Discursos Bento XVI 1130


POR OCASIÃO DA ASSEMBLEIA GERAL

DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA (C.E.I.) Quinta-feira, 27 de Maio de 2010

Venerados e estimados Irmãos!

No Evangelho proclamado no domingo passado, solenidade de Pentecostes, Jesus prometeu-nos: "O Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo quanto vos tenho dito" (Jn 14,26). O Espírito Santo orienta a Igreja no mundo e na história. Graças a este dom do Ressuscitado, o Senhor permanece presente ao longo do transcorrer dos acontecimentos; é no Espírito que podemos reconhecer em Cristo o sentido das vicissitudes humanas. O Espírito Santo faz-nos Igreja, comunhão e comunidade incessantemente convocada, renovada e relançada rumo ao cumprimento do Reino de Deus. Na comunhão eclesial estão a raiz e a razão fundamental da vossa reunião e do meu renovado encontro convosco, com alegria, por ocasião desta assembleia anual; é a perspectiva com que vos exorto a enfrentar os temas do vosso trabalho, no qual sois chamados a reflectir acerca da vida e da renovação da acção pastoral da Igreja na Itália. Estou grato ao Cardeal Angelo Bagnasco pelas amáveis e intensas palavras que me dirigiu, fazendo-se intérprete dos vossos sentimentos: o Papa sabe que pode contar sempre com os Bispos italianos. Em vós, saúdo as comunidades diocesanas confiadas aos vossos cuidados, enquanto estendo o meu pensamento e a minha proximidade espiritual a todo o povo italiano.

1131 Corroborados pelo Espírito, em continuidade com o caminho indicado pelo Concílio Vaticano II e, de maneira particular, com as orientações pastorais da década que acaba de terminar, preferistes assumir a educação como tema principal para os próximos dez anos. Tal horizonte temporal está proporcionado à radicalidade e à vastidão da exigência educativa. E parece-me necessário ir até às profundas raízes desta emergência para encontrar também as respostas adequadas a este desafio. Vejo sobretuto duas. Uma raiz essencial consiste – parece-me – num falso conceito de autonomia do homem: o homem deveria desenvolver-se unicamente por si mesmo, sem imposições da parte de terceiros, os quais poderiam contribuir para o seu autodesenvolvimento, mas sem entrar neste desenvolvimento. Na realidade, para a pessoa humana é essencial o facto de que só se torna ela mesma a partir do outro, o "eu" só se torna ele próprio a partir do "tu" e do "vós", é criado para o diálogo, para a comunhão sincrónica e diacrónica. E só o encontro com o "tu" e com o "nós" abre o "eu" a si mesmo. Por isso, a chamada educação antiautoritária não é educação, mas sim renúncia à educação: assim, não se compreende em que medida devemos dar aos outros, ou seja o "tu" e o "nós" em que o "eu" se abre a si mesmo. Por conseguinte, um primeiro ponto parece-me este: superar esta falsa ideia de autonomia do homem, como um "eu" completo em si próprio, enquanto se torna "eu" também no encontro colectivo com o "tu" e com o "nós".

Vejo a outra raiz da emergência educativa no cepticismo e no relativismo ou, com palavras mais simples e claras, na exclusão das duas fontes que orientam o caminho humano. A primeira fonte deveria ser a natureza segundo a Revelação. No entanto, hoje a natureza é considerada algo puramente mecânico, portanto que não contém em si qualquer imperativo moral, nem uma orientação como valor: é algo puramente mecânico, e portanto do próprio ser não promana qualquer orientação. A Revelação é considerada como um momento do desenvolvimento histórico, portanto relativo como todo o desenvolvimento histórico e cultural, ou – afirma-se – talvez haja a Revelação, mas não compreende conteúdos, apenas motivações. E se estas duas fontes, a natureza e a Revelação, se calarem, também a terceira fonte, a história, deixará de falar, porque inclusive a história se tornará apenas um aglomerado de decisões culturais, ocasionais e arbitrárias, que não valem para o presente e para o futuro. Por conseguinte, é fundamental voltar a encontrar um conceito verdadeiro da natureza, como criação de Deus que nos fala; através do livro da criação, o Criador fala-nos e indica-nos os valores autênticos. E depois, assim, encontrar de novo também a Revelação: reconhecer que o livro da criação, no qual Deus nos dá as orientações fundamentais, é decifrado na Revelação, é aplicado e feito próprio na história cultural e religiosa, não sem erros, mas de uma maneira substancialmente válida, a desenvolver e purificar sempre de novo. Deste modo, em tal "concerto" – por assim dizer – entre criação decifrada na Revelação, concretizada na história cultural que sempre progride e na qual nós encontramos cada vez mais a linguagem de Deus, apresentam-se também as indicações para uma educação que não é imposição, mas realmente abertura do "eu" ao "tu", ao "nós" e ao "Tu" de Deus.

