Discursos Bento XVI 23521

SANTO ROSÁRIO COM OS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA E DEDICAÇÃO DA ITÁLIA À VIRGEM MARIA

POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DA UNIFICAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS Quinta-feira, 26 de Maio de 2011

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Basílica de Santa Maria Maior



Venerados e dilectos Irmãos Bispos
Irmãos e irmãs

Estais congregados nesta maravilhosa Basílica — lugar onde espiritualidade e arte se fundem numa união secular — para compartilhar um intenso momento de oração, com o qual confiar à salvaguarda materna de Maria, Mater unitatis, todo o povo italiano, após cento e cinquenta anos da unidade política do país. É significativo que esta iniciativa tenha sido preparada por análogos encontros nas dioceses: também deste modo manifestais a atenção da Igreja a fazer-se próxima do destino desta amada Nação. Quanto a nós, sentimo-nos em comunhão com todas as comunidades, até com a menor delas, nas quais permanece viva a tradição que dedica o mês de Maio à devoção mariana. Ela encontra expressão em muitos sinais: santuários, igrejinhas, obras de arte e, principalmente, na recitação do Santo Rosário, com o qual o Povo de Deus dá graças pelo bem que recebe incessantemente do Senhor, através da intercessão de Maria Santíssima, e o suplica nas suas múltiplas necessidades. A oração — que tem o seu ápice na liturgia, cuja forma é conservada pela tradição viva da Igreja — consiste sempre em criar espaço para Deus: a sua acção torna-nos partícipes da história da salvação. Esta tarde, de modo particular, na escola de Maria, fomos convidados a compartilhar os passos de Jesus: a descer com Ele até ao rio Jordão, para que o Espírito confirme em nós a graça do Baptismo; a sentar-nos à mesa do banquete de Caná, para receber dele o «vinho bom» da festa; a entrar na sinagoga de Nazaré, como pobres aos quais é dirigida a alegre mensagem do Reino de Deus; e ainda, a subir ao Monte Tabor, para viver a cruz na luz pascal; e, enfim, a participar no Cenáculo no novo e eterno sacrifício que, antecipando os céus novos e a terra nova, regenera toda a criação.

Esta Basílica é a primeira no Ocidente dedicada à Virgem Mãe de Deus. Quando entrei aqui, o meu pensamento voltou ao primeiro dia do ano 2000, quando o Beato João Paulo II abriu esta Porta Santa, confiando o Ano jubilar a Maria, a fim de que vigiasse sobre o caminho de quantos se reconheciam peregrinos de graça e de misericórdia. Também nós hoje não hesitemos em sentir-nos tais, desejosos de cruzar o limiar daquela «Porta» Santíssima que é Cristo, e queremos pedir à Virgem Maria que sustente o nosso caminho e interceda por nós. Enquanto Filho de Deus, Cristo é forma do homem: é a sua verdade mais profunda, a linfa que fecunda uma história que, se fosse diversa, estaria irremediavelmente comprometida. A oração ajuda-nos a reconhecer nele o centro da nossa vida, a permanecer na sua presença, a conformar a nossa vontade com a sua, a fazer «tudo aquilo que ele nos disser» (cf. Jo
Jn 2,5), convictos da sua fidelidade. Esta é a tarefa essencial da Igreja, por Ele coroada como esposa mística, como a contemplamos no esplendor da bacia absidal. Maria constitui o seu modelo: é Aquela que nos oferece o espelho, no qual somos convidados a reconhecer a nossa identidade. A sua vida é um apelo a reconduzir o que somos à escuta e ao acolhimento da Palavra, chegando na fé a exaltar o Senhor, diante do qual a nossa única grandeza possível é aquela que se exprime na obediência filial: «Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). Maria confiou-se: Ela é a «bendita» (cf. Lc Lc 1,42), e é tal porque acreditou (cf. Lc Lc 1,45), até ser assim revestida de Cristo, a ponto de entrar no «sétimo dia», partícipe do repouso de Deus. As disposições do seu coração — a escuta, o acolhimento, a humildade, a fidelidade, o louvor e a expectativa — correspondem às atitudes interiores e aos gestos que plasmam a vida cristã. A Igreja alimenta-se deles, consciente de que exprimem aquilo que Deus espera dela.

