Discursos Bento XVI 20632

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES Sala do Trono do Arcebispado de Milão Sábado, 2 de Junho de 2012

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Ilustres Senhores

Estou-vos sinceramente grato por este encontro, que revela os vossos sentimentos de respeito e de estima pela Sé Apostólica e que ao mesmo tempo me permite, como Pastor da Igreja Universal, manifestar-vos apreço pela obra diligente e benemérita que não cessais de promover, para um bem-estar civil, social e económico cada vez maior das laboriosas populações milanesas e lombardas. Agradeço ao Cardeal Angelo Scola, que introduziu este momento. Enquanto vos dirijo a minha saudação deferente e cordial, o meu pensamento corre àquele que foi vosso ilustre predecessor, santo Ambrósio, governador — consularis — das províncias da Liguria e da Aemilia, com sede na cidade imperial de Milão, lugar de passagem e de referência — diríamos hoje — europeu. Antes de ter sido eleito Bispo de Mediolanum, de modo inesperado e absolutamente contra a sua vontade porque não se sentia preparado, ali tinha sido o responsável pela ordem pública e administrara a justiça. Pareceu-me significativas as palavras com as quais o prefeito Probo o convidou como consularis a Milão; com efeito, disse-lhe: «Vai e administra não como um juiz, mas como um bispo!». E ele foi efectivamente um governador equilibrado e iluminado, que soubre enfrentar as questões com sabedoria, bom senso e autoridade, sabendo superar contrastes e reconstituir divisões. Gostaria de meditar de forma breve precisamente sobre alguns princípios, que ele seguia e que ainda hoje são preciosos para quantos são chamados a governar o Estado.

No seu comentário ao Evangelho de Lucas, santo Ambrósio recorda que «a instituição do poder deriva tão bem de Deus, que aquele que o exerce é ele mesmo ministro de Deus» (Expositio Evangelii secundum Lucam, IV, 29). Tais palavras poderiam parecer estranhas aos homens do terceiro milénio, e no entanto indicam claramente uma verdade central sobre a pessoa humana, que constitui um fundamento sólido da convivência social: nenhum poder do homem pode considerar-se divino, e portanto nenhum homem é senhor de outro homem. Ambrósio lembrá-lo-á intrepidamente ao imperador, escrevendo-lhe: «Também tu, ó augusto imperador, és um homem!» (Epistula 51, 11).

Podemos obter mais um elemento do ensinamento de santo Ambrósio. A primeira qualidade de quem governa é a justiça, virtude pública por excelência, porque diz respeito ao bem da comunidade inteira. E no entanto ela não é suficiente. Ambrósio acompanha-a com uma outra qualidades: O amor pela liberdade, que ele considera um elemento discriminante entre os governantes bons e os maus porque, como se lê noutra carta sua, «os bons amam a liberdade, os réprobos amam a servidão» (Epistula 40, 2). A liberdade não é um privilégio para alguns, mas um direito para todos, um direito precioso que o poder civil deve garantir. Todavia, liberdade não significa arbítrio do indivíduo, mas implica ao contrário a responsabilidade de cada um. Este constitui um dos elementos principais da laicidade do Estado: assegurar a liberdade, a fim de que todos possam propor a sua visão da vida comum, mas sempre no respeito pelo próximo e no contexto das leis que visam o bem de todos.

Por outro lado, na medida em que se ultrapassa a concepção de um Estado confessional, parece claro, contudo, que as suas leis devem encontrar justificação e força na lei natural, que é fundamento de uma ordem adequada à dignidade da pessoa humana, superando um conceito meramente positivista do qual não podem derivar indicações que sejam, de modo algum, de cunho ético (cf. Discurso ao Parlamento alemão, 22 de Setembro de 2011). O Estado encontra-se ao serviço e em tutela da pessoa e do seu «bem-estar», nos seus múltiplos aspectos, a começar pelo direito à vida, cuja supressão deliberada nunca pode ser permitida. Então, cada um pode ver como a legislação e a obra das instituições estatais devem estar em particular ao serviço da família, fundada sobre o matrimónio e aberta à vida, e também reconhecer o direito primário dos pais à livre educação e formação dos filhos, em conformidade com o programa educativo que eles julgarem válido e pertinente. Não se faz justiça à família, se o Estado não sustentar a liberdade de educação, para o bem comum de toda a sociedade.

