Discursos Bento XVI 19511

AOS MEMBROS DA COMUNIDADE DA PONTIFÍCIA FACULDADE TEOLÓGICA «TERESIANUM» Quinta-feira, 19 de Maio de 2011

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Sala Clementina




Prezados Irmãos e Irmãs

Estou feliz por me encontrar convosco e por me unir a vós na acção de graças ao Senhor, por ocasião dos 75 anos de fundação da Pontifícia Faculdade Teológica Teresianum. Saúdo cordialmente o Grão-Chancheler, Pe. Saverio Cannistrà, Prepósito-Geral da Ordem dos Carmelitas Descalços, e agradeço-lhe as bonitas expressões que me dirigiu; juntamente com ele, acolho de muito bom grado os Sacerdotes da Casa Geral. Saúdo o Reitor, Pe. Aniano Álvarez-Suárez, as Autoridades académicas e todo o corpo docente do Teresianum, e saúdo carinhosamente todos vós, amados estudantes, Carmelitas Descalços, religiosos e religiosas de várias Ordens, sacerdotes e seminaristas. Portanto, já passaram três quartos de século desde aquele dia 16 de Julho de 1935, memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem do Monte Carmelo, onde então o Colégio Internacional da Ordem dos Carmelitas Descalços na Urbe foi erigido como Faculdade Teológica. Desde o princípio, ela orientou-se para aprofundar a teologia espiritual no contexto da questão antropológica. Depois, ao longo dos anos, veio a constituir-se o Instituto de Espiritualidade que, juntamente com a Faculdade Teológica, compõe o pólo académico conhecido pelo nome de Teresianum.

Considerando com olhar retrospectivo a história desta Instituição, queremos louvar o Senhor pelas maravilhas que nela levou a cabo e, através dela, nos numerosos estudantes que a frequentaram. Antes de tudo, porque fazer parte desta comunidade académica constitui uma experiência eclesial peculiar, valorizada por toda a riqueza de uma grande família espiritual, que é a Ordem dos Carmelitas Descalços. Pensemos no vasto movimento de renovação nascido na Igreja a partir do testemunho dos santos Teresa de Jesus e João da Cruz. Ele suscitou aquele novo despertar de ideais e de fervores de vida contemplativa que no século XVI inflamou, por assim dizer, a Europa e o mundo inteiro. Caros estudantes, é no sulco deste carisma que se insere também o vosso trabalho de aprofundamento antropológico e teológico, a tarefa de penetrar o mistério de Cristo, com aquela inteligência do coração que é conhecer e, ao mesmo tempo, amar; isto exige que Jesus seja posto no centro de tudo, dos vossos afectos e pensamentos, do vosso tempo de oração, de estudo e de acção, de toda a vossa vida. Ele é a Palavra, o «livro vivo», como o foi para santa Teresa de Ávila, que afirmava: «Para aprender a verdade, não tive outro livro a não ser Deus» (Vida 26, 5). Desejo que cada um de vós possa dizer, com são Paulo: «Julgo todas as coisas uma perda, em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor» (
Ph 3,8).

A este propósito, gostaria de evocar a descrição que santa Teresa faz da experiência interior da conversão, como ela mesma a viveu um dia diante do Crucifixo: «Assim que O fixei... foi tão grande a dor que senti, a pena pela ingratidão com a qual correspondi ao seu amor, que tive a impressão que o meu coração se rompesse. Lancei-me aos seus pés inteiramente em lágrimas e supliquei-lhe que me concedesse a graça de voltar a ofendê-lo» (Autobiografia 9, 1). Com o mesmo ímpeto, a santa parece perguntar-nos, também a nós: como permanecer indiferente diante de tanto amor? Como ignorar Aquele que nos amou com uma misericórdia tão grande? O amor do Redentor merece toda a atenção do coração e da mente, e pode despertar inclusive em nós aquele círculo admirável em que amor e conhecimento se alimentam reciprocamente. Durante os vossos estudos teológicos, conservai o vosso olhar sempre voltado para o motivo último pelo qual os empreendestes, ou seja, aquele Jesus que «nos amou e entregou a sua vida por nós» (cf. 1Jn 3,16). Estai conscientes de que estes anos de estudo constituem um dom precioso da Providência divina; dádiva que deve ser acolhida com fé e vivida diligentemente, como uma oportunidade irrepetível para crescer no conhecimento do mistério de Cristo.

