Discursos Bento XVI 20711

AOS PEREGRINOS DA DIOCESE ITALIANA DE ALTAMURA-GRAVINA-ACQUAVIVA DELLE FONTI

20711
Sala Paulo VI
Sábado, 2 de Julho de 2011



Excelência
Prezados irmãos e irmãs

Estou realmente feliz por vos acolher em tão grande número e cheios do entusiasmo da fé. Obrigado! Estou grato ao Bispo D. Mario Paciello pelas palavras que me dirigiu em nome de todos. Saúdo as Autoridades civis, os Sacerdotes, os Religiosos e as Religiosas, os Seminaristas e cada um de vós, alargando o meu pensamento e o meu afecto à vossa Comunidade diocesana, em particular àqueles que vivem situações de sofrimento e de dificuldade. Dou graças ao Senhor porque a vossa visita me oferece a possibilidade de compartilhar um momento do caminho sinodal da Igreja que está em Altamura - Gravina - Acquaviva delle Fonti. O Sínodo constitui um acontecimento que faz viver concretamente a experiência de ser «Povo de Deus» a caminho, de ser Igreja, comunidade peregrina na história, em vista do seu cumprimento escatológico em Deus. Isto significa reconhecer que a Igreja não contém em si mesma o princípio vital, mas depende de Cristo, de Quem é sinal e instrumento eficaz. Na relação com o Senhor Jesus, ela encontra a própria identidade mais profunda: ser dom de Deus para a humanidade, prolongando a presença e a obra de salvação do Filho de Deus por meio do Espírito Santo. Neste horizonte compreendemos que a Igreja é essencialmente um mistério de amor ao serviço da humanidade, em vista da sua santificação. Sobre este ponto, o Concílio Vaticano II afirmou: «Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente» (Lumen gentium
LG 9). Vemos aqui que na realidade a Palavra de Deus criou um povo, uma comunidade, criou uma alegria comum, uma peregrinação conjunta rumo ao Senhor. Portanto, o ser Igreja não deriva apenas de uma nossa força organizativa, humana, mas encontra a sua nascente e o seu significado na comunhão de amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo: este amor eterno é a fonte da qual deriva a Igreja, e a Santíssima Trindade é o modelo de unidade na diversidade, gera e plasma a Igreja como mistério de comunhão.

É necessário recomeçar sempre e de modo novo a partir desta verdade, para compreender e viver mais intensamente o ser Igreja, «Povo de Deus», «Corpo de Cristo», «Comunhão». Caso contrário, corre-se o risco de reduzir tudo a uma dimensão horizontal, que desvirtua a identidade da Igreja e o anúncio da fé, e empobreceria a nossa vida e a vida da Igreja. É importante sublinhar que a Igreja não é uma organização social, filantrópica, como existem muitas outras: ela é a Comunidade de Deus, é a Comunidade que crê, que ama e que adora o Senhor Jesus, que abre as «velas» ao sopro do Espírito Santo, e por isto é uma Comunidade capaz de evangelizar e de humanizar. A profunda relação com Cristo, vivida e alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, torna eficaz o anúncio, motiva o compromisso em prol da catequese e anima o testemunho da caridade. Muitos homens e mulheres do nosso tempo têm necessidade de encontrar Deus, de encontrar Cristo ou de redescobrir a beleza do Deus próximo, do Deus que em Jesus Cristo mostrou o seu rosto de Pai e chama a reconhecer o sentido e o valor da existência. Fazer compreender que é bom viver como homem. Como sabemos, o actual momento histórico está marcado por luzes e sombras. Assistimos a atitudes complexas: egoísmo, narcisismo, desejo de posse e de consumo, sentimentos e afectos desvinculados da responsabilidade. Muitas são as causas desta desorientação, que se manifesta numa profunda dificuldade existencial, mas no fundo de tudo podemos entrever a negação da dimensão transcendente do homem e da relação fundadora com Deus. Por isso, é decisivo que as comunidades cristãs promovam percursos de fé válidos e exigentes.