No bronze da Porta Santa desta Basílica está gravada a representação do Concílio de Éfeso. O próprio edifício, que remonta ao núcleo originário do século V, está vinculado àquela assembleia ecuménica, celebrada no ano 431. Em Éfeso, a Igreja unida defendeu e confirmou para Maria o título de Theotókos, Mãe de Deus: título com um conteúdo cristológico, que remete para o mistério da Encarnação e expressa no Filho a unidade da natureza humana com a divina. De resto, é a pessoa e a vicissitude de Jesus de Nazaré que ilumina o Antigo Testamento e o próprio rosto de Maria. Nela entrevê-se em filigrana o desenho unitário que entrelaça os dois Testamentos. Na sua vicissitude pessoal encontra-se a síntese da história de um povo inteiro, que põe a Igreja em continuidade com o antigo Israel. No âmbito desta perspectiva adquirem sentido as histórias singulares, a partir das grandes mulheres da Antiga Aliança, em cuja vida está representado um povo humilhado, derrotado e deportado. Porém, são também as mesmas que personalizam a sua esperança; constituem o «resto santo», sinal que o desígnio de Deus não permanece uma ideia abstracta, mas encontra correspondência numa resposta pura, numa liberdade que se doa sem nada conservar, num sim que é acolhimento completo e dom perfeito. Maria é a sua expressão mais elevada. Sobre Ela, virgem, desce o poder criador do Espírito Santo, o mesmo que «no princípio» pairava sobre o abismo informe (cf. Gn Gn 1,1) e graças ao qual Deus chamou o ser do nada; o Espírito que fecunda e plasma a criação. Abrindo-se à sua obra, Maria gera o Filho, presença de Deus que vem habitar a história e que a abre a um início novo e definitivo, que é possibilidade para cada homem, de renascer do alto, de viver na vontade de Deus e, portanto, de se realizar completamente.

Com efeito, a fé não é alienação: são outras as experiências que poluem a dignidade do homem e a qualidade da convivência social! Em cada era da história, o encontro com a palavra sempre nova do Evangelho foi fonte de civilização, construiu pontes entre os povos e enriqueceu o tecido das nossas cidades, expressando-se na cultura, nas artes e, não por último nas mil formas da caridade. Com razão a Itália, celebrando o sesquicentenário da sua unidade política, pode sentir-se orgulhosa da presença e da obra da Igreja. A Igreja não procura privilégios, nem tenciona substituir-se às responsabilidades das instituições políticas; respeitosa da laicidade legítima do Estado, ela está atenta a sustentar os direitos fundamentais do homem. Entre estes encontram-se antes de tudo as instâncias éticas e portanto também a abertura à transcendência, que constituem valores prévios a qualquer jurisdição estatal, enquanto estão inscritos na própria natureza da pessoa humana. Nesta perspectiva, a Igreja — fortalecida por uma reflexão colegial e pela experiência directa no território — continua a oferecer a própria contribuição para a construção do bem comum, exortando todos ao dever de promover e tutelar a vida humana em todas as suas fases e de ajudar a família de maneira concreta; com efeito, ela permanece a primeira realidade em que podem crescer pessoas livres e responsáveis, formadas naqueles valores profundos que abrem à fraternidade e que permitem enfrentar também as adversidades da vida. Não última entre elas está, hoje, a dificuldade de aceder a um trabalho estável e digno: por isso, uno-me a quantos pedem à política e ao mundo empresarial, que envidem todos os esforços para superar a difundida precariedade no mundo do trabalho, que nos jovens compromete a tranquilidade de um programa de vida familiar, com grave prejuízo para um desenvolvimento autêntico e harmonioso da sociedade.