No contexto actual assume uma grande importância o estudo aprofundado da espiritualidade cristã, a partir dos seus pressupostos antropológicos. A preparação específica que ele oferece é, sem dúvida, importante porque torna as pessoas idóneas e as habilita para ensinar esta disciplina, mas constitui uma graça ainda maior pela bagagem sapiencial que proporciona, em vista da delicada tarefa da direcção espiritual. Como nunca deixou de fazer, ainda hoje a Igreja continua a recomendar a prática da direcção espiritual, não apenas a quantos desejam seguir o Senhor de perto, mas a todos os cristãos que quiserem viver com responsabilidade o próprio Baptismo, ou seja, a vida nova em Cristo. Com efeito, cada um e de modo particular quantos responderam ao chamamento divino e a uma sequela mais próxima, têm necessidade de ser acompanhados pessoalmente por um guia seguro na doutrina e perito nas realidades de Deus; ele pode ajudar a evitar fáceis subjectivismos, pondo à disposição a própria bagagem de conhecimentos e experiências vividos no seguimento de Jesus. Trata-se de instaurar esta mesma relação pessoal que o Senhor mantinha com os seus discípulos, aquele vínculo especial com o qual Ele os conduziu, atrás de si, a abraçar a vontade do Pai (cf. Lc Lc 22,42), ou seja, a abraçar a cruz. Caros amigos, também vós, na medida em que fordes chamados a esta tarefa insubstituível, valorizai aquilo que aprendestes durante estes anos de estudo, para acompanhar aqueles que a Providência divina vos confiar, ajudando-vos no discernimento dos espíritos e na capacidade de favorecer as moções do Espírito Santo, com a finalidade de os conduzir à plenitude da graça, «até alcançar — como reza são Paulo — a estatura da maturidade de Cristo» (Ep 4,13).

Estimados amigos vós vindes das mais diversas partes do mundo. Aqui em Roma o vosso coração e a vossa inteligência são suscitados a abrir-se à dimensão universal da Igreja, são estimulados a sentire cum Ecclesia, em profunda sintonia com o Sucessor de Pedro. Portanto, exorto-vos a viver uma sempre maior e mais apaixonada capacidade de amar e de servir a Igreja. Neste tempo pascal, peçamos ao Senhor ressuscitado o dom do seu Espírito, e peçamo-lo sustentados pela oração da Virgem Maria; Ela, que no Cenáculo invocou juntamente com os Apóstolos o Paráclito, vos obtenha a dádiva da sabedoria do coração e atraia uma renovada efusão de dons celestiais para o futuro que vos espera. Por intercessão da Mãe de Deus e dos santos Teresa de Jesus e João da Cruz, concedo de coração a Bênção Apostólica à comunidade do Teresianum e a toda a Família carmelitana.



À COMUNIDADE DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SAGRADO CORAÇÃO DE MILÃO POR OCASIÃO DO 90º ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO Sábado, 21 de Maio de 2011

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Sala Paulo VI



Senhores Cardeais
Magnífico Reitor
Ilustres Professores
Distintos representantes dos funcionários
Queridos estudantes

Sinto-me muito feliz por ter este encontro convosco, que formais a grande família da Universidade Católica do Sagrado Coração, que surgiu há noventa anos por iniciativa do Instituto Giuseppe Toniolo de Estudos Superiores, entidade fundadora e garante do Ateneu, por feliz intuição de Padre Agostinho Gemelli. Agradeço ao Cardeal Tettamanzi e ao Prof. Ornaghi, as calorosas palavras que me dirigiram em nome de todos.

