Discursos Bento XVI 12610

AOS PARTICIPANTES DA 45ª REUNIÃO ANUAL DO BANCO DE DESENVOLVIMENTO DO CONSELHO DA EUROPA Sala Clementina 12 de Junho de 2010

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Senhor Governador
Senhores Presidentes
Senhoras e Senhores Embaixadores
Senhoras e Senhores Administradores
Estimados amigos!

A quadragésima quinta reunião comum do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa conduziu-vos a Roma, e tenho o prazer de vos receber hoje de manhã no Palácio Apostólico, no encerramento do vosso encontro.

Agradeço-lhe, Senhor Governador, as suas palavras que põem em evidência a importância que a Santa Sé atribui ao Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa, do qual é membro desde 1973. Em 1956, o Conselho da Europa fundou um banco que tem uma vocação exclusivamente social, para dispor de um instrumento qualificado a fim de promover a sua própria política de solidariedade. Este banco ocupou-se, desde o início, de problemas relativos aos refugiados, e em seguida ampliou as suas competências a todo o âmbito da coesão social. A Santa Sé não pode deixar de considerar com interesse uma estrutura que, com os seus sacerdotes, apoia projectos sociais, que se preocupa com o desenvolvimento, responde a situações de urgência e deseja contribuir para o melhoramento das condições de vida das pessoas em necessidade.

Os acontecimentos políticos que tiveram lugar na Europa no fim do século passado permitiram-lhe respirar finalmente com os seus dois pulmões, para voltar a utilizar a expressão do meu venerado predecessor. Todos nós sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer, para tornar efectiva esta realidade. Sem dúvida, os intercâmbios económicos e financeiros entre o leste e o oeste europeus desenvolveram-se indubitavelmente, mas houve um verdadeiro progresso humano? A libertação das ideologias totalitárias não foi porventura utilizada de maneira unilateral, unicamente para o progresso económico, em detrimento de um desenvolvimento mais humano, no respeito pela dignidade e pela nobreza do homem, e não chegou a desprezar por vezes as riquezas espirituais que modelaram a identidade europeia? As intervenções do Banco em benefício dos países da Europa do leste, do centro e do sudeste permitiram, estou convicto disto, emendar os desequilíbrios a favor de um processo fundamentado na justiça e na solidariedade. Estas são indispensáveis para o presente e o futuro da Europa.

Juntamente comigo, também vós sabeis que hoje o mundo e a Europa estão a atravessar um momento particularmente grave, de crise económica e financeira. Esta época não deve conduzir a limites que se alicercem de modo exclusivo numa análise estritamente financeira. Pelo contrário, deve permitir que o Banco do Desenvolvimento mostre a sua originalidade, revigorando a integração social, a gestão do meio ambiente e o desenvolvimento das infra-estruturas públicas a uma vocação social. Encorajo vivamente o trabalho do Banco neste sentido e no da solidariedade. Deste modo, ele será fiel à sua vocação.

Diante dos desafios contemporâneos que o mundo e a Europa devem gerir, na minha última Encíclica Caritas in veritate, desejei chamar a atenção para a Doutrina Social da Igreja e para a sua contribuição positiva para a construção da pessoa humana e da sociedade. No seguimento de Cristo, a Igreja vê o amor a Deus e ao próximo como um motor poderoso, capaz de oferecer uma energia autêntica que poderá irrigar o conjunto dos ambientes social, jurídico, cultural, político e económico. Desejei pôr em evidência o facto de que a relação existente entre o amor e a verdade é, se for bem vivida, uma força dinâmica que regenera o conjunto dos vínculos interpessoais e que oferece uma novidade real na reorientação da vida económica e financeira que ela renova, ao serviço do homem e da sua dignidade, para os quais eles existem. E economia e finanças não existem para si mesmas, pois são apenas um instrumento, um meio. A sua finalidade é unicamente a pessoa humana e a sua plena realização na dignidade. Eis o único capital que convém salvar. E neste capital encontra-se a dimensão espiritual da pessoa humana. O Cristianismo permitiu que a Europa compreendesse em que consiste a liberdade, a responsabilidade e a ética que imbuem as suas leis e estruturas societárias. Marginalizar o Cristianismo – inclusive mediante a exclusão dos símbolos que o manifestam – contribuiria para privar o nosso continente da fonte fundamental que o alimenta incansavelmente e que contribui para a sua verdadeira identidade. Com efeito, o Cristianismo encontra-se na nascente dos "valores espirituais e morais que são o património comum dos povos europeus", valores aos quais os Estados membros do Conselho da Europa manifestaram o seu apego inabalável no Preâmbulo do Estatuto do próprio Conselho da Europa. Este apego, que foi novamente afirmado na Declaração de Varsóvia de 2005, arraiga e garante a vitalidade dos princípios sobre os quais se fundamenta a vida política e social europeia, e de modo particular a actividade do Conselho da Europa.