Estimados amigos, há que prestar uma atenção particular ao modo de considerar a educação para a vida cristã, a fim de que cada pessoa possa realizar um caminho de fé autêntico, através das diversas fases da vida; um caminho no qual — como a Virgem Maria — a pessoa acolhe profundamente a Palavra de Deus e a põe em prática, tornando-se testemunha do Evangelho. O Concílio Vaticano II, na Declaração Gravissimum educationis, afirma: «A educação cristã tende principalmente a fazer com que os baptizados, enquanto são introduzidos de maneira gradual no conhecimento do mistério da salvação, se tornem cada vez mais conscientes do dom da fé que receberam... se disponham a levar a própria vida segundo o homem novo, em justiça e santidade da verdade» (n. 2). Neste compromisso educativo, a família permanece a primeira responsável. Caros pais, sede as primeiras testemunhas da fé! Não tenhais medo das dificuldades no meio das quais sois chamados a cumprir a vossa missão. Não estais sozinhos! A comunidade cristã está próxima de vós e sustém-vos. A catequese acompanha os vossos filhos no seu crescimento humano e espiritual, mas ela deve ser considerada como uma formação permanente, não limitada à preparação para receber os Sacramentos; durante toda a nossa vida, devemos crescer no conhecimento de Deus, assim como no significado do ser homem. Sabei haurir sempre força e luz da Liturgia: a participação na Celebração eucarística no Dia do Senhor é decisiva para a família, para toda a Comunidade, é a estrutura do nosso tempo. Recordemos sempre que nos Sacramentos, sobretudo na Eucaristia, o Senhor Jesus age em prol da transformação dos homens, assimilando-os a Si. É precisamente graças ao encontro com Cristo, à comunhão com Ele, que a comunidade cristã pode dar testemunho da comunhão, abrindo-se ao serviço, acolhendo os pobres e os últimos, reconhecendo o rosto de Deus no enfermo e em cada necessitado. Portanto convido-vos, a começar pelo contacto com o Senhor na oração quotidiana e sobretudo na Eucaristia, a valorizar de modo adequado as propostas educativas e os percursos de voluntariado existentes na diocese, para formar pessoas solidárias, abertas e atentas às situações de dificuldade espiritual e material. Em síntese, a obra pastoral deve ter em vista a formação de pessoas maduras na fé, para viver em contextos nos quais muitas vezes Deus é ignorado; pessoas coerentes com a fé, para que a luz de Cristo seja levada a todos os ambientes; pessoas que vivem com alegria a fé, para transmitir a beleza de ser cristãos.

Enfim, desejo dirigir um pensamento especial a vós, caros sacerdotes. Sede sempre reconhecidos pelo dom recebido, para que possais servir, com amor e dedicação, o Povo de Deus confiado aos vossos cuidados. Anunciai o Evangelho com coragem e fidelidade, sede testemunhas da misericórdia de Deus e, orientados pelo Espírito Santo, sabei indicar a verdade, sem ter medo do diálogo com a cultura e com quantos se põem em busca de Deus.

Amados irmãos e irmãs, confiemos o caminho da vossa Comunidade diocesana a Maria Santíssima, Mãe do Senhor e Mãe da Igreja, nossa Mãe. Nela contemplamos aquilo que a Igreja é e está chamada a ser. Com o seu «sim», Ela concedeu Jesus ao mundo e agora participa plenamente da glória de Deus. Também nós somos chamados a oferecer o Senhor Jesus à humanidade, sem esquecer que somos sempre seus discípulos. Agradeço-vos ainda muito a vossa bonita visita e, de todo o coração, estou-vos grato pela vossa fé e acompanho-vos com a oração, enquanto vos concedo a Bênção Apostólica, a todos vós e à diocese inteira.



NA INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO PREPARADA POR OCASIÃO DOS SESSENTA ANOS DE SACERDÓCIO

40711
Átrio da Sala Paulo VI

Segunda-feira 4 de Julho de 2011



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Prezados amigos

Para mim é uma grande alegria encontrar-me convosco e receber a vossa homenagem criativa e multiforme, por ocasião do sexagésimo aniversário da minha Ordenação sacerdotal. Estou-vos sinceramente grato pela vossa proximidade nesta celebração para mim tão significativa e importante. Na Celebração eucarística de 29 de Junho passado, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, dei graças ao Senhor pela dádiva da vocação presbiteral. Hoje, agradeço-vos a amizade e a gentileza que me manifestais. Saúdo cordialmente o Cardeal Angelo Sodano, decano do sagrado Colégio, e o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura que, juntamente com os seus colaboradores, organizou esta singular manifestação artística, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me transmitiu. Dirijo também a minha saudação a todos os presentes, de modo particular a vós, estimados Artistas, que aceitastes o convite para apresentar uma obra vossa nesta Exposição.

