Discursos Bento XVI 1255

À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO COLÉGIO FILIPINO NO CINQUENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO

Sala Clementina
Sábado, 19 de Fevereiro de 2011



Eminência
1256 Prezados Irmãos Bispos
e Sacerdotes

Estou feliz por vos dirigir as minhas saudações, estudantes e professores do Pontifício Colégio Filipino, neste ano que marca o cinquentenário da sua instituição pelo meu predecessor, o beato João XXIII. Unindo-me a vós agradeço a Deus pelo contributo que o vosso Colégio ofereceu à vida dos vossos concidadãos Filipinos, quer na pátria quer no estrangeiro, nos últimos cinquenta anos.

Como instituto de formação localizado aqui, junto dos túmulos dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo, o Colégio Filipino realizou a missão que lhe foi confiada de vários modos. A sua primeira e mais importante tarefa permanece a assistência aos estudantes nas suas formações nas ciências sagradas, que foi bem desempenhada, pois centenas de sacerdotes regressaram a casa com títulos de estudo superiores obtidos nas diferentes universidades e institutos pontifícios da cidade e foram servir a Igreja em várias partes do mundo, alguns distinguindo-se grandemente. Permiti que vos encoraje, a vós que sois a geração actual de estudantes do Colégio, a crescer na fé, a procurar a excelência nos estudos e a colher todas as oportunidades oferecidas para alcançar a maturidade espiritual e teológica, a fim de estarem equipados, preparados e serem corajosos para qualquer acontecimento que o futuro vos reservar.

Como sabeis, uma preparação sacerdotal completa inclui não apenas a acadêmica: além e acima da componente intelectual que lhes é oferecida, os estudantes do Colégio Filipino são também formados espiritualmente através da história viva da Igreja de Roma e do brilhante exemplo dos seus mártires, cujo sacrifício os configura perfeitamente à própria pessoa de Jesus Cristo.

Estou confiante de que cada um de vós será inspirado pela sua união com o mistério de Cristo e acolherá a chamada do Senhor à santidade que, exige de vós como sacerdotes, precisamente a doação total da vossa vida e do vosso trabalho a Deus. Fazendo isto juntamente com outros jovens sacerdotes e seminaristas reunidos aqui de todas as partes de mundo, regressareis a casa, como os que vos precederam, com o sentido permanente de gratidão pela história da Igreja de Roma, as suas raízes no mistério pascal de Cristo e a sua maravilhosa universalidade.

Durante a vossa permanência em Roma, as necessidades pastorais nunca devem ser esquecidas, portanto é bom, mesmo para os sacerdotes que ainda estão a estudar, considerar as pessoas à volta, inclusive os membros da comunidade filipina que vivem em Roma e arredores. Ao dedicar-vos a esta tarefa, procurai um equilíbrio saudável entre preocupações pastorais locais e as exigências académicas da vossa permanência, para o benefício de todos.

Por fim, não esqueçais a afeição que o Papa têm por vós e pela vossa pátria. Exorto todos vós a regressar às Filipinas com um afecto inabalável pelo Sucessor de Pedro e com o desejo de fortalecer e manter a comunhão que une a Igreja à volta dele na caridade. Deste modo, depois de ter completado os estudos, sereis efectivamente o fermento do Evangelho na vida da vossa amada nação.

Invocando a intercessão de Nossa Senhora da Paz e da Boa Viagem, como penhor de graça e paz no Senhor, concedo de bom grado a todos vós a minha Bênção Apostólica.



AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA

Sala Clementina
Sábado, 26 de Fevereiro de 2011

Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
1257 no Episcopado e no Sacerdócio
Prezados Irmãos e Irmãs

Recebo-vos com alegria, por ocasião da Assembleia anual da Pontifícia Academia para a Vida. Saúdo de modo particular o Presidente, D. Ignacio Carrasco de Paula, agradeço-lhe as amáveis palavras que proferiu. Dirijo a cada um as minhas cordiais boas-vindas! Nos trabalhos destes dias abordastes temas de actualidade relevante, que interrogam profundamente a sociedade contemporânea, desafiando-a a encontrar respostas cada vez mais adequadas ao bem da pessoa humana. A temática da síndrome pós-abortiva — ou seja, o grave mal-estar psíquico experimentado frequentemente pelas mulheres que recorreram ao aborto voluntário — revela a voz insuprimível da consciência moral e a ferida gravíssima que ela padece cada vez que a acção humana atraiçoa a vocação inata ao bem do ser humano, que ela testemunha. Nesta reflexão seria útil também prestar atenção à consciência, por vezes ofuscada, dos pais das crianças que muitas vezes deixam sozinhas as mulheres grávidas. A consciência moral — ensina o Catecismo da Igreja Católica — é aquele «juízo da razão, mediante o qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral de um acto concreto que vai praticar, que está prestes a executar, ou que já realizou» (n. 1.778). Com efeito, é tarefa da consciência moral discernir o bem do mal, nas várias situações da existência a fim de que, com base neste juízo, o ser humano possa orientar-se livremente para o bem. A quantos gostariam de negar a existência da consciência moral no homem, reduzindo a sua voz ao resultado de condicionamentos exteriores, ou a um fenómeno puramente emotivo, é importante recordar que a qualidade moral do agir humano não é um valor extrínseco ou então opcional, nem sequer é uma prerrogativa dos cristãos ou dos fiéis, mas associa todos os seres humanos. Na consciência moral, Deus fala a cada um e convida a defender a vida humana em cada momento. Neste vínculo pessoal com o Criador encontram-se a profunda dignidade da consciência moral e a razão da sua inviolabilidade.

