e irmãs. A revelação cristã, quando é acolhida de forma livre e pela obra da graça de Deus, transforma os homens e as mulheres a partir de dentro e estabelece uma extraordinária relação redentora com Deus, nosso Pai celeste, através de Cristo, no Espírito Santo. Este é o fulcro da mensagem ensinada por nós, é o grande dom que oferecemos ao próximo na caridade: a participação na própria vida de Deus.

Na Igreja, os primeiros passos dos fiéis ao longo do caminho de Cristo devem ser sempre acompanhados por uma catequese sólida que lhes permita prosperar na fé, no amor e no serviço. Alguns de vós revelais-me os desafios que enfrentais neste sentido e apoio-vos no vosso compromisso de proporcionar uma formação de qualidade neste âmbito. Reconhecendo que a catequese é distinta da especulação teológica, os sacerdotes, os religiosos e os catequistas leigos devem saber como comunicar com clareza e devoção amorosa a beleza transformadora da existência e do ensinamento cristão, que permitirá e enriquecerá o encontro com o próprio Cristo. Isto é especialmente verdade na preparação dos fiéis para encontrar nosso Senhor nos sacramentos.

No que diz respeito ao mundo em geral, o compromisso cristão de viver e testemunhar o Evangelho apresenta desafios diferentes em cada tempo e lugar. Isto é certamente válido para o vosso país, que é pátria de numerosas religiões antigas, inclusive o cristianismo. A vida cristã nestas sociedades exige honestidade e sinceridade em relação às próprias crenças e respeito pelas do próximo. Portanto, a apresentação do Evangelho nestas circunstâncias implica o delicado processo de inculturação. Trata-se de uma acção que respeita e mantém a unicidade e a integridade da revelação divina doada à Igreja como sua herança, demonstrando ao mesmo tempo que é compreensível e atraente para aqueles aos quais ela é proposta. O processo de inculturação exige que os sacerdotes, os religiosos e os catequistas leigos, ao apresentar a Boa Nova, utilizem cuidadosamente a língua e os costumes próprios das pessoas que estão a servir. Enquanto procurais enfrentar as difíceis circunstâncias de proclamar a mensagem nos vários âmbitos culturais em que vos encontrais, queridos Irmãos Bispos, sois chamados a vigiar sobre este processo com fidelidade ao depósito da fé que nos foi confiado a fim de que possamos preservá-lo e transmiti-lo. Combinai esta fidelidade com a sensibilidade e a criatividade, para explicardes de forma convincente a esperança que está em vós (cf. 1P 3,15).

No que diz respeito ao diálogo inter-religioso, estou consciente das difíceis circunstâncias que muitos de vós devem enfrentar enquanto mantendes diálogo com as outras religiões, incentivando sempre uma atmosfera de tolerante interacção. O vosso diálogo deveria ser caracterizado por uma preocupação constante pelo que é verdadeiro, a fim de favorecer o respeito mútuo, evitando porém a aparência de sincretismo.

Além disso, enquanto os cristãos da Índia procuram viver na paz e em harmonia com os seus vizinhos de outras crenças, a vossa guia prudente será importante na tarefa civil e moral de agir para tutelar os direitos humanos fundamentais da liberdade de religião e de culto. Como sabeis, estes direitos estão baseados na dignidade comum de todos os seres humanos e são reconhecidos no concerto das nações. A Igreja católica procura promover estes direitos para todas as religiões no mundo inteiro. Portanto, encorajo-vos a agir com paciência para criar aquela base comum necessária a fim de que todos possam gozar em harmonia destes direitos fundamentais nas vossas comunidades. Mesmo quando o cristão encontra oposição, a sua caridade e a sua resistência deveriam servir para convencer os outros da pertinência da tolerância religiosa, da qual podem haurir benefícios os seguidores de todas as religiões. As minhas orações vos acompanhem enquanto continuais a enfrentar esta questão delicada e importante.

Meus Irmãos no Episcopado, estou-vos grato por esta oportunidade de renovar os nossos vínculos de comunhão. A beata Teresa de Calcutá, cujo serviço pessoal e paciente ao próximo era motivado pelo amor de Cristo, impetrar para vós a abundância das graças celestes para garantir a fecundidade espiritual do vosso trabalho pastoral. Garanto a vós e a quantos servis a minha recordação constante na oração e concedo-vos de bom grado a minha Bênção Apostólica.



