Discursos Bento XVI 60412

NO FINAL DA VIA-SACRA NO COLISEU Monte Palatino Sexta-feira Santa, 6 de Abril de 2012

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Queridos irmãos e irmãs!

Acabamos de recordar, através das meditações, da oração e dos cânticos, os passos de Jesus no caminho da Cruz: um caminho que parecia sem saída e, no entanto, mudou a vida e a história do homem, abrindo a passagem para «os novos céus e a terra nova» (cf.
Ap 21,1). De modo especial neste dia de Sexta-Feira Santa, a Igreja celebra, com profunda adesão espiritual, a memória da crucifixão do Filho de Deus e, na sua Cruz, vê a árvore da vida – árvore fecunda duma nova esperança.

A experiência do sofrimento marca a humanidade e, naturalmente, a família. Quantas vezes o caminho se torna cansativo e difícil! Incompreensões, divisões, preocupação com o futuro dos filhos, doenças, incômodos de vários tipos. Para além disso, a situação de muitas famílias vê-se agravada, hoje em dia, pela precariedade do emprego e outras consequências negativas provocadas pela crise econômica. O caminho da Via-Sacra, que acabamos de percorrer espiritualmente nesta noite, é um convite feito a todos nós, e de modo especial às famílias, para contemplarmos Cristo crucificado a fim de termos a força de ultrapassar as dificuldades. A Cruz de Jesus é o sinal supremo do amor de Deus por cada homem, a resposta superabundante à necessidade que toda a pessoa sente de ser amada. Quando passamos pela prova, quando as nossas famílias enfrentam o sofrimento, a tribulação, olhemos para a Cruz de Cristo! Nela encontraremos a coragem para prosseguir o caminho, podendo repetir, com firme esperança, estas palavras de São Paulo: «Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…) Mas, em tudo isso, somos mais que vencedores graças Àquele que nos amou!» (Rm 8,35 Rm 8,37).

Nas tribulações e dificuldades, não estamos sozinhos; não está sozinha a família: Jesus está presente com o seu amor, sustenta-a com a sua graça e dá-lhe a força para prosseguir, enfrentando os sacrifícios e superando qualquer obstáculo. E, quando os desvarios humanos e outras dificuldades põem em risco e ferem a unidade da nossa vida e da nossa família, é para o amor de Cristo que devemos voltar-nos. O mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo encoraja-nos a continuar com esperança. Se forem vividos com Cristo, com fé n’Ele, os dias de tribulação e de prova trazem já dentro de si a luz da ressurreição, a vida nova do mundo ressuscitado, a páscoa de todo o homem que crê na sua Palavra.

Naquele Homem crucificado que é o Filho de Deus, mesmo a própria morte ganha novo significado e orientação, é resgatada e vencida, torna-se passagem para a nova vida: «Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, continua só um grão de trigo; mas, se morrer, então produz muito fruto» (Jn 12,24). Confiemo-nos à Mãe de Cristo. Ela que acompanhou o seu Filho ao longo da via dolorosa, Ela que esteve aos pés da Cruz na hora da sua morte, Ela que encorajou a Igreja desde o seu nascimento a viver na presença do Senhor, conduza os nossos corações, os corações de todas as famílias, através do vasto mysterium passsionis rumo ao mysterium paschale, rumo à luz que irrompe da Ressurreição de Cristo e manifesta a vitória definitiva do amor, da alegria e da vida, sobre o mal, o sofrimento e a morte. Amém.



CONCERTO OFERECIDO PELO GEWANDHAUS DE LÍPSIA POR OCASIÃO DO 85° ANIVERSÁRIO Sexta-feira, 20 de Abril de 2012

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Sala Paulo VI





Senhor Ministro-Presidente
Distintos Hóspedes do Estado Livre
da Saxónia e da Cidade de Lípsia
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no sacerdócio
Gentis Senhores e Senhoras!

Com esta maravilhosa execução da Sinfonia N. 2 «Lobgesang» de Felix Mendelsson Bartholdy fizeste-me um dom precioso, por ocasião do meu aniversário, assim como a todos os presentes. De facto, esta Sinfonia é um grande hino de louvor a Deus, uma oração com a qual louvamos e agradecemos ao Senhor pelos seus dons. Mas antes de tudo gostaria de agradecer a quantos fizeram com que este momento fosse possível. Em primeiro lugar, a Geeandhausorcherster, que em si não precisa ser apresentada: trata-se de uma das mais antigas orquestras do mundo, com uma tradição de excelente qualidade executiva e de fama indiscutível. Um cordial agradecimento aos óptimos Coros e Solistas, mas de modo muito especial ao Maestro Riccardo Chailly pela intensa interpretação. A gratidão alarga-se ao Ministro-Presidente e aos Representantes do Estado Livre da Saxónia, ao Presidente da Câmara Municipal e à Delegação da Cidade de Lípsia, às Autoridades eclesiásticas, assim como aos Responsáveis do Gewandhaus e a quantos vieram da Alemanha.