Neste existir do Estado para os cidadãos parece preciosa uma colaboração construtiva com a Igreja, sem dúvida não para uma confusão das finalidades e das funções diversas e distintas do poder civil e da própria Igreja, mas para a contribuição que ela deu e ainda hoje pode oferecer à sociedade com a sua experiência, doutrina, tradição, instituições e obras, com as quais se colocou ao serviço do povo. É suficiente pensar na maravilhosa plêiade de Santos da caridade, da escola e da cultura, do cuidado dos enfermos e marginalizados, servidos e amados como se serve e se ama o Senhor. Esta tradição continua a dar frutos: a laboriosidade dos cristãos da Lombardia nestes âmbitos é bastante viva e talvez ainda mais significativa do que no passado. As comunidades cristãs promovem estas obras não tanto por suplência, mas acima de tudo como superabundância gratuita da caridade de Cristo e da experiência totalizadora da sua fé. O tempo de crise que atravessamos tem necessidade, além de escolhas técnico-políticas intrépidas, também de gratuidade, como tive a oportunidade de recordar: «A “cidade do homem” não é promovida apenas por relações feitas de direitos e deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão» (Encíclica Caritas in veritate ).

Podemos receber um último precioso convite de santo Ambrósio, cuja figura solene e admoestadora está inserida no estandarte da Cidade de Milão. A quantos desejam colaborar para o governo e a administração pública, santo Ambrósio pede que se façam amar. Na obra De officiis ele afirma: «Aquilo que o amor faz, o medo jamais poderá realizá-lo. Nada é mais útil do que fazer-se amar» (II, 29). Por outro lado a razão que, por sua vez, move e estimula a vossa presença diligente e laboriosa nos vários âmbitos da vida pública só pode ser a vontade de vos dedicardes ao bem dos cidadãos e, por conseguinte, uma expressão clara e um sinal evidente de amor. Assim, a política é profundamente enobrecida, tornando-se uma forma elevada de caridade.

Ilustres Senhores! Acolhei estas minhas simples considerações como um sinal da minha profunda estima pelas instituições que vós servis e pela vossa obra tão importante. Nesta vossa tarefa vos assista a salvaguarda incessante do Céu, da qual quer ser penhor e auspício a Bênção apostólica, que vos concedo a vós, aos vossos colaboradores e às vossas famílias. Obrigado




FESTA DOS TESTEMUNHOS Parque de Bresso Sábado, 2 de Junho de 2012

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O PAPA EM FESTA COM AS FAMÍLIAS DO MUNDO

1. CAT TIEN (menina do Vietname): Olá, Papa. Sou a Cat Tien, venho do Vietname.

Tenho sete anos e quero apresentar-te a minha família. Este é o meu papá, Dan; a minha mãe chama-se Tao, e este é o meu irmão Binh.

Gostava muito de saber alguma coisa da tua família e de quando eras pequeno como eu...

