Discursos Bento XVI 18910

VISITA À CASA DE REPOUSO PARA IDOSOS ST. PETER’S RESIDENCE London Borough of Lambeth Sábado, 18 de Setembro de 2010

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Discurso aos idosos

Discurso aos voluntários e profissionais
responsáveis pela protecção dos jovens nos ambiente eclesiais


AOS IDOSOS DA CASA DE REPOUSO

Meus queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me deveras feliz por estar entre vós, residentes da Casa de São Pedro, e por poder agradecer à Irmã Marie Claire e à Senhora Taskper as suas gentis palavras de boas-vindas em vosso nome. Também estou contente por saudar o Arcebispo Smith de Southwark, assim como as Pequenas Irmãs dos Pobres, os funcionários e os voluntários que vos assistem.

Devido aos progressos da medicina e a outros factores ligados ao aumento da longevidade, é importante reconhecer a presença de um número crescente de idosos como uma bênção para a sociedade. Cada geração pode aprender da experiência e sabedoria daquela que a precedeu. Além disso, prover aos cuidados das pessoas idosas, antes de tudo, não deveria ser considerado um acto de generosidade mas a retribuição a uma dívida de gratidão.

Por sua vez a Igreja teve sempre grande respeito pelo idoso. O quarto mandamento «Honra teu pai e tua mãe, como te ordenou o Senhor, teu Deus» está ligado à promessa «a fim de prolongar os teus dias e para que vivas feliz na terra que o Senhor, teu Deus, te destina» (
Dt 5,16). Esta obra da Igreja em prol dos idosos e doentes não lhes oferece só amor e cuidados, mas também é retribuída por Deus com as bênçãos que Ele prometeu à terra na qual este mandamento é observado. Deus quer um determinado respeito pela dignidade, valor, saúde e bem-estar dos idosos e, através das suas instituições caritativas na Grã-Bretanha e em outros lugares, a Igreja procura cumprir o mandamento do Senhor para respeitar a vida, sem levar em conta a idade ou as condições.

No início do meu pontificado, disse: «Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um de nós é necessário» (Homilia na missa para o início do Ministério Petrino do Bispo de Roma, 24 de Abril de 2005). A vida é um dom único, em todas as suas fases, desde a concepção até à morte natural, e só Deus pode dá-la e tirá-la. Pode-se gozar de boa saúde em idade avançada, mas os cristãos não deveriam ter medo de participar nos sofrimentos de Cristo se Deus quiser que enfrentemos a enfermidade. O meu predecessor, Papa João Paulo ii, sofreu publicamente nos últimos anos da sua vida. Era claro para todos que vivia este facto em união com os sofrimentos do nosso Salvador. A sua alegria e paciência em enfrentar os seus últimos dias foram um exemplo significativo e comovedor para todos nós que devemos suportar os anos que passam.

Por isso vim até vós não só como um Pai, mas sobretudo como um irmão que conhece bem as alegrias e os desafios que chegam com a idade. Os nossos longos anos de vida oferecem-nos a oportunidade para apreciar a beleza dos maiores dons que Deus nos deu, tanto o dom da vida como a fragilidade do espírito humano. Aqueles que vivem muitos anos têm uma oportunidade maravilhosa de aprofundar o próprio conhecimento do mistério de Cristo que se humilhou a si mesmo para partilhar a nossa humanidade. Enquanto aumenta o nosso tempo normal de vida, com frequência, as nossas capacidades físicas começam a diminuir; e no entanto esta fase pode constituir os anos espiritualmente mais frutuosos da nossa vida. São uma ocasião para recordar numa oração afectuosa quantos amámos nesta vida e colocar tudo o que fomos e fizemos diante da graça e da ternura de Deus. Certamente, isto exigirá um grande esforço espiritual e permitir-nos-á redescobrir o seu amor e a sua bondade todos os dias da nossa vida.

Com estes sentimentos, queridos irmãos e irmãs, de coração garanto as minhas orações por todos vós, e peço-vos que rezem por mim. Que a nossa bem-aventurada Senhora e o seu esposo São José intercedam pela nossa felicidade nesta vida e nos obtenham a bênção de uma passagem serena para a outra.

Deus vos abençoe a todos!



DISCURSO AOS PROFISSIONAIS E VOLUNTÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA PROTECÇÃO DOS JOVENS NOS AMBIENTES ECLESIAIS

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Queridos amigos!

