Discursos Bento XVI 1189

AO SENHOR FERNANDO ZEGERS SANTA CRUZ NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DO CHILE JUNTO DA SANTA SÉ Quinta-feira, 7 de Outubro de 2010



Senhor Embaixador!

É com prazer que recebo Vossa Excelência neste solene momento em que apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Chile junto da Santa Sé. Desejo expressar-lhe as boas-vindas e ao mesmo tempo agradecer-lhe as amáveis palavras de saudação que me transmitiu por parte de Sua Excelência, o Senhor Sebastián Piñera Echenique, Presidente da República do Chile, e do seu governo.

A presença de Vossa Excelência na Santa Sé faz-me pensar com renovado vigor num país que, embora esteja longe geograficamente, guardo no profundo do meu coração, especialmente depois do terrível terramoto que o atingiu recentemente. Desde do início, quis mostrar a minha proximidade ao povo chileno e, através da visita do meu Secretário de Estado, o Cardeal Tarcisio Bertone, transmitir o meu conforto e a minha esperança às vítimas, às suas famílias e a quantos sofreram prejuízos, que conservo de forma especial no meu coração. Tampouco me esqueço dos mineiros da região de Atacama e dos seus entes queridos, pelos quais rezo com fervor.

A este respeito, quero ressaltar e demonstrar a minha estima pela unidade do povo chileno diante das desgraças, as suas respostas tão generosas e solidárias ao intensificar-se do sofrimento e também o imenso esforço que a Igreja católica no Chile, na qual muitas comunidades foram também duramente provadas pelo sismo, está a realizar para tentar ajudar os mais necessitados.

Vossa Excelência começa a sua missão na Santa Sé precisamente no ano em que o Chile celebra o bicentenário da sua Independência, isto oferece-me a oportunidade para sublinhar mais uma vez o papel da Igreja nos acontecimentos mais relevantes do seu país, como também na consolidação de uma identidade nacional própria, profundamente marcada pelo sentimento católico. São numerosos os frutos que o Evangelho produziu nesta terra bendita. Frutos abundantes de santidade, de caridade, de promoção humana, de procura constante da paz e da convivência. Neste sentido, desejo recordar a celebração, no ano passado, do 25º aniversário da assinatura do Tratado de Paz e Amizade com a Nação irmã, a Argentina, que com a mediação pontifícia, pôs fim ao desacordo austral. Este Acordo histórico ficará para as gerações vindouras como um luminoso exemplo do imenso bem que a paz traz consigo e também da importância de conservar e promover aqueles valores morais e religiosos que constituem o tecido mais íntimo da alma de um povo. Não se pode pretender explicar o triunfo deste anseio de paz, de concórdia e de entendimento, se não se considerar quanto germinou em profundidade a semente do Evangelho nos corações dos chilenos. Neste sentido, especialmente nas circunstâncias actuais, em que é preciso enfrentar muitos desafios que ameaçam a própria identidade cultural, é importante favorecer sobretudo entre os jovens um orgulho saudável, uma renovada estima e revalorização da sua fé, história, cultura, tradições e riqueza artística, e daquilo que constitui o melhor e mais rico património espiritual e humano do Chile.

Neste contexto, queria sublinhar que, não obstante a Igreja e o Estado sejam independentes e autónomos cada um no próprio campo, ambos são chamados a desenvolver uma colaboração leal e respeitosa para servir a vocação pessoal e social das pessoas (cf. Gaudium et spes GS 76). Ao levar a cabo a sua específica missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo, a Igreja tenta responder às expectativas e aos interrogativos dos homens, apoiando-se também nos valores e princípios éticos e antropológicos inscritos na natureza do ser humano. Quando a Igreja faz sentir a sua voz diante dos grandes desafios e problemas actuais, como as guerras, a fome, a pobreza extrema, a defesa da vida humana desde da sua concepção até ao fim natural, ou a promoção da família fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher e primeira responsável da educação dos filhos, não age para um interesse particular ou segundo princípios que só podem ser percebidos pelos que professam uma determinada fé religiosa. Respeitando as regras da convivência democrática, fá-lo pelo bem de toda a sociedade e em nome dos valores que cada indivíduo pode compartilhar com a própria recta razão (cf. Discurso ao Presidente da República italiana, 20 de Novembro de 2006).