Mendelssohn, Sonfonia «Lobgesang, Gewandhaus: três elementos ligados não só esta tarde, mas desde o início. De facto, a grande Sinfonia, pelo coro, solistas e orquestra que escutamos foi composta por Mendelssohn para celebrar o IV Centenário da invenção da imprensa e foi executada pela primeira vez na Tomaskirche de Lípsia, a Igreja de Johann Sebastian Bach, a 25 de Junho de 1840, no pódio estava o próprio Mendelssohn, que durante muitos anos foi director desta antiga e prestigiosa orquestra.

Esta composição é constituída por três movimentos para orquestra sem solução de continuidade e depois por uma espécie de cantata com solistas e coro. Numa carta ao amigo Karl Klingemann, o próprio Mendelssohn explicava que nesta Sinfonia «primeiro louvam os instrumentos do modo que lhes é congenial, depois o coro e as vozes individualmente». A arte como louvor a Deus, Beleza suprema, está na base do modo de compor de Mendelssohn e isto não só no que diz respeito à música litúrgica ou sagrada, mas a toda a sua produção. Como refere Julius Schubring, para ele a música sagrada como tal não estava um degrau acima da outra; cada uma à sua maneira tinha que servir para honrar Deus. E o mote que Mendelssohn escreveu sobre a partitura da Sinfonia «Lobgesang» soa assim: «Eu gostaria de ver todas as artes, em particular a música, ao serviço d’Aquele que as deu e criou». O mundo ético-religioso do nosso autor não estava separado do seu conceito de arte, aliás, era sua parte integrante: «Kunst und Leben sind nicht zweierlei». Arte e vida não são duas coisas distintas, mas um todo, escrevia. Uma profunda unidade de vida que encontra o elemento unificador na fé, que caracterizou toda a existência de Mendelssohn e guiou as suas escolhas. Nas suas cartas captamos este fio condutor. Ao amigo Schirmer a 9 de Janeiro de 1841, referindo-se à família, dizia: «Certamente por vezes não faltam preocupações e dias sérios... e contudo mais não se pode fazer do que rezar fervorosamente a Deus para que mantenha a saúde e a felicidade que deu»; e a 17 de Janeiro de 1843 escrevia a Klingemann: «todos os dias mais não posso fazer do que agradecer a Deus de joelhos por todos os bens que me dá». Por conseguinte, uma fé sólida, convicta, alimentada de maneira profunda pela Sagrada Escritura, como mostram, entre outros, os dois Oratórios Paulus e Elias, e a Sinfonia que escutamos, cheia de referências bíblicas sobretudo aos Salmos e a são Paulo. É difícil para mim recordar alguns dos momentos intensos que vivemos esta tarde; gostaria de mencionar apenas o maravilhoso dueto entre os sopranos e o coro sobre as palavras «Ich harrete des Herrn, und er neigte sich zu mir und Hörte mein Fleh’n», tirado do Salmo 40: «Esperei no Senhor e Ele inclinou-se para mim e ouviu o meu clamor»; é o cântico de quem coloca em Deus toda a esperança e sabe com certeza que não permanece desiludido.

Um renovado obrigado à Orquestra e ao Coro do Gewandhaus, ao Coro do Mitteldeutscher Rundfunk mdr, aos Solistas e ao Director, assim como às Autoridades do Estado Livre da Saxónia e da Cidade de Lípsia pela execução desta «obra luminosa» – como a chamou Robert Schumann –, que permitiu que todos nós louvássemos a Deus e pude agradecer, de modo especial, mais uma vez a Deus pelos anos de vida e de ministério.

Gostaria de concluir com as palavras que Robert Schumann escreveu na revista Neue Zeitschrift für Musik depois de ter assistido à primeira execução da Sinfonia que escutámos e que desejam ser um convite sobre o qual reflectir: «Deixai que nós, como ressoa no texto tão maravilhosamente musicado pelo Maestro, cada vez mais "abandonemos as obras da obscuridade e empunhemos as armas da luz"». Obrigado a todos e boa tarde!