Estou feliz por poder saudar-vos, vós que representais os numerosos profissionais e voluntários responsáveis pela protecção dos jovens nos ambientes eclesiais. A Igreja tem uma longa tradição de assistência aos jovens, desde os primeiros anos de vida até à idade adulta, seguindo o exemplo de afecto de Cristo que abençoava as crianças que se aproximavam dele e ensinava aos seus discípulos que o Reino dos Céus pertence a quem for como elas.

O vosso trabalho, levado a cabo com o apoio das recomendações elaboradas numa primeira fase pelo «Nola Report» e depois pela Comissão «Cumberlege», ofereceu um contributo vital para a promoção de ambientes seguros em prol da juventude. Ele ajuda a garantir que as medidas preventivas postas em acção sejam eficazes, seguidas com atenção, e que qualquer acusação de abuso seja tratada com rapidez e justiça. Em nome dos muitos jovens que servis e dos seus pais, gostaria de vos agradecer o bom trabalho que fizestes e continuais a fazer neste sector.

É deplorável que, num contraste tão marcante com a longa tradição da Igreja no cuidado aos jovens, eles tenham sofrido abusos e maus-tratos por obra de alguns sacerdotes e religiosos. Tornamo-nos muito conscientes da necessidade de proteger os jovens e vós constituís uma parte importante da ampla resposta da Igreja a este problema.

Embora não existam motivos para nos sentirmos alegres, é preciso divulgar o que foi realizado: os esforços da Igreja, neste país e noutros lugares, especialmente nos últimos dez anos para garantir a segurança das crianças e dos jovens e para lhes mostrar todo o respeito durante o seu crescimento rumo à maturidade, devem ser reconhecidos. Rezo a fim de que o vosso serviço generoso ajude a consolidar uma atmosfera de confiança e de empenho renovado para o bem-estar dos jovens, que são um dom de Deus tão precioso.

Deus torne fecundo o vosso trabalho e derrame a sua bênção sobre todos vós.



VIGÍLIA DE ORAÇÃO PARA A BEATIFICAÇÃO DO CARDEAL JOHN HENRY NEWMAN Hyde Park, Londres Sábado, 18 de Setembro de 2010

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Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

Esta é uma tarde de alegria, de imensa alegria espiritual para todos nós. Estamos aqui reunidos nesta vigília de oração para nos prepararmos para a Missa de amanhã, durante a qual um grande filho desta Nação, Cardeal John Henry Newman, será declarado Beato. Quantas pessoas, na Inglaterra e em todo o mundo, aguardaram este momento! Também para mim pessoalmente é uma grande alegria partilhar esta experiência convosco. Como sabeis, Newman teve por muito tempo uma influência importante na minha vida e no meu pensamento, como o teve sobre muitíssimas pessoas além destas ilhas. O drama da vida de Newman convida-nos a examinar as nossas vidas, a vê-las no contexto do vasto horizonte do plano de Deus e a crescer em comunhão com a Igreja de todos os tempos e de todos os lugares: a Igreja dos Apóstolos, a Igreja dos mártires, a Igreja dos santos, a Igreja que Newman amou e a cuja missão consagrou toda a sua vida.

Agradeço ao Arcebispo Peter Smith as gentis palavras de boas-vindas que pronunciou em vosso nome, e sinto-me particularmente feliz por ver muitos jovens presentes nesta vigília. Esta tarde, no contexto da oração comum, desejo reflectir convosco sobre alguns aspectos da vida de Newman, que considero importantes para as nossas vidas de crentes e para a vida da Igreja hoje.

Permiti-me começar por recordar que Newman, segundo a sua narração, repercorreu o caminho de toda a sua vida à luz de uma poderosa experiência de conversão, que teve quando era jovem. Foi uma experiência imediata da verdade da Palavra de Deus, da realidade objectiva da revelação cristã, tal como fora transmitida na Igreja. Esta experiência religiosa e ao mesmo tempo intelectual, teria inspirado a sua vocação para ser ministro do Evangelho, o seu discernimento da fonte de ensinamento respeitável na Igreja de Deus e o seu zelo pela renovação da vida eclesial na fidelidade à tradição apostólica. No final da vida, Newman descreveu o seu trabalho como uma luta contra a tendência crescente a considerar a religião como um facto meramente privado e subjectivo, uma questão de opinião pessoal. Eis a primeira lição que podemos aprender da sua vida: nos nossos dias, quando um relativismo intelectual e moral ameaça enfraquecer os próprios fundamentos da nossa sociedade, Newman recorda-nos que, como homens e mulheres criados à imagem e semelhança de Deus, fomos criados para conhecer a verdade, para encontrar nela a nossa liberdade definitiva e o cumprimento das aspirações humanas mais profundas. Numa palavra, fomos criados para conhecer Cristo, que é Ele mesmo «o Caminho, a Verdade e a Vida» (
Jn 14,6).