Portanto, as dificuldades são enormes: encontrar as fontes, a linguagem das fontes mas, embora conscientes do peso destas dificuldades, não podemos ceder à desconfiança nem à resignação. Educar nunca foi fácil, mas não devemos render-nos: não cumpriríamos o mandato que o próprio Senhor nos confiou, chamando-nos a apascentar o seu rebanho com amor. Pelo contrário, despertemos nas nossas comunidades aquela paixão educativa, que é uma paixão do "eu" pelo "tu", pelo "nós", por Deus, e que não se resolve numa didáctica, num conjunto de técnicas e nem sequer na transmissão de princípios áridos. Educar é formar as novas gerações, para que saibam entrar em relacionamento com o mundo, fortalecidos por uma memória significativa que não é apenas ocasional, mas corroborada pela linguagem de Deus, que encontramos na natureza e na Revelação, de um património interior compartilhado, da verdadeira sabedoria que, enquanto reconhece o fim transcendente da vida, orienta o pensamento, os afectos e o juízo.

Os jovens têm sede no seu coração, e esta sede é uma exigência de significado e de relacionamentos humanos autênticos, que ajudem a não se sentir abandonados perante os desafios da vida. Trata-se do desejo de um futuro, tornado menos incerto por uma companhia segura e confiável, que se aproxima de cada um com delicadeza e respeito, propondo valores sólidos a partir dos quais crescer rumo a metas elevadas, mas alcançáveis. A nossa resposta é o anúncio do Deus amigo do homem, que em Jesus se fez próximo de cada um. A transmissão da fé faz parte irrenunciável da formação integral da pessoa, porque em Jesus Cristo se realiza o programa de uma vida bem sucedida: como ensina o Concílio Vaticano II, "aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se também ele mais homem" (Gaudium et spes
GS 41). O encontro pessoal com Jesus é a chave para intuir a relevância de Deus na existência quotidiana, o segredo para a viver na caridade fraterna, que é a condição para se erguer sempre das quedas e para caminhar rumo à conversão constante.

A tarefa educativa, que assumistes como prioritária, valoriza sinais e tradições, das quais a Itália é muito rica. Ela tem necessidade de lugares credíveis: em primeiro lugar a família, com o seu papel peculiar e irrenunciável; a escola, horizonte comum para além das opções ideológicas, a paróquia, "chafariz da aldeia", lugar e experiência que introduz a fé no tecido dos relacionamentos quotidianos. Em cada um destes âmbitos, permanece decisiva a qualidade do testemunho, caminho privilegiado da missão eclesial. Com efeito, o acolhimento da proposta cristã passa através dos relacionamentos de proximidade, lealdade e confiança. Numa época em que a grande tradição do passado corre o risco de permanecer letra morta, somos chamados a aproximar-nos de cada um com disponibilidade sempre nova, acompanhando-o ao longo do caminho de descoberta e assimilação pessoal da verdade. E agindo assim, também nós podemos redescobrir de modo novo as realidades fundamentais.