O nosso encontro hodierno, em que tenho a alegria e a curiosidade de admirar as vossas obras, quer ser uma nova etapa daquele percurso de amizade e de diálogo que empreendemos no dia 21 de Novembro de 2009, na Capela Sistina, um acontecimento que ainda trago gravado na minha alma. A Igreja e os artistas voltam a encontrar-se, a falar entre si, a defender a necessidade de um diálogo que quer e deve tornar-se cada vez mais intenso e articulado, também para oferecer à cultura, aliás às culturas do nosso tempo um exemplo eloquente de diálogo fecundo e eficaz, destinado a tornar este nosso mundo mais humano e mais bonito. Hoje vós apresentais-me o fruto da vossa criatividade, da vossa reflexão, do vosso talento, expressões dos vários âmbitos artísticos que aqui representais: pintura, escultura, arquitectura, ourivesaria, fotografia, cinema, música, literatura e poesia. Antes de as admirar juntamente convosco, permite que eu medite um momento sobre o título sugestivo desta Exposição: «O esplendor da verdade, a beleza da caridade». Precisamente na homilia da Messa pro eligendo pontifice, comentando a bonita expressão de São Paulo, tirada da Carta aos Efésios, «veritatem facientes in caritate» (4, 15), eu defini a «realização da verdade na caridade» como uma fórmula fundamental da existência cristã. E acrescentei: «Em Cristo, a verdade e a caridade coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também a nossa vida, a verdade e a caridade se fundem. A caridade sem a verdade seria cega; a verdade sem a caridade seria como “um címbalo que retina” (
1Co 13,1)». É precisamente a partir da união, queria dizer da sinfonia, da harmonia perfeita entre verdade e caridade, que emana a beleza autêntica, capaz de suscitar admiração, maravilha e alegria verdadeira no coração dos homens. O mundo em que vivemos tem necessidade de que a verdade resplandeça e não seja ofuscada pela mentira nem pela banalidade; tem necessidade de que a caridade se inflame e não seja derrotada pelo orgulho e pelo egoísmo. Temos necessidade de que a beleza da verdade e da caridade alcance o íntimo do nosso coração e o torne mais humano.

Caros amigos, gostaria de renovar-vos, bem como a todos os artistas, um apelo amistoso e apaixonado: jamais separeis a criatividade artística da verdade e da caridade, nunca procureis a beleza distante da verdade e da caridade, mas com a riqueza da vossa genialidade, do vosso impulso criativo sede sempre, com coragem, investigadores da verdade e testemunhas da caridade; fazei resplandecer a verdade nas vossas obras e fazei com que a sua beleza suscite no olhar e no coração de quantos as admiram o desejo e a necessidade de tornar bela e verdadeira a existência, cada existência, enriquecendo-a com aquele tesouro que nunca desfalece, que faz da vida uma obra-prima, e de cada homem um artista extraordinário: a caridade, o amor. O Espírito Santo, artífice de toda a beleza que existe no mundo, vos ilumine sempre e vos oriente para a Beleza derradeira e definitiva, aquela que desperta a nossa mente e aquece o nosso coração, e que um dia esperamos poder contemplar em todo o seu esplendor.

Mais uma vez, obrigado pela vossa amizade, pela vossa presença e porque levais ao mundo um raio daquela Beleza, que é Deus. Do íntimo do coração, concedo a minha Bênção apostólica a todos vós, aos vossos entes queridos e a todo o mundo da arte.


DURANTE A VISITA À REDACÇÃO DE «L'OSSERVATORE ROMANO» POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO Terça-feira, 5 de Julho de 2011

50711

Queridos irmãos e irmãs, sinto-me feliz por vos poder encontrar na sede do diário «L’Osservatore Romano», onde todos os dias desempenhais o vosso trabalho, precioso e qualificado, ao serviço da Santa Sé. Saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo o director, prof. Giovanni Maria Vian, o vice-director, os redactores e toda a grande família deste jornal. Há poucos dias, a 1 de Julho, «L’Osservatore Romano» alcançou a meta notável de 150 anos de vida. Gostaria de vos dizer de coração, como se faz em casa: feliz aniversário! Esta data suscita sentimentos de gratidão e de orgulho legítimo, mas, ao lado das comemorações particulares e solenes quis vir aqui também, entre vós, para expressar o meu reconhecimento a cada um dos que «fazem» concretamente o jornal com paixão humana e cristã e com profissionalidade. Desde há muito tempo estava realmente curioso de ver como se faz hoje um jornal, onde nasce o jornal, e conhecer pelo menos por um instante as pessoas que fazem este jornal. Agora tive a alegria de descobrir o modo moderno, totalmente diverso em relação há cinquenta anos, de como nasce um jornal. Exige, digamos, muito mais criatividade humana do que trabalho técnico. E assim esta «oficina» certamente dedica-se ao fazer, mas antes, sobretudo, ao conhecer, pensar, julgar, reflectir. Não é sequer só uma «oficina»: é sobretudo um grande observatório, como diz o nome. Observatório para ver as realidades deste mundo e informar-nos destas realidades. Parece-me que deste observatório se vejam quer as coisas distantes quer as próximas. Distantes num duplo sentido: antes de tudo distantes em todas as partes do mundo, como são as Filipinas, a Austrália, a América Latina; esta para mim é uma das grandes vantagens de «L’Osservatore Romano», que oferece realmente uma informação universal, que vê deveras o mundo inteiro e não só uma parte. Por isto estou muito grato, porque normalmente nos jornais dão-se informações, mas com uma preponderância do próprio mundo e isto faz esquecer muitas outras partes da terra, que não são menos importantes. Vê-se aqui algo da coincidência Urbs et Orbis que é característica da catolicidade e, num certo sentido, também uma herança romana: ver deveras o mundo e não só a si mesmo.