Além disso, a existência de Newman ensina-nos que a paixão pela verdade, pela honestidade intelectual e pela conversão genuína exigem que se pague um preço elevado. A verdade que nos torna livres não pode ser conservada só para nós; exige o testemunho, precisa de ser ouvida, e no fundo o seu poder de convencer provém dela mesma e não da eloquência humana nem dos raciocínios nos quais pode ser acomodada. Não distante daqui, em Tyburn, um grande número de nossos irmãos e irmãs morreram pela fé; o testemunho da sua fidelidade até ao fim foi muito mais poderoso que as palavras inspiradas que muitos deles disseram antes de abandonar tudo pelo Senhor. Na nossa época, o preço que deve ser pago pela fidelidade ao Evangelho já não é ser enforcado, afogado e esquartejado, mas muitas vezes significa ser indicado como irrelevante, ridicularizado ou ser motivo de paródia. E contudo a Igreja não se pode eximir do dever de proclamar Cristo e o seu Evangelho como verdade salvífica, fonte da nossa felicidade última como indivíduos, e como fundamento de uma sociedade justa e humana.

Por fim, Newman ensina-nos que se acolhermos a verdade de Cristo e comprometermos a nossa vida por Ele, não pode haver separação entre aquilo em que cremos e o modo como vivemos a nossa existência. Cada nosso pensamento, palavra e acção devem visar a glória de Deus e a difusão do seu Reino. Newman compreendeu isto e foi o grande campeão do múnus profético do laicado cristão. Viu claramente que não devemos aceitar a verdade como um acto meramente intelectual, mas ao contrário acolhê-la mediante uma dinâmica espiritual que penetra até às fibras mais profundas do nosso ser. A verdade não é transmitida simplesmente mediante um ensinamento formal, mesmo que seja importante, mas também através do testemunho de vidas vividas integral, fiel e santamente. Quem vive da e na verdade reconhece de modo instintivo o que é falso e, precisamente porque é falso, é inimigo da beleza e da bondade que acompanha o esplendor da verdade, veritatis splendor.

A primeira leitura desta tarde é a magnífica oração com a qual São Paulo pede que nos seja concedido conhecer «o amor de Cristo que supera todo o conhecimento» (cf. Ef Ep 3,14-21). O Apóstolo reza para que Cristo habite nos nossos corações através da fé (cf. Ef Ep 3,17) e para que possamos chegar a «compreender com todos os santos qual é a grandeza, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor. Mediante a fé conseguimos ver a palavra de Deus como uma lâmpada para os nossos passos e luz do nosso caminho (cf. Sl Ps 119,105). Como numerosos santos que o precederam no caminho do discipulado cristão, Newman ensinou que a «luz gentil» da fé nos leva a dar-nos conta da verdade acerca de nós próprios, da nossa dignidade de filhos de Deus e do sublime destino que nos espera no céu. Permitindo que esta luz da fé resplandeça nos nossos corações e abandonando-nos a ela mediante a união quotidiana ao Senhor na oração e na participação nos sacramentos da Igreja, que dão vida, tornamo-nos nós mesmos luz para quantos estão à nossa volta; exercemos o nosso «múnus profético»; muitas vezes, sem o saber, atraímos as pessoas para perto do Senhor e da sua verdade. Sem a vida de oração, sem a transformação interior que se verifica através da graça dos sacramentos, não podemos — segundo as palavras de Newman — «irradiar Cristo»; tornamo-nos simplesmente outro «címbalo que tine» (1Co 13,1) num mundo já cheio de barulho e confusão crescentes, repleto de caminhos falsos que conduzem apenas a sofrimentos profundos do coração e à ilusão.