A vontade de promover uma renovada estação de evangelização não esconde as feridas que têm marcado a comunidade eclesial, devido à debilidade e ao pecado de alguns dos seus membros. Porém, esta admissão humilde e dolorosa não deve fazer esquecer o serviço gratuito e apaixonado de numerosos fiéis, a começar pelos sacerdotes. O Ano especial que lhes foi dedicado quis constituir uma oportunidade para promover a sua renovação interior, como condição para um compromisso evangélico e ministerial mais incisivo. Ao mesmo tempo, ajuda-nos também a reconhecer o testemunho de santidade de quantos – a exemplo do Cura d'Ars – se prodigalizam sem reservas para educar na esperança, na fé e na caridade. Nesta luz, aquilo que é motivo de escândalo deve traduzir-se para nós em exortação a uma "profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação e de aprender por um lado o perdão, mas também a necessidade da justiça" (Bento XVI, Entrevista aos jornalistas durante o voo rumo a Portugal, 11 de Maio de 2010).

Caros Irmãos, encorajo-vos a percorrer sem hesitações o caminho do compromisso educativo. O Espírito Santo vos ajude a nunca perder a confiança nos jovens, vos incentive a ir ao seu encontro, vos leve a frequentar os seus ambientes de vida, inclusive aquele constituído pelas novas tecnologias de comunicação, que já permeiam a cultura em todas as suas expressões. Não se trata de adaptar o Evangelho ao mundo, mas de haurir do Evangelho aquela novidade perene, que permite encontrar em todas as épocas as formas adequadas para anunciar a Palavra que não passa, fecundando e servindo a existência humana. Por conseguinte, voltemos a propor aos jovens a medida alta e transcendente da vida, entendida como vocação: chamados à vida consagrada, ao sacerdócio e ao matrimónio, que eles saibam responder com generosidade ao apelo do Senhor, porque somente assim poderão compreender aquilo que é essencial para cada um. A fronteira educativa constitui o lugar para uma ampla convergência de intenções: efectivamente, a formação das novas gerações não pode deixar de estar a peito de todos os homens de boa vontade, interpelando a capacidade da sociedade inteira de assegurar referências confiáveis para o desenvolvimento harmonioso das pessoas.

Também na Itália, a época presente está caracterizada por uma incerteza acerca dos valores, evidente na dificuldade com que muitos adultos conseguem cumprir os compromissos assumidos: isto é sinal de uma crise cultural e espiritual, tão grave quanto a económica. Seria ilusório – gostaria de salientá-lo – pensar em contrastar uma, ignorando a outra. Por este motivo, enquanto renovo o apelo aos responsáveis do Estado e aos empresários, a fazerem quanto estiver ao seu alcance das suas possibilidades para debelar os efeitos da crise de emprego, exorto todos a reflectirem sobre os pressupostos de uma vida recta e significativa, os quais fundamentam a única autoridade que educa e volta às verdadeiras nascentes dos valores. Com efeito, a Igreja tem a peito o bem comum, que nos compromete a partilhar recursos económicos e intelectuais, morais e espirituais, aprendendo a enfrentar em conjunto, num contexto de reciprocidade, os problemas e os desafios do país. Esta perspectiva, amplamente desenvolvida no vosso recente documento sobre Igreja e Sul, será ulteriormente aprofundada na próxima Semana social dos católicos italianos, prevista para o mês de Outubro em Régio da Calábria onde, juntamente com as melhores forças do laicado católico, vos comprometereis em definir uma agenda de esperança para a Itália, para que "as exigências da justiça se tornem compreensíveis e politicamente realizáveis" (Encíclica Deus caritas est ). Prezados coirmãos, o vosso ministério e a vivacidade das comunidades diocesanas por vós guiadas são a melhor garantia de que a Igreja continuará a oferecer responsavelmente a sua contribuição para a prosperidade social e moral da Itália.

Chamado pela graça a ser Pastor da Igreja universal e da esplêndida Cidade de Roma, trago constantemente comigo as vossas preocupações e as vossas expectativas, que nos dias passados depositei – com aquelas da humanidade inteira – aos pés de Nossa Senhora de Fátima. Dirijamos-lhe a nossa oração: "Virgem Mãe de Deus e nossa caríssima Mãe, que a vossa presença faça reflorescer o deserto das nossas solidões e brilhar o sol sobre as nossas trevas, faça voltar a calma depois da tempestade, para que todo o homem veja a salvação do Senhor, que tem o nome e o rosto de Jesus, reflectida nos nossos corações, para sempre unidos ao vosso. Assim seja!" (Fátima, 12 de Maio de 2010). Agradeço-vos e abençoo-vos de coração.