Em segundo lugar, deste observatório vêem-se as coisas distantes também noutro sentido: «L’Osservatore» não fica na superfície, mas vai às raízes. Além da superfície mostra-nos as raízes culturais e o fundo das coisas. É para mim não só um jornal, mas também uma revista cultural. Admiro como é possível todos os dias apresentar grandes contributos que nos ajudam a compreender melhor o ser humano, as raízes de onde vêm as coisas e como devem ser compreendidas, realizadas, transformadas. Mas este jornal vê também as coisas próximas. Algumas vezes é até difícil ver de perto, o nosso pequeno mundo, que contudo é um mundo grande.

Há outro fenómeno que me faz pensar e do qual estou grato, ou seja, que ninguém pode informar sobre tudo. Também os meios mais universalistas, por assim dizer, não podem dizer tudo: é impossível. É sempre necessária uma escolha, um discernimento. E por isso é decisivo na apresentação dos factos o critério da escolha: nunca há só o facto puro, há sempre também uma escolha que determina o que é ressaltado e o que não é. E sabemos bem que as escolhas das prioridades hoje são muitas vezes, em numerosos órgãos da opinião pública, muito discutíveis. E «L’Osservatore Romano», como disse o director, no seu cabeçalho sempre se estabeleceu dois critérios: Unicuique suum e Non praevalebunt. Esta é uma síntese característica para a cultura do mundo ocidental. Por um lado, o grande direito romano, o direito natural, a cultura natural do homem concretizada na cultura romana, com o seu direito e o sentido de justiça; e por outro o Evangelho. Poder-se-ia dizer também: com estes dois critérios — temos como critério a justiça e, por outro lado, a esperança que vem da fé. Estes dois critérios juntos — a justiça que respeita cada um e a esperança que vê também as coisas negativas à luz de uma bondade divina da qual estamos certos pela fé — ajudam a oferecer realmente uma informação humana, humanista, no sentido de um humanismo que tem as suas raízes na bondade de Deus. E assim não é só informação, mas realmente formação cultural.

Por tudo isto vos estou grato. De coração concedo a todos vós, assim como aos vossos entes queridos a Bênção Apostólica.



SAUDAÇÃO À COMUNIDADE DE CASTEL GANDOLFO Quinta-feira, 7 de Julho de 2011

7711

Queridos amigos,

desejo a todos vós uma boa tarde. Acabei de chegar para começar as minhas férias e aqui encontro tudo: montanha, lago e vejo até o mar, uma bonita igreja com a fachada renovada, e pessoas boas. Por isto me sinto feliz por estar aqui. Esperemos que o Senhor nos conceda boas férias. Concedo a todos vós de coração a minha bênção.

Boa tarde e obrigado.



À DELEGAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE TRAUNSTEIN Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo Sábado, 30 de Julho de 2011

30711

Estimados amigos

Dirijo uma cordial saudação a todos vós que viestes de Chiemgau e de Rupertiwinkel. Como disse o Landrat, convosco Castel Gandolfo tornou-se um povoado bávaro e estou feliz porque através de vós está aqui presente a minha terra bávara. O Senhor vos recompense!