Caros Irmãos, o aniversário do evento de fundação do Estado unitário encontrou-vos prontos a evocar os fragmentos de uma memória compartilhada e sensíveis à indicação dos elementos de uma perspectiva futura. Não hesiteis em estimular os fiéis leigos a superar todo o espírito de fechamento, distracção e indiferença, e a participar pessoalmente na vida pública. Encorajai as iniciativas de formação inspiradas na doutrina social da Igreja, a fim de que quantos são chamados a assumir responsabilidades políticas e administrativas não sejam vítimas da tentação de explorar a própria posição por interesses pessoais ou sede de poder. Sustentai a vasta rede de agregações e de associações que promovem obras de índole cultural, social e caritativa. Renovai as ocasiões de encontro, no sinal da reciprocidade, entre o Norte e o Sul. Ajudai o Norte a recuperar as motivações originárias daquele vasto movimento cooperativista de inspiração cristã, que foi animador de uma cultura da solidariedade e do desenvolvimento económico. De modo semelhante, estimulai o Sul a fazer circular, para o benefício de todos, os recursos e as qualidades de que dispõe e aquelas características de acolhimento e de hospitalidade que o distinguem. Continuai a cultivar um espírito de colaboração sincera e leal com o Estado, consciente de que tal relação é benéfica tanto para a Igreja como para o país inteiro. A vossa palavra e a vossa obra sirvam de encorajamento e de estímulo para quantos são chamados a gerir a complexidade que caracteriza o presente. Numa época em que sobressai com força cada vez maior a exigência de sólidas referências espirituais, sabei oferecer a todos aquilo que é peculiar da experiência cristã: a vitória de Deus sobre o mal e sobre a morte, como horizonte que lança uma luz de esperança sobre o presente. Assumindo a educação como fio condutor do compromisso pastoral desta década, quisestes expressar a certeza de que a existência cristã — a vida boa do Evangelho — é precisamente a demonstração de uma vida realizada. Ao longo deste caminho, vós assegurais um serviço não apenas religioso ou eclesial, mas também social, contribuindo para construir a cidade do homem. Portanto, coragem! Não obstante todas as dificuldades, «nada é impossível a Deus» (Lc 1,37), Àquele que continua a fazer «maravilhas» (Lc 1,49) através de quantos, como Maria, sabem entregar-se a Ele com uma disponibilidade incondicionada.

Coloquemos todo o povo italiano sob a protecção da Mater unitatis, a fim de que o Senhor lhe conceda os dons inestimáveis da paz e da fraternidade e, por conseguinte, do desenvolvimento solidário. Ajude as forças políticas a viver também o aniversário da Unidade como ocasião para fortalecer o vínculo nacional e superar todas as oposições preconceituosas: as diversas e legítimas sensibilidades, experiências e perspectivas possam recompor-se num contexto mais amplo, para procurar em conjunto aquilo que verdadeiramente beneficia o país. O exemplo de Maria abra o caminho para uma sociedade mais justa, madura e responsável, capaz de redescobrir os profundos valores do coração humano. A Mãe de Deus encoraje os jovens, sustente as famílias, conforte os enfermos e implore sobre todos uma renovada efusão do Espírito, ajudando-nos a reconhecer e a seguir também neste tempo o Senhor, que é o verdadeiro bem da vida, porque é a própria Vida.

De coração abençoo-vos a vós e às vossas comunidades.



ASSEMBLEIA DA CARITAS INTERNATIONALIS Sala Clementina Sexta-feira, 27 de Maio de 2011

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio
Prezados Irmãos e Irmãs!

Estou feliz por ter esta ocasião de me encontrar convosco, por ocasião da vossa Assembleia geral. Agradeço ao Cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, Presidente da Caritas Internationalis, as amáveis palavras que proferiu também em vosso nome, e dirijo uma saudação cordial a todos vós e a toda a família das Caritas. Além disso, asseguro-vos a minha gratidão e formulo-vos na oração os melhores bons votos para as obras de caridade cristã que levais a cabo em todos os países do mundo.