1190 A este respeito, o povo chileno sabe bem que a Igreja nesta Nação colabora sincera e eficazmente, e deseja continuar a fazê-lo, em tudo o que possa contribuir para a promoção do bem comum, do justo progresso e da pacífica e harmoniosa convivência de todos os que vivem nesta bonita terra.

Senhor Embaixador, antes de terminar este encontro, expresso-lhe os meus bons votos para o cumprimento da sua alta missão, e garanto-lhe também o cordial acolhimento e disponibilidade por parte dos meus colaboradores. Com estes sentimentos, invoco de coração sobre Vossa Excelência, a sua família e os membros desta Missão Diplomática, assim como sobre todo o amado povo chileno e os seus governantes, por intercessão da Virgem do Carmo, a abundância das bênçãos divinas.






AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A IMPRENSA CATÓLICA E NOVAS TECNOLOGIAS PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS Sala Clementina

Quinta-feira, 7 de Outubro de 2010




Amados irmãos no episcopado
Ilustres Senhoras e Senhores

É com alegria que vos recebo no final dos quatro dias de intenso trabalho promovidos pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais e dedicadas à imprensa católica. Saúdo cordialmente todos vós — provenientes de oitenta e cinco países — que trabalhais nos diários, nos semanais ou em outros periódicos e nos sites da internet. Saúdo o Presidente do Dicastério, D. Claudio Maria Celli, a quem agradeço ter-se feito intérprete dos sentimentos de todos, assim como os Secretários, o Subsecretário, todos os Oficiais e os Funcionários. Estou feliz por poder dirigir-vos uma palavra de encorajamento a dar continuidade ao vosso trabalho, importante e qualificado, com motivações renovadas.

O mundo dos mass media atravessa uma profunda transformação, também no seu interior. O desenvolvimento das novas tecnologias e, de modo particular, a difundida multimedialidade parecem pôr em discussão o papel dos meios mais tradicionais e consolidados. Oportunamente, o vosso Congresso considera o papel peculiar da imprensa católica. Com efeito, uma reflexão atenta sobre este campo faz sobressair dois aspectos particulares: por um lado, a especificidade do instrumento, a imprensa, ou seja a palavra escrita e a sua actualidade e eficácia, numa sociedade que viu multiplicar-se antenas, parábolas e satélites, que se tornaram praticamente os emblemas de um novo modo de comunicar na era da globalização. Por outro lado a conotação «católica», com a responsabilidade que daqui deriva, de lhe ser fiel de maneira explícita e substancial, através do compromisso quotidiano de percorrer a via mestra da verdade.

A busca da verdade deve ser empreendida pelos jornalistas católicos com a mente e o coração apaixonados, mas também com a profissionalidade de agentes competentes e dotados de meios adequados e eficazes. Isto é ainda mais importante neste momento histórico, que requer que a própria figura do jornalista, como mediador dos fluxos de informação, realize uma mudança profunda. Hoje, por exemplo, na comunicação o mundo da imagem assume uma importância cada vez maior, com o desenvolvimento de tecnologias sempre novas; contudo, se por um lado tudo isto comporta aspectos indubitavelmente positivos, por outro, a imagem pode tornar-se também independente do real, pode dar vida a um mundo virtual com várias consequências, a primeira das quais é o risco da indiferença em relação à verdade. Com efeito, as novas tecnologias, juntamente com os progressos que elas proporcionam, podem tornar o verdadeiro e o falso intercambiáveis, podem induzir a confundir o real com o virtual. Além disso, a filmagem de um acontecimento feliz ou triste pode ser vista como espectáculo, e não como ocasião de reflexão. Então, a busca de caminhos para uma autêntica promoção do homem passa em segundo plano, porque o acontecimento é apresentado principalmente para suscitar emoções. Estes aspectos soam sempre como um sinal de alarme: convidam a considerar o perigo que o virtual afaste da realidade e não estimule à busca do verdadeiro, da verdade.