O nosso é um tempo de grandes e rápidas transformações, que se reflectem também sobre a vida universitária: a cultura humanista parece estar atingida por um progressivo desgaste, e a ênfase é posta sobre as disciplinas chamadas «produtivas», de âmbitos tecnológico e económico; vê-se a tendência a reduzir o horizonte humano ao nível do que é medível, a eliminar do saber sistemático e crítico a questão fundamental do sentido. Depois, a cultura contemporânea é incline a confinar a religião fora dos espaços da racionalidade: na medida em que as ciências empíricas monopolizam os territórios da razão, não parece haver mais espaço para as razões do crer, e portanto a dimensão religiosa é confinada na esfera do opinável e do privado. Neste contexto, as motivações e as próprias características da instituição universitária são postas radicalmente em questão.

Noventa anos após a sua fundação, a Universidade Católica do Sagrado Coração encontra-se a viver nesta fase histórica, na qual é importante consolidar e incrementar as razões pelas quais nasceu, dando aquela conotação eclesial que é evidenciada pelo adjectivo «católica»; de facto, a Igreja «perita em humanidade», é promotora de humanismo autêntico. Sobressai, nesta perspectiva, a vocação originária da Universidade, nascida da pesquisa da verdade, de toda a verdade, de toda a verdade do nosso ser. E com a sua obediência à verdade e às exigências do seu conhecimento ela torna-se escola de humanitas na qual se cultiva um saber vital, se forjam altas personalidades e se transmitem conhecimentos e competências de valor. A perspectiva cristã, como quadro do trabalho intelectual da Universidade, não se opõe ao saber científico e às conquistas do engenho humano, ao contrário, a fé alarga o horizonte do nosso pensamento, é caminho para a verdade total, guia de progresso autêntico. Sem orientação para a verdade, sem uma atitude de pesquisa humilde e ousada, qualquer cultura se fende, cai no relativismo e se perde no efémero. Ao contrário, se for subtraída à presa de um reducionismo que a mortifica e a circunscreve pode abrir-se a uma interpretação deveras iluminada do real, desempenhando assim um autêntico serviço à vida.

Queridos amigos, fé e cultura são grandezas indissoluvelmente relacionadas, manifestação daquele desiderium naturale videndi Deum que está presente em cada homem. Quando se interrompe esta união, a humanidade tende a fechar-se e a limitar-se às suas capacidades criativas. É então necessário que numa Universidade haja uma autêntica paixão pela questão do absoluto, pela própria verdade, e por conseguinte também pelo saber teológico, que no vosso Ateneu faz parte integrante do currículo. Unindo em si a audácia da pesquisa e a paciência da maturação, o horizonte teológico pode e deve valorizar todos os recursos da razão. A questão da Verdade e do Absoluto — a questão de Deus — não é uma investigação abstracta, separada da realidade do quotidiano, mas é pergunta crucial, da qual depende radicalmente a descoberta do sentido do mundo e da vida. No Evangelho funda-se uma concepção do mundo e do homem que não cessa de libertar valores culturais, humanísticos e éticos. Por conseguinte, o saber da fé ilumina a pesquisa do homem, interpreta-a humanizando-a, integra-a em projectos de bem, arrancando-a à tentação do pensamento calculador, que instrumentaliza o saber e faz das descobertas científicas meios de poder e de submissão do homem.

O horizonte que anima o trabalho universitário pode e deve ser a paixão autêntica para o homem. Só no serviço ao homem a ciência se desenvolve como verdadeira cultivação e guarda do universo (cf. Gn
Gn 2,15). E servir o homem é praticar a verdade na caridade, é amar a vida, respeitá-la sempre, começando pelas situações nas quais ela é mais frágil e indefesa. Esta é uma das nossas tarefas, especialmente em tempos de crise: a história da cultura mostra como a dignidade do homem foi reconhecida verdadeiramente na sua integridade à luz da fé cristã. A Universidade Católica está chamada a ser lugar no qual aquela abertura ao saber, aquela paixão pela verdade, aquele interesse pela história do homem que caracterizam a autêntica espiritualidade cristã assumem a forma de excelência. Pôr-se de facto em atitude de fechamento e de distância face à perspectiva da fé significa esquecer que ela foi ao longo da história, e ainda hoje é, fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo a desenvolver todas as potencialidades positivas para o bem autêntico do homem. Como afirma o Concílio Vaticano II, a fé é capaz de iluminar a existência. O Concílio diz: «A fé ilumina as coisas com uma luz nova e faz-nos conhecer a vontade divina sobre a vocação integral do homem, orientando assim o espírito para soluções plenamente humanas» (Gaudium et spes GS 11).