O primeiro motivo do nosso encontro hodierno é dar graças a Deus pelas numerosas bênçãos que concedeu à Igreja ao longo dos sessenta anos transcorridos desde a fundação da Caritas Internationalis. Depois dos horrores e das devastações da segunda guerra mundial, o Venerável Pio XII quis manifestar a solidariedade e a solicitude da Igreja inteira diante das numerosas situações de conflito e de emergência no mundo. E fê-lo, dando vida a um organismo que, a nível da Igreja universal, promovesse uma maior comunicação, coordenação e colaboração entre as numerosas organizações caritativas da Igreja nos vários continentes (cf. João Paulo II, Quirógrafo Durante a Última Ceia, 16 de Setembro de 2004, n. 1). Em seguida, o Beato João Paulo II reforçou ulteriormente os vínculos existentes entre cada uma das agências nacionais da Caritas, e entre elas e a Santa Sé, conferindo à Caritas Internationalis a personalidade jurídica canónica pública (cf. ibid., n. 3). Por conseguinte, aCaritas Internationalis assumiu um papel particular no coração da comunidade eclesial, e foi chamada a compartilhar, em colaboração com a Hierarquia eclesiástica, a missão da Igreja de manifestar, através da caridade vivida, aquele amor que é o próprio Deus. Deste modo, dentro dos limites das finalidades próprias que lhe são atribuídas, a Caritas Internationalisdesempenha em nome da Igreja uma tarefa específica em favor do bem comum (cf. Código de Direito Canónico,
CIC 116 § 1).

Estar no coração da Igreja, ser de certo modo capaz de falar e de agir em seu nome, em favor do bem comum, inclui responsabilidades particulares em termos de vida cristã, tanto pessoal como comunitária. Só com base num compromisso quotidiano a acolher e viver plenamente o amor a Deus é possível promover a dignidade de cada ser humano. Na minha primeira Encíclica, Deus Caritas est, desejei confirmar como é central o testemunho da caridade para a Igreja do nosso tempo. Através deste testemunho, que se torna visível na vida diária dos seus membros, a Igreja alcança milhões de homens e mulheres, tornando possível que eles reconheçam e sintam o amor de Deus, que está sempre próximo de cada pessoa que se encontre em necessidade. Para nós, cristãos, o próprio Deus é a fonte da caridade, e a caridade é entendida não só como uma filantropia genérica, mas como um dom de si, até ao sacrifício da própria vida, em favor dos outros, à imitação do exemplo de Jesus Cristo. A Igreja prolonga no tempo e no espaço a missão salvífica de Cristo: ela deseja alcançar cada ser humano, impelida pela vontade de que cada indivíduo consiga descobrir que nada pode separar-nos do amor de Cristo (cf. Rm Rm 8,35).

A Caritas Internationalis é diferente das outras agências sociais, porque constitui um organismo eclesial, que compartilha a missão da Igreja. É isto que os Sumos Pontífices sempre desejaram e é isto que a vossa Assembleia geral é chamada a afirmar com vigor. A este propósito, deve-se observar que a Caritas Internationalis é constituída fundamentalmente pelas várias Caritas nacionais. Diversamente de numerosas instituições e associações eclesiais dedicadas à caridade, as Caritas têm um perfil distintivo: apesar da variedade das formas canónicas assumidas pelas Caritas nacionais, todas elas constituem uma ajuda privilegiada para os Bispos, no seu exercício pastoral da caridade. Isto exige uma especial responsabilidade eclesial: deixar-se guiar pelos Pastores da Igreja. Além disso, dado que a Caritas Internationalis tem um perfil universal e é dotada de personalidade jurídica canónica pública, a Santa Sé tem a tarefa de seguir a sua actividade e de vigiar a fim de que tanto a sua obra humanitária e caritativa, como o conteúdo dos documentos difundidos, estejam em plena sintonia com a Sé Apostólica e com o Magistério da Igreja, e a fim de que ela seja administrada com competência e de modo transparente. Esta identidade distintiva é a força da Caritas Internationalis, e é isto que torna a sua obra particularmente eficaz.