AO SENHOR COMLANVI THÉODORE LOKO

NOVO EMBAIXADOR DO BENIM JUNTO DA SANTA SÉ Sexta-feira, 28 de Maio de 2010



Senhor Embaixador!

1132 É com prazer que o recebo no início da sua missão junto da Santa Sé e lhe agradeço as gentis palavras que acaba de me dirigir. Ficar-lhe-ia grato se retribuísse a Sua Ex. o Sr. Thomas Boni Yayi, do qual não esqueço a visita, os votos que formulo pela sua pessoa e pelo cumprimento da sua alta missão ao serviço do povo do Benim. Agradeça-lhe também por ter querido que o povo beninense tenha um Embaixador junto da Santa Sé residente em Roma. Aprecio este gesto que ressalta a excelência das relações que existem entre a República do Benim e a Santa Sé, e a grande consideração que o povo beninense tem pela Igreja católica. Envio os meus votos também ao Governo e às demais autoridades do seu país e a todos os beninenses.

No seu discurso, Vossa Excelência mencionou o saudoso Cardeal Bernardin Gantin. Falecido há dois anos, este importante homem de Igreja não foi apenas um nobre filho da sua nação, mas igualmente um autêntico construtor de pontes entre as culturas e os continentes. Estou certo de que a sua figura será um exemplo para numerosos beninenses, sobretudo para os mais jovens. O seu ministério eclesial há-de estimular os homens e as mulheres da Igreja a cumprir um serviço generoso e cada vez mais competente para o maior bem do seu país, que festeja no próximo ano o 150º aniversário de evangelização.

Há vinte anos, em Fevereiro de 1990, reuniu-se a Conferência das forças vivas da Nação. Este grande acontecimento – que não era unicamente político, mas testemunha de igual modo a relação íntima entre a fé e a sua expressão na vida pública do Benim – determinou o seu futuro e continua a inspirar o seu presente. Peço a Deus que abençoe os esforços de quantos trabalham para a edificação de uma sociedade construída sobre a justiça e a paz, no reconhecimento dos direitos de todos os componentes da nação. A realização deste ideal precisa da união fraterna, do amor, da justiça e da valorização do trabalho.

Protagonistas do seu próprio destino, os beninenses são convidados a promover uma fraternidade autêntica. Esta é uma condição primordial para a paz social e um factor de promoção humana integral. Ela é uma pérola preciosa que é preciso saber conservar e cultivar, banindo as divisões que podem ir contra a unidade da nação e a harmonia no próprio seio das famílias. Perante estas possíveis desestabilizações, os valores tirados do vosso património cultural serão uma ajuda preciosa para afirmar a sua identidade e vocação próprias. Entre estes valores, gostaria de ressaltar sobretudo o respeito pelo carácter sagrado da vida, o qual é preciso ter em consideração face a tudo o que possa ser para ela uma ameaça, sobretudo no âmbito das legislações. Expressão concreta da igual dignidade de todos os cidadãos, a fraternidade é um princípio fundamental e uma virtude básica para realizar uma sociedade autenticamente desenvolvida, pois permite valorizar todas as capacidades humanas e espirituais. A fraternidade deve conduzir também à busca da justiça porque a sua ausência é sempre causa de tensões sociais e dá origem a numerosas consequências nefastas. "A paz está em perigo quando ao homem é negado aquilo que lhe é devido enquanto homem, quando a sua dignidade não é respeitada e quando a coexistência não se orienta para o bem comum" (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 494).

A busca do interesse pessoal em desvantagem do bem comum é um mal que corrói lentamente as instituições públicas, impedindo assim o desenvolvimento integral do ser humano. Os agentes políticos, económicos e sociais de uma nação são como que a "sua consciência vigilante" que garante a transparência das suas estruturas e a ética que anima a vida de toda a sociedade. Eles devem ser justos. A justiça acompanha sempre a fraternidade. Ela constitui um factor de eficácia e de equilíbrio social que permite que os beninenses participem dos recursos humanos e naturais, vivam dignamente e garantam o futuro para os seus filhos.