Transmito a Vossa Excelência, prezado senhor Landrat, o meu sentido agradecimento pelas palavras vindas do coração: saíram do seu coração e chegaram ao meu; traçaram uma imagem da nossa pátria e, ao mesmo tempo, consolidaram o vínculo comigo; para mim é uma grande alegria o facto de que este anel de honra me foi atribuído à unanimidade, para além de qualquer pertença de partido, de qualquer diferença que — justamente — existem. Para mim constitui um sinal que entre vós estou verdadeiramente «em casa», que nos acolhemos reciprocamente e que continuo a fazer parte de vós. Estou feliz e reconhecido pela minha bonita terra e por esta maravilhosa tarde que me concedestes. O Senhor vos recompense!

Provavelmente, o anel de honra não se tornará visível na minha mão, mas será disposto de tal maneira que eu o tenha sempre diante dos olhos, para que ele me possa recordar aquilo que, de qualquer modo, já conheço no profundo do meu coração: estou em casa ali, em Chiemgau, em Rupertiwinkel, nos lugares da minha juventude que o senhor recordou. Estou-vos grato porque, ainda que por um só instante, me fizestes reviver a beleza e o júbilo da cultura bávara.

Caro Landrat! O senhor falou da nossa pátria como da «Terra benedicta», mencionando também os monges que desenvolveram entre nós esta cultura da alegria. A nossa é deveras uma «Terra benedicta», graças ao Criador, que nos concedeu as montanhas, os lagos, os vales e os bosques. Devemos ser-lhe reconhecidos, porque nos confiou uma parte tão preciosa da terra. Mas a nossa é plenamente «Terra benedicta», de modo substancial porque os homens foram tocados na fé mediante a beleza da criação e da bondade do Criador e, por Ele sensibilizados, souberam conferir à nossa Terra pleno esplendor e capacidade de o reflectir. O que seria da Baviera sem as torres com as cúpulas em forma de cebola das nossas igrejas, sem o maravilhoso barroco e a alegria dos ditosos que nelas se expande? Sem a nossa música sacra — que nos faz olhar directamente dentro do Paraíso — e a profana? A vós, músicos, um grande agradecimento: fostes muito hábeis ao apresentar aqui a música bávara, fazendo-me recordar mais uma vez que ali me sinto em casa, dali provenho e daquela terra continuo a fazer parte. O Senhor vos recompense!

Sem as igrejas, as cruzes das estradas e as capelinhas — como recordou também o conselheiro provincial — a Baviera não seria Baviera; sem a sua música, a poesia, a afabilidade, a cordialidade e a alegria, que acabámos de experimentar.

No entanto, júbilo, cordialidade e bondade crescem só se o céu acima de nós estiver aberto. Nem todos os dias há sol — como também o senhor Landrat disse; às vezes temos que atravessar vales obscuros. mas podemos fazê-lo, permanecendo alegres e humanos — se o céu estiver aberto para nós, se formos roçados pela certeza de que Ele nos ama em tudo, que Deus é bom e por isso é bom ser homem. A Baviera tornou-se o que é a partir desta certeza, e todos nós oramos e esperamos que assim permaneça. A fim de que ela possa permanecer assim e continuar a ser sempre linda, e para que as pessoas possam dizer incessantemente sim à vida, ao futuro, é importante que não percamos o esplendor da fé, que permaneçamos crentes, cristãos, católicos onde católico significa também, sempre, ser «abertos ao mundo» — ou seja, mundo, vida e fé juntos — significa ser tolerantes e abertos uns aos outros, à fraternidade cordial em relação a quantos sabem que pertencem ao único Pai e sabem que são amados pelo único Senhor.

Esta é a minha prece: deixemo-nos tocar pela fé, guiar pela fé, a fim de que o esplendor do céu possa chegar até nós e iluminar o mundo nas suas misérias, tornando-o bonito e resplandecente.

Quanto a mim, prometo-vos que a minha terra está presente nas minhas orações, e como sinal disto concedo-vos agora a Bênção apostólica.

O Senhor vos recompense! Desejo-vos uma boa permanência em Castel Gandolfo! Saudai a Baviera por mim...