SAUDAÇÃO AOS MEMBROS DA PAPAL FOUNDATION Sábado, 21 de Abril de 2012

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Sala Clementina



Estimados amigos

Apraz-me saudar-vos, membros da Papal Foundation, por ocasião da vossa peregrinação anual a Roma. Possa a vossa visita ao túmulo dos apóstolos e mártires fortalecer o vosso amor ao Senhor crucificado e ressuscitado e o vosso empenho ao serviço da sua Igreja. Sinto-me feliz por ter esta oportunidade de vos agradecer pessoalmente o apoio que ofereceis a uma grande variedade de apostolados que estão no coração do Sucessor de Pedro.

Nos próximos meses terei a honra de canonizar duas novas santas da América do Norte. A beata Kateri Tekakwitha e a beata madre Marianne Cope são exemplos notáveis de santidade e de caridade heróica, mas também nos recordam o papel histórico desempenhado pelas mulheres na edificação da Igreja na América. Que através do seu exemplo e da sua intercessão, todos vós possais ser fortalecidos na busca de santidade e nos vossos esforços para contribuir ao crescimento do Reino de Deus hoje no coração das pessoas. Através do trabalho da Papal Foundation ajudais a apoiar as missões evangelizadoras, promovendo a educação e o desenvolvimento integral dos vossos irmãos e das vossas irmãs nos países mais pobres, e favorecer o compromisso missionário de numerosas dioceses e congregações religiosas no mundo inteiro.

Nestes dias peço a vossa constante oração pelas necessidades da Igreja universal, especialmente pela liberdade dos cristãos para que possam proclamar o Evangelho e levar a sua luz às actuais questões morais urgentes. Com grande afecto confio a vós e às vossas famílias à intercessão amorosa de Maria, Mãe da Igreja, e de coração concedo a minha Bênção Apostólica, em penhor de alegria e paz no Senhor Ressuscitado.



VISITA À UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SAGRADO CORAÇÃO NO 50º ANIVERSÁRIO DA FUNDAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DA POLICLÍNICA AGOSTINO GEMELLI

Quinta-feira 3 de Maio de 2012

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Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustre Senhor Presidente da Câmara
Senhores Ministros
Ilustre pró-Reitor
Exímias Autoridades,
Docentes e Médicos
Distintos Funcionários do Hospital e da Universidade
Caros estudantes e amados doentes!

É com particular alegria que me encontro convosco hoje, para celebrar os cinquenta anos de fundação da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Políclina «Agostino Gemelli». Agradeço ao Presidente do Instituto Toniolo, Cardeal Angelo Scola, bem como ao pró-Reitor, Professor Franco Anelli, as amáveis palavras que me dirigiram. Saúdo o Senhor Presidente da Câmara, Deputado Gianfranco Fini, os Senhores Ministros, Deputados Lorenzo Ornaghi e Renato Balduzzi, as numerosas Autoridades, assim como os Docentes, os Médicos, os Funcionários e os Estudantes da Policlínica da Universidade Católica. Dirijo um pensamento especial a vós, queridos doentes.

Nesta circunstância, gostaria de oferecer algumas reflexões. A nossa é uma época em que as ciências experimentais transformaram a visão do mundo e a própria autocompreensão do homem. As múltiplas descobertas, as tecnologias inovativas que se sucedem a ritmo premente, são razão de orgulho motivado, mas muitas vezes não estão isentas de aspectos inquietantes. Com efeito, por detrás do optimismo difundido do saber científico estende-se a sombra de uma crise do pensamento. Rico de meios, mas não igualmente de fins, o homem do nosso tempo vive frequentemente condicionado pelo reducionismo e relativismo, que levam a perder o significado das coisas; quase deslumbrado pela eficácia técnica, esquece-se do horizonte fundamental da exigência de sentido, relegando assim à irrelevância a dimensão transcendente. Neste cenário, o pensamento torna-se frágil e ganha terreno também uma depauperação ética, que ofusca as referências normativas de valor. Aquela que foi a fecunda raiz europeia de cultura e de progresso parece esquecida. Nela, a busca do absoluto — o quaerere Deum — incluía a exigência de aprofundar as ciências profanas, todo o mundo do saber (cf. Discurso no Collège des Bernardins de Paris, 12 de Setembro de 2008). Com efeito, a investigação científica e a exigência de sentido, apesar da fisionomia epistemológica e metodológica específica, jorram de uma una única nascente, aquele Logos que preside à obra da criação e guia a inteligência da história. Uma mentalidade fundamentalmente tecnoprática gera um desequilíbrio arriscado entre o que é tecnicamente possível e o que é moralmente bom, com consequências imprevisíveis.