A Universidade Católica é o lugar onde isto deve verificar-se com eficácia singular, sob o perfil quer científico, quer didáctico. Este serviço peculiar à Verdade é dom de graça e expressão qualificante de caridade evangélica. A afirmação da fé e o testemunho da caridade são inseparáveis (cf. 1Jn 3,23). De facto, o núcleo profundo da verdade de Deus é o amor com o qual Ele se inclinou sobre o homem e, em Cristo, lhe ofereceu dons infinitos de graça. Em Jesus nós descobrimos que Deus é amor e que só no amor podemos conhecê-l’O: «Todo aquele que ama é gerado por Deus e conhece Deus porque Deus é amor» (1Jn 4,7 1Jn 4,8) diz são João. E santo Agostinho afirma: «Non intratur in veritatem nisi per caritatem» (Contra Faustum, 32). O ápice do conhecimento de Deus alcança-se no amor; aquele amor que sabe ir à raiz, que não se contenta com expressões filantrópicas ocasionais, mas ilumina o sentido da vida com a Verdade de Cristo, que transforma o coração do homem e o arranca aos egoísmos que geram miséria e morte. O homem precisa de amor, o homem tem necessidade de verdade, para não dispersar o frágil tesouro da liberdade e não estar exposto à violência das paixões e a condicionamentos abertos e ocultos (cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus CA 46). A fé cristã não faz da caridade um sentimento vago e lastimoso, mas uma força capaz de iluminar os caminhos da vida em cada uma das suas expressões. Sem esta visão, sem esta dimensão teologal originária e profunda, a caridade contenta-se com a ajuda ocasional e renuncia à tarefa profética, que lhe é própria, de transformar a vida da pessoa e as estruturas da sociedade. Este é um compromisso específico que a missão na Universidade vos chama a realizar como protagonistas apaixonados, convictos de que a força do Evangelho é capaz de renovar as relações humanas e penetrar no coração da realidade.

Queridos jovens universitários da «Católica», vós sois a demonstração viva daquele carácter da fé que muda a vida e salva o mundo, com os problemas e as esperanças, com as interrogações e as certezas, com as aspirações e os compromissos que o desejo de uma vida melhor gera e a oração alimenta. Queridos representantes dos funcionários técnico-administrativos, sede orgulhosos das tarefas que vos são atribuídas no contexto da grande família universitária, em apoio à multiforme actividade formativa e profissional. E a vós, queridos Professores, está confiado um papel decisivo: mostrar como a fé cristã é fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo a desenvolver todas as suas potencialidades positivas, para o bem autêntico do homem. Aquilo que a razão divisa, a fé ilumina e manifesta. A contemplação da obra de Deus abre ao saber a exigência da investigação racional, sistemática e crítica; a busca de Deus fortalece o amor pelas letras e pelas ciências profanas: «Fides ratione aduvatur et ratio fide perficitur», afirma Hugo de São Víctor (De sacramentis, 1, III, 30: PL 176, 232). Nesta perspectiva, coração pulsante e alimento constante da vida universitária é a Capela, à qual está unido o Centro pastoral onde os Assistentes espirituais das diversas sedes são chamados a desempenhar a sua preciosa missão sacerdotal que é imprescindível para a identidade da Universidade Católica. Como ensina o Beato João Paulo II, a Capela «é lugar do espírito, onde se detêm em oração e encontram alimento e orientação os que crêem em Cristo, que vivem com modalidades diversas a experiência do estudo académico; é lugar onde se exercitam as virtudes cristãs, onde cresce e se desenvolve com coerência a vida baptismal; é casa acolhedora e aberta, para todos aqueles que, escutando o Mestre interior, se fazem pesquisadores da verdade e servem o homem na dedicação diuturna a um saber, não satisfeito de horizontes estreitos e pragmáticos. No contexto da modernidade declinante, ela não pode deixar de ser centro vivo e propulsivo de animação cristã da cultura, no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1P 3,15), no testemunho que interroga e convence» (Discurso aos Capelães europeus,1 de Maio de 1998). Assim disse o Papa João Paulo II em 1998.