Na consciência, o homem na sua integridade — inteligência, emotividade e vontade — realiza a própria vocação ao bem, de tal modo que a opção do bem ou do mal nas situações concretas da existência acaba por marcar profundamente a pessoa humana em cada uma das expressões do seu ser. Com efeito, o homem inteiro permanece ferido quando o seu agir se realiza contrariamente ao preceito da sua própria consciência. Todavia, mesmo quando o homem rejeita a verdade e o bem que o Criador lhe propõe, Deus não o abandona, mas precisamente através da voz da consciência, continua a procurá-lo e a falar-lhe, a fim de que reconheça o erro e se abra à Misericórdia divina, capaz de curar qualquer ferida.

Os médicos, em particular, não podem faltar à grave tarefa de defender a consciência contra o engano de numerosas mulheres que julgam encontrar no aborto a solução para as dificuldades familiares, económicas e sociais, ou para os problemas de saúdo do seu filho. Especialmente nesta última situação, a mulher é muitas vezes convencida, às vezes pelos próprios médicos, que o aborto representa não apenas uma escolha moralmente lícita, mas até um gesto «terapêutico» necessário, para evitar sofrimentos ao filho e à sua família, e um peso «injusto» para a sociedade. Num contexto cultural caracterizado pelo eclipse do sentido da vida, em que se atenuou enormemente a percepção comum da gravidade moral do aborto e de outras formas de atentados contra a vida humana, exige-se dos médicos uma especial fortaleza para continuar a afirmar que o aborto nada resolve, mas mata a criança, aniquila a mulher e obceca a consciência do pai da criança, destruindo frequentemente a vida familiar.

Todavia, esta tarefa não se refere unicamente à profissão médica e aos agentes no campo da saúde. É necessário que a sociedade inteira defenda o direito à vida da criança concebida e o verdadeiro bem da mulher que nunca, em qualquer circunstância, poderá encontrar a realização na escolha do aborto. De igual modo, será preciso — como é indicado pelos vossos trabalhos — não deixar faltar as ajudas necessárias às mulheres que, infelizmente tendo já recorrido ao aborto, estão agora a experimentar todo o seu drama moral e existencial. São múltiplas as iniciativas, no plano diocesano ou da parte de entidades de voluntariado individuais, que oferecem apoio psicológico e espiritual, para uma plena recuperação humana. A solidariedade da comunidade cristã não pode renunciar a este tipo de co-responsabilidade. A tal propósito, gostaria de evocar o convite dirigido pelo Venerável João Paulo II às mulheres que recorreram ao aborto: «A Igreja está a par dos numerosos condicionamentos que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não duvida que, em muitos casos, se tratou de uma decisão difícil, talvez dramática. Provavelmente a ferida no vosso espírito ainda não está sarada. Na realidade, aquilo que aconteceu foi e permanece profundamente injusto. Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. Sabei, antes, compreender o que se verificou e interpretai-o em toda a sua verdade. Se não o fizestes ainda, abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento: o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua paz no sacramento da Reconciliação. A este mesmo Pai e à sua misericórdia, podeis confiar com esperança o vosso filho. Ajudadas pelo conselho e pela solidariedade de pessoas amigas e competentes podereis estar, com o vosso doloroso testemunho, entre os mais eloquentes defensores do direito de todos à vida» (Encíclica Evangelium vitae
EV 99).

A consciência moral dos investigadores e de toda a sociedade civil está intimamente implicada também no segundo tema-chave dos vossos trabalhos: a utilização dos bancos de cordão umbilical, para finalidades clínicas e de pesquisa. A investigação médico-científica constitui um valor, e portanto um compromisso, não só para os pesquisadores, mas para toda a comunidade civil. Daqui nasce o dever de promover investigações eticamente válidas da parte das instituições e o valor da solidariedade dos indivíduos na participação em pesquisas destinadas a fomentar o bem comum. Este valor, e a necessidade desta solidariedade, são evidenciados muito bem no caso da utilização das células estaminais provenientes do cordão umbilical. Trata-se de aplicações clínicas importantes e de investigações promissoras no plano científico, mas que na sua realização dependem muito da generosidade na doação do sangue do cordão umbilical, no momento do parto e da adequação das estruturas, para tornar realizável a vontade de doação da parte das parturientes. Por conseguinte, convido todos vós a fazer-vos promotores de uma solidariedade humana e cristã verdadeira e consciente. A este propósito, muitos pesquisadores médicos olham justamente com perplexidade para o crescente florescimento de bancos particulares para a conservação do sangue do cordão umbilical, exclusivamente para o uso autólogo. Tal opção — como demonstram os trabalhos da vossa Assembleia — além de ser desprovida de uma superioridade científica real em relação à doação do cordão umbilical, debilita o espírito genuíno de solidariedade que deve animar constantemente a investigação daquele bem comum para o qual, em última análise, tendem a ciência e a investigação médicas.

