Discursos Bento XVI 11520

ACOLHIMENTO OFICIAL Aeroporto da Portela, Lisboa Terça-feira, 11 de Maio de 2010

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Senhor Presidente da República,
Ilustres Autoridades da Nação,
Venerados Irmãos no Episcopado,
Senhoras e Senhores!

Só agora me foi possível aceder aos amáveis convites do Senhor Presidente e dos meus Irmãos Bispos para visitar esta amada e antiga Nação, que comemora no corrente ano um século da proclamação da República. Ao pisar o seu solo pela primeira vez desde que a Providência divina me chamou à Sé de Pedro, sinto-me honrado e agradecido pela presença deferente e acolhedora de todos vós. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas cordiais expressões de boas-vindas, dando voz aos sentimentos e esperanças do bom povo português. Para todos, independentemente da sua fé e religião, vai a minha saudação amiga, com um pensamento particular para quantos não podem vir ao meu encontro. Venho como peregrino de Nossa Senhora de Fátima, investido pelo Alto na missão de confirmar os meus irmãos que avançam na sua peregrinação a caminho do Céu.

Logo aos alvores da nacionalidade, o povo português voltou-se para o Sucessor de Pedro esperando na sua arbitragem para ver reconhecida a própria existência como Nação; mais tarde, um meu Predecessor havia de honrar Portugal, na pessoa do seu Rei, com o título de fidelíssimo (cf. Pio II, Bula Dum tuam, 25/I/1460), por altos e continuados serviços à causa do Evangelho. Que depois, há 93 anos, o Céu se abrisse precisamente sobre Portugal – como uma janela de esperança que Deus abre quando o homem lhe fecha a porta – para reatar, no seio da família humana, os laços da solidariedade fraterna assente no mútuo reconhecimento de um só e mesmo Pai, trata-se de um amoroso desígnio de Deus; não dependeu do Papa nem de qualquer outra autoridade eclesial: «Não foi a Igreja que impôs Fátima – diria o Cardeal Manuel Cerejeira, de veneranda memória –, mas Fátima que se impôs à Igreja».

Veio do Céu a Virgem Maria para nos recordar verdades do Evangelho que são para a humanidade, fria de amor e desesperada de salvação, fonte de esperança. Naturalmente esta esperança tem como dimensão primária e radical, não a relação horizontal, mas a vertical e transcendente. A relação com Deus é constitutiva do ser humano: foi criado e ordenado para Deus, procura a verdade na sua estrutura cognitiva, tende ao bem na esfera volitiva, é atraído pela beleza na dimensão estética. A consciência é cristã na medida em que se abre à plenitude da vida e da sabedoria, que temos em Jesus Cristo. A visita, que agora inicio sob o signo da esperança, pretende ser uma proposta de sabedoria e de missão.

De uma visão sábia sobre a vida e sobre o mundo deriva o ordenamento justo da sociedade. Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido à qual se entrega a própria liberdade. O que divide é o valor dado à problemática do sentido e a sua implicação na vida pública. A viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam, em contextos culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida mudança. Os sofrimentos causados pelas mutações foram enfrentados geralmente com coragem. Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.

Queridos irmãos e amigos portugueses, agradeço-vos uma vez mais as calorosas boas-vindas. Deus abençoe a quantos aqui se encontram e todos os habitantes desta nobre e dilecta Nação, que confio a Nossa Senhora de Fátima, imagem sublime do amor de Deus que a todos abraça como filhos.



SAUDAÇÃO Palácio de Belém - Lisboa, Terça-feira, 11 de Maio de 2010

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Queridos Amigos!

No âmbito da minha visita ao Senhor Presidente, não podia deixar de vos ver e saudar a vós que colaborais para bem servir os altos objectivos da Presidência da República e cuidar deste belo Palácio e a quantos nele vivem ou são recebidos. Pelo que me diz respeito, o meu sincero agradecimento com votos do melhor êxito nas respectivas funções. Asseguro-vos uma especial recordação nas minhas orações de cada um e cada uma de vós com os seus familiares. Queira o bom Deus do Céu abençoar-vos e fortalecer-vos com a sua graça e a sua luz para poderdes, através da consideração que demonstrais uns pelos outros no lugar de trabalho e mediante a vossa solicitude pelo bem comum que servis, favorecer no centenário da República Portuguesa uma sociedade mais justa e um futuro melhor para todos. Sobre todos, desça a bênção de Deus Todo-Poderoso Pai, Filho e Espírito Santo.