SANTO PADRE: Obrigado, minha menina; e aos pais: o meu obrigado do fundo do coração. Perguntaste quais e como são as lembranças da minha família. Seriam tantas! Posso dizer apenas poucas coisas. O ponto essencial para nós, para a família era o domingo, mas o domingo começava já no sábado de tarde. O pai dizia-nos quais eram as leituras, as leituras do domingo, lendo-as num livro muito conhecido naquele tempo na Alemanha, onde se explicavam também os textos. Assim começava o domingo: entrávamos já na liturgia, num clima de alegria. No dia seguinte, íamos à Missa. A minha casa estava perto de Salzburgo, pelo que havia muita música – Mozart, Schubert, Haydn – e, quando começava o Kyrie, parecia o céu aberto. Depois era importante o que se passava em casa. Naturalmente, o momento grande do almoço juntos. E também cantávamos muito: o meu irmão é um grande músico; já, desde a adolescência, fazia composições para todos nós, e assim toda a família cantava. O pai tocava cítara e cantava. São momentos inesquecíveis. Além disso, claro, fizemos juntos viagens, caminhadas; vivíamos perto dum bosque, e era muito bom caminhar nos bosques: aventuras, jogos, etc. Numa palavra, formávamos um só coração e uma só alma, com muitas experiências comuns, mesmo em tempos muito difíceis, porque era o tempo da guerra, como antes fora o tempo da ditadura e, depois, o da pobreza. Mas este amor mútuo que havia entre nós, esta alegria até por coisas simples era forte, e assim conseguia-se superar e suportar também estas coisas. Parece-me que isto era muito importante: mesmo coisas pequenas nos faziam felizes, porque eram expressão do coração do outro. E assim crescemos na certeza de que é bom ser uma pessoa humana, porque víamos que a bondade de Deus se reflectia nos pais e nos irmãos. E, verdade seja dita, quando procuro imaginar um pouco como vai ser no Paraíso, sempre me parece que será como o tempo da minha juventude, da minha infância. Como éramos felizes neste ambiente de confiança, alegria e amor, penso que, no Paraíso, deveria ser semelhante à forma como era na minha juventude. Neste sentido, espero voltar «a casa», quando passarei ao «outro lado» da vida.

2. SERGE RAZAFINBONY E FARA ANDRIANOMBONANA (um par de noivos de Madagáscar):

SERGE: Santidade, somos Fara e Serge, e vimos de Madagáscar.

Conhecemo-nos em Florença, onde estamos a estudar – eu engenharia, e ela economia. Iniciámos o noivado há quatro anos e sonhamos, logo que fizermos o doutoramento, voltar ao nosso país para dar uma mão ao nosso povo, inclusive através da nossa profissão.

FARA: Os modelos de família que predominam no Ocidente não nos convencem, mas estamos cientes de que também muitos tradicionalismos da nossa África precisam de ser em certa medida superados. Sentimo-nos feitos um para o outro; por isso queremos casar e construir um futuro juntos. Queremos também que cada aspecto da nossa vida seja orientado pelos valores do Evangelho.

Mas, falando de matrimónio… Santidade, há uma palavra que, mais do que qualquer outra, nos atrai e ao mesmo tempo nos assusta: aquele «para sempre»...

PAPA: Queridos amigos, obrigado por este testemunho! Contai com a minha oração neste caminho do noivado e espero que possais criar, com os valores do Evangelho, uma família «para sempre». A Fara aludiu a diversos tipos de casamento: conhecemos o «mariage coutumier» da África e o casamento ocidental. Mesmo na Europa – verdade seja dita –, até ao século XIX, predominava um modelo de casamento diverso do actual: muitas vezes o casamento era, na realidade, um contrato entre clãs, no qual se procurava manter o clã, abri-lo ao futuro, defender as propriedades, etc. A escolha dos noivos era feita pelo clã, esperando que as coisas funcionassem um com o outro. E assim sucedia, em parte, também nos nossos países; lembro-me duma cidadezinha, aonde fui à escola, que as coisas ainda se passavam em grande parte assim. Entretanto, com o século XIX, vem a emancipação do indivíduo, a liberdade da pessoa… e o casamento já não se baseia na vontade alheia, mas na própria escolha; começa-se pelo enamoramento, passa-se ao noivado e depois ao casamento. Naquele tempo, estávamos todos convencidos de que este fosse o único modelo certo e que o amor, por si mesmo, garantisse o «sempre», já que o amor é absoluto, quer tudo e, consequentemente, também a totalidade do tempo: é «para sempre». Infelizmente, não era assim a realidade: vê-se que o enamoramento é lindo, mas talvez não sempre perpétuo, tal como o sentimento que não permanece para sempre. Vê-se, pois, que a passagem do enamoramento ao noivado e, depois, ao casamento requer várias decisões, experiências interiores. Como disse, é lindo este sentimento do amor, mas deve ser purificado, deve seguir por um caminho de discernimento, isto é, devem entrar também a razão e a vontade; devem unir-se razão, sentimento e vontade. No rito do matrimónio, a Igreja não pergunta: «Está enamorado?» Mas: «Quer…», «Está decidido…». Ou seja: o enamoramento deve tornar-se verdadeiro amor, envolvendo a vontade e a razão num caminho – o caminho do noivado – de purificação, de maior profundidade, de tal modo que realmente o homem inteiro, com todas as suas capacidades, com o discernimento da razão, a força da vontade, possa dizer: «Sim, esta é a minha vida». Penso muitas vezes nas bodas de Caná. O primeiro vinho deixou-os felicíssimos: é o enamoramento. Mas não dura até ao fim: deve aparecer um segundo vinho, isto é, deve ferver e crescer, amadurecer. Um amor definitivo que se torne realmente «segundo vinho» é mais lindo, é melhor do que o primeiro vinho. E é isto que devemos procurar... Aqui é importante também que o eu não fique isolado, o eu e o tu, mas que seja envolvida também a comunidade da paróquia: a Igreja, os amigos… Tudo isto – a personalização plena e justa, a comunhão de vida com os outros, com as famílias que se apoiam umas às outras – é muito importante e só assim, neste envolvimento da comunidade, dos amigos, da Igreja, da fé, do próprio Deus é que cresce um vinho que dura para sempre. Muitas felicidades para ambos!