Depois, gostaria de ressaltar que a vossa missão vos leva a desempenhar um papel importante a nível internacional. A experiência que acumulastes durante estes anos ensinou-vos a ser porta-vozes, na comunidade internacional, de uma sadia visão antropológica, alimentada pela doutrina católica e comprometida a defender a dignidade de toda a vida humana. Sem um fundamento transcendente, sem uma referência a Deus Criador, sem a consideração do nosso destino eterno, nós corremos o risco de ser vítimas de ideologias prejudiciais. Tudo quanto dizeis e realizais, o testemunho da vossa vida e das vossas actividades são importantes e contribuem para promover o bem integral da pessoa humana. A Caritas Internationalis é uma organização à qual compete o papel de favorecer a comunhão entre a Igreja universal e as Igrejas particulares, assim como a comunhão entre todos os fiéis no exercício da caridade. Ao mesmo tempo, ela é chamada a oferecer a sua contribuição para levar a mensagem da Igreja à vida política e social, a nível internacional. No campo político — e em todas aquelas áreas que se referem directamente à vida dos pobres — os fiéis, de modo especial os leigos, gozam de uma ampla liberdade de acção. Em matérias abertas ao livre debate, ninguém pode pretender falar «oficialmente» em nome de todos os leigos ou de todos os católicos (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Gaudium et spes ). Por outro lado cada católico, aliás, na verdade cada homem, é chamado a agir com consciência purificada e com coração generoso para promover de maneira decidida aqueles valores que muitas vezes eu defini como «não negociáveis». Por isso, a Caritas Internationalis é chamada a agir para converter os corações à abertura a todos, aos nossos irmãos e irmãs, a fim de que todos, no pleno respeito da própria liberdade e na completa assunção das suas responsabilidade pessoais, possam agir sempre e em toda a parte em benefício do bem comum, oferecendo generosamente o melhor de si ao serviço dos irmãos e das irmãs, de modo especial dos mais necessitados.

Portanto, é neste horizonte mais amplo e em estreita colaboração com os Pastores da Igreja, responsáveis últimos pelo testemunho da caridade (cf. Deus Caritas est ), que as Caritasnacionais são chamadas a continuar o seu testemunho fundamental do mistério do amor purificador e transformador de Deus, que se manifestou em Jesus Cristo. O mesmo é válido também para a Caritas Internationalis que, no esforço por desempenhar a sua missão, pode contar com a assistência e o apoio da Santa Sé — de maneira particular através do Dicastério competente, que é o Pontifício Conselho Cor Unum.

Estimados amigos, enquanto confio estes pensamentos à vossa reflexão, agradeço-vos novamente o vosso compromisso generoso ao serviço dos nossos irmãos mais necessitados. A vós, aos vossos colaboradores e a todos aqueles que estão comprometidos no vasto mundo das obras de caridade católicas, concedo de coração a minha Bênção Apostólica, em penhor de força e paz no Senhor.




NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA HUNGRIA Sala Paulo VI Sexta-feira, 27 de Maio de 2011

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Senhor Presidente da República
Senhores Cardeais
Ilustres Ministros e Autoridades
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Gentis Senhores e Senhoras

Desejo dirigir uma deferente saudação ao Presidente da República da Hungria, Senhor Pál Schmitt, à gentil Esposa e à Delegação húngara. Estou-lhe grato pelas palavras que me dirigiu e por me ter oferecido, com uma cortesia particular, este concerto maravilhoso, por ocasião da Presidência húngara do Conselho da União Europeia e do bicentenário do nascimento de Ferenc Liszt, artista verdadeiramente europeu.

Saúdo as outras Autoridades, os Senhores Embaixadores, as várias Personalidade e todos vós. Dirijo um agradecimento especial ao Director, ao Tenor, à Orquestra Filarmónica Nacional e ao Grupo Coral Nacional da Hungria, por esta execução de elevadíssimo nível, bem como aos organizadores.

Liszt, um dos maiores pianistas de todos os tempos, foi um compositor genial, não só de músicas para piano, mas também de música sinfónica e sacra, como acabámos de ouvir. Gostaria de vos propor um pensamento que me suscitou a escuta das primeiras três composições: Festmarsch zur Goethejubiläumsfeier, Vallée d’Obermann e Ave Maria-Die Glocken von Rom, o primeiro na reelaboração e os outros dois na transcrição do piano do Maestro Kotschisch, segundo o mais genuíno espírito lisztiano. Nestas três composições são postas em evidência todas as cores da orquestra; por isso, pudemos ouvir com clareza a voz particular das várias secções que formam um conjunto orquestral: os arcos, os sopros, as madeiras, os metais e as percussões. Timbres muito característicos e diferentes entre si. E no entanto não ouvimos um amontoado de sons desvinculados entre si: todas estas cores orquestrais expressaram harmoniosamente um único programa musical. E por isso ofereceram-nos a beleza e a alegria da escuta, suscitaram em nós uma vasta gama de sentimentos: da alegria e da festa da marcha, à seriedade da segunda composição, com uma melodia recorrente e pungente, até à atitude orante para a qual convidou a vigorosa Ave-Maria.