Neste contexto, o Banco do Desenvolvimento é certamente um estabelecimento financeiro, portanto um instrumento económico. No entanto, a sua criação foi desejada para responder a exigências que ultrapassam os âmbitos financeiro e económico. Ele tem uma razão de ser que é social. Por conseguinte, está chamado a ser plenamente aquilo para que foi desejado: um instrumento técnico que permite a solidariedade, que deve ser vivida na fraternidade.

A fraternidade é generosa, não é calculista. Talvez seja necessário aplicar em maior medida estes critérios nas opções internas do Banco e na sua acção externa. A fraternidade permite espaços de gratuidade que, embora sejam indispensáveis, dificilmente são concebíveis ou administráveis, quando as únicas finalidades procuradas são a eficácia e o lucro. Todos nós sabemos também que este dualismo não é um determinismo absoluto e intransponível, dado que pode ser superado. Por isso, a novidade consistiria em introduzir uma lógica que faça da pessoa humana, e mais particularmente das famílias e daqueles que se encontram em graves necessidades, o centro e a finalidade da economia.

Na Europa há um rico passado que viu desenvolver-se experiências de economia alicerçadas na fraternidade. Existem empresas que têm um fim social ou mutualista. Elas tiveram que sofrer por causa das leis do mercado, mas desejam readquirir a força da generosidade das origens. Parece-me outrossim que, para viver realmente a solidariedade, o Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa deseja responder ao ideal da fraternidade, que acabei de evocar, e explorar espaços onde a fraternidade e a lógica do dom possam manifestar-se. Estes ideais têm raízes cristãs e, mediante o desejo da paz, presidiram ao nascimento do Conselho da Europa.

A medalha que o Senhor Governador acaba de me oferecer, e pela qual exprimo a minha gratidão, permitir-me-á recordar este encontro. Estimados amigos, asseguro-vos a minha oração e encorajo-vos a dar continuidade ao vosso trabalho com coragem e lucidez, para cumprir o importante dever que vos foi confiado, e que consiste em contribuir para o bem na nossa amada Europa. Deus abençoe todos vós. Muito obrigado!



AOS MEMBROS DA PONTIFÍCIA ACADEMIA ECLESIÁSTICA Sala do Consistório Segunda-feira, 14 de Julho de 2010

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Venerados Irmãos no Episcopado
Prezados Sacerdotes!

Recebo-vos com alegria, por ocasião do vosso encontro tradicional, que me oferece a oportunidade de vos saudar e encorajar, e de vos propor algumas reflexões sobre o sentido do vosso trabalho nas Representações pontifícias. Saúdo o Presidente, D. Beniamino Stella, que com dedicação e sentido eclesial acompanha a vossa formação, enquanto lhe agradeço as palavras que me dirigiu em nome de todos. Expresso um pensamento grato aos seus Colaboradores e às Irmãs Franciscanas Missionárias do Menino Jesus.

Gostaria de meditar brevemente sobre o conceito de representação. Com frequência, ele é considerado de modo parcial na compreensão contemporânea: com efeito, tende-se a associá-lo a algo meramente exterior, formal e pouco pessoal.

O serviço de representação, para o qual estais a preparar-vos, é aliás muito profundo porque é participação na sollicitudo omnium ecclesiarum, que caracteriza o Ministério do Romano Pontífice. Por isso, é uma realidade eminentemente pessoal, destinada a incidir de maneira profunda sobre aquele que é chamado a desempenhar esta tarefa especial. Precisamente nesta perspectiva eclesial, o exercício da representação implica a exigência de acolher e de alimentar com atenção especial na própria vida sacerdotal algumas dimensões, que gostaria de indicar, embora brevemente, a fim de que sejam motivo de reflexão no vosso caminho formativo.