AO CONGRESSO INTERNACIONAL PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ» PARA O 50º ANIVERSÁRIO DA «MATER ET MAGISTRA»

Sala Clementina Segunda-feira,16 de Maio de 2011

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhoras e Senhores

Estou feliz por vos receber e saudar, por ocasião do 50º aniversário da Encíclica Mater et magistra do Beato João XXIII, um documento que conserva uma grande actualidade também no mundo globalizado. Saúdo o Cardeal Presidente, a quem agradeço as amáveis palavras, assim como ao bispo Secretário, aos Colaboradores do Dicastério e todos vós, que provindes dos vários Continentes para este importante Congresso.

Na Mater et magistra o Papa Roncalli, com uma visão de Igreja posta ao serviço da família humana sobretudo mediante a sua missão evangelizadora específica, pensava na Doutrina social — antecipando o Beato João Paulo II — como num elemento essencial desta missão, porque constitui «uma parte integrante da concepção cristã da vida» (n. 206). Beato João XXIII encontra-se na origem das afirmações dos seus Sucessores, inclusive quando indica na Igreja o sujeito comunitário e plural da Doutrina social. Os christifideles laici, em particular, não podem ser somente os seus fruidores e executores passivos, mas constituem os protagonistas da mesma, no momento vital da sua realização, assim como colaboradores preciosos dos Pastores na sua formulação, graças à experiência adquirida no campo e às próprias competências específicas. Para o Beato João XXIII, a Doutrina social da Igreja tem como luz a Verdade, como força propulsora o Amor e como finalidade a Justiça (cf. n. 209), uma visão da Doutrina social, que retomei na Encíclica Caritas in veritate, dando testemunho daquela continuidade que mantém unido todo o corpus das Encíclicas sociais. A verdade, o amor e a justiça, indicados pela Mater et magistra, juntamente com o princípio do destino universal dos bens, como critérios fundamentais para superar os desequilíbrios sociais e culturais, permanecem os pilares para interpretar e resolver também os desequilíbriosinternos da globalização. Diante destes desequilíbrios há a necessidade do restabelecimento de uma razão integral que faça renascer o pensamento e a ética. Sem um pensamento moral que supere o delineamento das éticas seculares, como as neo-utilitaristas e neocontratualistas, que se fundamentam num cepticismo substancial e numa visão predominantemente imanentista da história, torna-se difícil para o homem de hoje aceder ao conhecimento do verdadeiro bem humano. É necessário desenvolver sínteses culturais humanísticas, abertas à Transcendência mediante uma nova evangelização — radicada na lei nova do Evangelho, a lei do Espírito — à qual o Beato João Paulo II nos exortou diversas vezes. Só na comunhão pessoal com o Novo Adão, Jesus Cristo, a razão humana é purificada e fortalecida, e é possível aceder a uma visão mais adequada do desenvolvimento, da economia e da política, segundo a sua dimensão antropológica e as novas condições históricas. E é graças a uma razão restabelecida na sua capacidade especulativa e prática que se pode dispor de critérios fundamentais para ultrapassar os desequilíbrios globais, à luz do bem comum. Com efeito, sem o conhecimento do verdadeiro bem humano, a caridade decai no sentimentalismo (cf. n. 3); a justiça perde a sua «medida» fundamental; e deslegitimiza-se o princípio do destino universal dos bens. Os vários desequilíbrios globais, que caracterizam a nossa época, alimentam desproporções, diferenças de riqueza e desigualdades, que criam problemas de justiça e de distribuição equitativa dos recursos e das oportunidades, de maneira particular em relação aos mais pobres.

Mas não são menos preocupantes os fenómenos ligados a um sistema de finanças que, depois da fase mais aguda da crise, voltou a estipular com frenesi contratos de crédito que muitas vezes permitem uma especulação ilimitada. Fenómenos de especulação prejudicial verificam-se também com referência aos produtos alimentares, à água e à terra, terminando por depauperar ainda mais aqueles que já vivem em situações de grave precariedade. Analogamente, o aumento dos preços dos recursos energéticos primários, com a consequente busca de energias alternativas guiada, às vezes, por interesses exclusivamente económicos a curto prazo, acabam por ter consequências negativas no meio ambiente, assim como no próprio homem.