Uma palavra sobre o belíssimo Salmo XIII. Remonta aos anos em que Liszt permaneceu em Tívoli e em Roma; trata-se do período em que o compositor vive de modo intenso a sua fé, a ponto de produzir quase exclusivamente música sacra; recordemos que ele recebeu as ordens menores. O trecho que ouvimos deu-nos a ideia da qualidade e da profundidade desta fé. É um Salmo em que o orante se encontra em dificuldade, dado que o inimigo o circunda, assedia, e Deus parece ausente, parece tê-lo esquecido. E a oração torna-se angustiada diante desta situação de abandono: «Até quando, Senhor?», repete quatro vezes o Salmista. «Herr, wie lange?», repetem de modo quase martelante o tenor e o coro na composição que ouvimos: é o clamor do homem e da humanidade, que sentem o peso do mal existente no mundo; e a música de Liszt transmitiu-nos este sentido de peso, de angústia. Mas Deus não abandona. Sabe isto o Salmista, e também Liszt, como homem de fé. Da angústia nasce uma súplica repleta de confiança, que termina na alegria: «Exultará o meu coração na tua salvação... cantarei ao Senhor, que me abençoou». E aqui, a música de Liszt transforma-se: tenor, coro e orquestra elevam um hino de completa confiança a Deus, que nunca atraiçoa, jamais esquece, nunca nos deixa sozinhos. A propósito da sua Missa Solemnis, Liszt escrevia: «Posso dizer verdadeiramente que rezei esta Missa mais de quanto a compus». Penso que podemos dizer a mesma coisa sobre este Salmo: o grande músico húngaro rezou-o mais do que o compôs, ou melhor, rezou-o antes de o compor.

Renovo a minha gratidão ao Senhor Presidente da República, ao Director, ao Tenor, à Orquesta Filarmónica e ao Coro, assim como a todos os organizadores, por nos ter oferecido este momento em que o nosso coração foi convidado a elevar-se à altura de Deus.

O Senhor continue a abençoar a vossa vida. Obrigado a todos!



AOS MEMBROS DA CONGREGAÇÃO MARIANA MASCULINA DE REGENSBURG Sábado, 28 de Maio de 2011

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Estimado Senhor Presidente
Queridos membros!

Um cordial «Vergelt’s Gott» [«Deus vos recompense»] pela vossa visita, pelo dom, pelo facto de terdes tirado da gaveta uma data esquecida da minha vida. De facto, trata-se de uma data que não é simplesmente «passado»: a admissão na Congregação mariana olha para o futuro, e nunca é simplesmente um facto que já se verificou. Eis que, ainda depois de 70 anos, esta data pertence ao «hoje», uma data que indica o caminho para o «amanhã». Estou-vos grato por terdes «recordado» esta data e por isto me sinto feliz. Agradeço-lhe de coração, estimado Presidente, as suas gentis palavras que saíram do coração e vão ao coração. Naquela época eram tempos obscuros — havia a guerra. Hitler tinha submetido um depois do outro a Polónia, a Dinamarca, os Estados do Benelux, a França e em Abril de 1941 — precisamente naquela época, há 70 anos — tinha ocupado a Jugoslávia e a Grécia. Parecia que o Continente estava nas mãos deste poder que, ao mesmo tempo, punha em questão o futuro do cristianismo. Nós tínhamos sido admitidos na Congregação, mas pouco depois começou a guerra contra a Rússia; o seminário foi destituído e a Congregação — antes de se ter reunido, antes que se conseguisse reunir — já tinha sido dispersa aos quatro ventos. Assim, isto não entrou como «data exterior» da vida, porque desde sempre foi claro que a catolicidade não pode existir sem uma atitude mariana, que ser católico significa ser mariano, que isto significa o amor à Mãe, que na Mãe e pela Mãe encontramos o Senhor.