Antes de tudo, cultivar uma plena adesão interior à pessoa do Papa, ao seu Magistério e ao Ministério universal; ou seja, plena adesão a quem recebeu a missão de confirmar os irmãos na fé (cf.
Lc 22,32) e "é o princípio e fundamento perpétuo e visível, tanto da unidade dos Bispos como da multidão dos fiéis" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Lumen gentium LG 23). Em segundo lugar, assumir como estilo de vida e como prioridade quotidiana, um cuidado atento – uma verdadeira "paixão" – pela comunhão eclesial. Ainda mais, representar o Romano Pontífice significa ter a capacidade de ser uma "ponte" sólida, um seguro canal de comunicação entre as Igrejas particulares e a Sé Apostólica: por um lado, pondo à disposição do Papa e dos seus colaboradores uma visão objectiva, correcta e aprofundada da realidade eclesial e social em que se vive; por outro, comprometendo-se a transmitir as normas, as indicações e as orientações que emanam da Santa Sé, não de maneira burocrática, mas com um amor profundo pela Igreja e com a ajuda da confiança pessoal, pacientemente construída, respeitando e valorizando os esforços dos Bispos e, ao mesmo tempo, o caminho das Igrejas particulares para junto das quais se é enviado.

Como se pode intuir, o serviço que vos preparais para desempenhar exige uma dedicação plena e uma disponibilidade generosa para sacrificar, se for necessário, intuições pessoais, os próprios projectos e outras possibilidades de exercício do ministério presbiteral. Numa perspectiva de fé e de resposta concreta ao chamamento de Deus – que se deve alimentar sempre numa relação intensa com o Senhor – isto não desvirtua a originalidade de cada um mas, ao contrário, é extremamente enriquecedor: o esforço de se colocar em sintonia com a perspectiva universal e com o serviço à unidade do rebanho de Deus, peculiares do Ministério petrino, é efectivamente capaz de valorizar, de maneira singular, os dotes e os talentos de cada um, em conformidade com aquela lógica que São Paulo manifestou oportunamente aos cristãos de Corinto (cf. 1Co 12,1-31). Deste modo, o Representante Pontifício – juntamente com aqueles que colaboram com ele – torna-se verdadeiramente um sinal da presença e da caridade do Papa. E se isto é um benefício para a vida de todas as Igrejas particulares, é-o de maneira especial naquelas situações particularmente delicadas ou difíceis nas quais, por diversificados motivos, a comunidade cristã se encontra a viver. Considerando bem, trata-se de um serviço sacerdotal autêntico, caracterizado por uma analogia não remota com a representação de Cristo, típica do presbítero que, como tal, tem uma dimensão sacrifical intrínseca.

É precisamente daqui que deriva também o estilo peculiar do serviço de representação que sereis chamados a exercer junto das Autoridades estatais ou das Organizações internacionais. Com efeito, inclusive nestes âmbitos, a figura e o estilo de presença do Núncio, do Delegado Apostólico e do Observador Permanente são determinados não apenas pelo ambiente em que se trabalha mas, antes ainda e principalmente, daquele que se é chamado a representar. Isto coloca o Representante Pontifício numa posição particular, em relação aos demais Embaixadores ou Enviados. De facto, ele será sempre profundamente identificado, num sentido sobrenatural, com aquele que ele representa. Tornar-se porta-voz do Vigário de Cristo poderá ser uma tarefa comprometedora, às vezes extremamente exigente, mas nunca será mortificadora, nem despersonalizadora. Pelo contrário, torna-se uma maneira original de realizar a própria vocação sacerdotal.

Estimados Alunos, formulo votos a fim de que a vossa Casa possa ser, como o meu Predecessor Paulo VI gostava de dizer, uma "escola superior de caridade", e que vos acompanhe a minha oração, enquanto vos confio à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mater Ecclesiae, e de Santo António Abade, Padroeiro da Academia. É de bom grado que vos concedo, a todos vós e aos vossos entes queridos, a minha Bênção.


AO CONGRESSO ECLESIAL DA DIOCESE DE ROMA Basílica de São João de Latrão Terça-feira, 15 de Junho de 2010

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Queridos irmãos e irmãs!