Queridos amigos, desejo que a Universidade Católica do Sagrado Coração, em sintonia de intenções com o Instituto Toniolo, prossiga com renovada confiança o seu caminho, mostrando eficazmente que a luz do Evangelho é fonte de verdadeira cultura capaz de haurir energias de um humanismo novo, integral e transcendente. Confio-vos a Maria Sedes Sapientiae e com afecto vos concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DIÁLOGO COM OS ASTRONAUTAS DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL EM ÓRBITA AO REDOR DA TERRA Quinta-feira, 21 de Maio de 2011

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Sala «dei Foconi»



Prezados astronautas

Estou muito feliz por ter esta oportunidade extraordinária de conversar convosco, durante a vossa missão. Estou particularmente reconhecido pelo facto de poder falar a um grupo tão numeroso, uma vez que neste momento, na Estação espacial, estão presentes ambas as tripulações.

A humanidade está a viver um tempo de progresso extremamente rápido no campo dos conhecimentos científicos e das aplicações técnicas. Num certo sentido, vós sois os nossos representantes, guiais a exploração, da parte da humanidade, de novos espaços e de renovadas possibilidades para o nosso futuro, indo mais além dos limites da nossa existência quotidiana.

Todos nós admiramos verdadeiramente a vossa coragem, assim como a disciplina e o compromisso com que vos preparastes para esta missão. Estamos convictos de que vos inspirastes em nobres ideais e que tencionais pôr à disposição de toda a humanidade e do bem comum os resultados das vossas investigações e dos vossos empreendimentos.

Portanto, este diálogo oferece-me a oportunidade de manifestar a minha admiração pessoal e o meu apreço a vós e a todos aqueles que colaboram para tornar possível a vossa missão, e de unir o meu encorajamento caloroso, a fim de que ela possa ser levada a cabo com pleno êxito.

Mas esta é uma conversa, e eu não devo ser o único a falar.

Estou muito curioso de ouvir de vós as vossas experiências e as vossas reflexões.

Se não vos importais, gostaria de vos dirigir algumas perguntas:

P. Da Estação espacial vós tendes uma perspectiva diferente sobre a Terra. Vós sobrevoais muitas vezes por dia os diversos continentes e nações. Creio que para vós deve ser evidente o facto de que todos nós vivemos num único planeta, e que é absurdo combatermos e matarmo-nos uns aos outros. Sei que a esposa de Mark Kelly foi vítima de um grave atentado, e faço votos a fim de que a sua saúde continue a melhorar. Quando vós contemplais a Terra lá do alto, acontece que pensais no modo como as nações e os povos vivem juntos aqui embaixo, ou no modo como a ciência pode contribuir para a causa da paz?

R. «Obrigado pelas amáveis palavras, Santidade, e obrigado — respondeu o estado-unidense Mark Kelly — por ter mencionado a minha esposa Gabby. É uma pergunta excelente. Sobrevoamos quase toda a terra e não se vêem confins, mas ao mesmo tempo damo-nos conta de que as pessoas combatem umas contra as outras, e que existe muita violência no mundo. Geralmente, as pessoas combatem por muitas coisas diferentes, como agora podemos ver no Médio Oriente. Em geral, as pessoas lutam pelos recursos. É interessante que na terra as pessoas combatam pela energia, enquanto no espaço nós utilizamos a energia solar e pilhas a combustível. A ciência e a tecnologia que usamos na Estação espacial serve para desenvolver uma capacidade de energia solar para nos fornecer uma quantidade de energia ilimitada. Se conseguíssemos adoptar tecnologias semelhantes na terra, talvez pudéssemos reduzir um pouco aquela violência».

P. Um dos temas sobre os quais volto a falar com frequência nos meus discursos é o da responsabilidade que todos nós temos pelo futuro do nosso planeta. Refiro-me aos sérios riscos que se delineiam para o meio ambiente e para a sobrevivência das gerações vindouras. Os cientistas dizem-nos que devemos ser vigilantes e, sob um ponto de vista ético, devemos igualmente desenvolver a nossa consciência. Do vosso ponto de observação extraordinário, como considerais a situação na Terra? Vedes sinais ou fenómenos aos quais temos que prestar maior atenção?