Caros Irmãos e Irmãs, renovo a expressão do meu reconhecimento ao Presidente e a todos os Membros da Pontifícia Academia para a Vida, pelo valor científico e ético com que desempenhais o vosso compromisso ao serviço do bem da pessoa humana. Faço votos a fim de que conserveis sempre vivo o espírito de serviço autêntico, que torna as mentes e os corações sensíveis ao reconhecimento das necessidades dos homens, nossos contemporâneos. A cada um de vós e aos vossos entes queridos, concedo de coração a Bênção Apostólica.




AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

Sala Clementina
Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2011

Eminências, Excelências
1258 Estimados Irmãos e Irmãs

Estou feliz por vos receber, por ocasião da Plenária do Dicastério. Saúdo o Presidente, D. Claudio Maria Celli, a quem agradeço as amáveis palavras, os Secretários, os Oficiais, os Consultores e todos os Funcionários.

Na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, convidei a meditar sobre o facto de que as novas tecnologias não mudam só o modo de comunicar, mas levam a cabo uma vasta transformação cultural. Desenvolve-se um novo modo de aprender e de pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e construir a comunhão. Agora, gostaria de meditar sobre o facto de que o pensamento e as relações se verificam sempre segundo a modalidade da linguagem, entendida naturalmente em sentido lato, e não apenas verbal. A linguagem não é um simples revestimento intercambiável e provisório de conceitos, mas o contexto vivo e vibrante em que os pensamentos, as inquietações e os programas dos homens nascem na consciência e são plasmados mediante gestos, símbolos e palavras. Por conseguinte, o homem não só utiliza mas, num certo sentido, «habita» na linguagem. Em particular hoje, aquelas que o Concílio Vaticano ii definiu «maravilhosas invenções técnicas» (Inter mirifica
IM 1) continaum a transformar o ambiente cultural, e isto exige uma atenção específica às linguagens que nele se desenvolvem. As novas tecnologias «têm a capacidade de influenciar não só as modalidades, mas também os conteúdos do pensamento» (Aetatis novae, 4).

As novas linguagens que se desenvolvem na comunicação digital determinam, entre outras coisas, uma capacidade mais intuitiva e emotiva do que analítica, orientam para uma diferente organização lógica do pensamento e da relação com a realidade, privilegiam muitas vezes a imagem e as ligações hipertextuais. Além disso, a clara distinção tradicional entre linguagem escrita e oral parece diluir-se a favor de uma comunicação escrita que adquire a forma e a imediação da oralidade. As dinâmicas próprias das «redes participativas» exigem, de resto, que a pessoa se comprometa naquilo que comunica. Quando as pessoas trocam informações entre si, já se compartilham a si mesmas e a sua visão do mundo: tornam-se «testemunhas» daquilo que dá sentido à sua existência. Sem dúvida, os riscos que se correm saltam aos olhos de todos: a perda da interioridade, a superficialidade na vivência dos relacionamentos, a fuga da emotividade, a predominância da opinião mais convincente em relação ao desejo da verdade. E no entanto eles constituem a consequência de uma incapacidade de viver plena e autênticamente o sentido das inovcações. Eis por que motivo é urgente a reflexão sobre as linguagens desenvolvidas pelas novas tecnologias. O ponto de partida é a própria Revelação, que nos dá testemunho do modo como Deus comunicou as suas maravilhas precisamente mediante a linguagem e a experiência real dos homens, «segundo a cultura própria de cada época» (Gaudium et spes GS 58), até à plena manifestação de si no Filho encarnado. A fé sempre penetra, enriquece, exalta e vivifica a cultura, e esta, por sua vez, faz-se veículo da fé, à qual oferece a linguagem para pensar e para se expressar. Portanto, é necessário que nos tornemos ouvintes atentos das linguagens dos homens do nosso tempo, para prestarmos atenção à obra de Deus no mundo.

Neste contexto, é importante o trabalho desempenhado pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, ao aprofundar a «cultura digital», estimulando e encorajando a reflexão para uma maior consciência a respeito dos desafios que se apresentam à comunidade eclesial e civil. Não se trata apenas de comunicar a mensagem evangélica na linguagem contemporânea, mas é preciso ter a coragem de pensar de modo mais profundo, como ocorreu noutras épocas, a relação entre a fé, a vida da Igreja e as transformações que o homem vive. Trata-se do compromisso de ajudar quantos desempenham funções de responsabilidade na Igreja, a ser capazes de compreender, interpretar e falar a «nova linguagem» dos mass media em função pastoral (cf. Aetatis novae, 2), em diálogo com o mundo contemporâneo, perguntando-se: quais são os desafios que o chamado «pensamento digital» apresenta à fé e à teologia? Quais são as interrogações e as exigências?