Diz o Salmo: "Como é bom, como é agradável, viverem os irmãos em unidade" (
Ps 133,1). É precisamente assim: é para mim motivo de profunda alegria encontrar-me convosco e partilhar o muito bem que as paróquias e as outras realidades eclesiais de Roma realizaram neste ano pastoral. Saúdo com fraterno afecto o Cardeal Vigário e agradeço-lhe as gentis palavras que me dirigiu e o compromisso que quotidianamente dedica ao governo da Diocese, no apoio aos sacerdotes e às comunidades paroquiais. Saúdo os Bispos Auxiliares, todo o Presbitério e cada um de vós. Dirijo um pensamento cordial a quantos estão doentes e em particulares dificuldades, garantindo-lhes a minha oração.

Como recordou o Cardeal Vallini, estamos a empenhar-nos desde o ano passado, na verificação da pastoral ordinária. Esta tarde reflectimos sobre dois aspectos de primordial importância: "Eucaristia dominical e testemunho da caridade". Estou ao corrente do grande trabalho que as paróquias, as associações e os movimentos realizaram, através de encontros de formação e de confronto, para aprofundar e viver melhor estes dois componentes fundamentais da vida e da missão da Igreja e de cada crente individualmente. Isto favoreceu esta co-responsabilidade pastoral que, na diversidade dos ministérios e dos carismas, deve difundir-se cada vez mais se desejamos que o Evangelho alcance realmente o coração de cada habitante de Roma. Muito já foi feito, e por isso damos graças ao Senhor; mas ainda falta fazer muito, sempre com a sua ajuda.

A fé nunca pode ser pressuposta, porque cada geração precisa de receber este dom mediante o anúncio do Evangelho e de conhecer a verdade que Cristo nos revelou. Por conseguinte, a Igreja está sempre comprometida a propor a todos o depósito da fé; nele está contida também a doutrina sobre a Eucaristia – mistério central no qual "está contido todo o bem espiritual da Igreja, ou seja, o próprio Cristo, nossa Páscoa" (Conc. Vat. II, Decr. Presbyterorum ordinis PO 5) – doutrina que hoje, infelizmente, não é compreendida de modo suficiente no seu valor profundo e na sua relevância para a existência dos crentes. Por isso é importante que um conhecimento mais aprofundado do mistério do Corpo e do Sangue do Senhor seja sentido como uma exigência pelas diversas comunidades da nossa Diocese de Roma. Ao mesmo tempo, no espírito missionário que queremos alimentar, é necessário que se difunda o empenho de anunciar esta fé eucarística, para que cada homem encontre Jesus Cristo que nos revelou o Deus "próximo", amigo da humanidade, e a testemunhe com uma eloquente vida de caridade.

Em toda a sua vida pública Jesus, mediante a pregação do Evangelho e dos sinais milagrosos, anunciou a bondade e a misericórdia do Pai em relação ao homem. Esta missão alcançou o ápice no Gólgota, onde Cristo crucificado revelou o rosto de Deus, para que o homem, contemplando a Cruz, possa reconhecer a plenitude do amor (cf. Bento XVI, Enc. Deus caritas est ). O Sacrifício do Calvário é misteriosamente antecipado na Última Ceia, quando Jesus, partilhando com os Doze o pão e o vinho, os transforma no seu corpo e no seu sangue, que pouco a pouco teria oferecido como Cordeiro imolado. A Eucaristia é o memorial da morte e ressurreição de Jesus Cristo, do seu amor até ao fim por todos nós, memorial que Ele quis confiar à Igreja para que fosse celebrado nos séculos. Segundo o significado do verbo hebraico zakar, o "memorial" não é simples recordação de algo que aconteceu no passado, mas celebração que actualiza aquele acontecimento, de modo a reproduzir a sua força e a eficácia salvífica. Assim "torna-se presente e actual o sacrifício que Cristo ofereceu ao Pai, de uma vez para sempre, na Cruz em benefício da humanidade" (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica CEC 280). Queridos irmãos e irmãs, no nosso tempo a palavra sacrifício não é apreciada, aliás parece pertencer a outras épocas e a outro modo de entender a vida. Mas ela, se for bem compreendida, é e permanece fundamental, porque nos revela com que amor Deus, em Cristo, nos ama.