Então, é importante que a cultura redescubra o vigor do significado e do dinamismo da transcendência, em síntese, que abra com decisão o horizonte do quaerere Deum. Vem à mente a célebre frase agostiniana: «Criastes-nos para Vós [Senhor], e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousar em Vós» (As Confissões, I, 1). Pode-se dizer que o mesmo impulso para a investigação científica brota da sede de Deus que habita no coração humano: no fundo, o homem de ciência tende, muitas vezes inconscientemente, a alcançar aquela verdade que pode dar sentido à vida. Mas por mais apaixonada e tenaz que seja a pesquisa humana, com as suas próprias forças ela não é capaz de uma solução segura, porque «o homem não é capaz de iluminar completamente a estranha penumbra que pesa sobre a questão das realidades eternas... Deus deve tomar a iniciativa de ir ao encontro do homem, de se lhe dirigir» (J. Ratzinger, L’Europa di Benedetto nella crisi delle culture, Cantagalli, Roma 2005, 124). Então, para restituir à razão a sua dimensão nativa, integral, é necessário voltar a descobrir o lugar de nascente, que a investigação científica compartilha com a busca da fé, fides quaerens intellectum, segundo a intuição anselmiana. Ciência e fé têm uma reciprocidade fecunda, quase uma exigência complementar da compreensão do real. Mas de modo paradoxal, precisamente a cultura positivista, excluindo do debate científico a pergunta sobre Deus, determina o declínio do pensamento e o depauperamento da capacidade de compreensão do real. Porém, o quaerere Deum do homem perder-se-ia num enredo de caminhos, se não viesse ao seu encontro uma senda de iluminação e de orientação segura, que é aquela do próprio Deus que se faz próximo do homem com um amor imenso: «Em Jesus Cristo, Deus não só fala ao homem, mas procura-o... É uma busca que nasce no íntimo de Deus e tem o seu ponto culminante na Encarnação do Verbo» (João Paulo II, Tertio millennio adveniente
TMA 7).

Religião do Logos, o Cristianismo não relega a fé para o âmbito do irracional, mas atribui a origem e o sentido da realidade à Razão criadora, que no Deus crucificado se manifestou como amor e que convida a percorrer o caminho do quaerere Deum: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida». S. Tomás de Aquino comenta: «Com efeito, o ponto de chegada deste caminho é a finalidade do desejo humano. Pois bem, o homem deseja principalmente duas coisas: em primeiro lugar, o conhecimento da verdade que é próprio da sua natureza. Em segundo lugar, a permanência no ser, propriedade comum a todas as coisas. Em Cristo encontram-se ambas... Portanto, se procuras por onde passar, acolhe Cristo porque Ele é o caminho» (Exposição sobre João, cap. 14, lectio 2). Então, o Evangelho da vida ilumina o caminho árduo do homem, e diante da tentação da autonomia absoluta, recorda que «a vida do homem provém de Deus, é seu dom, é sua imagem e sua figura, é participação do seu sopro vital» (João Paulo II, Evangelium vitae EV 39). E é precisamente percorrendo a vereda da fé que o homem se torna capaz de divisar nas próprias realidades de sofrimento e de morte, que atravessam a sua existência, uma possibilidade autêntica de bem e de vida. Na Cruz de Cristo reconhece a Árvore da vida, revelação do amor apaixonado de Deus pelo homem. Então, o cuidado de quantos sofrem torna-se um encontro quotidiano com o rosto de Cristo, e a dedicação da inteligência e do coração faz-se sinal da misericórdia de Deus e da sua vitória sobre a morte.

Vivida na sua integridade, a investigação é iluminada pela ciência e pela fé, e é destas duas «asas» que ela haure impulso e estímulo, sem jamais perder a justa humildade, o sentido do próprio limite. Deste modo, a busca de Deus torna-se fecunda para a inteligência, fermento de cultura, promotora de verdadeiro humanismo, busca que não se detém à superfície. Queridos amigos, deixai-vos guiar sempre pela sabedoria que vem do Alto, por um saber iluminado pela fé, recordando que a sabedoria exige a paixão e o esforço da pesquisa.