Aqui, através das visitas «ad limina» dos bispos, experimentamos constantemente como as pessoas — sobretudo na América Latina, mas também nos outros continentes — se podem confiar à Mãe e, através da Mãe, depois, aprendemos a conhecer, a compreender e a amar Cristo; experimento como a Mãe continua a dar à luz o Senhor no mundo, como Maria continua a dizer «sim» e a levar Cristo ao mundo. Quando estudávamos, depois da guerra — e penso que hoje não mudou muito, não penso que a situação melhorou muito — a mariologia que se ensinava nas universidades alemãs era um pouco austera e sóbria. Contudo penso que nela encontramos o essencial. Naquela época, orientávamo-nos para Guardini e para o livro do seu amigo, o pároco Josef Weiger, «Maria, Mutter der Glaubenden» (Maria, Mãe dos crentes), o qual se inspira nas palavras de Isabel: «Bem-Aventurada és tu, que acreditaste!» (cf. Lc
Lc 1,45). Maria é a grande crente. Ela reuniu a missão de Abraão na fé em Jesus Cristo, indicando assim a todos nós o caminho da fé, a coragem de nos confiar àquele Deus que se entrega nas nossas mãos, a alegria de ser suas testemunhas; e depois a sua determinação a permanecer firmes quando todos fugiram, a coragem de estar da parte do Senhor quando Ele parecia estar perdido, e precisamente desta forma prestar aquele testemunho que levou à Páscoa.

Por conseguinte, estou feliz por ouvir que na Baviera existem 40 mil membros; que ainda hoje existem homens que, juntamente com Maria, amam o Senhor e, como ela, dão testemunho do Senhor nos momentos difíceis e felizes; que estão com Ele, aos pés da Cruz e que continuam a viver jubilosamente a Páscoa com Ele. Agradeço portanto a todos vós porque mantendes alto este testemunho, porque sabemos que há homens católicos bávaros membros, que percorrem este caminho aberto pelos Jesuítas no século XVI, e que continuam a demonstrar que a fé não pertence ao passado, mas abre sempre a um «hoje» e, sobretudo, a um «amanhã».

«Vergelt’s Gott für alles» [Deus vos recompense por tudo], e Deus abençoe todos vós! Obrigado de coração.




AOS BISPOS DA ÍNDIA DE RITO LATINO EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Segunda-feira, 30 de Maio de 2011

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Sala do Consistório





Prezados Irmãos Bispos!

Dou-vos calorosas boas-vindas por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, um particular momento de graça e um sinal da comunhão que existe entre a Igreja na Índia e a Sé de Pedro. Desejo agradecer ao Arcebispo Maria Callist Soosa Pakiam os devotos sentimentos e a promessa de orações que manifestou em vosso nome e de quantos servis. Peço-vos que transmitais a minha saudação afectuosa aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos leigos confiados à vossa solicitude pastoral.

O Concílio Vaticano II recorda-nos que, entre os deveres mais importantes dos Bispos, sobressai a pregação do Evangelho (cf. Lumen gentium
LG 25). Com efeito a Igreja, Corpo de Cristo, proclama a palavra de Deus que age no coração de quantos crêem (cf. 1Th 2,13) e cresce sempre ouvindo, celebrando e estudando esta Palavra (cf. Verbum Domini, n. 3). É motivo de satisfação o facto de que o anúncio da Palavra de Deus está a produzir frutos espirituais abundantes nas vossas Igrejas particulares, de modo especial através da propagação de pequenas comunidades cristãs, em que os fiéis se reúnem para rezar, meditar sobre as Escrituras e para se ajudar fraternamente. Encorajo-vos, mediante os vossos sacerdotes e com a ajuda de responsáveis leigos qualificados, a garantir que a plenitude da Palavra de Deus, que chega até nós através das Sagradas Escrituras e da tradição apostólica da Igreja, seja prontamente disponível a quantos procuram aprofundar o conhecimento e o amor do Senhor e a própria obediência à sua vontade. Deveríamos fazer tudo para ressaltar que a oração individual e comunitária, pela sua própria natureza, deriva da nascente de graça que se encontra nos sacramentos da Igreja e em toda a sua vida litúrgica, e para ela reconduz. Também não podemos esquecer que a Palavra de Deus não só conforta, mas também desafia os fiéis, como indivíduos e como membros de comunidades, a promover a justiça, a reconciliação e a paz entre si e na sociedade no seu conjunto. Através do vosso encorajamento e da vossa supervisão pessoais, que as sementes da Palavra lançadas agora nas vossas Igrejas particulares produzam frutos abundantes para a salvação das almas e para o crescimento do Reino de Deus.