3. FAMÍLIA PALEOLOGOS (família grega)

NIKOS: Boa noite! Somos a família Paleologos. Vimos de Atenas. Chamo-me Nikos, e ela é a minha esposa Pania. Estes são os nossos dois filhos: Pavlos e Lydia.

Há alguns anos, juntamente com mais dois sócios e investindo tudo o que tínhamos, começámos uma pequena sociedade de informática.

Com a chegada da duríssima crise económica actual, os clientes diminuíram drasticamente e os que ficaram adiam cada vez mais os pagamentos. Mal conseguimos pagar os salários dos dois trabalhadores que temos, ficando pouquíssimo para nós, os sócios. Assim, à medida que passam os dias, vai havendo cada vez menos para manter as nossas famílias. A nossa situação é apenas uma dentre muitas, uma entre milhões de outras. Na cidade, as pessoas caminham de cabeça baixa; e já ninguém tem confiança em ninguém, falta a esperança.

PANIA: Mesmo nós, embora continuando a acreditar na providência, temos dificuldade em imaginar um futuro para os nossos filhos.

Há dias e noites em que nos perguntamos, Santo Padre, como fazer para não perder a esperança. Que pode a Igreja dizer a toda esta gente, a estas pessoas e famílias sem qualquer perspectiva?

SANTO PADRE: Queridos amigos, obrigado por este testemunho que tocou o meu coração e o coração de todos nós. Que podemos responder? Não bastam as palavras; temos de fazer algo de concreto e todos nós sofremos pelo facto de sermos incapazes de fazer algo de concreto. Comecemos pela política: parece-me que deveria crescer o sentido da responsabilidade em todos os partidos. Não prometam coisas que não podem realizar; não se limitem a procurar votos para si, mas sintam-se responsáveis pelo bem de todos. Que se perceba que política é sempre também responsabilidade humana, moral diante de Deus e dos homens. Depois, naturalmente, temos os indivíduos que sofrem e – muitas vezes sem possibilidade de se defenderem – vêem-se obrigados a aceitar a situação como ela é. Mas aqui podemos também dizer: cada um procure fazer tudo o que lhe é possível, pense em si, na família, nos outros, com um grande sentido de responsabilidade, sabendo que os sacrifícios são necessários para avançar. Terceiro ponto: Que podemos fazer nós? Esta é a minha questão, neste momento. Creio que talvez pudessem ajudar as geminações entre cidades, entre famílias, entre paróquias… Agora, na Europa, temos uma rede de geminações, mas trata-se de intercâmbios culturais – sem dúvida, muito bons e muito úteis –, quando talvez haja necessidade de geminações noutro sentido: que realmente uma família do Ocidente, da Itália, da Alemanha, da França... assuma a responsabilidade de ajudar outra família. E o mesmo se diga das paróquias, das cidades: que assumam responsabilidades reais, ajudem concretamente. E podeis estar certos! Eu e muitos outros rezamos por vós, e esta oração não é só dizer palavras, mas abre o coração a Deus e assim gera também criatividade na busca de soluções. Esperamos que o Senhor vos ajude, que o Senhor vos ajude sempre! Obrigado!