Na oferta que Jesus faz de si mesmo encontramos toda a novidade do culto cristão. Na antiguidade os homens ofereciam em sacrifício às divindades os animais ou as primícias da terra. Jesus, ao contrário, oferece-se a si mesmo, o seu corpo e toda a sua existência: Ele mesmo em pessoa se torna sacrifício que a liturgia oferece na Santa Missa. De facto, com a consagração o pão e o vinho tornam-se o seu verdadeiro corpo e sangue. Santo Agostinho convidava os seus fiéis a não se deterem sobre o que tinham diante dos olhos, mas a olhar para mais longe: "Reconhecei no pão – dizia – aquele mesmo corpo que foi pregado na cruz, e no cálice aquele mesmo sangue que saiu do seu lado" (Disc. 228 b, 2). Para explicar esta transformação, a teologia cunhou a palavra "transubstanciação", palavra que ressoou pela primeira vez nesta Basílica durante o IV Concílio Lateranense, do qual daqui a cinco anos se celebrará o VIII centenário. Naquela ocasião foram inseridas na profissão de fé as seguintes expressões: "o seu corpo e o seu sangue estão verdadeiramente contidos no sacramento do altar, sob as espécies do pão e do vinho, porque o pão é transubstanciado no corpo, e o vinho no sangue pelo poder divino" (DS 802). Portanto, é fundamental que nos itinerários de educação das crianças, dos adolescentes e dos jovens na fé, assim como nos "centros de escuta" da Palavra de Deus, se ressalte que no sacramento da Eucaristia Cristo está verdadeira,real e substancialmente presente.

A Santa Missa, celebrada no respeito das normas litúrgicas e com uma adequada valorização da riqueza dos sinais e dos gestos, favorece e promove o crescimento da fé eucarística. Na celebração eucarística nós não inventamos algo, mas entramos numa realidade que nos precede, aliás que abraça céu e terra e portanto também passado, futuro e presente. Esta abertura universal, este encontro com todos os filhos e filhas de Deus é a grandeza da Eucaristia: vamos ao encontro da realidade de Deus presente no corpo e sangue do Ressuscitado entre nós. Por conseguinte, as prescrições litúrgicas ditadas pela Igreja não são coisas exteriores, mas exprimem concretamente esta realidade da revelação do corpo e sangue de Cristo e assim a oração revela a fé segundo o antigo princípio lex orandolex credendi. E por isso podemos dizer que "a melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada" (Bento XVI, Exort. Ap. pós-sinodal Sacramentum caritatis, 64). É necessário que na liturgia sobressaia com clareza a dimensão transcendente, a do Mistério, do encontro com o Divino, que ilumina e eleva também a "horizontal", ou seja, o vínculo de comunhão e de solidariedade que existe entre quantos pertencem à Igreja. De facto, quando prevalece esta última não se compreende plenamente a beleza, a profundidade e a importância do mistério celebrado. Queridos irmãos no sacerdócio, a vós o Bispo confiou, no dia da Ordenação sacerdotal, a tarefa de presidir à Eucaristia. Tende sempre a preocupação pela prática desta missão: celebrar os divinos mistérios com intensa participação interior, para que os homens e as mulheres da nossa Cidade possam ser santificados, postos em contacto com Deus, verdade absoluta e amor eterno.

E tenhamos presente também que a Eucaristia, ligada à cruz, à ressurreição do Senhor, ditou uma nova estrutura ao nosso tempo. O Ressuscitado manifestou-se no dia depois do sábado, o primeiro dia da semana, dia do sol e da criação. Desde o início os cristãos celebraram o seu encontro com o Ressuscitado, a Eucaristia, neste primeiro dia, neste novo dia do verdadeiro sol da história, Cristo Ressuscitado. E assim o tempo começa sempre de novo com o encontro com o Ressuscitado e este encontro dá conteúdo e força à vida de cada dia. Por isso é muito importante para nós cristãos, seguir este ritmo novo do tempo, encontrar-nos com o ressuscitado no domingo e assim "levar" connosco esta sua presença, que nos transforme e transforme o nosso tempo. Além disso, convido todos a redescobrir a fecundidade da adoração eucarística: diante do Santíssimo Sacramento experimentamos de modo muito particular aquele "permanecer" de Jesus, que Ele mesmo, no Evangelho de João, põe como condição necessária para dar muito fruto (cf. Jn 15,5) e evitar que a nossa acção apostólica se reduza a um estéril activismo, mas seja ao contrário testemunho do amor de Deus.