O mundo da comunicação interessa todo o universo cultural, social e espiritual da pessoa humana. Se as novas linguagens têm um impacto sobre o modo de pensar e de viver, isto diz respeito de alguma maneira também ao mundo da fé, da sua inteligência e expressão. Segundo uma definição clássica, a teologia é inteligência da fé, e sabemos bem que a inteligência, entendida como conhecimento ponderado e crítico, não é alheia às mudanças culturais em curso. A cultura digital apresenta novos desafios à nossa capacidade de falar e de ouvir uma linguagem simbólica que fale da transcendência. O próprio Jesus, no anúncio do Reino, soube utilizar elementos da cultura e do ambiente do seu tempo: o rebanho, os campos, o banquete, as sementes, e assim por diante. Hoje somos chamados a descobrir, também na cultura digital, símbolos e metáforas significativos para as pessoas, que possam servir de ajuda ao falar do Reino de Deus ao homem contemporâneo.

Além disso, é preciso considerar que a comunicação na época dos «novos meios de comunicação» comporta uma relação cada vez mais estreita e ordinária entre o homem e as máquinas, dos computadores aos telemóveis, citando apenas os mais comuns. Quais serão os efeitos desta relação constante? Já o Papa Paulo VI, referindo-se aos primeiros programas de automatização da análise linguística do texto bíblico, indicava uma pista de reflexão, quando se interrogava: «Não é porventura este esforço de infundir mediante instrumentos mecânicos, o reflexo de funções espirituais, que é enobrecido e elevado a um serviço, que alcança o sagrado? É o espírito que se torna prisioneiro da matéria, ou não é por acaso a matéria já domada e obrigada a executar leis do espírito, que oferece ao próprio espírito um obséquio sublime?» (Discurso no Centro de Automatização do «Aloysianum» de Gallarate, 19 de Junho de 1964). Intui-se nestas palavras o vínculo profundo com o espírito, ao qual a tecnologia é chamada por vocação (cf. Encíclica Caritas in veritate ).

É precisamente o apelo aos valores espirituais que permitirá promover uma comunicação verdadeiramente humana: para além de todo o fácil entusiasmo ou cepticismo, sabemos que ela é uma resposta à chamada, gravada na nossa natureza de seres criados à imagem e semelhança do Deus da comunhão. Por isso, a comunicação bíblica segundo a vontade de Deus está sempre vinculada ao diálogo e à responsabilidade como testemunham, por exemplo, as figuras de Abraão, Moisés, Job e os Profetas, e jamais à sedução linguística, como ao contrário é o caso da serpente, ou de incomunicabilidade e de violência, como no caso de Caim. Então, a contribuição dos fiéis poderá servir de ajuda para o próprio mundo dos mass media, abrindo horizontes de sentido e de valor que, sozinha, a cultura digital sozinha não é capaz de divisar nem de representar.

Concluindo, apraz-me recordar, juntamente com muitas outras figuras de comunicadores, a do sacerdote Matteo Ricci, protagonista do anúncio do Evangelho na China na era moderna, do qual celebrámos o IV centenário da morte. Na sua obra de difusão da mensagem de Cristo, ele considerou sempre a pessoa, o seu contexto cultural e filosófico, os seus valores e a sua linguagem, aproveitando tudo o que se encontrava de positivo na sua tradição, e oferecendo-se para o animar e enaltecer mediante a sabedoria e a verdade de Cristo.

Caros amigos, agradeço-vos o serviço que prestais; confio-o à salvaguarda da Virgem Maria e, ao assegurar-vos a minha oração, concedo-vos a Bênção Apostólica.




AO TERCEIRO GRUPO DE BISPOS DAS FILIPINAS EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»

Sala do Consistório
1259 Quinta-feira, 3 de Março de 2011



Meus dilectos Irmãos Bispos

É com alegria que vos dou as boas-vindas, no momento em que realizais a vossa visita ad limina Apostolorum. Através de vós envio as minhas cordiais saudações, através de vós, aos sacerdotes, religiosos e fiéis das vossas diversas dioceses.

O nosso encontro hodierno oferece-me a oportunidade para vos agradecer conjuntamente a obra pastoral que desempenhais com amor a Cristo e ao seu povo. Como são Paulo nos diz: «Não nos cansemos de praticar o bem, porque a seu tempo colheremos, se não tivermos desfalecido» (
Ga 6,9). Com estas palavras, o Apóstolo encoraja os seus ouvintes a praticar o bem a todos, mas especialmente àqueles que pertencem à mesma família na fé. Ele apresenta-nos um duplo imperativo, que é muito apropriado ao vosso ministério episcopal nas ilhas das regiões central e meridional do arquipélago das Filipinas. Deveis esforçar-vos por praticar o bem quer entre os cristãos quer entre os não-cristãos.