Neste contexto, a imprensa católica é chamada de modo novo a manifestar até ao fundo as suas potencialidades e a explicar cada dia a sua missão irrenunciável. A Igreja dispõe de um elemento simplificador, dado que a fé cristã tem em comum com a comunicação uma estrutura fundamental: o facto de que o meio e a mensagem coincidem; com efeito, o Filho de Deus, o Verbo encarnado é mensagem de salvação e ao mesmo tempo meio através do qual se alcança a salvação. Não se trata de um simples conceito, mas de uma realidade acessível a todos, mesmo àqueles que, embora vivam como protagonistas na complexidade do mundo, são capazes de conservar a honestidade intelectual, que é própria dos «pequeninos» do Evangelho. Além disso a Igreja, Corpo místico de Cristo, presente contemporaneamente em toda a parte, alimenta a capacidade de relacionamentos mais fraternais e mais humanos, colocando-se como lugar de comunhão entre os crentes e ao mesmo tempo como sinal e instrumento da vocação de todos para a comunhão. A sua força é Cristo, e em seu Nome ela «segue» o homem pelos caminhos do mundo para o salvar do «mysterium iniquitatis», insidiosamente presente nele. A imprensa evoca de maneira mais directa do que qualquer outro meio de comunicação, o valor da palavra escrita. A Palavra de Deus chegou aos homens e foi transmitida também a nós através de um livro, a Bíblia. A palavra permanece o instrumento fundamental e, num certo sentido, constitutivo da comunicação: ela é utilizada hoje sob várias formas e inclusive na chamada «civilização da imagem» conserva todo o seu valor.

A partir destas breves considerações, parece evidente que o desafio comunicativo é, para a Igreja e para quantos compartilham a sua missão, deveras exigente. Os cristãos não podem ignorar a crise de fé que se abateu sobre a sociedade, ou simplesmente confiar que o património de valores transmitido ao longo dos séculos passados possa continuar a inspirar e plasmar o futuro da família humana. A ideia de viver «como se Deus não existisse» demonstrou-se deletéria: o mundo tem necessidade sobretudo de viver «como se Deus existisse», embora não tenha a força para crer, caso contrário produzirá apenas um «humanismo desumano».

1191 Caríssimos irmãos e irmãs, quem trabalha nos meios de comunicação, se não quiser ser apenas «um bronze que ressoa ou um címbalo que tine» (1Co 13,1) — como diria São Paulo — deve manter forte em si a opção de fundo que o habilita a tratar as realidades do mundo, colocando Deus sempre no ápice da escala de valores. A época em que vivemos, não obstante disponha de uma notável carga de positividade, porque a trama da história está nas mãos de Deus e o seu desígnio eterno se revela cada vez mais, permanece marcada também por numerosas sombras. Estimados agentes da imprensa católica, a vossa tarefa consiste em ajudar o homem contemporâneo a orientar-se para Cristo, único Salvador, e a manter acesa no mundo a chama da esperança, para viver dignamente o hoje e construir o futuro de maneira adequada. Por isso, exorto-vos a renovar constantemente a vossa opção pessoal por Cristo, haurindo daqueles recursos espirituais que a mentalidade mundana subestima, mas que são preciosos, aliás indispensáveis. Caros amigos, encorajo-vos a continuar a desempenhar o vosso não fácil compromisso, enquanto vos acompanho com as minhas orações, a fim de que o Espírito Santo o torne profícuo. A minha bênção, repleta de carinho e de gratidão, que vos concedo de bom grado, quer abraçar-vos a vós aqui presentes e a quantos trabalham na imprensa católica no mundo inteiro.






AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO DE ESTUDOS PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS TEXTOS LEGISLATIVOS Sala Clementina

9100
Sábado, 9 de Outubro de 2010




Senhores Cardeais
Venerados Patriarcas Arcebispos-Mores
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Representantes de outras Igrejas e Comunidades eclesiais
Distintos Profissionais do Direito Canónico Oriental

É com grande alegria que vos recebo na conclusão do Congresso de estudos, mediante o qual se desejou, oportunamente, celebrar o vigésimo aniversário da promulgação do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium. Saúdo cordialmente todos vós, a começar por D. Francesco Coccopalmerio, a quem agradeço as palavras que me dirigiu, também em nome dos presentes. Dirijo um pensamento reconhecido à Congregação para as Igrejas Orientais, ao Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e ao Pontifício Instituto Oriental, que colaboraram com o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos na organização do presente Congresso. Desejo manifestar o meu cordial apreço aos Relatores pela competente contribuição científica para esta iniciativa eclesial.

Vinte anos após a promulgação do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, queremos prestar homenagem à intuição do Venerável João Paulo II que, na sua solicitude a fim de que as Igrejas Orientais católicas «floresçam e realizem com novo vigor apostólico a missão que lhes foi confiada» (Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Orientalium Ecclesiarum
OE 1), desejou dotar estas venerandas Igrejas de um Código completo, comum e adaptado aos tempos. Foi assim que se cumpriu «a vontade constante dos próprios romanos Pontífices de promulgar dois Códigos, um para a Igreja latina e outro para as Igrejas Orientais católicas» (Constituição Apostólica Sacri canones). Ao mesmo tempo, confirmou-se «claramente a intenção constante e firme do supremo legislador na Igreja, a propósito da conservação fiel e da observância diligente de todos os ritos» (Ibidem).