AOS JOVENS REUNIDOS DIANTE DA NUNCIATURA APOSTÓLICA - Lisboa Terça-feira, 11 de Maio de 2010

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Queridos amigos,

Gostei da participação viva e numerosa dos jovens na Eucaristia desta tarde no Terreiro do Paço, dando provas da sua fé e vontade de construir o futuro sobre o Evangelho de Jesus Cristo. Obrigado pelo testemunho jubiloso que prestais a Cristo, eternamente jovem, e pelo carinho que manifestais ao seu pobre Vigário na terra com esta serenata. Viestes desejar-me a boa-noite, e de coração vo-lo agradeço; mas agora tendes de me deixar dormir, senão a noite não seria boa, e o dia de amanhã está à nossa espera.

Sinto-me feliz por poder unir-me à multidão dos peregrinos de Fátima no décimo aniversário da Beatificação de Francisco e Jacinta. Estes, com a ajuda de Nossa Senhora, aprenderam a ver a luz de Deus nos seus corações e a adorá-la na sua vida. Que a Virgem Maria vos alcance a mesma graça e vos proteja! Continuo a contar convosco e com as vossas orações para que esta Visita a Portugal seja frutuosa. E agora, com grande afecto vos dou a minha Bênção, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Boa noite! Até amanhã.

Muito obrigado!


ENCONTRO COM O MUNDO DA CULTURA Centro Cultural de Belém - Lisboa Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

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Venerados Irmãos no Episcopado,
Distintas Autoridades,
Ilustres Cultores do Pensamento, da Ciência e da Arte,
Queridos amigos,

Sinto grande alegria em ver aqui reunido o conjunto multiforme da cultura portuguesa, que vós tão dignamente representais: Mulheres e homens empenhados na pesquisa e edificação dos vários saberes. A todos testemunho a mais alta amizade e consideração, reconhecendo a importância do que fazem e do que são. Às prioridades nacionais do mundo da cultura, com benemérito incentivo das mesmas, pensa o Governo, aqui representado pela Senhora Ministra da Cultura, para quem vai a minha deferente e grata saudação. Obrigado a quantos tornaram possível este nosso encontro, nomeadamente à Comissão Episcopal da Cultura com o seu Presidente, Dom Manuel Clemente, a quem agradeço as expressões de cordial acolhimento e a apresentação da realidade polifónica da cultura portuguesa, aqui representada por alguns dos seus melhores protagonistas, de cujos sentimentos e expectativas se fez porta-voz o cineasta Manoel de Oliveira, de veneranda idade e carreira, a quem saúdo com admiração e afecto juntamente com vivo reconhecimento pelas palavras que me dirigiu, deixando transparecer ânsias e disposições da alma portuguesa no meio das turbulências da sociedade actual.

De facto, a cultura reflecte hoje uma «tensão», que por vezes toma formas de «conflito», entre o presente e a tradição. A dinâmica da sociedade absolutiza o presente, isolando-o do património cultural do passado e sem a intenção de delinear um futuro. Mas uma tal valorização do «presente» como fonte inspiradora do sentido da vida, individual e em sociedade, confronta-se com a forte tradição cultural do Povo Português, muito marcada pela milenária influência do cristianismo, com um sentido de responsabilidade global, afirmada na aventura dos Descobrimentos e no entusiasmo missionário, partilhando o dom da fé com outros povos. O ideal cristão da universalidade e da fraternidade inspiravam esta aventura comum, embora a influência do iluminismo e do laicismo se tivesse feito sentir também. A referida tradição originou aquilo a que podemos chamar uma «sabedoria», isto é, um sentido da vida e da história, de que fazia parte um universo ético e um «ideal» a cumprir por Portugal, que sempre procurou relacionar-se com o resto do mundo.