CONCERTO EM HOMENAGEM AO SANTO PADRE E SEU IRMÃO MONSENHOR GEORG RATZINGER POR OCASIÃO DO 60º ANIVERSÁRIO DE SACERDÓCIO, 9 de Agosto de 2011

9811
PALAVRAS NO FINAL DO CONCERTO
Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Terça-feira, 9 de Agosto de 2011




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Reverendo Senhor Decano
Estimados Músicos
Caros amigos

À estupenda música que ainda ressoa no nosso íntimo, sem dúvida nada se pode acrescentar. Porém, devo dirigir uma palavra de agradecimento a quantos tornaram possível e organizaram este concerto aqui em Castel Gandolfo. Agradeço de coração ao Senhor Decano o seu discurso de saudação inicial, e sobretudo aos artistas — o Maestro Albrecht Mayer, a violinista Arabella Steinbacher e o Conjunto «New Seasons» — a esplêndida execução que chega ao coração. Estou particularmente feliz também pelo facto de terdes desejado oferecer o presente concerto por ocasião do sexagésimo aniversário de sacerdócio que o meu irmão e eu, com a graça divina, pudemos celebrar juntos recentemente. E o Senhor Mayer atribuiu a este concerto o seguinte lema: «Aquilo que Deus faz, fá-lo bem», e deste modo tornou-o intimamente um concerto de acção de graças e de confiança crente. Muito obrigado a vós por este dom!

Esta tarde pudemos encontrar dois representantes grandiosos da música de Setecentos: Antonio Vivaldi e Johann Sebastian Bach, maestro dos maestros.

As duas peças de Vivaldi que ecoaram esta tarde fazem parte dos chamados «concertos cheios», escritos para orquestra de arcos e baixo contínuo, dos quais uma boa parte tinha uma finalidade didáctica, especialmente quando Vivaldi ensinava na «Pietà», um dos quatro orfanatos-conservatórios de Veneza para meninas. A estrutura dos três tempos, com um breve adágio central, é típica do grande compositor italiano, mas esta uniformidade arquitectónica nunca é monótona porque — como ouvimos — o tratamento do timbre, a cor orquestral, a dinâmica do discurso musical, as misturas harmónicas, a arte do contraponto e da imitação fazem dos concertos de Vivaldi um exemplo de luminosidade e de beleza que transmite serenidade e alegria. Acho que isto derivava também da sua fé. Vivaldi era um sacerdote católico, fiel ao seu Breviário e às suas práticas de piedade. A escuta da sua produção de música sacra revela o seu espírito profundamente religioso.

Trata-se de uma característica que o une a Johann Sebastian Bach, luterano, admirador de Vivaldi, de quem estudou e transcreveu vários concertos. «Soli Deo gloria»: esta frase aparece como um estribilho nos manuscritos de Bach — um leitmotiv das cantatas bachianas, como diz o opúsculo do programa — e constitui um elemento central para compreender a música do grande autor alemão. A profunda devoção foi um elemento essencial da sua índole, e a sua fé sólida sustentou e iluminou toda a sua vida. Na capa do «Kleines Orgelbüchlein» podem ler-se duas linhas «Dem höchsten Gott allein zu Ehren, Dem Nächsten draus sich zu belehren» [Ao Deus Altíssimo, para O honrar; aos outros, para os instruir]. Bach tinha uma concepção profundamente religiosa da arte: honrar a Deus e voltar a criar o espírito do homem. A escuta da sua música evoca quase o correr de um regato, ou então uma grandiosa construção arquitectónica, em que tudo está harmoniosamente amalgamado, como se procurasse reproduzir aquela sintonia perfeita que Deus gravou na sua criação. Bach é um maravilhoso «arquitecto da música», com um uso sem igual do contraponto, um arquitecto norteado por um tenaz ésprit de géometrie, símbolo de ordem e de sabedoria, reflexo de Deus, e assim a racionalidade genuína torna-se música no sentido mais elevado e puro, beleza resplandecente. Esta tarde pudemos admirar este espírito de Bach nos trechos iniciais tirados da monumental obra de fé que são as Cantatas, naquela música pura, cristalina da Partita n. 2 em ré menor para violino solo e no belíssimo Concerto bwv 1060, proposto numa revisão que, provavelmente, corresponde àquela mais antiga.

Mais uma vez obrigado, também da parte do meu irmão, ao Senhor Decano, ao Maestro Mayer, à violinista Arabella Steinbacher e ao Conjunto «New Seasons». A todos vós, um sincero «Vergelt’s Gott» [Deus vos recompense]. Concedo-vos de bom grado, e a todos os presentes, a minha Bênção apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA A MADRID POR OCASIÃO DA XXVI JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

18-21 DE AGOSTO DE 2011


ENTREVISTA AOS JORNALISTAS DURANTE A VIAGEM PARA MADRID Quinta-feira, 18 de Agosto de 2011

18811

Pe. Lombardi: Santo Padre, chegamos à XXVI Jornada Mundial da Juventude, a XII celebrada com um grande encontro mundial. João Paulo II, que as idealizou, agora é Beato e Padroeiro oficial desta JMJ de Madrid. No início do seu pontificado perguntávamos se Vossa Santidade teria continuado na mesma linha do seu predecessor. Agora, está já na sua terceira Jornada mundial, depois de Colónia e Sidney. Como vê o significado destes eventos na «estratégia» pastoral da Igreja universal no terceiro milénio?