A comunhão com Cristo é sempre também comunhão com o seu corpo que é a Igreja, como recorda o apóstolo Paulo dizendo: "O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" (1Co 10,16-17). De facto, é a Eucaristia que transforma um simples grupo de pessoas em comunidade eclesial: a Eucaristia faz a Igreja. Portanto, é fundamental que a celebração da Santa Missa seja efectivamente o ápice, a "estrutura portante" da vida de cada comunidade paroquial. Exorto todos a cuidar do melhor modo, também através de grupos litúrgicos apropriados, a preparação e a celebração da Eucaristia, para que quantos nela participam possam encontrar o Senhor. É Cristo ressuscitado, que se torna presente no nosso hoje e nos reúne à sua volta. Alimentando-nos d'Ele somos libertados dos vínculos do individualismo e, através da comunhão com Ele, tornamo-nos nós próprios, juntos, uma só coisa, o seu Corpo místico. Deste modo são superadas as diferenças devidas à profissão, à classe, à nacionalidade, porque nos descobrimos membros de uma única grande família, a dos filhos de Deus, na qual a cada um é concedida uma graça particular para utilidade comum. O mundo e os homens não têm necessidade de uma ulterior agregação social, mas precisam da Igreja, que é em Cristo como um sacramento, "ou seja, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano" (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Lumen gentium LG 1), chamada a fazer resplandecer sobre todas as nações a luz do Senhor ressuscitado.

Jesus veio para nos revelar o amor do Pai, porque "o homem sem amor não pode viver" (João Paulo ii, Enc. Redemptor hominis RH 10). De facto, o amor é a experiência fundamental de cada ser humano, isto é, que dá significado ao viver quotidiano. Alimentados pela Eucaristia também nós, a exemplo de Cristo, vivemos para Ele, para sermos testemunhas do amor. Recebendo o Sacramento, nós entramos em comunhão de sangue com Jesus Cristo. Na concepção judaica, o sangue indica a vida; assim podemos dizer que alimentando-nos do Corpo de Cristo acolhemos a vida de Deus e aprendemosaverarealidade com os seus olhos, abandonando a lógica do mundo para seguirmos a lógica divina da doação e gratuidade. Santo Agostinho recorda que durante uma visão pareceu-lhe ouvir a voz do Senhor, o qual dizia: "Eu sou o alimento dos adultos. Cresce, e alimentar-te-ás de mim, sem por isso metransformaresemti, como o alimento da tua carne; mas tu transformar-te-ásemmim"(cf. Confissões VII, 10, 16). Quando recebemos Cristo, o amor de Deus expande-se no nosso íntimo, modifica radicalmente o nosso coração e torna-nos capazes de gestos que, pela força divulgadora do bem, podem transformar a vida de quantos estão ao nosso lado. A caridade é capaz de gerar uma mudança autêntica e permanente da sociedade, agindo nos corações e nas mentes dos homens, e quando é vivida na verdade "é a principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira" (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate ). O testemunho da caridade para o discípulo de Jesus não é um sentimento passageiro, mas ao contrário é o que plasma a vida em qualquer circunstância. Encorajo todos, em particular a Caritas e os Diáconos, a comprometerem-se no delicado e fundamental campo da educação na caridade, como dimensão permanente da vida pessoal e comunitária.