No progresso de uma sociedade, o trabalho ocupa um lugar de primeira ordem. De facto, é coexistencial à condição humana (cf. ibid., n. 256), porque o ser humano se realiza plenamente pelo seu trabalho. O amor ao trabalho enobrece e cria uma verdadeira simbiose entre as pessoas, assim como entre o ser humano e os outros elementos da criação. Valorizando o trabalho, o homem pode prover às suas necessidades vitais e contribuir para a construção de uma sociedade próspera, justa e fraterna. O mote do Benim FraternidadeJustiçaTrabalho, é portanto um verdadeiro compêndio da carta de uma nação com ideais altamente humanos. A sua concretização contribui também para difundir a solidariedade às outras nações. A este propósito, desejo dirigir os meus agradecimentos a todos os beninenses pela fraternidade activa que demonstraram pelo povo haitiano após o recente terramoto.

Desejo saudar calorosamente, por seu intermédio, a comunidade católica do Benim e os seus pastores. Encorajo-os a serem cada vez mais testemunhas autênticas da fé e do amor fraterno que Cristo nos ensina. Congratulo-me também pelos esforços de todos, sobretudo das Autoridades, por consolidar as relações de respeito e de estima recíprocas entre as confissões religiosas do seu país. A liberdade religiosa contribui para enriquecer a democracia e favorecer o progresso.

Senhor Embaixador, no momento em que inicia a sua missão de primeiro Chefe de Missão beninense junto da Santa Sé, apresento-lhe os meus melhores votos, garantindo-lhe a total disponibilidade dos meus colaboradores para qualquer ajuda de que poderá ter necessidade no desempenho da sua função. Peço a Deus que apoie o povo beninense e, de bom grado, concedo-lhe a Bênção Apostólica, assim como aos seus colaboradores e familiares.

AOS PARTICIPANTES NA SESSÃO PLENÁRIA

DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES Sexta-feira, 28 de Maio de 2010



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
1133 no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados irmãos e irmãs

É com grande alegria que vos recebo, por ocasião da Sessão Plenária do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes. Saúdo o Presidente do Dicastério, D. António Maria Vegliò, a quem agradeço as palavras de alegre cordialidade, o Secretário, os Membros, os Consultores e os Oficiais. Dirijo a todos os bons votos de um trabalho profícuo.

Escolhestes para esta Sessão o tema da "Pastoral da mobilidade humana hoje, no contexto da co-responsabilidade dos Estados e dos Organismos internacionais". Desde há tempos, a circulação das pessoas é objecto de convenções internacionais, que visam garantir a salvaguarda dos direitos humanos fundamentais e combater a discriminação, a xenofobia e a intolerância. Trata-se de documentos que oferecem princípios e técnicas de tutela supernacionais.

É apreciável o esforço de construir um sistema de normas compartilhadas que contemplem os direitos e os deveres do estrangeiro, assim como aqueles das comunidades de acolhimento, tendo em consideração em primeiro lugar a dignidade de cada pessoa humana, criada por Deus à sua imagem e semelhança (cf.
Gn 1,26). Obviamente, a aquisição de direitos procede a par e passo com o acolhimento de deveres. Com efeito, todos gozam de direitos e deveres não arbitrários, porque brotam da mesma natureza humana, como afirma a Encíclica Pacem in terris, do Beato Papa João XXIII: "Cada ser humano é pessoa, ou seja, natureza dotada de inteligência e de livre vontade; e, portanto, é sujeito de direitos e de deveres que brotam imediata e simultaneamente da sua própria natureza: direitos e deveres que, por isso, são universais, invioláveis e inalienáveis" (n. 5). Por conseguinte, a responsabilidade dos Estados e dos Organismos internacionais exerce-se especialmente no compromisso de incidir sobre questões que, salvaguardando as competências do legislador nacional, empenham toda a família dos povos e exigem uma concertação entre os Governos e os Organismos mais directamente interessados. Penso em problemáticas como o ingresso ou o afastamento forçado do estrangeiro, o gozo dos bens da natureza, da cultura e da arte, da ciência e da técnica, que deve ser acessível a todos. Além disso, não se deve esquecer o importante papel de mediação a fim de que as resoluções nacionais e internacionais, que promovem o bem comum universal, encontrem acolhimento junto das instâncias locais e se repercutem na vida quotidiana.