4. FAMÍLIA RERRIE (família dos Estados Unidos)

JAY: Vivemos perto de Nova York.

Meu nome é Jay, sou de origem jamaicana e trabalho em contabilidade.

Esta é a minha esposa Ana e é professora de apoio.

E estes são os nossos seis filhos, cujas idades variam de 2 a 12 anos. A partir disto, bem pode imaginar, Santo Padre, como a nossa vida é feita de incessantes corridas contra o tempo, de ânsias, de arranjos muito complicados...

Também lá, nos Estados Unidos, uma das prioridades absolutas é manter o emprego e, para o conseguir, é preciso não olhar a horários… E muitas vezes quem padece são precisamente as relações familiares.

ANA: É verdade! Nem sempre é fácil... Santidade, tem-se a impressão de que as instituições e as empresas não facilitam a conciliação dos tempos de trabalho com os tempos da família.

Imaginamos que também não seja fácil, para Vossa Santidade, conciliar os seus compromissos sem fim com o repouso.

Pode dar-nos qualquer conselho para nos ajudar a encontrar esta harmonia tão necessária? No turbilhão de tantos estímulos impostos pela sociedade actual, como ajudar as famílias a viverem a festa segundo o coração de Deus?

SANTO PADRE: Óptima pergunta, e acho que entendo este dilema entre duas prioridades: a prioridade do emprego, que é crucial, e a prioridade da família; mas como conciliar as duas prioridades? Posso somente tentar dar algum conselho. Primeiro ponto: há empresas que de certo modo permitem qualquer extra para a família – o dia do aniversário, etc. –, tendo concluído que dar um pouco de liberdade, no fim de contas, favorece a própria empresa, porque reforça o amor ao trabalho, ao emprego. Por isso, gostava de convidar os empregadores a pensarem na família, a darem uma mão também para que se possam conciliar as duas prioridades. Segundo ponto: parece-me que é preciso, naturalmente, cultivar uma certa criatividade – o que nem sempre é fácil! Mas pelo menos tentemos, em cada dia, trazer qualquer elemento de alegria à família, uma atençãozinha, alguma renúncia à vontade própria para estar com a família, e aceitar e superar as noites, as trevas de que já falámos antes, e pensar a este grande bem que é a família e assim, na grande solicitude de dar algo de bom cada dia, encontrar também uma conciliação das duas prioridades E, finalmente, temos o domingo, a festa! Espero que se respeite, na América, o domingo. É que me parece muito importante o domingo, dia do Senhor e, precisamente como tal, também «dia do homem», para que sejamos livres. Segundo a narração da criação, a intenção originária do Criador era esta: um dia em que todos sejam livres. Nesta possibilidade de um ser livre para o outro, para si mesmo, é-se livre para Deus. E assim penso que defendemos a liberdade do homem, defendendo o domingo e os dias festivos como dias de Deus e, deste modo, dias para o homem. Muitas felicidades para vós todos! Obrigado!

5. FAMÍLIA ARAÚJO (família brasileira de Porto Alegre)

MARIA MARTA: Santidade, no nosso Brasil, como aliás no resto do mundo, continuam a aumentar as falências matrimoniais.

Chamo-me Maria Marta, ele é Manoel Ângelo. Estamos casados ??há 34 anos e já somos avós. Na qualidade de médico e psicoterapeuta familiares, encontramos muitas famílias, notando nos conflitos de casal uma dificuldade mais acentuada de perdoar e de aceitar o perdão, mas em vários casos constatámos o desejo e a vontade de construir uma nova união, algo duradouro, mesmo para os filhos que nascem da nova união.