Uma das meditações mais amadas do Cardeal contém estas palavras: «Deus criou-me para oferecer um serviço específico. Confiou-me um determinado trabalho que não confiou a outros» (Meditations on Christian Doctrine). Vemos aqui o preciso realismo cristão de Newman, o ponto no qual a fé e a vida inevitavelmente se cruzam. A fé é destinada a dar fruto na transformação do nosso mundo mediante o poder do Espírito Santo que age na vida e na actividade dos crentes. Quem olhar realisticamente para o nosso mundo de hoje talvez pense que os cristãos possam continuar a fazer as coisas de todos os dias, ignorando a profunda crise de fé que atingiu a sociedade, ou simplesmente confiando que o património de valores transmitido ao longo dos séculos cristãos possa continuar a inspirar e a plasmar o futuro da nossa sociedade. Sabemos que em tempos de crise e de rebeliões Deus fez nascer grandes santos e profetas para a renovação da Igreja e da sociedade cristã; temos confiança na sua providência e rezamos pela sua contínua guia. Mas cada um de nós, segundo o próprio estado de vida, está chamado a trabalhar para a difusão do Reino de Deus, impregnando a vida temporal com os valores do Evangelho. Cada um de nós tem uma missão, todos estamos chamados a mudar o mundo, a trabalhar por uma cultura da vida, uma cultura forjada pelo amor e pelo respeito da dignidade de cada pessoa humana. Como o Senhor nos ensina no Evangelho que acabamos de ouvir, a nossa luz deve resplandecer diante de todos, de modo que, vendo as nossas obras boas, possam glorificar o nosso Pai celeste (cf. Mt 5,16).

Aqui desejo dizer uma palavra especial aos numerosos jovens presentes. Queridos jovens amigos, só Jesus conhece o «serviço específico» que tem em mente para vós. Sede abertos à sua voz que ressoa no profundo do vosso coração: também agora o seu coração fala ao vosso coração. Cristo precisa de famílias que recordem ao mundo a dignidade do amor humano e a beleza da vida familiar. Ele precisa de homens e mulheres que dediquem a sua vida à nobre tarefa da educação, cuidando dos jovens e formando-os segundo os caminhos do Evangelho. Precisa de quantos consagram a própria vida à busca da caridade perfeita, seguindo-o na castidade, pobreza e obediência, e servindo-o no mais humilde dos nossos irmãos e irmãs. Precisa do amor poderoso dos religiosos contemplativos que apoiam o testemunho e a actividade da Igreja mediante a sua oração contínua. E precisa de sacerdotes bons e santos, homens dispostos a perder a vida pelo próprio rebanho. Perguntai a Deus o que tem em mente para vós! Pedi-lhe a generosidade de lhe dizer sim! Não tenhais medo de vos entregar totalmente a Jesus. Ele dar-vos-á a graça necessária para cumprir a vossa vocação. Permiti-me concluir estas poucas palavras convidando-vos a unir-vos a mim no próximo ano em Madrid para a Jornada Mundial da Juventude. Trata-se sempre de uma maravilhosa ocasião para crescer no amor a Cristo e ser encorajados na vossa jubilosa vida de fé, juntamente com milhares de outros jovens. Espero ver lá muitos de vós!

E agora, queridos amigos, prossigamos esta vigília de oração preparando-nos para encontrar Cristo, presente entre nós no Santíssimo Sacramento do Altar. Juntos, no silêncio da nossa adoração comum, abramos as mentes e os corações à sua presença, ao seu amor, ao poder convincente da sua verdade. De modo especial, demos graças pelo testemunho contínuo daquela verdade, oferecido pelo Cardeal John Henry Newman. Confiando nas suas orações, peçamos a Deus que ilumine os nossos passos e os da sociedade britânica, com a luz gentil da sua verdade, do seu amor e da sua paz. Amém.



ENCONTRO COM OS BISPOS DA INGLATERRA, GALES E ESCÓCIA Domingo, 19 de Setembro de 2010

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Capela do Francis Martin House dell’Oscott College

Birmingham


Venerados Irmãos no Episcopado!

Este foi um dia de grande alegria para a comunidade católica nestas ilhas. O Beato John Henry Newman, como agora lhe podemos chamar, foi elevado às honras dos altares como exemplo de fidelidade heróica ao Evangelho e como intercessor para a Igreja nestas terras, que ele amou e serviu tão bem. Precisamente aqui nesta capela, em 1852, deu voz à nova confiança e vitalidade da comunidade católica na Inglaterra e no País de Gales, depois da restauração da hierarquia, e as suas palavras puderam ser aplicadas também à Escócia, vinte e cinco anos mais tarde. A sua beatificação hodierna é uma recordação da acção contínua do Espírito Santo ao conceder dons de santidade a todo o povo da Grã-Bretanha, de modo que de Leste a Oeste e de Norte a Sul, seja elevada uma perfeita oblação de louvor e de acção de graças à glória do nome de Deus.