Neste contexto, os ordenamentos nos planos nacional e internacional que promovem o bem comum e o respeito pela pessoa encorajam a esperança e os esforços para o alcance de uma ordem social mundial fundamentada na paz, na fraternidade e na cooperação de todos, não obstante a fase crítica pela qual as instituições internacionais estão a atravessar, empenhadas a resolver as questões cruciais da segurança e do desenvolvimento, em benefício de todos. É verdade que, infelizmente, assistimos ao retorno de instâncias particularistas em algumas regiões do mundo, mas é também verdade que se hesita em assumir responsabilidades que deveriam ser compartilhadas. Além disso, ainda não se extinguiu o anseio de abater os muros que dividem e de estabelecer entendimentos mais amplos, também mediante disposições legislativas e práticas administrativas que favoreçam a integração, o intercâmbio mútuo e o enriquecimento recíproco. Com efeito, perspectivas de convivência entre os povos podem ser oferecidas através de linhas prudentes e concertadas para o acolhimento e a integração, permitindo ocasiões de entrada na legalidade, favorecendo o justo direito à união familiar, ao asilo e ao refúgio, compensando medidas restritivas e contrastando o execrável tráfico de pessoas. Precisamente aqui, as diversas organizações de tipo internacional, em cooperação entre si e com os Estados, podem oferecer a sua contribuição peculiar no reconciliação, com várias modalidades, do reconhecimento dos direitos da pessoa e do princípio de soberania nacional, com referência específica às exigências da segurança, da ordem pública e do controle das fronteiras.

Os direitos fundamentais da pessoa podem ser o ponto focal do compromisso de co-responsabilidade das instituições nacionais e internacionais. Depois, ele está estreitamente ligado à "abertura à vida, que está no centro do verdadeiro desenvolvimento", como reiterei na Encíclica Caritas in veritate (cf. n. 28), onde também fiz apelo aos Estados a fim de que promovam políticas a favor da centralidade e integridade da família (cf. ibid., n. 44). Por outro lado, é evidente que a abertura à vida e os direitos da família devem ser confirmados nos diversos contextos, uma vez que "numa sociedade em fase de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações" (ibid., n. 7). O futuro das nossas sociedades fundamenta-se no encontro entre os povos, no diálogo entre as culturas, no respeito pelas identidades e pelas diferenças legítimas. Neste cenário, a família conserva o seu papel fundamental. Por isso a Igreja, com o anúncio do Evangelho de Cristo em cada sector da existência, desempenha "o compromisso... não apenas a favor do indivíduo migrante, mas também da sua família, lugar e recurso da cultura da vida e factor de integração de valores", como reafirmei na Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado do ano de 2006.

Estimados irmãos e irmãs, compete também a vós sensibilizar a formas de co-responsabilidade das Organizações que se dedicam ao mundo dos migrantes e dos itinerantes. Este sector pastoral está vinculado a um fenómeno em expansão contínua e, por conseguinte, o vosso papel deverá traduzir-se em respostas concretas de proximidade e de acompanhamento pastoral das pessoas, tendo em consideração as diferentes situações locais. Sobre cada um de vós, invoco a luz do Espírito Santo e a salvaguarda maternal de Nossa Senhora, renovando o meu agradecimento pelo serviço que prestais à Igreja e à sociedade. A inspiração do Beato João Baptista Scalabrini, que o Venerável João Paulo II definiu "Pai dos migrantes", e de cujo nascimento para o Céu recordaremos os cento e cinco anos no próximo dia 1 de Junho, ilumine a vossa obra em benefício dos migrantes e dos itinerantes, incentivando-vos a uma caridade cada vez mais atenta, que lhes dê testemunho do amor infalível de Deus. Quanto a mim, asseguro-vos a minha oração, enquanto vos abençoo de coração.