Ao Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium seguiram-se outros dois importantes documentos do magistério de João Paulo II: a Carta Encíclica Ut unum sint (1995) e a Carta Apostólica Orientale lumen (1995). Além disso, não podemos esquecer o Directório para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (1993) e a Instrução acerca da aplicação das prescrições litúrgicas do Código, da Congregação para as Igrejas Orientais (1996). Nestes respeitáveis documentos do Magistério, vários cânones do Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, assim como do Codex Iuris Canonici, são quase textualmente citados, comentados e aplicados à vida da Igreja.

Esta comemoração de vinte anos não constitui só um momento celebrativo para conservar a sua memória, mas é uma oportunidade providencial de verificação, à qual são chamadas principalmente as Igrejas Orientais católicas sui iuris e as respectivas instituições, de maneira especial as Hierarquias. A este propósito, a Constituição Apostólica Sacri canones já previa os âmbitos de verificação. Trata-se de ver em que medida o Código teve efectivamente força legal para todas as Igrejas Orientais católicas sui iuris e como ele foi traduzido na actividade da vida quotidiana das mesmas Igrejas Orientais; e em que medida a potestade legislativa de cada uma das Igrejas sui iuris providenciou a promulgação do seu direito particular, tendo presentes as tradições do próprio rito, como também as disposições do Concílio Vaticano II.

As temáticas do vosso Congresso, subdivididas em três unidades: a história, as legislações especiais e as perspectivas ecuménicas, indicam um itinerário mais significativo do que nunca, a ser seguido nesta verificação. Ela deve começar a partir da consciência de que o novo Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium criou para os fiéis orientais católicos uma situação disciplinar parcialmente nova, tornando-se um instrumento válido para conservar e promover o próprio rito, entendido como «património litúrgico, teológico, espiritual e disciplinar, distinto por culturas e por circunstâncias históricas dos povos, que se manifesta segundo um modo de viver a fé que é próprio de cada uma das Igrejas sui iuris» (CIO 28 § 1).

A propósito, os cânones sagrados da Igreja antiga, que inspiram a codificação oriental hoje em vigor, estimulam todas as Igrejas orientais a conservar a identidade que lhes é própria, e que é ao mesmo tempo oriental e católica. Ao conservarem a comunhão católica, as Igrejas Orientais católicas não tencionavam de modo algum negar a fidelidade à sua tradição. Como foi afirmado muitas vezes, a já alcançada plena unidade das Igrejas Orientais católicas com a Igreja de Roma não deve comportar para elas uma diminuição na consciência da sua autenticidade e originalidade. Por conseguinte, a tarefa de todas as Igrejas Orientais católicas consiste em conservar o comum património disciplinar e alimentar as tradições que lhes são próprias, e que constituem uma riqueza para a Igreja inteira.

Os próprios cânones sagrados dos primeiros séculos da Igreja constituem em vasta medida o mesmo património fundamental de disciplina canónica que regula inclusive as Igrejas ortodoxas. Portanto, as Igrejas Orientais católicas podem oferecer uma contribuição peculiar e relevante para o caminho ecuménico. É-me grato saber que durante o vosso congresso tivestes em consideração este aspecto particular, e encorajo-vos a fazer dele objecto de ulteriores estudos, cooperando desta forma, por vossa vez, para o compromisso conjunto de aderir à oração do Senhor: «Para que todos sejam um só... a fim de que o mundo creia...» (Jn 17,21).

Caros amigos, no âmbito do compromisso hodierno da Igreja em vista de uma nova evangelização, o direito canónico, como ordenamento peculiar e indispensável da estrutura eclesial, não deixará de contribuir eficazmente para a vida e a missão da Igreja no mundo, se todos os componentes do Povo de Deus souberem interpretá-lo com sabedoria e aplicá-lo com fidelidade. Por isso exorto todos os amados filhos orientais, como já fez o Venerável João Paulo II, «a observar os preceitos indicados com espírito sincero e com vontade humilde, sem duvidar minimamente que as Igrejas Orientais hão-de providenciar da melhor maneira possível ao bem das almas dos fiéis cristãos com uma disciplina renovada, e que sempre hão-de florescer e desempenhar a missão que lhes foi confiada, sob a salvaguarda da gloriosa e abençoada sempre Virgem Maria que, segundo a verdade plena, é chamada Theothokos e resplandece como Mãe excelsa da Igreja universal» (Constituição Apostólica Sacri canones).