Insere-se aqui a tarefa insubstituível da Universidade Católica, lugar em que a relação educativa é posta ao serviço da pessoa na construção de uma competência científica qualificada, arraigada num património de saberes que a sucessão das gerações instilou em sabedoria de vida; lugar em que a relação de cura não é profissão, mas missão; onde a caridade do Bom Samaritano é a primeira cátedra e o rosto do homem sofredor, a Face do próprio Cristo: «A mim o fizeste». No trabalho quotidiano de pesquisa, de ensino e de estudo, a Universidade Católica do Sagrado Coração vive nesta traditio que exprime a própria potencialidade de inovação: progresso algum, nem sequer no plano cultural, se alimenta de mera repetição, mas exige um início sempre novo. Além disso, requer aquela disponibilidade ao confronto e ao diálogo que abre a inteligência e dá testemunho da rica fecundidade do património da fé. Assim, dá-se forma a uma sólida estrutura de personalidade, onde a identidade cristã penetra na vida quotidiana e se manifesta a partir do interior de uma profissionalidade excelente.

A Universidade Católica, que tem com a Sé de Pedro uma relação especial, está hoje chamada a ser instituição exemplar que não limita a aprendizagem à funcionalidade de um êxito económico, mas amplia a acção em vista de projectos em que o dom da inteligência investiga e desensolve as dádivas do mundo criado, superando uma visão apenas produtivista e utilitarista da existência, porque «o ser humano foi feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência» (Caritas in veritate ). É precisamente esta conjugação entre investigação científica e serviço incondicionado à vida que delineia a fisionomia católica da Faculdade de Medicina e Cirurgia «Agostino Gemelli», porque a perspectiva da fé é interior — não sobreposta, nem justaposta — à busca talentosa e tenaz do saber.

Uma Faculdade católica de Medicina é lugar onde o humanismo transcendente não é slogan retórico, mas regra viva da dedicação quotidiana. Desejando uma Faculdade de Medicina e Cirurgia autenticamente católica, Padre Gemelli — e com ele muitos outros, como o Prof. Brasca — voltava a levar ao centro da atenção a pessoa humana na sua fragilidade e na sua grandeza, nos recursos sempre novos de uma pesquisa apaixonada e na não menor consciência do limite e do mistério da vida. Por isso, desejastes instituir um novo Centro de Ateneu para a Vida, que ajude outras realidades já existentes como, por exemplo, o Instituto Científico Internacional Paulo VI. Portanto, encorajo a atenção à vida em todas as suas fases.

Agora gostaria de me dirigir em particular a todos os pacientes presentes aqui na «Gemelli», assegurar-lhes a minha oração e o meu afecto, e dizer-lhes que aqui serão sempre acompanhados com amor, porque no seu rosto se reflecte a Face de Cristo sofredor.

É precisamente o amor de Deus, que resplandece em Cristo, que torna perspicaz e penetrante o olhar da investigação e que capta aquilo que nenhuma pesquisa é capaz de o fazer. Estava consciente disto o beato José Toniolo, que afirmava como pertence à natureza do homem ler nos outros a imagem de Deus amor e na criação o seu sinal. Sem amor, até a ciência perde a sua nobreza. Só o amor garante a humanidade da pesquisa. Obrigado pela atenção!


A CINCO NOVOS EMBAIXADORES POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS Sexta-feira, 4 de Maio de 2012

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Sala Clementina




Senhora e Senhores Embaixadores!

É com alegria que vos recebo esta manhã, para a apresentação das Cartas que vos acreditam como Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários dos vossos respectivos países junto da Santa Sé: República Federal Democrática da Etiópia, Malásia, Irlanda, República de Fiji e Arménia. Acabastes de me dirigir palavras amáveis da parte dos vossos Chefes de Estado, e por isto vos estou grato. Agradecer-vos-ia se lhes transmitísseis, em retribuição, as minhas deferentes saudações e os meus votos respeitosos pelas suas pessoas e pela alta missão que eles desempenham ao serviço dos seus países e dos seus povos. Desejo, também saudar por vosso intermédio todas as Autoridades civis e religiosas das vossas Nações, assim como todos os vossos compatriotas. Naturalmente, o meu pensamento dirige-se de igual modo às comunidades católicas presentes nos vossos países, para lhes assegurar a minha oração.