Santo Padre: Queridos amigos, bom dia! Estou feliz por ir convosco à Espanha para este grande evento. Após duas JMJs vividas pessoalmente só posso dizer que foi deveras uma inspiração a que o Papa João Paulo II nos ofereceu, ao criar esta realidade de um grande encontro dos jovens e do mundo com o Senhor. Diria que estas JMJs são um sinal, uma cascata de luz; dão visibilidade à fé, à presença de Deus no mundo e criam assim a coragem de ser crente. Com frequência os crentes sentem-se isolados neste mundo, quase perdidos. Aqui, vêem que não estão sozinhos, que existe uma grande rede de fé, uma enorme comunidade de crentes no mundo, que é bom viver nesta amizade universal. E assim, parece-me, nascem amizades, além dos confins das diversas culturas, dos vários países. E este nascimento de uma rede universal de amizade, que une mundo e Deus, é uma importante realidade para o futuro da humanidade, para a vida do mundo de hoje.

Naturalmente a JMJ não pode ser um acontecimento isolado: faz parte de um percurso maior, que é preparado a partir do caminho da Cruz que transmigra para diversos países e já une os jovens no sinal da Cruz e no maravilhoso sinal de Nossa Senhora. E assim, a organização para a JMJ é muito mais que uma preparação prática de um evento com tantos problemas técnicos, naturalmente; é uma preparação interior, um pôr-se a caminho rumo aos outros, e ao mesmo tempo rumo a Deus. E depois segue a fundação de grupos de amizade, mantendo este contacto universal que abre as fronteiras das culturas, dos contrastes humanos, religiosos, e assim é um caminho contínuo que, depois, guia para um novo encontro, uma nova JMJ. Neste sentido, parece-me que devemos ver a JMJ como um sinal, parte de um grande caminho; ela cria amizade, abre fronteiras e torna visível que é bom estarmos com Deus, que Deus está connosco. Nesta perspectiva, queremos continuar com esta grande ideia do beato João Paulo II.

Pe. Lombardi: Santidade, os tempos mudam. A Europa e o mundo ocidental em geral vivem uma crise económica profunda, que manifesta também dimensões de uma grave dificuldade social e moral e de grande incerteza para o futuro, tornando-se particularmente dolorosa para os jovens. Recentemente, por exemplo, vimos os factos ocorridos na Grã-Bretanha, com explosão de rebelião ou de agressividade. Ao mesmo tempo, há sinais de empenho generoso e entusiasta, de voluntariado e solidariedade, de jovens crentes e não crentes. Em Madrid encontraremos muitíssimos jovens maravilhosos. Quais mensagens a Igreja pode oferecer para a esperança e o ânimo dos jovens do mundo, sobretudo os que hoje se deixam tentar pelo desencorajamento e pela revolta?

Santo Padre: Eis que se confirma na actual crise económica quanto já apareceu na precedente grande crise, isto é, que a dimensão ética não é algo exterior aos problemas económicos, mas uma dimensão interior e fundamental. A economia não funciona só com uma auto-regulamentação de mercado, mas é necessária uma razão ética para funcionar para o homem. E aparece de novo quanto o Papa João Paulo II já tinha dito na sua primeira encíclica social, que o homem deve ser o centro da economia e ela não pode ser medida segundo o máximo lucro, mas de acordo com o bem de todos, ela inclui responsabilidade pelo outro e funciona verdadeiramente bem só se actuar de modo humano, no respeito pelo outro. E com diversas dimensões: responsabilidade pela própria nação e não só por si mesmo; responsabilidade pelo mundo — também uma nação não está isolada, nem a Europa vive isolada, mas é responsável pela humanidade inteira e deve pensar nos problemas económicos sempre nesta chave da responsabilidade inclusive para as demais partes do mundo, por aquelas que sofrem, que têm sede e fome, e não têm futuro. E depois — terceira dimensão desta responsabilidade — pelo futuro. Sabemos que devemos proteger o nosso planeta, mas temos que tutelar — sobretudo — o funcionamento do serviço do trabalho económico para todos e pensar que o amanhã é também o hoje. Se os jovens não encontrarem perspectivas na própria vida, também o nosso presente está errado e «mal». Por conseguinte, a Igreja com a sua doutrina social, com a sua doutrina sobre a responsabilidade para com Deus, favorece a capacidade de renunciar ao máximo lucro e de ver as coisas na dimensão humanista e religiosa, isto é: ser alguém para o outro. Deste modo, podem-se abrir também as estradas. O grande número de voluntários que trabalham nas diversas partes do mundo, não para si mesmos mas para o outro, encontram desta forma exactamente o sentido da vida, demonstram que é possível fazer isto e que uma educação orientada para as grandes finalidades, como a Igreja procura fazer, é fundamental para o nosso futuro.