Esta nossa cidade pede aos discípulos de Cristo, com um renovado anúncio do Evangelho, um testemunho mais claro e límpido da caridade. É com a linguagem do amor, desejosa do bem integral do homem, que a Igreja fala aos habitantes de Roma. Nestes anos do meu ministério como vosso Bispo, tive a ocasião de visitar vários lugares onde a caridade é vivida de modo intenso. Estou grato a quantos se comprometem nas diversas estruturas caritativas, pela dedicação e generosidade com que servem os pobres e os marginalizados. As necessidades e a pobreza de tantos homens e mulheres interpelam-nos profundamente: é o próprio Cristo que todos os dias, nos pobres, nos pede que lhe seja saciada a fome e a sede, visitado nos hospitais e nas prisões, acolhido e vestido. A Eucaristia celebrada impõe-nos e ao mesmo tempo torna-nos capazes de nos transformarmos, por nossa vez, em pão repartido para os irmãos, indo ao encontro das suas exigências e doando-nos a nós mesmos. Por isso, uma celebração eucarística que não faz encontrar os homens lá onde eles vivem, trabalham e sofrem, para lhes levar o amor de Deus, não manifesta a verdade que contém. Para ser fiéis ao mistério que se celebra nos altares devemos, como nos exorta o apóstolo Paulo, oferecer os nossos corpos, a nós mesmos, em sacrifício espiritual agradável a Deus (cf. Rm 12,1) naquelas circunstâncias que exigem que se faça morrer o nosso eu e constituem o nosso "altar" quotidiano. Os gestos de partilha criam comunhão, renovam o tecido das relações interpessoais, orientando-as para a gratuidade e para o dom, e permitem a construção da civilização do amor. Num tempo como o actual de crise económica e social, sejamos solidários com aqueles que vivem na indigência para oferecer a todos a esperança de um amanhã melhor e digno do homem. Se vivermos realmente como discípulos do Deus-Caridade, ajudaremos os habitantes de Roma a descobrirem-se irmãos e filhos do único Pai.

A própria natureza do amor exige opções de vida definitivas e irrevogáveis. Dirijo-me em particular a vós, caríssimos jovens: não tenhais medo de escolher o amor como a regra suprema da vida. Não tenhais medo de amar Cristo no sacerdócio e, se sentirdes no coração a chamada do Senhor, segui-o nesta extraordinária aventura de amor, abandonando-vos com confiança a Ele! Não tenhais medo de formar famílias cristãs que vivem o amor fiel, indissolúvel e aberto à vida! Testemunhai que o amor, tal como o viveu Cristo e o ensina o Magistério da Igreja, de nada priva a nossa felicidade, mas ao contrário doa aquela alegria profunda que Cristo prometeu aos seus discípulos.

A Virgem Maria acompanhe com a sua materna intercessão o caminho da nossa Igreja de Roma. Maria, que de modo totalmente singular viveu a comunhão com Deus e o sacrifício do próprio filho no Calvário, nos obtenha que vivamos cada vez mais intensa, piedosa e conscientemente o mistério da Eucaristia, para anunciar com a palavra e com a vida o amor que Deus sente por todos os homens. Queridos amigos, garanto-vos a minha oração e concedo de coração a todos vós a Bênção Apostólica. Obrigado.


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (REGIONAL LESTE-2) EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 19 de Junho de 2010

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Queridos Irmãos no Episcopado,

«chamados a ser santos, junto com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: Para vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo» (
1Co 1,2-3). Com estas palavras, acolho a todos vós, amados Pastores do Regional Leste 2 em Visita ad Limina, e vos saúdo com grande afeto na consciência do laço colegial que une o Papa com os Bispos no vínculo da unidade, da caridade e da paz. Agradeço a Dom Walmor as amáveis palavras com que interpretou os vossos sentimentos de homenagem à Sé de Pedro e ilustrou os desafios e problemas que são objeto do vosso empenho a bem da grei que Deus vos confiou nos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais.

Vejo que amais profundamente as vossas dioceses e também eu participo intimamente deste vosso amor, acompanhando-vos com a oração e a solicitude apostólica. A nossa é uma bela história com início palpável nas Bulas expedidas pelo Sucessor de Pedro para a ordenação episcopal e naquele «Eis-me aqui» proferido por cada um no início da cerimônia da sua sagração e conseqüente ingresso no Colégio dos Bispos. Dele começastes a fazer parte «em virtude da sagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça e com os membros» (Nota Explicativa Prévia, anexa à Const. dogm. Lumen gentium ), tornando-vos sucessores dos Apóstolos com a tríplice função de ensinar, santificar e governar o povo de Deus.