De certa maneira, o desenvolvimento dos meios de comunicação tornou o nosso planeta mais pequeno. A capacidade de conhecer quase imediatamente os acontecimentos que se verificam no mundo inteiro, bem como as necessidades dos povos e das pessoas, constitui um apelo urgente a estar próximos deles tanto nas suas alegrias como nas suas dificuldades. A constatação do grande sofrimento provocado no mundo pela pobreza e pela miséria, tanto materiais como espirituais, convida a uma nova mobilização para enfrentar, na justiça e na solidariedade, tudo aquilo que ameaça o homem, a sociedade e o seu ambiente.

O êxodo rumo às cidades, os conflitos armados, as carestias e as pandemias, que afligem muitas populações, fazem aumentar de maneira dramática a pobreza que hoje adquire novas formas. A crise económica mundial faz cair sempre mais famílias numa precariedade crescente. Embora a criação e a multiplicação das exigências tenha levado a crer na possibilidade ilimitada de fruição e de consumo, a falta de meios necessários para a satisfação dos mesmos suscitou sentimentos de frustração. Aumentou a solidão devida à exclusão. E quando a miséria coexiste com a grande riqueza, nasce uma impressão de injustiça que pode tornar-se fonte de revoltas. Portanto, é oportuno que os Estados velem a fim de que as leis sociais não incrementem as desigualdades e permitam que cada um viva de modo digno.

Por isso, considerar as pessoas que precisam de ajuda ainda antes do vazio a preecher, significa conferir-lhes um papel de protagonistas sociais, e permitir que assumam o seu futuro, para ocupar o lugar que lhes compete na sociedade. Com efeito, o «homem vale mais por aquilo que “é” do que pelo que “tem”» (Concílio Vaticano II Gaudium et spes
GS 35). O desenvolvimento pelo qual todas as nações aspiram deve referir-se a cada pessoa na sua totalidade, e não apenas à prosperidade económica. Esta convicção deve tornar-se uma vontade eficaz de acção. Experiências como o microcrédito, e iniciativas para criar parcerias equitativas, demonstram que é possível harmonizar as finalidades económicas com o vínculo social, a gestão democrática e o respeito pela natureza. É bom também, por exemplo, restituindo-lhe a dignidade, promover o trabalho manual e favorecer uma agricultura que esteja antes de tudo ao serviço dos habitantes. Aqui pode-se encontrar uma ajuda verdadeira que, posta em prática nos planos local, nacional e internacional, tenha em consideração a unicidade, o valor e o bem integral de cada pessoa. A qualidade dos relacionamentos humanos e a partilha dos recursos estão na base da sociedade, permitindo que cada um encontre nela o seu lugar e viva dignamente, em conformidade com as suas aspirações.

Para fortalecer o fundamento humano da realidade sociopolítica, é necessário prestar atenção a um outro tipo de miséria: a da perda de referência aos valores espirituais, a Deus. Este vazio torna mais difícil o discernimento entre o bem e o mal, assim como a superação dos interesses pessoais em vista do bem comum. Ele facilita a adesão a correntes de ideias que estão na moda, evitando o esforço necessário de reflexão e de crítica. E muitos jovens em busca de um ideal orientam-se para paraísos artificiais que os destroem. Dependências, consumismo, materialismo e bem-estar não satisfazem o coração do homem, feito para o infinito. Pois a maior pobreza é a falta de amor. Na desgraça, a compaixão e a escuta abnegada constituem um alívio. Mesmo desprovido de grandes recursos materiais, é possível ser feliz. Viver simplesmente em harmonia com aquilo em que acreditamos deve permanecer possível, e deve sê-lo cada vez mais. Encorajo todos os esforços empreendidos, particularmente junto das famílias. De resto, a educação deve despertar para a dimensão espiritual, porque «o ser humano desenvolve-se quando cresce no espírito» (Caritas in veritate ). Esta educação permite tecer e fortalecer os vínculos mais autênticos, porque abre a uma sociedade mais fraterna, que ela contribui para construir.

Os Estados têm o dever de valorizar o seu património cultural e religioso, que contribui para a grandeza de uma nação, e de facilitar a todos o acesso ao mesmo, porque familiarizando com a história, cada um é levado a descobrir as raízes da sua própria existência. A religião permite reconhecer no próximo um irmão em humanidade. Oferecer a todos a possibilidade de conhecer Deus, e isto em plena liberdade, significa ajudá-los a forjar uma personalidade interiormente forte, que os há-de tornar capazes de dar testemunho do bem e de o realizar, mesmo quando isto é difícil. «A disponibilidade para Deus abre à disponibilidade para os irmãos e para uma vida entendida como tarefa solidária e jubilosa» (Caritas in veritate ). Assim será possível edificar uma sociedade onde a sobriedade e a fraternidade vividas farão conter a miséria e prevalecerão sobre a indiferença e o egoísmo, sobre o lucro e o desperdício, mas principalmente sobre a exclusão.