R. «Santidade, é verdadeiramente — esta foi a segunda resposta, de Ron Garan, estado-unidense — um ponto de observação privilegiado. É uma grande honra falar com Vossa Santidade, e tem razão quando afirma que daqui de cima se beneficia de um ponto de observação extraordinário. Por um lado, podemos ver como o nosso planeta é indescritivelmente lindo, e por outro podemos compreender como é também extremamente frágil. A atmosfera, por exemplo, vista do espaço é subtil como uma folha. E faz meditar sobre o facto de que esta camada tão ténue é aquilo que separa cada ser vivo do vazio do espaço, e é tudo o que nos protege. Parece-nos incrível observar a terra, que está suspensa na obscuridade do espaço, e pensar que nós estamos aqui juntos, viajando através do universo neste oásis bonito e frágil. E enche-nos de esperança pensar que todos nós, a bordo desta incrível Estação em órbita, construída graças à parceria internacional de muitas nações, estamos a realizar esta empresa surpreendente. Isto demonstra que trabalhamos juntos e, cooperando, podemos resolver muitos dos problemas do nosso planeta e fazer face a muitos dos desafios que os seus habitantes devem enfrentar. E é um lugar agradabilíssimo para trabalhar e para observar o nosso trabalho maravilhoso».

P. A experiência que estais a viver agora é extraordinária e extremamente importante, não obstante no final tenhais que voltar para esta terra, como todos nós. Quando voltardes, sereis muito admirados e tratados como heróis que falam e agem com autoridade. Sereis convidados a narrar as vossas experiências. Quais serão as mensagens mais importantes que desejaríeis transmitir, especialmente aos jovens, que viverão num mundo profundamente influenciado pelas vossas experiências e descobertas?

R. «Santidade, como disseram os meus colegas, podemos olhar para baixo e ver o nosso bonito planeta, que foi criado por Deus — esta foi a resposta de Mike Finchke, estado-unidense — e é o planeta mais bonito de todo o sistema solar. Todavia, se olharmos para o alto podemos ver o resto do universo. E o resto do universo está ali para ser explorado. A Estação espacial internacional é só um símbolo, um exemplo daquilo que os seres humanos podem fazer, quando trabalham juntos de modo construtivo. Portanto, uma das nossas mensagens mais importantes é comunicar aos filhos do planeta, comunicar aos jovens, que existe um universo inteiro para explorarmos, e que se nos comprometermos conjuntamente, não há nada que não possamos realizar».

P. A exploração do espaço é uma aventura científica fascinante. Sei que estivestes ocupados na instalação de novas aparelhagens para a ulterior investigação científica e o estudo das radiações que chegam dos espaços mais longínquos. Porém, julgo que se trata também de uma aventura do espírito humano, um estímulo fortíssimo a meditar sobre as origens e o destino do universo e da humanidade. Os fiéis dirigem frequentemente o olhar para o alto, rumo aos espaços siderais infinitos e, meditando sobre Aquele que criou tudo isto, ficam impressionados pelo mistério da sua grandeza. É por este motivo que a medalha que confiei a Roberto (Vittori), como sinal da minha participação da vossa missão, representa a criação do homem, do modo como a pintou Michelangelo na abóbada da Capela Sistina. No meio do vosso intenso trabalho e investigação, nunca vos acontece parar e fazer reflexões semelhantes, talvez até de dirigir uma prece ao Criador? Ou então, será mais fácil para vós meditar sobre estas temáticas quando voltardes para a Terra?

R. «Santidade, o trabalho de astronauta — disse o italiano Vittori — é muito intenso. Todos nós temos possibilidade de olhar para fora. Quando sobrevém a noite, podemos olhar para baixo, rumo ao nosso planeta, o planeta azul. É lindíssimo! O azul é a cor do nosso planeta, azul é a cor do céu, azul é a cor da aeronáutica italiana, que me ofereceu a oportunidade de me unir à Agência espacial europeia. Conseguimos ver a beleza tridimensional do nosso planeta. Rezo por mim, pelas nossas famílias e pelo nosso futuro. Trouxe comigo esta medalha, para demonstrar a falta de gravidade. Agradeço-lhe esta oportunidade, e agora farei com que ela flutue até ao meu colega e amigo Paolo. Trouxe-a comigo no espaço e voltarei a levá-la para a terra, para a restituir a Vossa Santidade».