Agradeço ao Cardeal O’Brien e ao Arcebispo Nichols as suas palavras e, fazendo assim, vem-me à mente o facto de que há pouco tempo me foi concedido receber-vos todos em Roma para as visitas ad limina das vossas respectivas Conferências Episcopais. Naquela ocasião falámos de alguns desafios que tendes diante de vós ao guiar o povo na fé, sobretudo acerca da urgente necessidade de proclamar o Evangelho de novo num contexto altamente secularizado. Durante a minha visita pareceu-me claro como, entre os britânicos, é profunda a sede da boa nova de Jesus Cristo. Fostes escolhidos por Deus para lhes oferecer a água viva do Evangelho, encorajando-os a depositar as próprias esperanças não nas lisonjas vãs deste mundo, mas nas certezas sólidas do mundo futuro. Enquanto anunciais a vinda do Reino, com as suas promessas de esperança para os pobres e os necessitados, os doentes e os idosos, os nascituros e os abandonados, fazei o possível para apresentar na sua integridade a mensagem vivificante do Evangelho, inclusive os elementos que desafiam as convicções difundidas da cultura de hoje. Como sabeis, recentemente foi constituído um Pontifício Conselho para a Nova Evangelização dos países de antiga tradição cristã, e desejo encorajar-vos a usufruir dos seus serviços para enfrentar as tarefas que se vos apresentam. Além disso, muitos dos novos movimentos eclesiais têm um carisma particular para a evangelização e estou certo de que continuareis a explorar caminhos apropriados e eficazes para os envolver na missão da Igreja.

Desde a vossa visita a Roma, as mudanças políticas no Reino Unido concentraram a atenção sobre as consequências da crise financeira, que causou tantas privações a numerosas pessoas e a muitas famílias. O fantasma do desemprego está a alastrar as suas sombras sobre a vida de muita gente, e o preço a longo prazo de práticas de investimento dos tempos recentes, mal aconselhadas, está a tornar-se cada vez mais evidente. Nestas circunstâncias, haverá ulteriores apelos à característica generosidade dos católicos britânicos, e tenho a certeza de que estareis na primeira linha para exortar à solidariedade em relação aos necessitados. A voz profética dos cristãos desempenha um papel importante em evidenciar as necessidades dos pobres e dos desfavorecidos, que podem tão facilmente ser excluídos da distribuição de recursos limitados. No documento magisterial Choosing the Common Good, os Bispos da Inglaterra e do País de Gales ressaltaram a importância da prática da virtude na vida pública. As circunstâncias hodiernas oferecem uma boa oportunidade para reforçar aquela mensagem, e certamente para encorajar as pessoas a aspirar aos valores morais mais nobres em cada sector da sua vida, diante de uma base compartilhada de crescente cinismo inclusive acerca da possibilidade de uma vida virtuosa.

Outro assunto que recebeu muita atenção nos meses passados e que ameaça seriamente a credibilidade moral dos responsáveis da Igreja é o vergonhoso abuso contra os jovens por parte de sacerdotes e religiosos. Em muitas ocasiões falei das feridas profundas que tal comportamento causou, antes de tudo nas vítimas mas também na relação de confiança que deveria existir entre sacerdotes e povo, entre sacerdotes e os seus Bispos, assim como entre as autoridades da Igreja e o povo. Sei bem que destes passos muito sérios para remediar esta situação, para garantir que os jovens sejam protegidos de modo eficaz de qualquer dano e para enfrentar de maneira apropriada e transparente as acusações quando elas surgem. Manifestastes publicamente o vosso profundo sofrimento por quanto aconteceu e pelos modos muitas vezes inapropriados com os quais, no passado, a questão foi enfrentada. A vossa crescente compreensão da extensão dos abusos contra os jovens na sociedade, dos seus efeitos devastadores e da necessidade de oferecer um apoio adequado às vítimas, deveria servir de incentivo para partilhar, com a sociedade mais ampla, a lição por vós aprendida. Na realidade, qual melhor caminho poderia haver, a não ser reparar estes pecados aproximando-vos, em humilde espírito de compaixão, dos jovens que sofrem também noutras partes devido a abusos? O nosso dever de nos ocuparmos da juventude exige nada menos do que isto.

Enquanto reflectimos sobre a fragilidade humana que estes trágicos acontecimentos revelam de modo tão duro, é-nos recordado que, para sermos guias cristãos eficazes, devemos viver na mais alta integridade, humildade e santidade. Como escreveu certa vez John Henry Newman: «Deus nos conceda sacerdotes que saibam sentir a própria debilidade de pecadores, e que o povo saiba compadecer-se, amar e rezar pelo seu crescimento em todos os bons dons da graça» (Sermon, 22 de Março de 1829). Rezo a fim de que entre as graças desta visita haja um renovado compromisso por parte dos guias cristãos para a vocação profética que receberam, e um novo apreço por parte do povo pelo grande dom do ministério ordenado. Brotarão assim espontaneamente as orações pelas vocações, e podemos estar confiantes de que o Senhor responderá enviando trabalhadores que recolham a abundante messe que preparou em todo o Reino Unido (cf.
Mt 9,37-38). A este propósito sinto-me feliz por ter a oportunidade de me encontrar daqui a pouco com os seminaristas da Inglaterra, da Escócia e do País de Gales para os certificar das minhas orações, enquanto se preparam para desempenhar a sua parte na colheita daquela messe.