A Igreja aparece como a grande defensora de uma sã e alta tradição, cujo rico contributo coloca ao serviço da sociedade; esta continua a respeitar e a apreciar o seu serviço ao bem comum, mas afasta-se da referida «sabedoria» que faz parte do seu património. Este «conflito» entre a tradição e o presente exprime-se na crise da verdade, pois só esta pode orientar e traçar o rumo de uma existência realizada, como indivíduo e como povo. De facto, um povo, que deixa de saber qual é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objectivos grandiosos claramente enunciados. Prezados amigos, há toda uma aprendizagem a fazer quanto à forma de a Igreja estar no mundo, levando a sociedade a perceber que, proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes novos de futuro, de grandeza e dignidade. Com efeito, a Igreja «tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do ser humano, da sua dignidade, da sua vocação. […] A fidelidade à pessoa humana exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf.
Jn 8,32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é irrenunciável» (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate ). Para uma sociedade composta na sua maioria por católicos e cuja cultura foi profundamente marcada pelo cristianismo, é dramático tentar encontrar a verdade sem ser em Jesus Cristo. Para nós, cristãos, a Verdade é divina; é o «Logos» eterno, que ganhou expressão humana em Jesus Cristo, que pôde afirmar com objectividade: «Eu sou a verdade» (Jn 14,6). A convivência da Igreja, na sua adesão firme ao carácter perene da verdade, com o respeito por outras «verdades» ou com a verdade dos outros é uma aprendizagem que a própria Igreja está a fazer. Nesse respeito dialogante, podem abrir-se novas portas para a comunicação da verdade.

«A Igreja – escrevia o Papa Paulo VI – deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, a Igreja torna-se mensagem, a Igreja faz-se diálogo» (Enc. Ecclesiam suam, 67). De facto, o diálogo sem ambiguidades e respeitoso das partes nele envolvidas é hoje uma prioridade no mundo, à qual a Igreja não se subtrai. Disso mesmo dá testemunho a presença da Santa Sé em diversos organismos internacionais, nomeadamente no Centro Norte-Sul do Conselho da Europa instituído há 20 anos aqui em Lisboa, tendo como pedra angular o diálogo intercultural a fim de promover a cooperação entre a Europa, o Sul do Mediterrâneo e a África e construir uma cidadania mundial fundada sobre os direitos humanos e as responsabilidades dos cidadãos, independentemente da própria origem étnica e adesão política, e respeitadora das crenças religiosas. Constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de beleza.

Esta é uma hora que reclama o melhor das nossas forças, audácia profética, capacidade renovada de «novos mundos ao mundo ir mostrando», como diria o vosso Poeta nacional (Luís de Camões, Os Lusíadas, II, 45). Vós, obreiros da cultura em todas as suas formas, fazedores do pensamento e da opinião, «tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. […] E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita» (Discurso no encontro com os Artistas, 21/XI/2009).

Foi para «pôr o mundo moderno em contacto com as energias vivificadoras e perenes do Evangelho» (João XXIII, Const. ap. Humanae salutis, 3) que se fez o Concílio Vaticano II, no qual a Igreja, a partir de uma renovada consciência da tradição católica, assume e discerne, transfigura e transcende as críticas que estão na base das forças que caracterizaram a modernidade, ou seja, a Reforma e o Iluminismo. Assim a Igreja acolhia e recriava por si mesma, o melhor das instâncias da modernidade, por um lado, superando-as e, por outro, evitando os seus erros e becos sem saída. O evento conciliar colocou as premissas de uma autêntica renovação católica e de uma nova civilização – a «civilização do amor» - como serviço evangélico ao homem e à sociedade.

Caros amigos, a Igreja sente como sua missão prioritária, na cultura actual, manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas. Convido-vos a aprofundar o conhecimento de Deus tal como Ele Se revelou em Jesus Cristo para a nossa total realização. Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza. Interceda por vós Santa Maria de Belém, venerada há séculos pelos navegadores do oceano e hoje pelos navegantes do Bem, da Verdade e da Beleza.