A questão social contemporânea é sem dúvida um problema de justiça social mundial, como de resto já recordava a Mater et magistra há cinquenta anos, ainda que tenha sido com referência a outro contexto. Além disso, é uma questão de distribuição equitativa dos recursos materiais e imateriais, de globalização da democracia substancial, social e participativa.Por isso, num contexto onde se vive uma unificação progressiva da humanidade, é indispensável que a nova evangelização do social ponha em evidência as implicações de uma justiça que deve ser realizada a nível universal. Com referência à fundação de tal justiça deve ser sublinhado o facto de que não é possível realizá-la apoiando-se no mero consenso social, sem reconhecer que, para ser duradouro, ele deve estar arraigado no bem humano universal.No que diz respeito ao plano da realização, a justiça social deve ser levada a cabo na sociedade civil e na economia de mercado (cf. Caritas in veritate ), mas também por uma autoridade política honesta e transparente, que lhe seja proporcionada, inclusive no plano internacional (cf. ibid., n. 67).

A propósito dos grandes desafios hodiernos a Igreja, enquanto confia em primeiro lugar no Senhor Jesus e no seu Espírito, que a conduzem através das vicissitudes do mundo, para a difusão da Doutrina social conta também com a actividade das suas instituições culturais, com os programas de educação religiosa e de catequese social das paróquias, com os meios de comunicação e com a obra de anúncio e de testemunho dos christifideles laici (cf. Mater et magistra
MM 206-207). Eles devem ser preparados espiritual, profissional e eticamente. AMater et magistra insistia não só sobre a formação, mas principalmente sobre a educaçãoque forma de modo cristão a consciência e orienta para uma obra concreta, segundo umdiscernimento sabiamente guiado. O Beato João xxiii afirmava: «Para actuar cristãmente nos campos económico e social, a educação dificilmente poderá mostrar-se eficaz, se as pessoas interessadas não tomarem parte activa na educação de si mesmas, e se a educação não se realizar também através da acção» (nn. 212-213).

Além disso, ainda são válidas as indicações oferecidas pelo Papa Roncalli a propósito de um pluralismo legítimo entre os católicos na concretização da Doutrina social. Com efeito, ele escrevia que neste âmbito «[…] podem surgir divergências mesmo entre católicos rectos e sinceros. Quando isto acontecer, não faltem a consideração, o respeito mútuo e a boa vontade para descobrir os pontos de acordo, a fim de se alcançar uma acção oportuna e eficaz. Não nos percamos em discussões intermináveis e, sob o pretexto de conseguirmos o melhor, o óptimo, não deixemos de realizar o bom que é possível e, portanto, obrigatório» (n. 219). Importantes instituições ao serviço da nova evangelização do social são, além das associações de voluntariado e das organizações não governamentais cristãs ou de inspiração cristã, as Comissões «Justiça e Paz», os Departamentos para os problemas sociais e o trabalho, os Centros e os Institutos de Doutrina social, muitos dos quais não se limitam ao estudo e à difusão, mas dedicam-se também ao acompanhamento de várias iniciativas de experimentação dos conteúdos do magistério social, como no caso de cooperativas sociais de desenvolvimento, de experiências de microcrédito e de uma economia animada pela lógica da comunhão e da fraternidade.

Na Mater et magistra, o Beato João XXIII recordava que se podem compreender melhor as exigências fundamentais da justiça, vivendo como filhos da luz (cf. n. 235). Por conseguinte, faço votos a todos vós, a fim de que o Senhor ressuscitado aqueça os vossos corações e vos ajude a difundir o fruto da redenção, mediante uma nova evangelização do social e o testemunho da vida boa, em conformidade com o Evangelho. Tal evangelização seja sustentada por uma pastoral social adequada, activada sistematicamente nas várias Igrejas particulares. Num mundo com frequência fechado em si mesmo, desprovido de esperança, a Igreja espera que vós sejais fermento, semeadores incansáveis de um pensamento verdadeiro e responsável, e de um projecto social generoso, apoiados pelo amor repleto de verdade, que habita em Jesus Cristo, Verbo de Deus que se fez homem. Enquanto vos agradeço a vossa obra, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.




Discursos Bento XVI 12511