No que se refere «àqueles que pertencem à mesma família na fé», que exigem o vosso cuidado apostólico, naturalmente a Igreja nas vossas respectivas regiões compartilha muitos dos desafios pastorais que se apresentam ao restante do país. Entre eles, um dos mais importantes é a tarefa de formação catequética permanente. A profunda piedade pessoal do vosso povo tem necessidade de ser alimentada e fomentada por uma profunda compreensão e apreço do magistério da Igreja a propósito da fé e da moral. Com efeito, tais elementos são necessários a fim de que o coração humano possa dar a sua resposta plena e apropriada a Deus. Enquanto continuais a fortalecer a catequese nas vossas dioceses, não deixeis de incluir a proximidade às famílias, com uma atenção especial aos pais, no seu papel de primeiros educadores dos próprios filhos na fé. Este trabalho já é evidente no vosso apoio à família, diante das influências, que diminuiriam ou destruiriam os seus direitos e a sua integridade. Bem sei que a oferta deste tipo de formação catequética não é uma obra fácil, e aproveito o ensejo para saudar as numerosas religiosas e catequistas leigos, que vos assistem nesta importante obra.

Com efeito, como bispos diocesanos nunca enfrentais sozinhos os desafios, dado que sois assistidos primeiro e sobretudo pelo vosso clero. Como vós, também eles dedicaram a sua vida ao serviço de Deus e do seu povo e, em contrapartida, eles precisam da vossa atenção paterna. Como sabeis, vós e os vossos irmãos bispos tendes o dever particular de conhecer bem os vossos sacerdotes e de os orientar com solicitude sincera, enquanto os presbíteros devem estar sempre preparados para cumprir humilde e fielmente as tarefas que lhes são confiadas. Neste espírito de cooperação recíproca por amor ao Reino de Deus, certamente «a seu tempo colheremos os frutos» da fé.

Muitas das vossas dioceses já delinearam programas de formação permanente para os jovens sacerdotes, assistindo-os na sua transição do esquema estruturado do seminário para o sistema mais independente da vida paroquial. Ao longo de tais linhas, é também útil designar-lhes mentores, escolhidos dentre os presbíteros mais adultos, que demonstraram ser servos fiéis do Senhor. Estes homens podem orientar os seus irmãos mais novos ao longo do caminho rumo a um estilo de vida presbiteral maduro e bem equilibrado.

De resto, os sacerdotes de todas as idades exigem uma solicitude constante. É preciso promover dias regulares de recolhimento, retiros e convocações anuais, assim como programas de formação permanente e de assistência aos presbíteros que podem estar a enfrentar dificuldades. Estou persuadido de que encontrareis também modos de ajudar aqueles sacerdotes, cujas funções os deixam isolados. É gratificante observar que o Segundo Congresso Nacional para o Clero, realizado durante o Ano sacerdotal, foi uma boa ocasião de renovação e ajuda fraterna. A fim de beneficiar deste ímpeto, encorajo-vos a aproveitar a celebração anual da Quinta-Feira Santa, durante a qual a Igreja comemora o sacerdócio de modo especial. De acordo com as suas promessas solenes na hora da ordenação, recordai aos vossos sacerdotes o seu compromisso no celibato, na obediência e numa dedicação cada vez maior ao serviço pastoral. Ao viverem as suas promessas, estes homens tornar-se-ão verdadeiros padres espirituais, com uma maturidade pessoal e psicológica que aumentará, reflectindo a paternidade de Deus.

Quanto ao mandato de são Paulo de fazer o bem àqueles que não pertencem à família da fé, o diálogo com as outras religiões permanece uma alta prioridade, especialmente nas regiões meridionais do vosso país. Embora a Igreja proclame sem trégua que Cristo é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jn 14,6), contudo ela respeita tudo o que é verdadeiro e bom nas demais religiões e, na medida do possível, procura com prudência e caridade entrar em diálogo honesto e amistoso com os seguidores de tais religiões (cf. Nostra aetate NAE 2). Agindo assim, a Igreja trabalha pela compreensão mútua e pelo progresso do bem comum da humanidade. Elogio-vos pela obra que já realizastes, enquanto vos encorajo, mediante o diálogo que se estabeleceu, a continuar a fomentar o caminho rumo à paz autêntica e duradoura com todos os vossos vizinhos, sem jamais deixar de tratar cada pessoa, independentemente do seu credo, como criada à imagem de Deus.

Enfim, enquanto procuramos não nos «cansar de praticar o bem», é-nos recordado que o maior bem que podemos oferecer àqueles que servimos nos é conferido na Eucaristia. Na Santa Missa, os fiéis recebem a graça necessária para ser transformados em Jesus Cristo. É encorajador que muitos Filipinos vão à Missa dominical, mas que isto não deixe espaço à vossa complacência de pastores. Tendes o dever, assim como os vossos sacerdotes, de nunca vos cansardes de procurar a ovelha perdida, assegurando que todos os fiéis tenham vida no grande dom que nos é conferido nos Mistérios sagrados.