BÊNÇÃO DAS VELAS - ORAÇÃO DO SANTO ROSÁRIO Esplanada do Santuário de Fátima Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

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Queridos peregrinos,

Todos juntos, com a vela acesa na mão, lembrais um mar de luz à volta desta singela capelinha, amorosamente erguida em honra da Mãe de Deus e nossa Mãe, cujo caminho da terra ao céu foi visto pelos pastorinhos como um rasto de luz. Contudo nem Ela nem nós gozamos de luz própria: recebemo-la de Jesus. A sua presença em nós renova o mistério e o apelo da sarça ardente, o mesmo que outrora atraiu Moisés no monte Sinai e não cessa de fascinar a quantos se dão conta duma luz particular em nós que arde sem nos consumir (cf. Ex
Ex 3,2-5). Por nós, não passamos de mísero silvado, sobre o qual pousou a glória de Deus. A Ele toda a glória, a nós a humilde confissão do próprio nada e a submissa adoração dos desígnios divinos que estarão cumpridos quando «Deus for tudo em todos» (cf. 1Co 15,28). Serva incomparável de tais desígnios é a Virgem cheia de graça: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38).

Queridos peregrinos, imitemos Maria, fazendo ressoar em nossa vida o seu «faça-se»! A Moisés, Deus ordenara: «Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é terra sagrada» (Ex 3,5). E ele assim fez; calçará de novo as sandálias, para ir libertar o seu povo da escravidão do Egipto e conduzi-lo à terra prometida. Não se trata simplesmente da posse dum pedaço de terreno ou dum território nacional que cada povo tem o direito de ter; na luta pela libertação de Israel e no seu êxodo do Egipto, o que aparece primeiro é sobretudo o direito à liberdade de adoração, à liberdade de um culto próprio. No decorrer da história do povo eleito, a promessa da terra acabou por assumir cada vez mais este significado: a terra é dada para que haja um lugar da obediência, para que exista um espaço aberto a Deus.

No nosso tempo em que a fé, em vastas zonas da terra, corre o perigo de apagar-se como uma chama que já não recebe alimento, a prioridade que está acima de todas é tornar Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus. Não a um deus qualquer, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cujo rosto reconhecemos no amor levado até ao extremo (cf. Jn 13,1) em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Queridos irmãos e irmãs, adorai Cristo Senhor em vossos corações (cf. 1P 3,15)! Não tenhais medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé, fazendo resplandecer aos olhos dos vossos contemporâneos a luz de Cristo, tal como a Igreja canta na noite da Vigília Pascal que gera a humanidade como família de Deus.

Irmãos e irmãs, neste lugar é impressionante observar como três crianças se renderam à força interior que as invadiu nas aparições do Anjo e da Mãe do Céu. Aqui, onde tantas vezes se nos pediu que rezemos o Terço, deixemo-nos atrair pelos mistérios de Cristo, os mistérios do Rosário de Maria. A oração do Terço permite-nos fixar o nosso olhar e o nosso coração em Jesus, como sua Mãe, modelo insuperável da contemplação do Filho. Ao meditar os mistérios gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos ao longo das «Ave Marias», contemplamos todo o mistério de Jesus, desde a Encarnação até à Cruz e à glória da Ressurreição; contemplamos a participação íntima de Maria neste mistério e a nossa vida em Cristo hoje, também ela tecida de momentos de alegria e de dor, de sombras e de luz, de trepidação e de esperança. A graça invade o nosso coração no desejo de uma incisiva e evangélica mudança de vida de modo a poder proclamar com São Paulo: «Para mim viver é Cristo» (Ph 1,21), numa comunhão de vida e de destino com Cristo.