MANOEL ÂNGELO: Alguns destes casais re-casados teriam vontade de aproximar-se da Igreja, mas, quando vêm negar-lhes os Sacramentos, a sua decepção é grande. Sentem-se excluídos, marcados por um juízo sem apelo.

Estas grandes penas magoam profundamente aqueles que nelas estão envolvidos; são lacerações que se tornam também parte do mundo, são feridas também nossas e da humanidade inteira.

Santo Padre, sabemos que a Igreja leva no seu coração estas situações e estas pessoas: que palavras e que sinais de esperança lhes podemos dar?

SANTO PADRE: Queridos amigos, obrigado pelo vosso trabalho de psicoterapeutas a favor das famílias, muito necessário. Obrigado por tudo o que fazeis para ajudar estas pessoas que sofrem. Na verdade, este problema dos divorciados re-casados ??é um dos grandes sofrimentos da Igreja actual. E não temos receitas simples. O sofrimento é grande, podendo apenas animar as paróquias, os indivíduos a ajudar estas pessoas a suportarem o sofrimento deste divórcio. Digo que é muito importante, naturalmente, a prevenção, isto é, aprofundar desde o início o enamoramento numa decisão profunda, amadurecida; além disso, o acompanhamento durante o matrimónio, de modo que as famílias nunca se sintam sozinhas, mas sejam realmente acompanhadas no seu caminho. Depois, quanto a estas pessoas, devemos dizer – como o Manoel afirmou – que a Igreja as ama, mas elas devem ver e sentir este amor. Considero grande tarefa duma paróquia, duma comunidade católica, fazer todo o possível para que elas sintam que são amadas, acolhidas, que não estão «fora», apesar de não poderem receber a absolvição nem a Comunhão: devem ver que mesmo assim vivem plenamente na Igreja. Mesmo se não é possível a absolvição na Confissão, não deixa talvez de ser muito importante um contacto permanente com um sacerdote, com um director espiritual, para que possam ver que são acompanhadas, guiadas. Além disso, é muito importante também que sintam que a Eucaristia é verdadeira e participam nela se realmente entram em comunhão com o Corpo de Cristo. Mesmo sem a recepção «corporal» do Sacramento, podemos estar, espiritualmente, unidos a Cristo no seu Corpo. É importante fazer compreender isto. Oxalá encontrem a possibilidade real de viver uma vida de fé, com a Palavra de Deus, com a comunhão da Igreja, e possam ver que o seu sofrimento é um dom para a Igreja, porque deste modo estão ao serviço de todos mesmo para defender a estabilidade do amor, do Matrimónio; e que este sofrimento não é só um tormento físico e psíquico, mas também um sofrer na comunidade da Igreja pelos grandes valores da nossa fé. Penso que o seu sofrimento, se realmente aceite interiormente, seja um dom para a Igreja. Devem saber que precisamente assim servem a Igreja, estão no coração da Igreja. Obrigado pelo vosso compromisso!


PALAVRA DE CONFORTO ÀS VÍTIMAS DO TERRAMOTO

SANTO PADRE: Queridos amigos, sabeis que compartilhamos profundamente a vossa tribulação, o vosso sofrimento; e sobretudo peço cada dia que termine finalmente este terramoto. Todos nós queremos dar a nossa contribuição para vos ajudar: tende a certeza de que não vos esquecemos, que cada um está a fazer o possível para vos ajudar – a Cáritas, todas as organizações da Igreja, o Estado, as diversas comunidades – cada um de nós quer ajudar-vos, tanto espiritualmente com a nossa oração, com a nossa união do coração, como materialmente. Rezo com insistência por vós. Que Deus vos ajude, e nos ajude a todos! Votos do melhor bem. O Senhor vos abençoe!