Acompanho estes bons votos com a Bênção Apostólica que vos concedo, a vós e a quantos oferecem a própria contribuição nos vários campos ligados ao direito canónico oriental.





ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA O MÉDIO ORIENTE

DO SÍNODO DOS BISPOS

MEDITAÇÃO

NO INÍCIO DOS TRABALHOS DO SÍNODO DOS BISPOS Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010



Estimados irmãos e irmãs

Há quarenta e oito anos, a 11 de Outubro de 1962, o Papa João XXIII inaugurou o Concílio Vaticano II. Celebrou-se então no dia 11 de Outubro a festa da Maternidade divina de Maria e, com este gesto, com esta data, o Papa João quis confiar todo o Concílio às mãos maternas, ao Coração maternal de Nossa Senhora. Também nós começamos no dia 11 de Outubro, também nós queremos confiar este Sínodo, com todos os problemas, com todos os desafios, com todas as esperanças, ao Coração materno de Nossa Senhora, da Mãe de Deus.

Em 1931, Pio XI introduziu esta festa, mil e quinhentos anos depois do Concílio de Éfeso, que havia legitimado para Maria o título de Theotókos, Dei Genitrix. Nesta grande palavra, Dei Genitrix, Theotókos, o Concílio de Éfeso resumiu toda a doutrina de Cristo, de Maria, toda a doutrina da redenção. E assim vale a pena meditar um pouco, por um momento, sobre aquilo de que fala o Concílio de Éfeso, sobre o que este dia significa .

Na realidade, Theotókos é um título audaz. Uma mulher é Mãe de Deus. Poder-se-ia dizer: como é possível? Deus é eterno, é o Criador. Nós somos criaturas, vivemos no tempo: como poderia uma pessoa humana ser Mãe de Deus, do Eterno, dado que todos nós vivemos no tempo, todos nós somos criaturas? Por isso, compreende-se que havia uma certa oposição, a esta palavra. Os nestorianos diziam: pode-se falar de Christotókos, sim, mas não de Theotókos: Theós, Deus, vai mais além, está acima dos acontecimentos da história. Mas o Concílio decidiu isto, e precisamente assim esclareceu a aventura de Deus, a grandeza daquilo que Ele fez por nós. Deus não permaneceu em si mesmo: saiu dele próprio, uniu-se de tal modo, de forma tão radical com este homem, Jesus, que este homem Jesus é Deus, e se falamos dele, podemos sempre falar de Deus. Não nasceu apenas um homem que tinha a ver com Deus, mas nele nasceu Deus na terra. Deus saiu de si mesmo. Mas podemos dizer também o contrário: Deus atraiu-nos para si mesmo, de tal forma que já não estamos fora de Deus, mas no íntimo, na intimidade do próprio Deus.

1193 A filosofia aristotélica, como bem sabemos, diz-nos que entre Deus e o homem só existe uma relação não recíproca. O homem refere-se a Deus, mas Deus, o Eterno, está em si, não muda: não pode ter hoje esta relação e amanhã outra. Está em si, não mantém uma relação ad extra. É uma palavra muito lógica, mas é também uma palavra que nos faz desesperar: portanto, o próprio Deus não mantém relação comigo. Com a encarnação, com o acontecimento da Theotókos, isto mudou radicalmente, porque Deus nos atraiu para si mesmo e Deus em si próprio é relação e faz-nos participar na sua relação interior. Assim estamos no seu ser Pai e Filho e Espírito Santo, estamos no interior do seu estar em relação, estamos em relação com Ele, e Ele realmente estabeleceu uma relação connosco. Naquele momento, Deus queria nascer de uma mulher e ser sempre Ele mesmo: nisto consiste o grande acontecimento. E assim podemos compreender a profundidade do gesto do Papa João, que confiou a Assembleia conciliar, sinodal, ao mistério central, à Mãe de Deus que é atraída pelo Senhor nele mesmo, e assim todos nós com Ela.