Sinto que me acompanham a devoção e o afecto dos fiéis aqui reunidos e do mundo inteiro. Trago comigo as preocupações e as esperanças deste nosso tempo e as dores da humanidade ferida, os problemas do mundo e venho colocá-los aos pés de Nossa Senhora de Fátima: Virgem Mãe de Deus e nossa Mãe querida, intercedei por nós junto de vosso Filho para que todas as famílias dos povos, quer as que se distinguem pelo nome cristão quer as que ainda ignoram o seu Salvador, vivam em paz e concórdia até se reunirem finalmente num só povo de Deus, para glória da santíssima e indivisível Trindade. Amen.




ENCONTRO COM AS ORGANIZAÇÕES DA PASTORAL SOCIAL Igreja da SS.ma Trindade - Fátima Quinta-feira, 13 de Maio de 2010

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Queridos irmãos e amigos,

Ouvistes Jesus dizer: «Vai e faz o mesmo» (
Lc 10,37). Recomenda-nos que façamos nosso o estilo do bom samaritano, cujo exemplo acaba de ser proclamado, ao aproximar-nos das situações carentes de ajuda fraterna. E qual é esse estilo? «É “um coração que vê”. Este coração vê onde há necessidade de amor e actua em consequência» (Bento XVI, Enc. Deus caritas est ). Assim fez o bom samaritano. Jesus não se limita a recomendar; como ensinam os Santos Padres, o Bom Samaritano é Ele, que Se faz próximo de todos os homens e «derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança» (Missal Romano, Prefácio Comum VIII) e os conduz à estalagem, que é a Igreja, onde os faz tratar, confiando-os aos seus ministros e pagando pessoalmente de antemão pela cura. «Vai e faz o mesmo»! O amor incondicionado de Jesus que nos curou há-de converter-se em amor entregue gratuita e generosamente, através da justiça e da caridade, para vivermos com um coração de bom samaritano.

É com grande alegria que me encontro convosco neste lugar bendito que Deus escolheu para recordar à humanidade, através de Nossa Senhora, os seus desígnios de amor misericordioso. Saúdo com grande amizade cada pessoa aqui presente e as entidades a que pertencem, na diversidade de rostos unidos na reflexão das questões sociais e sobretudo na prática da compaixão, voltada para os pobres, os doentes, os presos, os sós e desamparados, as pessoas com deficiência, as crianças e os idosos, os migrantes, os desempregados e os sujeitos a carências que lhes perturbam a dignidade de pessoas livres. Obrigado, Dom Carlos Azevedo, pelo preito de união e fidelidade à Igreja e ao Papa que prestou tanto da parte desta assembleia da caridade como da Comissão Episcopal de Pastoral Social a que preside e que não cessa de estimular esta imensa sementeira de bem-fazer em Portugal inteiro. Cientes, como Igreja, de não poderdes dar soluções práticas a todos os problemas concretos, mas despojados de qualquer tipo de poder, determinados ao serviço do bem comum, estais prontos a ajudar e a oferecer os meios de salvação a todos.

Queridos irmãos e irmãs que operais no vasto mundo da caridade, «Cristo ensina-nos que “Deus é amor” (1Jn 4,8) e simultaneamente ensina-nos que a lei fundamental da perfeição humana e, consequentemente, também da transformação do mundo é o novo mandamento do amor. Portanto aqueles que crêem na caridade divina têm a certeza d’Ele que a estrada da caridade está aberta a todos os homens» (Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Gaudium et spes GS 38). O cenário actual da história é de crise sócio-económica, cultural e espiritual, pondo em evidência a oportunidade de um discernimento orientado pela proposta criativa da mensagem social da Igreja. O estudo da sua doutrina social, que assume como principal força e princípio a caridade, permitirá marcar um processo de desenvolvimento humano integral que adquira profundidade de coração e alcance maior humanização da sociedade (cf. Bento XVI, Enc. Caritas in veritate ). Não se trata de puro conhecimento intelectual, mas de uma sabedoria que dê sabor e tempero, ofereça criatividade às vias cognoscitivas e operativas para enfrentar tão ampla e complexa crise. Que as instituições da Igreja, unidas a todas as organizações não eclesiais, melhorem as suas capacidades de conhecimento e orientações para uma nova e grandiosa dinâmica que conduza para «aquela civilização do amor, cuja semente Deus colocou em todo o povo e cultura» (Ibid., 33).