Caros Irmãos Bispos, dou graças ao Senhor por estes dias da vossa visita à Cidade de Pedro e Paulo, durante a qual Deus fortaleceu os nossos laços de comunhão. Através da intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, possa o Bom Senhor completar a vossa obra. Garanto-vos a recordação nas minhas preces e concedo-vos de bom grado, a vós e aos fiéis confiados aos vossos cuidados, a minha Bênção Apostólica, como penhor de graça e paz.






VISITA AO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO MAIOR ROMANO NO DIA DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA

LECTIO DIVINA

Capela do Seminário
1260 Sexta-feira, 4 de Março de 2011

(Vídeo)



Queridos irmãos e irmãs!

Sinto-me muito feliz por estar aqui, pelo menos uma vez por ano, com os meus seminaristas, com os jovens que estão a caminho rumo ao sacerdócio e serão o futuro presbitério de Roma. Sinto-me feliz por que isto acontece no dia de Nossa Senhora da Confiança, da Mãe que nos acompanha com o seu amor dia após dia e nos dá a confiança de prosseguir rumo a Cristo.

«Na unidade do Espírito» é o tema que guia as vossas reflexões durante este ano formativo. É uma expressão que se encontra precisamente no trecho da Carta aos Efésios, que nos foi proposto, onde são Paulo exorta os membros daquela comunidade a «manter a unidade do espírito» (4, 3). Este texto abre a segunda parte da Carta aos Efésios, a chamada parte parenética, exortativa, e começa com a palavra «parakalo», «exorto-vos». Mas é a mesma palavra que está presente também no termo «Paraklitos», portanto é uma exortação na luz, na força do Espírito Santo. A exortação do Apóstolo baseia-se no mistério de salvação, que ele tinha apresentado nos primeiros três capítulos. Com efeito, o nosso trecho inicia com a palavra «portanto»: «portanto... exorto-vos...» (v. 1). O comportamento dos cristãos é a consequência do dom, a realização do que nos é concedido todos os dias. E, contudo, se é simplesmente realização da doação que nos foi oferecida, não se trata de um efeito automático, porque com Deus estamos sempre na realidade da liberdade e por isso — porque é resposta, também a realização da doação é liberdade — o Apóstolo deve recordá-lo, não pode dá-lo por certo. O Baptismo, sabemo-lo, não produz automaticamente uma vida coerente: ela é fruto da vontade e do compromisso perseverante de colaboração com o dom, com a Graça recebida. E este compromisso é empenhativo, há um preço a pagar pessoalmente. Talvez por isto são Paulo faz referência precisamente neste ponto à sua condição actual: «Recomendo-vos, pois, eu mesmo, prisioneiro no Senhor...» (Ibid.). Seguir Cristo significa partilhar a sua Paixão, a sua Cruz, segui-lo até ao fim, e esta participação no destino do Mestre une profundamente a Ele e fortalece a influência da exortação do Apóstolo.

Entramos agora no fulcro da nossa meditação, encontrando uma palavra que chama de modo particular a nossa atenção: a palavra «chamada», «vocação». São Paulo escreve: comportai-vos «de uma maneira digna do chamamento, da klesis que recebestes» (cf. ibid.). E repete isto logo a seguir, afirmando que «... existe uma só esperança no chamamento que recebestes, a vossa vocação» (v. 4). Neste caso, trata-se da vocação comum a todos os cristãos, ou seja, da vocação baptismal: o chamamento a pertencer a Cristo e a viver n'Ele, no seu corpo. Dentro desta palavra está inscrita uma experiência, ressoa o eco da experiência dos primeiros discípulos, a que conhecemos pelos Evangelhos: quando Jesus passou às margens do lago da Galileia, e chamou Simão e André, depois Tiago e João (cf.
Mc 1,16-20). E ainda antes, no rio Jordão, depois do baptismo, quando, apercebendo-se de que André e o outro discípulo o seguiam, lhes disse: «Vinde ver» (Jn 1,39). A vida cristã começa com um chamamento e permanece sempre uma resposta, até ao fim. E isto quer na dimensão do crer, quer do agir: tanto a fé quanto o comportamento do cristão são correspondência à graça da vocação.

Falei do chamamento dos primeiros apóstolos, mas pensamos com a palavra «chamamento» sobretudo na Mãe de todas as chamadas, em Maria Santíssima, a eleita, a Chamada por excelência. O ícone da Anunciação a Maria representa muito mais do que aquele especial episódio evangélico, mesmo sendo fundamental: contém todo o mistério de Maria, toda a sua história, o seu ser; e ao mesmo tempo fala da Igreja, da sua essência de sempre; assim como de cada crente em Cristo, de qualquer alma cristã chamada.