O Concílio começou com o ícone da Theotókos. No final, o Papa Paulo VI reconheceu a Nossa Senhora o título de Mater Ecclesiae. E estes dois ícones, que começam e concluem o Concílio, estão intrinsecamente unidos, no final constituem um único ícone, porque Cristo não nasceu como um indivíduo entre outros. Ele nasceu para criar para si um corpo: nasceu — como diz João no capítulo 12 do seu Evangelho — para atrair todos a si e em si. Nasceu — como dizem as Cartas aos Colossenses e aos Efésios — para recapitular o mundo inteiro, nasceu como primogénito de muitos irmãos, nasceu para reunir o cosmos em si, de tal forma que Ele é a Cabeça de um grande Corpo. Onde nasce Cristo, começa o movimento da recapitulação, tem início o momento da chamada, da construção do seu Corpo, da santa Igreja. A Mãe de Theós, a Mãe de Deus, é Mãe da Igreja, porque é Mãe daquele que veio para nos reunir a todos no seu Corpo ressuscitado.

São Lucas faz-nos compreender isto no paralelismo entre o primeiro capítulo do seu Evangelho e o primeiro capítulo dos Actos dos Apóstolos, que repetem a dois níveis o mesmo mistério. No primeiro capítulo do Evangelho, o Espírito Santo desce sobre Maria e assim Ela dá à luz e oferece-nos o Filho de Deus. No primeiro capítulo dos Actos dos Apóstolos, Maria está no centro dos discípulos de Jesus que oram juntos, implorando a nuvem do Espírito Santo. E é assim que da Igreja crente, com Maria no centro, nasce a Igreja, o Corpo de Cristo. Este nascimento dúplice é o único nascimento do Christus totus, de Cristo que abraça o mundo e todos nós.

Nascimento em Belém, nascimento no Cenáculo. Nascimento do Menino Jesus, nascimento do Corpo de Cristo, da Igreja. São dois acontecimentos ou um único evento. Mas entre os dois encontram-se realmente a Cruz e a Ressurreição. E só através da Cruz tem lugar o caminho rumo à totalidade de Cristo, rumo ao seu Corpo ressuscitado, rumo à universalização do seu ser na unidade da Igreja. E assim, tendo presente o facto de que somente do grão de trigo que cai na terra nasce depois a grande colheita, do Senhor trespassado na Cruz deriva a universalidade dos seus discípulos reunidos neste seu Corpo, morto e ressuscitado.

Tendo em consideração este nexo entre Theotókos e Mater Ecclesiae, o nosso olhar dirige-se para o último livro da Sagrada Escritura, o Apocalipse onde, no capítulo 12, aparece precisamente esta síntese. A mulher vestida de sol, com doze estrelas sobre a cabeça, e a lua debaixo dos seus pés, que dá à luz. E dá à luz com um grito de dor, dá à luz com grande sofrimento. Aqui o mistério mariano é o mistério de Belém ampliado ao mistério cósmico. Cristo nasce sempre de novo em todas as gerações e assim assume, reúne a humanidade em si mesmo. E este nascimento cósmico realiza-se no clamor da Cruz, na dor da Paixão. E a este brado da Cruz pertence o sangue dos mártires.

Assim, neste momento podemos lançar um olhar sobre o segundo Salmo desta Hora Média, o Salmo 81, onde se vê uma parte deste processo. Deus está entre os deuses — em Israel ainda são considerados como deuses. Neste Salmo, numa grande concentração, numa visão profética, vê-se a destronização dos deuses. Aqueles que pareciam deuses não são deuses, e perdem a índole divina, caem no chão. Dii estis et moriemini sicut homines (cf. Sl
Ps 81,6-7): a destronização, a queda das divindades.

Este processo que se realiza no longo caminho da fé de Israel, e que aqui é resumido numa única visão, constitui um verdadeiro processo da história da religião: a queda dos deuses. E assim a transformação do mundo, o conhecimento do Deus verdadeiro, a destronização das forças que dominam a terra, é um processo de sofrimento. Na história de Israel nós vemos como este libertar-se do politeísmo, este reconhecimento — «só Ele é Deus» — realiza-se no meio de muitas dores, a começar pelo caminho de Abraão, o exílio, os Macabeus, até chegar a Cristo. E na história continua este processo da destronização, de que fala o Apocalipse no capítulo 12; fala da queda dos anjos, que não são anjos, não são divindades sobre a terra. E realiza-se de modo real, precisamente no tempo da Igreja nascente, onde vemos que com o sangue dos mártires são destronizadas as divindades, a começar pelo imperador divino, por todas estas divindades. É o sangue dos mártires, a dor, o clamor da Mãe-Igreja, que as faz cair e assim transforma o mundo.