Na sua dimensão social e política, esta diaconia da caridade é própria dos leigos, chamados a promover organicamente o bem comum, a justiça e a configurar rectamente a vida social (cf. Bento XVI, Enc. Deus caritas est ). Consta das vossas conclusões pastorais, resultantes de reflexões recentes, formar uma nova geração de líderes servidores. A atracção de novos agentes leigos para este campo pastoral merecerá certamente especial cuidado dos pastores, atentos ao futuro. Quem aprende de Deus Amor será inevitavelmente pessoa para os outros. Realmente, «o amor de Deus revela-se na responsabilidade pelo outro» (Bento XVI, Enc. Spe salvi ). Unidos a Cristo na sua consagração ao Pai, somos tomados pela sua compaixão pelas multidões que pedem justiça e solidariedade e, como o bom samaritano da parábola, esforçamo-nos por dar respostas concretas e generosas.

Muitas vezes, porém, não é fácil conseguir uma síntese satisfatória da vida espiritual com a acção apostólica. A pressão exercida pela cultura dominante, que apresenta com insistência um estilo de vida fundado sobre a lei do mais forte, sobre o lucro fácil e fascinante, acaba por influir sobre o nosso modo de pensar, os nossos projectos e as perspectivas do nosso serviço, com o risco de esvaziá-los da motivação da fé e da esperança cristã que os tinha suscitado. Os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade impelem-nos a buscar soluções que estejam na lógica da eficácia, do efeito visível e da publicidade. E todavia a referida síntese é absolutamente necessária para poderdes, amados irmãos, servir Cristo na humanidade que vos espera. Neste mundo dividido, impõe-se a todos uma profunda e autêntica unidade de coração, de espírito e de acção.

No meio de tantas instituições sociais que servem o bem comum, próximas de populações carenciadas, contam-se as da Igreja Católica. Importa que seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dos seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios. A firmeza da identidade das instituições é um serviço real, com grandes vantagens para os que dele beneficiam. Passo fundamental, além da identidade e unido a ela, é conceder à actividade caritativa cristã autonomia e independência da política e das ideologias (cf. Bento XVI, Enc. Deus caritas est ), ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns.

As vossas actividades assistenciais, educativas ou caritativas sejam completadas com projectos de liberdade que promovam o ser humano, na busca da fraternidade universal. Aqui se situa o urgente empenhamento dos cristãos na defesa dos direitos humanos, preocupados com a totalidade da pessoa humana nas suas diversas dimensões. Exprimo profundo apreço a todas aquelas iniciativas sociais e pastorais que procuram lutar contra os mecanismos sócio-económicos e culturais que levam ao aborto e que têm em vista a defesa da vida e a reconciliação e cura das pessoas feridas pelo drama do aborto. As iniciativas que visam tutelar os valores essenciais e primários da vida, desde a sua concepção, e da família, fundada sobre o matrimónio indissolúvel de um homem com uma mulher, ajudam a responder a alguns dos mais insidiosos e perigosos desafios que hoje se colocam ao bem comum. Tais iniciativas constituem, juntamente com muitas outras formas de compromisso, elementos essenciais para a construção da civilização do amor.

Tudo isto bem se enquadra na mensagem de Nossa Senhora que ressoa neste lugar: a penitência, a oração, o perdão que visa a conversão dos corações. Esta é a estrada para se construir a referida civilização do amor, cujas sementes Deus lançou no coração de todo o homem e que a fé em Cristo Salvador faz germinar. Obrigado!



SAUDAÇÃO AOS FIÉIS REUNIDOS NA AVENIDA DOS ALIADOS Câmara Municipal do Porto Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

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Queridos Irmãos e Amigos,

Sinto-me feliz por me encontrar entre vós e agradeço o festivo e cordial acolhimento que me reservastes no Porto, a «Cidade da Virgem». À sua protecção materna, confio as vossas vidas e famílias, as vossas comunidades e estruturas ao serviço do bem comum, nomeadamente as universidades desta cidade cujos estudantes se reuniram e me fizeram saber da sua gratidão e adesão ao magistério do Sucessor de Pedro.