Neste ponto devemos ter presente que não falamos de pessoas do passado. Deus, o Senhor, chamou cada um de nós, cada um é chamado pelo seu nome. Deus é tão grande que tem tempo para todos nós, conhece-me, conhece cada um de nós pelo nome, pessoalmente. É um chamamento pessoal para cada um de nós. Penso que devemos meditar várias vezes este mistério: Deus, o Senhor, chamou-me, chama-me, conhece-me, espera a minha resposta como esperava a resposta de Maria, aguardava a resposta dos Apóstolos. Deus chama-me: este facto deveria tornar-nos atentos à voz de Deus, atentos à sua Palavra, à chamada que me faz, para responder, para realizar esta parte da história da salvação à qual me chamou.

Depois são Paulo, neste texto, indica-nos alguns elementos concretos desta resposta com quatro palavras: «humildade», «mansidão», magnanimidade», «suportando-vos uns aos outros no amor». Talvez possamos meditar brevemente estas palavras com as quais se expressa o caminho cristão. No final, voltaremos a falar mais uma vez sobre isto.

«Humildade»: a palavra grega é «tapeinophrosyne», a mesma palavra que são Paulo usa na Carta aos Filipenses quando fala do Senhor, que era Deus e se humilhou, se fez «tapeinos», e desceu fazendo-se criatura, fazendo-se homem, até à obediência da Cruz (cf. 2, 7-8). Portanto, humildade não é uma palavra qualquer, uma simples modéstia, uma coisa qualquer... mas é palavra cristológica. Imitar Deus que vem até mim, que é tão grande que se faz meu amigo, sofre por mim, morreu por mim. Esta é a humildade que se deve aprender, a humildade de Deus. Significa dizer que devemos ver-nos sempre à luz de Deus; assim, ao mesmo tempo, podemos conhecer a grandeza de ser uma pessoa amada por Deus, mas também a nossa pequenez, a nossa pobreza, e deste modo comportar-nos de modo justo, não como donos, mas como servos. Como diz são Paulo: «Não porque pretendamos dominar a vossa fé: queremos apenas contribuir para a vossa alegria» (2Co 1,24). Ser sacerdote, ainda mais do que ser cristão, requer esta humildade.

«Mansidão»: no texto grego é esta a palavra «praütes», a mesma que aparece nas bem-aventuranças: «Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra» (Mt 5,5). E no Livro dos Números, o quarto livro de Moisés, encontramos a afirmação de que Moisés era o homem mais manso do mundo (cf. 12, 3) e, neste sentido, era uma prefiguração de Cristo, de Jesus, que diz de si: «Eu sou manso e humilde de coração» (Mt 11,29). Portanto, também esta palavra, «manso», «humilde», é uma palavra cristológica e exige de novo este imitar Cristo. Porque no Baptismo somos conformados com Cristo, portanto devemos conformar-nos com Cristo, encontrar este espírito do ser mansos, sem violência, de convencer com o amor e com a bondade.

1261 «Magnanimidade», «makrothymia» significa generosidade do coração, não ser minimalistas que dão só o que é estreitamente necessário: demo-nos a nós mesmos com tudo o que pudermos, e cresçamos também nós na magnanimidade.

«Suportando-vos no amor»: é uma tarefa de todos os dias suportar-se uns aos outros na própria alteridade, e precisamente suportando-se com humildade, aprender o amor verdadeiro.

E demos agora um passo em frente. Depois desta palavra do chamamento, segue a dimensão eclesial. Falemos agora da vocação como de uma chamada muito pessoal: Deus chama-me, conhece-me, espera a minha resposta pessoal. Mas, ao mesmo tempo, a chamada de Deus é um apelo em comunidade, é uma chamada eclesial, Deus chama-nos numa comunidade. É verdade que neste trecho sobre o qual estamos a reflectir não se encontra a palavra «ekklesia», a palavra «Igreja», mas sobressai muito mais a realidade. São Paulo fala de um Espírito e de um corpo. O Espírito cria-se o corpo e une-nos como um único corpo. E depois fala da unidade, da cadeia do ser, do vínculo da paz. E com esta palavra faz menção da palavra «prisioneiro» do início: é sempre a mesma palavra, «eu estou em cadeias», «cadeias amarrar-te-ão», mas por detrás está a grande cadeia invisível, libertadora do amor. Nós estamos neste vínculo da paz que é a Igreja, é o grande laço que nos une com Cristo. Talvez devamos meditar também pessoalmente sobre este aspecto: somos chamados pessoalmente, mas num corpo. E isto não é algo abstracto, mas muito real.

Neste momento, o Seminário é o corpo no qual se realiza concretamente o ser num caminho comum. Depois, será a paróquia: aceitar, suportar, animar toda a paróquia, as pessoas, as simpáticas e as que não são, inserir-se neste corpo. Corpo: a Igreja é corpo, portanto tem estruturas, tem também realmente um direito e algumas vezes não é tão simples inserir-se. Sem dúvida, desejamos a realização pessoal com Deus, mas muitas vezes o corpo não nos agrada. Mas precisamente deste modo estamos em comunhão com Cristo: aceitando esta corporeidade da sua Igreja, do Espírito, que se encarna no corpo.