Enquanto dais início à vossa missão junto da Santa Sé, faço questão de garantir a Vossas Excelências que encontrareis sempre nos meus colaboradores uma atenção amável e a ajuda de que podereis ter necessidade. Sobre as vossas pessoas, as vossas famílias e os membros das respectivas Missões diplomáticas, bem como sobre todas as Nações que vós representais, invoco a abundância das Bênçãos divinas.



AOS BISPOS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 5 de Maio de 2012

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Queridos Irmãos Bispos!

Saúdo todos vós com afecto no Senhor e apresento os meus bons votos orantes para uma peregrinação ad limina Apostolorum cheia de graças. Durante os nossos encontros meditei convosco e com os vossos Irmãos Bispos sobre os desafios intelectuais e culturais da nova evangelização no contexto da sociedade americana contemporânea. Hoje, desejo enfrentar a questão da educação religiosa e da formação na fé da próxima geração de católicos no vosso país.

Antes de mais, gostaria de manifestar o meu apreço pelos grandes progressos feitos nos últimos anos a fim de melhorar a catequese, examinando de novo os textos e adequando-os ao Catecismo da Igreja Católica. Além disso, foram realizados importantes esforços para preservar o grande património das escolas católicas americanas, primárias e secundárias, as quais sofreram profundamente a influência das mudanças demográficas e do aumento das despesas, mas garantindo que a educação oferecida permaneça ao alcance de todas as famílias, independentemente da sua condição financeira. Como foi muitas vezes mencionado durante os nossos encontros, estas escolas continuam a ser um recurso essencial para a nova evangelização, e a contribuição significativa que oferecem à sociedade americana em geral deveria ser melhor apreciada e mais generosamente apoiada.

A nível do ensino superior, muitos de vós chamastes atenção para um crescente reconhecimento, por parte das instituições de ensino superior e das universidades católicas, da necessidade de reafirmar a própria identidade distintiva na fidelidade com os seus ideais fundadores e com a missão da Igreja ao serviço do Evangelho. Contudo, ainda há muito para fazer, especialmente nalguns âmbitos fundamentais como a conformidade com o mandato previsto pelo cânone 812 para quem ensina disciplinas teológicas. A importância desta norma canónica, como expressão tangível de comunhão eclesial e de solidariedade no apostolado educativo da Igreja, torna-se ainda mais evidente se considerarmos a confusão originada pelas instâncias de dissidência aparente entre alguns representantes das instituições católicas e a guia pastoral da Igreja: estes conflitos prejudicam o testemunho da Igreja e, como a experiência tem demonstrado, podem ser facilmente explorados para comprometer a sua autoridade e a sua liberdade.

Não é exagero afirmar que proporcionar aos jovens uma educação sólida na fé constitui o desafio interno mais urgente que a comunidade católica no vosso país deve enfrentar. O património da fé é um tesouro inestimável que cada geração deve transmitir à vindoura, conquistando os corações para Jesus Cristo e modelando as mentes no conhecimento, na compreensão e no amor pela sua Igreja. É gratificante ver que, também hoje, a visão cristã, apresentada na sua amplitude e integridade, se revela imensamente atraente para a imaginação, o idealismo e as aspirações dos jovens, os quais têm o direito de conhecer a fé em toda a sua beleza, riqueza intelectual e exigências radicais.

Desejo simplesmente propor nesta sede alguns pontos que, estou confiante, podem ser úteis para o vosso discernimento a fim de enfrentar este desafio.

Em primeiro lugar, como sabemos, a tarefa fundamental de uma educação autêntica a todos os níveis não é simplesmente a de transmitir conhecimentos, por mais que seja essencial, mas também moldar os corações. Há uma necessidade constante de equilibrar o rigor intelectual na comunicação eficaz, atraente e integral da riqueza da fé da Igreja, com a formação dos jovens no amor de Deus, na prática da moral cristã e de vida sacramental, e não menos importante, na prática da oração pessoal e litúrgica.