Em fidelidade ao novo mandamento de nos amarmos uns aos outros como Deus nos amou (cf. Jn 13,34), os cristãos de todos os tempos e de todos os lugares lutaram para servir os outros seres humanos, seus companheiros, e para os amar de todo o coração. Afinal, o amor é o dom de Deus à humanidade, é a sua promessa e a nossa esperança (cf. Caritas in veritate ). Este amor generoso encontra expressão concreta no serviço ao próximo e à comunidade mais ampla. Nesta luz, estou feliz por observar os sinais incisivos da caridade da Igreja em numerosos campos da obra social, um serviço que foi iniciado, em particular, pelos seus sacerdotes e religiosos. Através do seu testemunho da caridade cristã, as escolas da Igreja preparam os jovens de todos os credos, ou até de nenhuma crença, a edificar uma sociedade mais justa e pacífica. Os organismos da Igreja foram muito úteis na promoção do microcrédito, contribuindo para que os pobres se ajudem a si mesmos. Além disso, fomentam a missão eclesial relativa à caridade e à saúde mediante clínicas, orfanatos, hospitais e numerosos outros projectos destinados a promover a dignidade e o bem-estar do homem, assistindo as pessoas mais pobres e frágeis, os indivíduos sozinhos e idosos, abandonados e sofredores, ajudando todos em virtude da dignidade que lhes é devida enquanto seres humanos, e por nenhum outro motivo, a não ser pelo amor de Cristo que nos constrange (cf. 2Co 5,14). Animo-vos a perseverar neste testemunho positivo e concreto, em fidelidade ao mandamento do Senhor e para o bem dos últimos dentre os nossos irmãos e irmãs. Que os fiéis em Cristo na Índia continuem a assistir todos os necessitados no seio das comunidades que se encontram ao seu redor, independentemente da raça, da pertença étnica, da religião ou do status social, persuadidos do facto que todos foram criados à imagem de Deus, e merecem o mesmo respeito.

Enquanto dádiva de «amor incondicionado», que dá significado definitivo à nossa vida (cf. Spe salvi ), a caridade é primeiro vivida pela maior parte de nós, no seio dos respectivos lares. O recente Sínodo sobre a Palavra de Deus recordou que a Igreja, com o seu anúncio do Evangelho, revela às famílias cristãs a sua identidade autêntica, em conformidade com o desígnio de Deus (cf. Verbum Domini, n. 85). Nas vossas dioceses as famílias, que são «igrejas domésticas», devem ser exemplos daquele amor, respeito e sustentáculo recíproco, que deveriam animar os relacionamentos humanos a todos os níveis. Enquanto estão atentas à oração, à meditação das Escrituras e à plena participação na vida sacramental da Igreja, contribuirão para alimentar «aquele amor incondicionado entre si e na vida das próprias paróquias, e serão uma fonte de grande bem para a comunidade mais vasta. Muitos de vós já me falaram sobre os graves desafios que ameaçam debilitar a unidade, a harmonia e a santidade da família e da obra que temos o dever de realizar para criar uma cultura de respeito pelo matrimónio e pela vida familiar. Uma catequese sadia que vise principalmente quantos se preparam para o matrimónio contribuirá em grande medida para alimentar a fé das famílias cristãs, ajudando-as a dar um testemunho vibrante e vivo da sabedoria secular da Igreja a propósito do matrimónio, da família e de uma sexualidade responsável, que constitui uma dádiva de Deus.

Estimados Irmãos Bispos, com estas reflexões confio todos vós à intercessão dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, bem como de Maria, Mãe da Igreja. Assegurando-vos as minhas preces constantes, por vós e por quantos estão confiados à vossa solicitude pastoral, concedo-vos a minha Bênção Apostólica em penhor de graça e de paz no Senhor ressuscitado.




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