Esta queda não é só o conhecimento de que elas não são Deus; é o processo de transformação do mundo, ao preço do sangue, do sofrimento das testemunhas de Cristo. E se olharmos bem, vemos que este processo nunca terminou. Realiza-se nos vários períodos da história, de modos sempre novos; também hoje, neste momento em que Cristo, o único Filho de Deus, deve nascer para o mundo com a queda dos deuses, com a dor e o martírio das testemunhas. Pensemos nas grandes potências da história de hoje, pensemos nos capitais anónimos que escravizam o homem, que já não são algo do homem, mas constituem um poder anónimo servido pelos homens, pelo qual os homens são atormentados e até trucidados. São um poder destruidor, que ameaça o mundo. Além disso, há o poder das ideologias terroristas. Aparentemente em nome de Deus, faz-se violência, mas não é de Deus: trata-se de falsas divindades, que devem ser desmascaradas, que não são Deus. E depois a droga, este poder que, como uma fera voraz, estende as suas garras sobre todas as regiões da terra e destrói: é uma divindade, mas uma divindade falsa, que deve cair. Ou então o modo de viver propagado pela opinião pública: hoje acontece assim, o matrimónio já não conta, a castidade já não é uma virtude, e assim por diante.

Estas ideologias que predominam, a ponto de se imporem com a força, são divindades. E na dor dos santos, no sofrimento dos crentes, da Mãe-Igreja da qual nós fazemos parte, estas divindades devem desaparecer, deve realizar-se aquilo que dizem as Cartas aos Colossenses e aos Efésios: os domínios, os poderes caem e tornam-se escravos do único Senhor Jesus Cristo. Desta luta em que nós vivemos, desta destronização de Deus, desta queda dos falsos deuses, que desaparecem porque não são divindades, mas poderes que destroem o mundo, como fala o Apocalipse no capítulo 12, também com uma imagem misteriosa da qual, parece-me, existem todavia várias interpretações bonitas. Afirma-se que o dragão põe um grande rio de água contra a mulher em fuga, para a arrasar. E parece inevitável que a mulher se afogue neste rio. Mas a boa terra absorve este rio e ele já não pode ser nocivo. Na minha opinião, o rio é facilmente interpretável: são aquelas correntes que dominam todos e que querem fazer desaparecer a fé da Igreja, que já não parece ter um lugar diante da força de tais correntes que se impõem como a única racionalidade, como o único modo de viver. E a terra que absorve estas correntes é a fé dos simples, que não se deixa arrastar por estes rios e assim salva a Mãe e salva o Filho. Por isso, o Salmo diz — o primeiro Salmo da Hora Média — que a fé dos simples constitui a verdadeira sabedoria (cf. Sl Ps 118,130). Esta verdadeira sabedoria da fé simples, que não se deixa arrastar pelas águas, é a força da Igreja. E assim voltamos ao mistério mariano.

E há também uma última palavra no Salmo 81, «movebuntur omnia fundamenta terrae» (Ps 81,5), vacilam os fundamentos da terra. Vemo-lo hoje, com os problemas climáticos, como são ameaçados os fundamentos da terra, mas são ameaçados pelo nosso comportamento. Vacilam os fundamentos exteriores, porque vacilam os fundamentos interiores, os fundamentos morais e religiosos, a fé da qual deriva o modo recto de viver. E sabemos que a fé é o fundamento e, em última análise, os fundamentos da terra não podem vacilar, se a fé e a verdadeira sabedoria permanecerem firmes.

E depois o Salmo diz: «Levantai-vos, Senhor, para julgar a terra» (Ps 81,8). Assim, também nós digamos ao Senhor: «Levantai-vos neste momento, tomai a terra nas vossas mãos, protegei a vossa Igreja, tutelai a humanidade, salvaguardai a terra». E voltemos a confiar-nos à Mãe de Deus, a Maria, e oremos: «Tu, a grande crente, Tu que abriste a terra ao céu, ajuda-nos, abre também hoje as portas, para que sejam vencedoras a verdade, a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem, a autêntica salvação do mundo». Amém.






NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELO MAESTRO ENOCH ZU GUTTENBERG Sala Paulo VI

1194
Sábado, 16 de Outubro de 2010

Senhores Cardeais!

Venerados Irmãos!
Ilustres Senhores e Senhoras!

No final de uma escuta tão intensa, o ânimo gostaria de se deter em recolhimento, mas ao mesmo tempo sente a necessidade de manifestar o reconhecimento.