ÀS DIOCESES ITALIANAS DA REGIÃO DAS MARCAS

NO QUARTO CENTENÁRIO DA MORTE DE MATTEO RICCI Sala Paulo VI

Sábado, 29 de Maio de 2010


Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
1134 no Episcopado e no Sacerdócio
Distintas Autoridades
Queridos irmãos e irmãs!

Estou feliz por me encontrar convosco, para recordar o 4º centenário da morte de Padre Matteo Ricci, S.J. Saúdo fraternalmente o Bispo de Macerata-Tolentino-Recanati-Cingoli-Treia, D. Claudio Giuliodori, que guia esta numerosa peregrinação. Juntamente com ele, saúdo os coirmãos da Conferência episcopal da região das Marcas e as respectivas Dioceses, as Autoridades civis, militares e académicas; os sacerdotes, os seminaristas, os estudantes e inclusive os Pueri Cantores. Macerata sente orgulho por um cidadão, um religioso, um sacerdote tão ilustre! Saúdo os Membros da Companhia de Jesus, da qual Padre Ricci fazia parte, de modo particular o Prepósito-Geral, Pe. Adolfo Nicolás, os seus amigos e colaboradores, e as instituições educativas a eles ligadas. Dirijo um pensamento também a todos os Chineses. Viva!

No dia 11 de Maio de 1610, em Pequim, concluía-se a vida terrena deste grande missionário, verdadeiro protagonista do anúncio do Evangelho na China na era moderna, depois da primeira evangelização do Arcebispo Giovanni da Montecorvino. De que estima fosse circundado na capital chinesa e na própria corte imperial, é sinal o privilégio extraordinário que lhe foi concedido, impensável para um estrangeiro, de ser sepultado em terra chinesa. Até hoje é possível venerar o seu túmulo em Pequim, oportunamente restaurado pelas Autoridades locais. As múltiplas iniciativas promovidas na Europa e na China em honra de Padre Ricci demonstram o profundo interesse que a sua obra continua a despertar na Igreja e em diferentes âmbitos culturais.

A história das missões católicas compreende figuras de grande estatura pelo zelo e a coragem de levar Cristo a terras novas e distantes, mas Padre Ricci constitui um caso singular de feliz síntese entre o anúncio do Evangelho e o diálogo com a cultura do povo ao qual Ele é levado, um exemplo de equilíbrio entre clareza doutrinal e obra pastoral prudente. Não apenas a profunda aprendizagem da língua, mas também a assunção do estilo de vida e dos costumes das classes cultas chinesas, fruto de estudo e de exercício paciente e clarividente, fizeram com que Padre Ricci fosse aceite pelos chineses com respeito e estima, não como um estrangeiro, mas como o "Mestre do grande Ocidente". No "Museu do Milénio" de Pequim somente duas pessoas estrangeiras são recordadas entre os grandes da história da China: Marco Polo e Padre Matteo Ricci.

A obra deste missionário apresenta duas vertentes que não devem ser separadas: a inculturação chinesa do anúncio evangélico e a apresentação à China da cultura e da ciência ocidentais. Muitas vezes, os aspectos científicos despertaram maior interesse, mas não se pode esquecer a perspectiva com que Padre Ricci entrou em relação com o mundo e a cultura chineses: um humanismo que considera a pessoa inserida no seu contexto, cultiva os seus valores morais e espirituais, aproveitando tudo aquilo que de positivo se encontra na tradição chinesa e procurando enriquecê-lo com a contribuição da cultura ocidental mas, principalmente, com a sabedoria e a verdade de Cristo. Padre Ricci não vai à China para levar a ciência e a cultura do Ocidente, mas para anunciar o Evangelho, para fazer com que Deus fosse conhecido. Ele escreve: "Durante mais de vinte anos, cada manhã e cada tarde rezei ao Céu com lágrimas. Sei que o Senhor do Céu tem piedade das criaturas vivas e que as perdoa. (...) A verdade sobre o Senhor do Céu já se encontra nos corações dos homens. Mas os seres humanos não a compreendem imediatamente e, além disso, não tendem a reflectir sobre uma questão semelhante" (Il vero significato del "Signore del Cielo", Roma 2006, págs. 69-70). E é precisamente enquanto anuncia o Evangelho, que Padre Ricci encontra nos seus interlocutores o pedido de um confronto mais amplo, de tal modo que o encontro motivado pela fé se torna também diálogo entre culturas; um diálogo desinteressado, livre de ambições de poder económico ou político, vivido na amizade, que faz da obra de Padre Ricci e dos seus discípulos um dos pontos mais salientes e felizes na relação entre a China e o Ocidente. A este propósito, o "Tratado sobre a amizade" (1595), uma das suas primeiras e mais conhecidas obras em chinês, é eloquente. No pensamento e no ensinamento de Padre Ricci, ciência, razão e fé encontram uma síntese natural: "Quem conhece o céu e a terra – escreve no prefácio para a terceira edição do mapa-múndi – pode provar que Quem governa o céu e a terra é absolutamente bom, absolutamente grande e absolutamente único. Os ignorantes rejeitam o Céu, mas a ciência que não remonta ao Imperador do Céu como à causa primeira, não é de modo algum ciência".