SAUDAÇÃO APÓS O ALMOÇO NO ARCEBISPADO Arcebispado de Milão Domingo, 3 de Junho de 2012

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No final do almoço oferecido no arcebispado no domingo 3 de Junho, os cardeais Scola e Tettamanzi dirigiram uma breve saudação ao Papa. O arcebispo emérito entregou-lhe uma cópia preciosa do evangeliário ambrosiano — realizado por grandes artistas actuais, sob a orientação do pe. Umberto Bordoni — que tem na capa uma representação iconográfica da Jerusalém celeste. Bento XVI retribuiu, improvisando as seguintes palavras.

Estimados amigos, é bom que no final tenhamos chegado de novo à Palavra de Deus, que constitui a chave da vida, a chave do pensar e do viver: assim começamos, e com esta Palavra concluímos; estamos na plenitude da vida verdadeira. E eu queria dizer simplesmente obrigado por tudo o que vivi durante estes dias: esta experiência da Igreja viva.

Se às vezes podemos pensar que a barca de Pedro está realmente no meio de ventos adversos difíceis — é verdade — todavia vemos também que o Senhor está presente, vivo, que o Ressuscitado está realmente vivo, e tem nas mãos o governo do mundo e o coração dos homens. Esta experiência de que a Igreja está viva, que vive do amor de Deus, que vive de Cristo Ressuscitado, é — digamos — o dom destes dias. Assim, o primeiro agradecimento dirige-se ao Senhor, mas obrigado inclusive ao Cardeal Scola, ao Cardeal Tettamanzi, aos seus colaboradores — são numerosas as pessoas que colaboraram — e a todos aqueles que festejaram connosco!




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE PAPUA-NOVA GUINÉ E DAS ILHAS SALOMÃO EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado 9 de Junho de 2012

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Queridos Irmãos Bispos

Dou-vos as minhas cordiais e fraternas boas-vindas, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum e agradeço ao Arcebispo John Ribat as amáveis palavras que me dirigiu em nome de toda a Conferência Episcopal de Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão. Este encontro é uma oportunidade privilegiada para expressar a nossa comunhão na única Igreja de Cristo. Através de vós transmito as minhas cordiais saudações aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, assim como a todos os que estão confiados ao vosso cuidado pastoral. Peço-vos que lhes assegureis as minhas orações a fim de que continuem a crescer na fé, esperança e caridade.

Gostaria de elogiar os vossos esforços para «apascentar o rebanho de Deus que vos foi confiado» (
1P 5,2). A atenção que dedicais a quantos estão confiados ao vosso cuidado pastoral foi particularmente notável na forma com a qual providenciais às necessidades básicas dos pobres, dos marginalizados e dos doentes — sobretudo de quantos são afectados pelo hiv/sida — através do trabalho das entidades diocesanas. Outra parte importante do vosso ministério pastoral é exercida quando falais publicamente como voz moral objectiva em nome dos necessitados. Quando a Igreja manifesta a sua preocupação no debate público, fá-lo legitimamente e a fim de contribuir para o bem comum, não propondo soluções políticas concretas, mas ajudando a «purificar e esclarecer a aplicação da razão na descoberta dos princípios morais objectivos» (Discurso no Westminster Hall, 17 de Setembro de 2010). Estes princípios são acessíveis a todos através do raciocínio correcto e são necessários para uma ordem justa da sociedade civil. Por conseguinte, encorajo-vos a continuar o diálogo e o trabalho com as autoridades civis, a fim de que a Igreja possa ser livre de se expressar e de providenciar serviços para o bem comum de forma plenamente conforme com os valores do Evangelho.

Dos vossos relatórios tomei conhecimento de que estais a empreender vários esforços pastorais, cujo elemento comum é a evangelização da cultura. Isto é muito importante, pois a pessoa humana só pode «alcançar através da cultura um nível de vida verdadeira e plenamente humana» (cf. Gaudium et spes GS 53). Além disso, podemos observar o papel fundamental da cultura na história da salvação, dado que o Deus Uno e Trino se revelou gradualmente ao longo dos anos, alcançando o ápice com o envio do Filho unigénito, nascido ele mesmo numa cultura particular. Aliás, mesmo reconhecendo as respectivas contribuições de cada cultura e, por vezes, ao valer-se dos seus recursos para realizar a própria missão, a Igreja foi enviada para pregar o Evangelho a todas as nações, superando as fronteiras construídas pelos homens. Por conseguinte, Irmãos Bispos, na obra de evangelização, continuai a aplicar as verdades eternas do Evangelho nos costumes das pessoas que servis, a fim de construir sobre os elementos positivos já presentes e de purificar qualquer outro quando for necessário. Deste modo, desempenhais o vosso papel na missão da Igreja de conduzir os povos de cada nação, raça e língua para Jesus Cristo Salvador, no qual encontramos revelados a plenitude e a verdade da humanidade (cf. ibidem).