Enquanto mestres e doutores da fé, tendes a missão de ensinar com audácia a verdade que se deve crer e viver, apresentando-a de forma autêntica. Como vos disse em Aparecida, «a Igreja tem a grande tarefa de conservar e alimentar a fé do povo de Deus, e recordar também aos fiéis (…) que, em virtude do seu batismo, são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo» (Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 13/V/2007, 3). Ajudai, pois, os fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais a descobrirem a alegria da fé, a alegria de serem pessoalmente amados por Deus, que entregou o seu Filho para nossa salvação. Como bem sabeis, crer consiste sobretudo em abandonar-se a este Deus que nos conhece e ama pessoalmente, aceitando a Verdade que Ele revelou em Jesus Cristo com a atitude que nos leva a ter confiança nele como revelador do Pai. Queridos irmãos, tende grande confiança na graça e sabei infundir esta confiança no vosso povo, para que a fé sempre seja guardada, defendida e transmitida na sua pureza e integridade.

Como administradores do supremo sacerdócio, haveis de procurar que a liturgia seja verdadeiramente uma epifania do mistério, isto é, expressão da natureza genuína da Igreja, que ativamente presta culto a Deus por Cristo no Espírito Santo. De todos os deveres do vosso ministério, «o mais imperioso e importante é a responsabilidade pela celebração da Eucaristia», competindo-vos «providenciar para que os fiéis tenham a possibilidade de aceder à mesa do Senhor, sobretudo ao domingo que é o dia em que a Igreja – comunidade e família dos filhos de Deus – descobre a sua peculiar identidade cristã ao redor dos presbíteros» (João Paulo II, Exort. ap. Pastores gregis, 39). O múnus de santificar que recebestes impõe-vos ainda ser promotores e animadores da oração na cidade humana, freqüentemente agitada, rumorosa e esquecida de Deus: deveis criar lugares e ocasiões de oração, onde no silêncio, na escuta de Deus, na oração pessoal e comunitária, o homem possa encontrar e fazer a experiência viva de Jesus Cristo que revela o rosto autêntico do Pai. É preciso que as paróquias e os santuários, os ambientes de educação e sofrimento, as famílias se tornem lugares de comunhão com o Senhor.

Enfim, como guias do povo cristão, deveis promover a participação de todos os fiéis na edificação da Igreja, governando com coração de servo humilde e pastor afetuoso tendo em vista a glória de Deus e a salvação das almas. Em virtude do múnus de governar, o Bispo está chamado também a julgar e disciplinar a vida do povo de Deus confiado aos seus cuidados pastorais, através de leis, diretrizes e sugestões, como previsto na disciplina universal da Igreja. Este direito e dever é muito importante para que a comunidade diocesana permaneça unida no seu interior e caminhe em sincera comunhão de fé, de amor e de disciplina com o Bispo de Roma e com toda a Igreja. Para isso, não vos canseis de alimentar nos fiéis o sentido de pertença à Igreja e a alegria da comunhão fraterna.

Entretanto o governo do Bispo só será pastoralmente proveitoso «se gozar do apoio duma boa credibilidade moral, que deriva da sua santidade de vida. Tal credibilidade predisporá as mentes para acolherem o Evangelho anunciado por ele na sua Igreja e também as normas que ele estabelecer para o bem do povo de Deus» (Ibid., 43). Por isso, plasmado interiormente pelo Espírito Santo, cada um de vós faça-se «tudo para todos» (cf. 1Co 9,22), propondo a verdade da fé, celebrando os sacramentos da nossa santificação e testemunhando a caridade do Senhor. Acolhei de coração aberto quantos batem à vossa porta: aconselhai-os, confortai-os e apoiai-os no caminho de Deus, procurando guiar a todos para aquela unidade na fé e no amor da qual, por vontade do Senhor, deveis ser princípio e fundamento visível nas vossas dioceses (cf. Const. dogm. Lumen gentium LG 23).

Queridos Irmãos no Episcopado! Ao concluir este nosso encontro, desejo renovar a cada um de vós os meus sentimentos de gratidão pelo serviço que prestais à Igreja com viva dedicação e amor. Por intercessão da Virgem Maria, «exemplo daquele afeto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na missão apostólica que a Igreja tem de regenerar os homens» (Ibid., 65), invoco de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, sobre o vosso ministério a abundância dos dons e consolações celestes e concedo-vos, extensiva aos sacerdotes e diáconos, aos consagrados e consagradas, aos seminaristas e aos fiéis leigos das vossas comunidades diocesanas, uma particular Bênção Apostólica.




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