Por fim, gostaria de vos falar de duas matérias específicas que neste tempo dizem respeito ao vosso ministério episcopal. Uma é a iminente publicação da nova tradução do Missal Romano. Nesta circunstância desejo agradecer a todos vós a contribuição dada, com cuidado tão minucioso, para o exercício colegial na revisão e aprovação dos textos. Isto constitui um imenso serviço aos católicos de todo o mundo anglófono. Encorajo-vos a aproveitar a ocasião que esta nova tradução oferece, para uma aprofundada catequese sobre a Eucaristia e para uma renovada devoção nos modos como ela é celebrada. «Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto mais profunda será a sua participação na vida eclesial por meio de uma adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus discípulos» (Sacramentum caritatis, 6). Focalizei outro aspecto em Fevereiro com os Bispos da Inglaterra e do País de Gales, quando vos pedi para ser generosos ao pôr em prática a Constituição apostólica Anglicanorum coetibus. Este deveria ser considerado um gesto profético que pode contribuir positivamente para o desenvolvimento das relações entre anglicanos e católicos. Ajuda-nos a dirigir o olhar para a finalidade última de todas as actividades ecuménicas: a restauração da plena comunhão eclesial no contexto da qual o intercâmbio recíproco de dons dos nossos respectivos patrimónios espirituais serve como enriquecimento para todos nós. Continuemos a rezar e a trabalhar incessantemente para apressar o dia feliz no qual aquela meta poderá ser alcançada.

Com estes sentimentos agradeço-vos cordialmente a vossa hospitalidade durante estes dias. Ao confiar-vos e o povo que servis à intercessão de Santo André, São David e São Jorge, concedo de bom grado a Bênção Apostólica a vós, ao clero, aos religiosos e aos leigos da Inglaterra, da Escócia e do País de Gales.



CERIMÓNIA DE DESPEDIDA Aeroporto Internacional de Birmingham Domingo, 19 de Setembro de 2010

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Senhor Primeiro-Ministro!

Obrigado pelas gentis palavras de despedida que me dirigiu em nome do Governo de Sua Majestade e dos habitantes do Reino Unido. Estou deveras grato por todo o árduo trabalho de preparação tanto por parte do Governo actual como do precedente, do serviço civil, das autoridades locais e da polícia, e também por parte dos muitos voluntários que, com tanta paciência, ajudaram a preparar os eventos desses quatro dias. Obrigado pelo afecto da vossa recepção e pela hospitalidade que recebi.

Durante o tempo que estive convosco, pude encontrar os representantes das muitas comunidades, culturas, línguas e religiões que formam a sociedade britânica. Precisamente a diversidade da Grã-Bretanha moderna é um desafio para o seu Governo e para a sua população, mas representa também uma grande oportunidade para o ulterior diálogo intercultural e inter-religioso, para o enriquecimento da comunidade inteira.

Estou grato pela oportunidade que me foi oferecida nestes dias de encontrar Sua Majestade a Rainha, assim como Vossa Excelência e outros líderes políticos, e de debater temas de interesse comum tanto aqui como noutros lugares. Senti-me particularmente honrado por ter sido convidado a pronunciar-me diante de ambas as Câmaras do Parlamento no histórico ambiente da Westminster Hall. Espero deveras que estas ocasiões possam contribuir para confirmar e reforçar as excelentes relações entre a Santa Sé e o Reino Unido, especialmente na colaboração para o desenvolvimento internacional, na tutela do meio ambiente e na edificação de uma sociedade civil com um sentido renovado de valores partilhados e uma finalidade comum.

Além disso, foi um prazer ter visitado Sua Graça o Arcebispo de Canterbury e os bispos da Igreja da Inglaterra e, sucessivamente, ter rezado com eles e com os fiéis cristãos no evocativo espaço da Abadia de Westminster, um lugar que fala tão eloquentemente das nossas tradições religiosas e culturais comuns. Dado que a Grã-Bretanha é casa de muitíssimas tradições religiosas, estou feliz por ter tido a oportunidade de me encontrar com os seus representantes e partilhar com eles alguns pensamentos acerca do contributo que as religiões podem oferecer para o desenvolvimento de uma sociedade sadia e pluralista.