P. A minha última pergunta é para Paolo (Nespoli). Estimado Paolo, sei que nos dias passados a tua mãe te deixou, e quando daqui a poucos dias voltares para casa já não a encontrarás à tua espera. Todos nós estivemos próximos de ti, e também eu orei por ela... Como viveste este tempo de dor? Na vossa Estação vós sentis-vos distantes e isolados, e sofreis um sentido de separação, ou então sentis-vos unidos entre vós e inseridos numa comunidade, que vos acompanha com atenção e com carinho?

R. «Santo Padre — respondeu Nespoli, italiano — senti as suas preces, as vossas orações chegaram até aqui: é verdade, estamos fora deste mundo, em órbita ao redor da Terra e temos um ponto de vantagem para olhar para a Terra e para sentir tudo o que está à nossa volta. Os meus colegas aqui, a bordo da Estação — Dmitry, Kelly, Ron, Alexander e Andrei — estiveram próximos de mim neste momento importante, muito intenso, assim como os meus irmãos, as minhas irmãs, as minhas tias, os meus primos e os meus parentes estiveram próximos da minha mãe nos últimos momentos. Estou grato por tudo isto. Senti-me distante, mas também muito próximo, e certamente o pensamento de sentir todos vós próximos de mim, unidos neste momento, foi de extremo alívio. Agradeço inclusive à Agência espacial europeia e à Agência espacial americana, que puseram à disposição os recursos a fim de que eu pudesse falar com ela nos últimos momentos».

(Palavras do Santo Padre na conclusão do diálogo)

Prezados astronautas

Agradeço-vos de coração esta belíssima oportunidade de encontro e de diálogo convosco. Ajudastes a mim e a muitas outras pessoas a meditar sobre argumentos importantes, que dizem respeito ao porvir da humanidade. Formulo-vos os melhores votos para o vosso trabalho e para o bom êxito da vossa grandiosa missão ao serviço da ciência, da colaboração internacional, do progresso autêntico e em benefício da paz no mundo. Continuarei a acompanhar-vos com o pensamento e a oração e, de bom grado, concedo-vos a Bênção Apostólica.



À DELEGAÇÃO OFICAIL DA EX-REPÚBLICA JUGOSLAVA DA MACEDÓNIA PARA A FESTA DOS SANTOS CIRILO E METÓDIO Segunda-feira, 23 de Maio de 2011

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Senhor Presidente
Ilustres Membros do Governo e Distintas Autoridades
Venerados Irmãos Representantes da Igreja ortodoxa
e da Igreja católica

Estou particularmente feliz por vos receber e dirigir a cada um a minha cordial saudação, de modo especial ao Senhor Presidente da ex-República Jugoslava da Macedónia. A festa dos Santos Cirilo e Metódio é para todos nós um motivo de alegria. Estes Santos irmãos enviados aos povos eslavos anunciaram o Evangelho no meio de numerosas dificuldades, mas sempre sustentados por uma confiança inabalável no Senhor. Eles foram animados pela paixão de fazer conhecer o Evangelho de Cristo e, por este motivo, prodigalizaram-se para anunciar a doutrina cristã, reunindo-a em livros escritos em língua eslava. Sem dúvida, tratou-se de um acontecimento decisivo para o crescimento e o desenvolvimento da civilização e da cultura eslava em geral. O testemunho e o ensinamento dos Santos Cirilo e Metódio ainda são actuais, quer para aqueles que estão ao serviço do Evangelho, quer para quantos são chamados a governar o destino das Nações.