Obrigado pela presença e pelo testemunho da vossa fé. Agradeço novamente a quantos cooperaram de diversos modos para a preparação e a realização desta minha visita, para a qual vos preparastes sobretudo com a oração. Teria acedido de boa vontade ao convite para prolongar a minha permanência na vossa cidade, mas não me é possível. Permiti, pois, que parta, abraçando-vos a todos carinhosamente em Cristo, nossa Esperança, enquanto vos abençoo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.


CERIMÓNIA DE DESPEDIDA Aeroporto Internacional de Porto Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

14520

Senhor Presidente da República,
Ilustres Autoridades,
Amados Irmãos no Episcopado
Queridos amigos,

No termo da minha visita, repassa no meu espírito a densidade de tantos momentos vividos nesta peregrinação a Portugal. Levo guardada na alma a cordialidade do vosso acolhimento afectuoso, a forma tão calorosa e espontânea como se cimentaram os laços de comunhão com os grupos humanos com quem pude contactar, o empenhamento que significou a preparação e a realização do programa pastoral planeado.

Neste momento da despedida, exprimo a todos a minha sincera gratidão: ao Senhor Presidente da República, que me honrou com a sua presença desde que cheguei até aqui, aos meus irmãos Bispos com quem renovei a profunda união no serviço do Reino de Cristo, ao Governo e a todas as autoridades civis e militares, que se desdobraram em visível dedicação ao longo de toda a viagem. Bem hajam! Os meios de comunicação social permitiram-me chegar a muitas pessoas a quem não era possível contactar na proximidade. Também lhes estou muito grato.

Para todos os portugueses, fiéis católicos ou não, aos homens e mulheres que aqui vivem, mesmo sem aqui terem nascido, vai a minha saudação na hora da despedida. Não cesse entre vós de crescer a concórdia, essencial para uma sólida coesão, caminho necessário para enfrentar com responsabilidade comum os desafios com que vos debateis. Continue esta gloriosa Nação a manifestar a grandeza de alma, profundo sentido de Deus, abertura solidária, pautada por princípios e valores bebidos no humanismo cristão. Em Fátima, rezei pelo mundo inteiro pedindo que o futuro traga maior fraternidade e solidariedade, um maior respeito recíproco e uma renovada confiança e confidência em Deus, nosso Pai que está nos céus.

Foi uma alegria para mim ser testemunha da fé e devoção da comunidade eclesial portuguesa. Pude verificar a energia entusiasta das crianças e dos jovens, a adesão fiel dos presbíteros, diáconos e religiosos, a dedicação pastoral dos bispos, a procura livre da verdade e da beleza patente no mundo da cultura, a criatividade dos agentes de pastoral social, a vibração da fé dos fiéis nas dioceses que visitei. O meu desejo é que a minha visita se torne incentivo para um renovado impulso espiritual e apostólico. Que o Evangelho seja acolhido na sua integridade e testemunhado com paixão por todos os discípulos de Cristo, a fim de que se revele como fermento de autêntica renovação de toda a sociedade!

Desça sobre Portugal e todos os seus filhos e filhas a minha Bênção Apostólica, portadora de esperança, de paz e de coragem, que imploro de Deus pela intercessão de Nossa Senhora de Fátima, a quem manifestais tanta confiança e firme amor. Continuemos a caminhar na esperança! Adeus!





À SENHORA HISSA ABDULLA AHMED AL-OTAIBA, PRIMEIRA EMBAIXADORA DOS EMIRADOS ÁRABES UNIDOS JUNTO DA SANTA SÉ Quinta-feira, 20 de Maio de 2010

20050
Excelência!

É-me grato dar-lhe as boas-vindas ao Vaticano e aceitar as Cartas que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária dos Emirados Árabes Unidos junto da Santa Sé. Nesta notável ocasião, pedir-lhe-ia que transmitisse as minhas saudações a Sua Alteza o Xeque Califa Bin Zayed Al Nahayan. Tenha a amabilidade de lhe assegurar a minha gratidão pelos bons votos que Vossa Excelência acabou de me manifestar em seu nome, assim como as minhas preces pelo seu bem-estar e por aquele de todo o povo dos Emirados.