Por outro lado, com frequência talvez sintamos o problema, a dificuldade desta comunidade, começando pela comunidade concreta do Seminário até à grande comunidade da Igreja, com as suas instituições. Devemos ter também presente que é muito bom estar em companhia, caminhar numa grande companhia de todos os séculos, ter amigos no Céu e na terra, e sentir a beleza deste corpo, estar felizes porque o Senhor nos chamou num corpo e nos deu amigos em todas as partes do mundo.

Disse que a palavra «ekklesia» não se encontra aqui, mas sim a palavra «corpo», a palavra «espírito», a palavra «vínculo» e sete vezes, neste pequeno trecho, volta a palavra «um». Assim sentimos como o Apóstolo se preocupa com a unidade da Igreja. E termina com uma «escala de unidade», até à Unidade: Deus é um só , o Deus de todos. Deus é Uno e a unicidade de Deus expressa-se na nossa comunhão, porque Deus é Pai, Criador de todos nós e por isso todos somos irmãos, todos somos um corpo e a unidade de Deus é a condição, é também a criação da fraternidade humana, da paz. Por conseguinte, meditemos também sobre este mistério da unidade e sobre a importância de procurar sempre a unidade na comunhão do único Cristo, do único Deus.

Agora podemos dar um ulterior passo em frente. Se perguntarmos qual é o sentido da palavra «chamada», vemos que ela é uma das portas que se abrem ao mistério trinitário. Até agora falámos do mistério da Igreja, do único Deus, mas sobressai também o mistério trinitário. Jesus é o mediador da chamada do Pai que se realiza no Espírito Santo.

A vocação cristã não pode deixar de ter uma forma trinitária, quer a nível de cada pessoa, quer a nível de comunidade eclesial. O mistério da Igreja está totalmente animado pelo dinamismo do Espírito Santo, que é um dinamismo vocacional em sentido amplo e perene, a partir de Abraão, o primeiro que ouviu a chamada de Deus e respondeu com a fé e a acção (cf.
Gn 12,1-3); até ao «eis-me» de Maria, reflexo perfeito da imagem do Filho de Deus, no momento em que recebe do Pai a chamada para vir ao mundo (cf. Hb He 10,5-7). Assim, no «coração» da Igreja — como diria santa Teresa do Menino Jesus — a chamada de cada cristão é um mistério trinitário: o mistério do encontro com Jesus, com a Palavra que se fez carne, mediante a qual Deus Pai nos chama à comunhão consigo e por isso nos deseja doar o seu Espírito Santo, e é precisamente graças ao Espírito que podemos responder a Jesus e ao Pai de modo autêntico, no âmbito de uma relação real, filial. Sem o sopro do Espírito Santo a vocação cristã simplesmente não se explica, perde a sua seiva vital.

E finalmente a última frase. A forma da unidade segundo o Espírito exige, como disse, a imitação de Jesus, a conformação com Ele na solidez dos seus comportamentos. O Apóstolo escreve, como meditámos: «com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros com caridade», e depois acrescenta que a unidade do espírito deve ser conservada «mediante o vínculo da paz» (Ep 4,2-3).

A unidade da Igreja não é dada por um «modelo» imposto do exterior, mas é o fruto de uma concórdia, de um compromisso comum a comportar-se como Jesus, em virtude do seu Espírito. Há um comentário de são João Crisóstomo a este trecho, que é muito bonito. Crisóstomo comenta a imagem do «laço», o «vínculo da paz», e diz: «É bonito este vínculo, com o qual nos ligamos quer uns com os outros quer com Deus. Não há uma cadeia que fere. Não causa cãibras nas mãos, deixa-as livres, dá-lhes amplo espaço e uma coragem maior» (Homilias sobre a Epístola aos Ep 9,4 Ep 9,1-3). Encontramos aqui o paradoxo evangélico: o amor cristão é um vínculo, como dissemos, mas um vínculo que liberta! A imagem do laço como vos disse, reconduz-nos à situação de são Paulo, que é «prisioneiro», está num «vínculo». O Apóstolo foi preso por causa do Senhor, como o próprio Jesus, fez-se escravo para nos libertar. Para conservar a unidade do espírito é necessário imprimir ao próprio comportamento aquela humildade, mansidão e magnanimidade que Jesus testemunhou na sua paixão; é preciso ter as mãos e o coração ligados por aquele vínculo de amor que ele mesmo aceitou por nós, fazendo-se nosso servo. Este é o «vínculo da paz». E diz ainda são João Crisóstomo, no mesmo comentário: «Ligai-vos aos vossos irmãos, aqueles assim unidos no amor suportam tudo com facilidade... Assim ele quer que estejamos ligados uns aos outros, não só para estar em paz, não só para ser amigos, mas para todos serem um, uma só alma» (Ibid.).

O texto paulino, do qual meditámos alguns elementos, é muito rico. Pude apresentar-vos só algumas sugestões, que confio à vossa meditação. E rezemos à Virgem Maria, Nossa Senhora da Confiança, para que nos ajude a caminhar com alegria na unidade do Espírito. Obrigado!





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