A vida destes homens foi totalmente dedicada à obra apostólica, e a intuição divina de tornar compreensível e acessível a mensagem da Revelação às populações foi motivo de unidade para diferentes tradições e culturas. Na aceitação do desígnio salvífico de Deus, os povos podem encontrar os fundamentos sobre os quais edificar uma civilização e uma sociedade impregnadas pelo espírito de reconciliação e de convivência pacífica. Não pode existir uma unidade real, sem o respeito pela dignidade de cada pessoa humana e dos seus direitos inalienáveis. Como tinham compreendido perfeitamente os Santos Cirilo e Metódio, o Evangelho de Cristo é capaz de iluminar todos os âmbitos e dimensões da experiência do homem, para a tornar plenamente humana. A Palavra de Deus chama de modo contínuo à conversão do coração, para que cada decisão e escolha sejam purificadas dos interesses egoístas; e é precisamente a partir desta conversão permanente a Deus que será possível fazer nascer uma humanidade renovada.

A vossa peregrinação anual a Roma seja uma ocasião para renovar os vínculos de amizade entre a vossa Nação e a Igreja católica e, ao mesmo tempo, para refortalecer e promover o compromisso pelo bem do vosso país. Invoquemos a intercessão dos Santos Cirilo e Metódio, a fim de que o Senhor possa conceder a sua paz e abençoar as populações da ex-República Jugoslava da Macedónia!



À DELEGAÇÃO OFICIAL DA BULGÁRIA POR OCASIÃO DA FESTA LITÚRGICA DOS SANTOS CIRILO E METÓDIO Segunda-feira, 23 de Maio de 2011

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Senhora Presidente do Parlamento
Ilustres Membros do Governo
e Distintas Autoridades
Venerados Irmãos da Igreja ortodoxa
e da Igreja católica

Desejo dirigir a minha deferente saudação à Delegação oficial da Bulgária — guiada pela Senhora Presidente do Parlamento — vinda a Roma, segundo a tradição, no contexto da festividade litúrgica dos Santos Cirilo e Metódio. Este encontro agradável, que se renova também no corrente ano, oferece-me a oportunidade de reiterar a relevância espiritual e cultural destes dois ilustres e beneméritos pioneiros da evangelização da Europa, cujas figuras são honradas tanto no Oriente como no Ocidente. Graças à sua corajosa pregação pelas estradas do Continente, eles favoreceram uma vasta renovação espiritual e lançaram as bases para uma autêntica promoção da liberdade e da unidade da Europa cristã. Cirilo e Metódio foram «evangelhos vivos» e sinais eloquentes da bondade do Senhor, por este motivo o seu testemunho alcançou mais facilmente os homens da sua época.

Aos povos europeus, que nestes anos se abrem a novas perspectivas de cooperação, estes dois grandes Santos recordam que a sua unidade será mais sólida, se estiver fundada nas comuns raízes cristãs. Com efeito, na complexa história da Europa, o Cristianismo representa um elemento central e qualificador. A fé cristã plasmou a cultura do velho Continente, entrelaçando-se de modo indissolúvel com a sua história, a tal ponto que ela não seria compreensível se não fizesse referência às vicissitudes que caracterizaram primeiro o grande período da evangelização e, depois, os longos séculos em que o Cristianismo desempenhou um papel cada vez mais relevante.

E, então, é importante que a Europa cresça também na sua dimensão espiritual, no sulco da sua melhor história. A unidade do Continente, que está progressivamente amadurecendo nas consciências e que se vai definindo também na vertente política, representa uma perspectiva de grande esperança. Os europeus são chamados a comprometer-se para criar as condições de uma profunda coesão e de uma colaboração concreta entre os povos. Para edificar a nova Europa sobre bases sólidas não é suficiente recorrer unicamente aos interesses económicos, mas é necessário contar sobretudo com os valores autênticos, que encontram o seu fundamento na lei moral universal, inscrita no coração de cada homem.

Formulo votos de coração, a fim de que a herança moral e cultural dos Santos Cirilo e Metódio alimente sempre em cada um de vós o desejo de valorizar o património espiritual das vossas terras e, ao mesmo tempo, o da abertura e da comunhão, no respeito recíproco. Possa este nosso encontro ser motivo de ulteriores relações na fraternidade e na solidariedade. O Senhor abençoe o vosso amado país e todos os seus cidadãos.




Discursos Bento XVI 19511