Naturalmente, a minha visita visava de modo especial os católicos do Reino Unido. Recordo com íntima alegria o tempo transcorrido com os bispos, o clero, os religiosos e os leigos, e também com os professores, os estudantes e os idosos. De maneira especial, foi comovedor celebrar com eles, aqui em Birmingham, a beatificação de um grande filho da Inglaterra, Cardeal John Henry Newman. Com a sua vasta herança de escritos académicos e espirituais, estou certo de que ele ainda tem muito a ensinar-nos sobre a vida e o testemunho cristão entre os desafios do mundo contemporâneo, desafios que previu com clarividência excepcional.


Ao despedir-me de vós, permiti-me que formule mais uma vez os meus melhores votos e as minhas orações pela paz e prosperidade da Grã-Bretanha. Muito obrigado e Deus vos abençoe a todos!

AOS ALUNOS DA ESCOLA PONTIFÍCIA PAULO VI DAS MESTRAS PIAS FILIPPINI Palácio Pontifício de Castel Gandolfo Quinta-feira, 23 de Setembro de 2010

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Queridas crianças
Prezados professores
Estimados pais
Caros amigos

Bem-vindos aqui no Palácio, na casa do Papa. Estou muito feliz por vos acolher finalmente e por ver esta Escola pontifícia Paulo VI das Irmãs Mestras Pias chamadas Filippini, por estar convosco pelo menos por um instante. Espiritualmente estamos sempre juntos, aqui, nesta bonita cidade de Castel Gandolfo, mas agora posso também ver-vos, e estou muito feliz por isso.

Amadas crianças, vós ides à escola e naturalmente aprendeis; quanto a mim, pensei que já passaram setenta e sete anos desde que comecei a frequentar a escola. Vivia numa cidadezinha de trezentas almas, um pouco «atrás da lua», dir-se-ia; todavia, aprendemos o essencial. Aprendemos principalmente a ler e a escrever, e penso que é algo importante, poder escrever e ler, porque assim podemos conhecer o pensamento dos outros, ler os jornais, os livros; podemos conhecer aquilo que foi escrito há dois mil anos, ou há mais tempo ainda; podemos conhecer os continentes espirituais do mundo e comunicar em conjunto; e há sobretudo algo de extraordinário: Deus escreveu um livro, ou seja, falou-nos a nós homens e encontrou pessoas que escreveram o Livro com a Palavra de Deus, de tal modo que, lendo, podemos ler também aquilo que Deus diz. E isto é muito importante: na escola aprende-se tudo o que é necessário para a vida, e aprende-se também a conhecer Deus, a conhecer Jesus, e assim a saber como se vive bem. Na escola encontrais muitos amigos, e isto é bom; é assim que se forma uma grande família. Mas entre os grandes amigos, o primeiro que encontramos, que conhecemos, deveria ser Jesus, que é amigo de todos e que nos indica realmente o caminho da vida.

Obrigado pela vossa presença e pela vossa alegria; e felicitações a todos vós.


AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (REGIONAL LESTE-1) EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sala do Consistório do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

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Sábado, 25 de Setembro de 2010




Venerados Irmãos no Episcopado

Dou-vos as boas-vindas, feliz por receber-vos a todos no curso da visita ad limina Apostolorum que estais fazendo em nome e a favor das vossas dioceses do Regional Leste 1, para reforçar os laços que as unem ao Sucessor de Pedro. Disto mesmo se fez eco Dom Rafael Cifuentes nas palavras de saudação que me dirigiu em vosso nome e que lhe agradeço, muito apreciando as preces que dia a dia se elevam ao Céu por mim e pela Igreja inteira das várias comunidades familiares, paroquiais, religiosas e diocesanas das províncias eclesiásticas do Rio de Janeiro e de Niterói. Sobre todos e cada um desça, radiosa, a benevolência do Senhor: Ele «faça brilhar sobre ti a sua face, e Se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz» (
Nb 6,25-26).

Sim, amados Irmãos, o fulgor de Deus irradie de todo o vosso ser e vida, à semelhança de Moisés (cf. Ex Ex 34,29 Ex Ex 34,35) e mais do que ele, pois agora todos nós «refletimos a glória do Senhor e, segundo esta imagem, somos transformados, de glória em glória, pelo Espírito do Senhor» (2Co 3,18). Assim o sentiam os Padres conciliares quando, no fim do Vaticano II, apresentam a Igreja nestes termos: «Rica de um longo passado sempre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do mundo. (…) Olhai-a e encontrareis nela o rosto de Cristo, o verdadeiro herói, humilde e sábio, o profeta da verdade e do amor, o companheiro e o amigo dos jovens» (Mensagem do Concílio à humanidade: Aos jovens). Deixando transparecer o rosto de Cristo, a Igreja é a juventude do mundo.