Contudo, a admiração por Padre Ricci não deve fazer esquecer o papel e a influência dos seus interlocutores chineses. As escolhas feitas por ele não dependiam de uma estratégia abstracta de inculturação da fé, mas dos acontecimentos, dos encontros e das experiências que ia fazendo, de modo que aquilo que pôde realizar foi também graças ao encontro com os chineses; um encontro vivido de muitas maneiras, mas que se aprofundou através do relacionamento com alguns amigos e discípulos, especialmente os quatro célebres convertidos, "pilares da nascente Igreja chinesa". Deles, o primeiro e mais famoso é Xu Guangqi, nativo de Xangai, homem de letras e cientista, matemático, astrónomo, estudioso de agricultura, que alcançou os mais elevados graus da burocracia imperial, homem íntegro, de grande fé e virtude cristã, dedicado ao serviço do seu país, e que ocupa um lugar de relevo na história da cultura chinesa. Por exemplo, foi ele que convenceu e ajudou Padre Ricci a traduzir em chinês os "Elementos" de Euclides, obra fundamental da geometria, ou que conseguiu fazer com que o Imperador confiasse aos astrónomos jesuítas a reforma do calendário chinês. Como foi outro estudioso chinês convertido ao Cristianismo – Li Zhizao – que ajudou Padre Ricci na realização das últimas e e mais requintadas edições do mapa-múndi, que ofereceriam aos chineses uma nova imagem do mundo. Ele descrevia Padre Ricci com estas palavras: "Pensei que ele fosse um homem singular, porque vive no celibato, não disputa por cargos, fala pouco, tem uma conduta regulada, e isto todos os dias, e cultiva a virtude ocultamente e serve a Deus de modo contínuo". Por conseguinte, é justo que se associe a Padre Matteo Ricci também os seus grandes amigos chineses que, juntamente com ele, compartilharam a experiência da fé.

Dilectos irmãos e irmãs, a recordação destes homens de Deus, dedicados ao Evangelho e à Igreja, o seu exemplo de fidelidade a Cristo, o profundo amor pelo povo chinês, o compromisso de inteligência e de estudo, e a sua vida virtuosa sejam ocasião de prece para a Igreja na China e para todo o povo chinês, como fazemos todos os anos, no dia 24 de Maio, dirigindo-nos a Maria Santíssima, venerada no célebre Santuário de Sheshan, em Xangai, e sirvam também de estímulo e encorajamento para viver a fé cristã com intensidade, no diálogo com as várias culturas, mas na certeza de que em Cristo se realiza o verdadeiro humanismo, aberto a Deus, rico de valores morais e espirituais e capaz de corresponder às aspirações mais profundas da alma humana. Como Padre Ricci, também eu manifesto hoje a minha profunda estima pelo nobre povo chinês e pela sua cultura milenária, persuadido de que um seu renovado encontro com o Cristianismo dará abundantes frutos de bem, como nessa época favoreceu uma convivência pacífica entre os povos. Obrigado!




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