Ao falar sobre este aspecto da evangelização, a família deve desempenhar um papel central, pois é a unidade de base da sociedade humana e o primeiro lugar no qual nos apropriamos da fé e da cultura. Embora a sociedade tenha reconhecido o papel importante da família na história, actualmente é necessário prestar atenção especial aos bens religiosos, sociais e morais da fidelidade, da igualdade e do respeito recíproco, que devem existir entre marido e esposa. A Igreja proclama incansavelmente que a família é fundada na instituição natural do matrimónio entre um homem e uma mulher e, no caso dos cristãos baptizados, é um contracto que foi elevado por Cristo a nível sobrenatural de sacramento, através do qual os cônjuges participam no amor de Deus tornado-se uma só carne, prometendo amar-se e respeitar-se reciprocamente, permanecendo abertos ao dom dos filhos por parte de Deus. A este propósito, louvo os vossos esforços para dar prioridade pastoral à evangelização do matrimónio e da família em conformidade com o ensinamento católico. Enquanto continuais as celebrações do centenário do nascimento do beato Pietro To Rot, o qual derramou o próprio sangue pela defesa da santidade do matrimónio, convido todos os cônjuges a olhar para o seu exemplo de coragem e, deste modo, ajudar os outros a considerar a família como um dom de Deus e um âmbito privilegiado onde as crianças podem «nascer com dignidade, crescer e desenvolver-se de maneira integral» (Homilia, 9 de Julho de 2006).

A obra de evangelização envolve todos os membros da Igreja de Cristo. Recordando que à semelhança dos Apóstolos, os bispos «são enviados às suas dioceses como primeiras testemunhas de Cristo ressuscitado» (Ecclesia in Oceania, 19), fazeis todos os esforços necessários para oferecer programas de formação e de catequese adequados para o clero, os religiosos e as religiosas, assim como para os fiéis leigos, a fim de que possam ser testemunhas fortes e jubilosas da fé, que professam como membros da Igreja católica. Um laicado adequadamente catequizado, um clero e religiosos bem formados, como «um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha» (Mt 7,24), serão preparados para resistir às tentações do mundo secular e suficientemente sábios para não se deixar enganar pelas tentativas de os converter a versões excessivamente simplistas do cristianismo, muitas vezes baseadas só nas falsas promessas de prosperidade material. Além de reconhecer a importância de desenvolver e prosseguir com programas formais, encorajo-vos a recordar que um elemento-chave para programas de formação e de catequese eficazes é o exemplo de testemunhas santos que «obedecendo em tudo à vontade de Deus, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo» (Lumen gentium LG 40). Estas testemunhas, e as pessoas às quais ensinam, com a vossa orientação e o vosso apoio, ajudarão a garantir que a Igreja nos vossos países continue a ser um instrumento eficaz de evangelização, atraindo quantos ainda não conhecem Cristo e inspirando os que se tornaram tíbios na fé.

Enfim, Irmãos Bispos, espero que a vossa visita ao Sucessor de Pedro e ao túmulo dos Apóstolos vos fortaleça na determinação a ser protagonistas da nova evangelização, especialmente no iminente Ano da fé. Rezo também para que os vossos esforços deem frutos, a fim de que o Reino de Deus possa continuar a crescer na porção da vinha do Senhor confiada aos vossos cuidados pastorais. Ao confiar-vos à intercessão de Maria, Mãe da Igreja, e garantido o meu afecto e as minhas orações para vós e para o vosso povo, concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica




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