Mas será muito difícil convencer alguém disso mesmo, se não se revê nela a geração jovem de hoje. Por isso, como certamente vos destes conta, um tema habitual nos meus colóquios convosco é a situação dos jovens na respectiva diocese. Confiado na providência divina que amorosamente preside aos destinos da história não cessando de preparar os tempos futuros, apraz-me ver raiar o dia de amanhã nos jovens de hoje. Já o Venerável Papa João Paulo II, vendo Roma tornar-se «jovem com os jovens» no ano 2000, saudou-os como «as sentinelas da manhã» (Carta ap. Novo millennio ineunte NM 9 cf. Homilia na Vigília de Oração da XV Jornada Mundial da Juventude, 19 de agosto de 2000, 6), com a tarefa de despertar os seus irmãos para se fazerem ao largo no vasto oceano do terceiro milênio. E, a comprová-lo, para além do mais aflui à memória a imagem das longas filas de jovens que esperavam para se confessar no Circo Máximo e que voltaram a dar a muitos sacerdotes a confiança no sacramento da Penitência.

Como bem sabeis, amados Pastores, o núcleo da crise espiritual do nosso tempo tem as suas raízes no obscurecimento da graça do perdão. Quando este não é reconhecido como real e eficaz, tende-se a libertar a pessoa da culpa, fazendo com que as condições para a sua possibilidade nunca se verifiquem. Mas, no seu íntimo, as pessoas assim «libertadas» sabem que isso não é verdade, que o pecado existe e que elas mesmas são pecadoras. E, embora algumas linhas da psicologia sintam grande dificuldade em admitir que, entre os sentidos de culpa, possa haver também os devidos a uma verdadeira culpa, quem for tão frio que não prove sentimentos de culpa nem sequer quando deve, procure por todos os meios recuperá-los, porque no ordenamento espiritual são necessários para a saúde da alma. De fato Jesus veio salvar, não aqueles que já se libertaram por si mesmos pensando que não têm necessidade d’Ele, mas quantos sentem que são pecadores e precisam d’Ele (cf. Lc 5,31-32).

A verdade é que todos nós temos necessidade d’Ele, como Escultor divino que remove as incrustações de pó e lixo que se pousaram sobre a imagem de Deus inscrita em nós. Precisamos do perdão, que constitui o cerne de toda a verdadeira reforma: refazendo a pessoa no seu íntimo, torna-se também o centro da renovação da comunidade. Com efeito, se forem retirados o pó e o lixo que tornam irreconhecível em mim a imagem de Deus, torno-me verdadeiramente semelhante ao outro, que é também imagem de Deus, e sobretudo torno-me semelhante a Cristo, que é a imagem de Deus sem defeito nem limite algum, o modelo segundo o qual todos nós fomos criados. São Paulo exprime isto de modo muito concreto: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Ga 2,20). Sou arrancado ao meu isolamento e acolhido numa nova comunidade-sujeito; o meu «eu» é inserido no «eu» de Cristo e assim é unido ao de todos os meus irmãos. Somente a partir desta profundidade de renovação do indivíduo é que nasce a Igreja, nasce a comunidade que une e sustenta na vida e na morte. Ela é uma companhia na subida, na realização daquela purificação que nos torna capazes da verdadeira altura do ser homens, da companhia com Deus. À medida que se realiza a purificação, também a subida – que ao princípio é árdua – vai-se tornando cada vez mais jubilosa. Esta alegria deve transparecer cada vez mais da Igreja, contagiando o mundo, porque ela é a juventude do mundo.

Venerados irmãos, uma tal obra não pode ser realizada com as nossas forças, mas são necessárias a luz e a graça que provêm do Espírito de Deus e agem no íntimo dos corações e das consciências. Que elas vos amparem a vós e às vossas dioceses na formação das mentes e dos corações. Levai a minha saudação afetuosa aos vossos jovens e respectivos animadores sacerdotais, religiosos e laicais. Ergam o olhar para a Imaculada Conceição, Nossa Senhora Aparecida, a cuja proteção vos entrego, e de coração concedo-vos, extensiva a todos os vossos fiéis diocesanos, a Bênção Apostólica.

Discursos Bento XVI 18910