Por conseguinte, a questão da identidade católica, inclusive a nível universitário, exige muito mais do que um mero ensino da religião ou da mera presença de uma capelania no campus. Com demasiada frequência, ao que parece, as escolas e os institutos superiores católicos não conseguiram incentivar os estudantes a reapropriarem-se da sua fé, como parte das descobertas intelectuais estimulantes que caracterizam a experiência do ensino superior. O facto de que numerosos novos estudantes se encontram separados das famílias, das escolas e da comunidade de apoio, que anteriormente facilitavam a transmissão da fé, deveria estimular constantemente as instituições de ensino católicas a criar redes de apoio novas e eficazes. Em todos os outros aspectos da sua educação, os estudantes devem ser incentivados a estruturar uma visão da harmonia entre fé e razão capaz de orientar uma busca do conhecimento e da virtude que permaneça durante a vida inteira. Como sempre, neste processo, um papel fundamental é desempenhado pelos professores que inspiram os outros com o seu amor evidente por Cristo, o seu testemunho de profunda devoção e o seu compromisso para com aquela sapientia Christiana que integra fé e vida, paixão intelectual e respeito pelo esplendor da verdade, divina e humana.

De facto, por sua natureza a fé exige uma conversão constante e total à plenitude da verdade revelada em Cristo. Ele é o Logos criativo, foi n’Ele que todas as coisa foram criadas e n’Ele todas as realidades «subsistem» (
Col 1,17); é o novo Adão, que revela a verdade última sobre o homem e o mundo em que vivemos. Numa época de grandes transformações culturais e de deslocações sociais não diferentes do nosso, Agostinho indicava esta ligação intrínseca entre fé e empreendimento intelectual humano recorrendo a Platão, o qual afirmava que, na sua opinião, «amar a sabedoria é amar Deus» (cf. De Civitate Dei, VIII, 8). O compromisso cristão a favor da aprendizagem, que deu origem às universidade medievais, fundava-se nesta convicção de que o único Deus, como fonte de cada verdade e bondade, é também fonte do desejo fervoroso do intelecto de conhecer e do anseio da vontade de se realizar no amor.

Somente nesta perspectiva podemos apreciar a contribuição especial da educação católica, que realiza uma «diakonia da verdade» inspirada por uma caridade intelectual consciente do facto de que orientar os outros em direcção à verdade é, afinal, um acto de amor (cf. Bento XVI, Discurso aos educadores católicos, Washington, 17 de Abril de 2008). O facto da fé reconhecer a unidade fundamental de cada conhecimento, constitui um baluarte contra a alienação e a fragmentação que ocorre quando o uso da razão é separado da busca da verdade e da virtude; neste sentido, as instituições católicas devem desempenhar um papel específico a fim de ajudar a ultrapassar a crise actual das universidades. Firmemente enraizado nesta visão da interação intrínseca entre fé, razão e pesquisa da excelência humana, cada intelectual cristão, e todas as instituições educativas da Igreja, devem estar convictos, e desejar convencer os outros, que nenhum aspecto da realidade permanece alheio ou indiferente ao mistério da redenção e ao domínio do Senhor Ressuscitado sobre toda a criação.

Durante a minha visita pastoral aos Estados Unidos falei sobre a necessidade para a Igreja na América de cultivar «uma mentalidade, uma cultura intelectual que seja genuinamente católica» (cf. Bento XVI, Homilia no Nationals Stadium de Washington, Washington, 17 de Abril de 2008). Assumir esta tarefa exige uma renovação da apologética e uma ênfase sobre as características católicas; em última analise, deve ser destinada a proclamar a verdade libertadora de Cristo e a incentivar um diálogo e uma cooperação maiores na edificação de uma sociedade cada vez mais firmemente enraizada num humanismo autêntico, inspirado no Evangelho e fiel aos valores mais nobres da herança cívica e cultural americana. No momento actual da história da vossa nação, este é o desafio e a oportunidade que aguarda toda a comunidade católica e que sobretudo todas as instituições educativas da Igreja deveriam reconhecer e abraçar.

Ao concluir estas breves reflexões, desejo expressar mais uma vez a minha gratidão, e a de toda a Igreja, pelo empenho generoso, muitas vezes acompanhado pelo sacrifício pessoal, demonstrado por numerosos professores e administradores que trabalham na vasta rede de escolas católicas no vosso país. A vós, queridos Irmãos, e a todos os fiéis confiados ao vosso cuidado pastoral, concedo cordialmente a minha Bênção Apostólica, em penhor de sabedoria, alegria e paz no Senhor Ressuscitado.



Discursos Bento XVI 60412