Dado que as relações diplomáticas entre a Santa Sé e os Emirados Árabes Unidos só foram estabelecidas recentemente, a sua presença hoje aqui, como primeira Embaixadora do seu país junto da Santa Sé, constitui um acontecimento particularmente auspicioso. Durante uma celebração conjunta com outros Embaixadores, realizada no dia 15 de Abril de 2008, o Presidente dos Emirados Árabes Unidos observou que o Representante pontifício "exerce uma missão particular, que visa acima de tudo a preservação da fé em Deus e a promoção do diálogo intercultural e inter-religioso". A fé no Todo-Poderoso não pode deixar de conduzir ao amor entre os irmãos, pois como escrevi recentemente, "o amor caritas é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz" (Caritas in veritate ).

O amor a Deus e o respeito pela dignidade do próximo motivam a diplomacia da Santa Sé e forjam a missão de serviço à comunidade internacional da Igreja católica. A acção da Igreja no campo das relações diplomáticas promove a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento integral, e desta forma incentiva o progresso autêntico de todos, sem considerar a raça, a cor ou o credo. Efectivamente, cada política, cultura, tecnologia e desenvolvimento tem em vista homens e mulheres, entendidos como únicos na sua natureza recebida de Deus. Reduzir as finalidades destes empreendimentos humanos meramente ao lucro ou a uma vantagem significaria correr o risco de perder de vista a centralidade da pessoa humana na sua integridade como bem primário a ser salvaguardado e valorizado, dado que o homem é a fonte, o fulcro e a finalidade de toda a vida económica e social (cf. Caritas in veritate ). Deste modo, a Santa Sé e a Igreja católica preocupam-se em salientar a dignidade do homem, a fim de conservar uma visão clara e autêntica da humanidade no plano internacional e em vista de concentrar uma nova energia ao serviço daquilo que é melhor para o desenvolvimento dos povos e das nações.

Excelência, não obstante as dificuldades, os Emirados Árabes Unidos têm alcançado um notável crescimento económico ao longo dos últimos anos. Neste contexto, o seu país tem acolhido muitas centenas de milhares de estrangeiros que partem em busca de trabalho e de um futuro financeiro mais seguro para si mesmos e para as respectivas famílias. Eles enriquecem o Estado não apenas com o seu trabalho, mas também mediante a própria presença, que representa uma oportunidade para um encontro frutuoso e positivo entre as principais religiões, culturas e povos do mundo. A abertura dos Emirados Árabes Unidos a estes trabalhadores estrangeiros exige esforços constantes em vista de fortalecer as condições necessárias para a coexistência pacífica e o progresso social, e por isso é louvável. Gostaria de observar aqui, com satisfação, que existem diversos igrejas católicas edificadas em terrenos doados pelas autoridades públicas. A Santa Sé deseja profundamente que esta cooperação possa continuar e realmente florescer, em conformidade com as crescentes necessidades pastorais da população católica que ali vive. A liberdade de culto contribui de maneira significativa para o bem comum e leva harmonia social a todas as sociedades onde é posta em prática. Asseguro-lhe que os cristãos católicos presentes no seu país desejam contribuir para o bem-estar da sua sociedade, levar uma vida no temor de Deus e respeitar a dignidade de todas as pessoas e religiões.

Senhora Embaixadora, enquanto lhe formulo os melhores votos para o bom êxito da sua missão, garanto-lhe que os vários departamentos da Cúria Romana estão prontos a oferecer-lhe assistência e apoio no cumprimento dos seus deveres. É desejo sincero da Santa Sé fortalecer as relações agora felizmente estabelecidas com os Emirados Árabes Unidos. Sobre Vossa Excelência, a sua família e toda a população dos Emirados, invoco cordialmente as abundantes bênçãos divinas.



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