Pe. Lombardi: Santidade, os jovens do mundo de hoje vivem geralmente em ambientes multiculturais e multiconfessionais. A tolerância recíproca é mais necessária que nunca. Vossa Santidade insiste sempre sobre o tema da verdade. Não pensa que esta insistência sobre a verdade e acerca da única Verdade que é Cristo é actualmente um problema para os jovens ? Não pensa que esta insistência os leva à contraposição e à dificuldade de dialogar e de procurar juntos os outros?

Santo Padre: A ligação entre verdade e intolerância, monoteísmo e incapacidade de diálogo com os outros, é um tema que retorna com frequência no debate sobre o cristianismo de hoje. E, naturalmente, é verdade que na história houve abusos do conceito quer da verdade quer do monoteísmo; mas foram abusos. A realidade é totalmente diferente. O argumento é errado, porque a verdade só é acessível na liberdade. Podem-se impor com violência comportamentos, observâncias, actividades, mas não a verdade! A verdade só se abre à liberdade, ao consenso livre, e por isso liberdade e verdade estão unidas intimamente, uma é condição para a outra. De resto, buscar a verdade, os valores verdadeiros que dão vida e futuro, não põe alternativa: não queremos a mentira nem o positivismo de normas impostas com uma determinada força; só os valores verdadeiros conduzem ao futuro e dizemos que é necessário, portanto, buscar os valores verdadeiros e não permitir o arbítrio de alguns, não deixar que se imponha uma razão positivista que nos diga, acerca dos problemas éticos e dos grandes problemas do homem: não existe uma verdade racional. Isto seria realmente expor o homem ao arbítrio de quantos detêm o poder. Devemos sempre estar em busca da verdade, dos valores verdadeiros; temos um núcleo nos valores, nos direitos humanos fundamentais; outros elementos essenciais semelhantes são reconhecidos e, exactamente estes, colocam-nos em diálogo uns com os outros. A verdade como tal é dialógica porque procura conhecer melhor, entender melhor e fá-lo em diálogo com os outros. Assim, buscar a verdade e a dignidade do homem é a maior defesa da liberdade.

Pe. Lombardi: Última pergunta, Santidade. As Jornadas mundiais da juventude são um tempo belíssimo e suscitam muito entusiasmo, mas depois os jovens regressam a casa e encontram um mundo no qual a prática religiosa está em diminuição acentuada. Muitos deles provavelmente já não frequentarão a igreja. Como se pode dar continuidade aos frutos das Jornadas mundiais da juventude? Pensa que efectivamente produzem frutos de longa duração, para além dos momentos de grande entusiasmo?

Santo Padre: A sementeira de Deus é sempre silenciosa, não aparece imediatamente nas estatísticas. E com a semente que o Senhor lança na terra durante as JMJs, acontece como com a semente da qual Ele fala no Evangelho: algumas caem ao logo da estrada e perdem-se; outras caem sobre os pedregulhos e perdem-se; algumas caem entre os espinhos e perdem-se; mas algumas caem na terra boa e produzem muito fruto. Exactamente assim acontece com a sementeira da JMJ: muito se perde — e isto é humano. Com outras palavras do Senhor: o grão de mostarda é pequeno, mas cresce e torna-se uma árvore frondosa. E ainda, certamente, muito se perde, não podemos dizer imediatamente: a partir de amanhã recomeça um grande crescimento da Igreja. Deus não age assim. Mas cresce em silêncio e muito. Sei que das outras JMJs nasceram muitas amizades, e para toda a vida; muitas experiências novas de que Deus existe. E sobre este crescimento silencioso nós depositamos a confiança e estamos certos, embora as estatísticas não se pronunciem muito, de que a semente do Senhor realmente cresce e, para muitas pessoas, será o início de uma amizade com Deus e os outros, de uma universalidade do pensamento, de uma responsabilidade comum que deveras nos mostra que estes dias dão fruto. Obrigado!




Discursos Bento XVI 20711