Desejo transmitir o meu cordial agradecimento ao Maestro Enoch zu Guttenberg, pelas sentidas palavras que me dirigiu e por me ter querido oferecer este concerto, juntamente com a maravilhosa Orquestra «Die Klang Verwaltung», com o Chorgemeinschaft Neubeuern e com a Familie der Freiherren von und zu Guttenberg. A ele, que dirigiu a execução, aos solistas, a cada um dos orquestrais e coristas transmito o meu agradecido apreço. Obrigado de coração!

Sinto-me feliz por saudar os Senhores Cardeais, os Prelados, sobretudo os Padres sinodais, as distintas Autoridades, e todos vós — entre os quais os pobres assistidos pela Caritas diocesana de Roma — que pudestes apreciar esta excelente execução da Missa de Réquiem de Giuseppe Verdi. Ele compô-la em 1873, para a morte de Alessandro Manzoni, que admirava e quase venerava. Numa carta é perguntado: «Que vos poderia dizer de Manzoni? Como explicar-vos a sensação dulcíssima, indefinível, nova, produzida em mim na presença daquele Santo, como o chamais?». Na mente do grande Compositor, esta obra devia ser o ápice e o momento final da sua produção musical: não era só a homenagem ao grande escritor, mas também a resposta a uma exigência artística, interior e espiritual, que o confronto com a estatura humana e cristã de Manzoni tinha suscitado nele.

Giuseppe Verdi dedicou-se a perscrutar o coração do homem; nas suas obras ressaltou o drama da condição humana: com a música, as histórias representadas, as várias personagens. O seu teatro está cheio de infelizes, de perseguidos, de vítimas. Em muitas páginas da Missa de Réquiem ressoa esta visão trágica dos destinos humanos: aqui tocamos a realidade inevitável da morte e a questão fundamental do mundo transcendente, e Verdi, livre dos elementos do cenário, representa, unicamente com as palavras da Liturgia católica e com a música, a gama dos sentimentos humanos perante o fim da vida: a angústia do homem em relação com a sua natureza frágil, o sentido de rebelião diante da morte, o temor diante do limiar da eternidade. Esta música convida a reflectir sobre as realidades últimas, com todos os estados de ânimo do coração humano, numa série de contrastes de formas, tons, aspectos, nos quais se alternam momentos dramáticos e momentos melódicos, marcados por esperança.

Giuseppe Verdi que, numa famosa carta ao editor Ricordi, se definia «um pouco ateu», escreve esta Missa, que nos parece como um grande apelo ao Pai Eterno, na tentativa de superar o brado do desespero diante da morte, para reencontrar o anseio de vida que se torna silenciosa e oração urgente: «Libera me, Domine». O Réquiem de Verdi abre-se, de facto, com uma frase em La menor, que parece quase descer ao silêncio — poucos toques dos violoncelos, muito baixo, em surdina — e conclui-se com a invocação submissa ao Senhor «Libera me». Esta catedral musical revela-se como descrição do drama espiritual do homem diante de Deus Omnipotente, do homem que não pode eludir o eterno interrogativo sobre a própria existência.

Depois da Missa de Réquiem, Verdi vive uma espécie de segunda «estação compositiva», que se concluirá de novo com música religiosa, os «Pezzi Sacri»: um sinal da sua preocupação espiritual, um sinal do seu anseio por Deus está inscrito no coração do ser humano, porque a nossa esperança repousa no Senhor. «Qui Mariam absolvisti, et latronem exausdisti, nihi quoque spem dedisti», ouvimos: «Tu que perdoaste Maria (madalena) e satisfizeste o bom ladrão, também a mim deste esperança». O grande afresco musical desta tarde renova em nós a certeza das palavras de Santo Agostinho: «Inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te — O nosso coração está inquieto, enquanto não repousar em ti» (Confissões, I, 1).

1195 Queridos amigos, mais uma vez devemos dar graças ao Senhor que nos concedeu um momento de verdadeira beleza, capaz de elevar o nosso espírito. E ao mesmo tempo devemos agradecer também quem se fez instrumento da divina Providência! Portanto, obrigado mais uma vez ao Prof. Enoch zu Guttenberg, aos solistas, à orquestra e ao coro, e a quantos colaboraram de diversos modos para a realização desta bonita noite. O Senhor doe a todos a sua recompensa.

Obrigado e boa noite!






Discursos Bento XVI 1189