Discursos Bento XVI 24931

ENCONTRO COM OS SEMINARISTAS Capela de São Carlos Borromeu do Seminário de Friburgo Sábado, 24 de Setembro de 2011

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Queridos Seminaristas,
Amados Irmãos e Irmãs!

É com imensa alegria que me encontro aqui com jovens que se encaminham para servir o Senhor, que escutam o seu chamamento e desejam segui-Lo. Quero agradecer de modo particularmente caloroso a linda carta que o Reitor do Seminário e os Seminaristas me escreveram. Sensibilizou-me verdadeiramente o modo como reflectistes sobre a minha carta e, a partir dela, desenvolvestes as vossas perguntas e respostas; sensibilizou-me a seriedade com que acolhestes aquilo que tentei propor e, com base nisso, traçastes o vosso próprio caminho.

O melhor agora seria, por certo, podermos juntos estabelecer um diálogo, mas o horário da viagem – a que estou sujeito e devo obedecer – infelizmente não o permite. Por isso posso apenas procurar sublinhar uma vez mais alguns pensamentos à luz daquilo que escrevestes e do que eu tinha escrito.

No âmbito da pergunta: «Onde se integra o Seminário? Que significado tem o período nele transcorrido?», fundamentalmente o que mais me impressiona é o modo como São Marcos, no terceiro capítulo do seu Evangelho, descreve a constituição da comunidade dos Apóstolos: «O Senhor fez os Doze». Ele cria algo, faz algo, trata-se de um acto criativo. E fê-los, «para que estivessem com Ele e para os enviar» (cf.
Mc 3,14): vemos aqui uma dupla intenção, que parece, sob certos aspectos, contraditória. «Para que estivessem com Ele»: devem estar com Ele, para chegar a conhecê-Lo, para O escutar, para deixar-se plasmar por Ele; devem andar com Ele, caminhar com Ele, aos pés d’Ele e seguindo os seus passos. Mas, ao mesmo tempo, devem ser enviados que partem, que levam para fora o que aprenderam, levam-no aos outros homens que estão a caminho; partem rumo à periferia, ao ambiente mais amplo, e rumo mesmo até ao que está muito distante d’Ele. E, no entanto, estes aspectos paradoxais andam juntos: se estão verdadeiramente com Ele, então estão sempre a caminho também rumo aos outros, então vão à procura da ovelha perdida. Então saem, devem transmitir aquilo que encontraram; então devem dá-Lo a conhecer, tornar-se enviados. E vice-versa: se quiserem ser verdadeiros enviados, devem estar sempre com Ele. Uma vez São Boaventura disse que os Anjos, para onde quer que vão, por mais longe que seja, movem-se sempre no seio de Deus. O mesmo sucede aqui. Como sacerdotes, devemos sair pelas inúmeras estradas onde se encontram os homens, a fim de os convidar para o banquete nupcial do Filho. Mas só o poderemos fazer, continuando sempre junto d’Ele. Ora, aprender este sair, o ser mandados, e conjuntamente estar com Ele, o permanecer junto d’Ele é precisamente – segundo creio – aquilo que devemos aprender no Seminário: o modo justo de permanecer com Ele, o ficar profundamente enraizados n’Ele – estar sempre mais com Ele, conhecê-Lo cada vez mais, conseguir cada vez mais não separar-se d’Ele – e, ao mesmo tempo, sair cada vez mais, levar a mensagem, transmiti-la, não conservá-la para si, mas levar a Palavra àqueles que estão longe e que todavia, enquanto criaturas de Deus e seres amados por Cristo, trazem no coração o desejo d’Ele.

Portanto o Seminário é um tempo de exercitação; e certamente também de discernimento e de aprendizagem: É para isto que Ele me quer? A vocação deve ser verificada, concorrendo para isto a vida comunitária e, naturalmente, o diálogo com os directores espirituais que tendes, para aprender a discernir qual é a sua vontade. E, depois, aprender a confiança: se verdadeiramente Ele o quer, então posso entregar-me a Ele. No mundo actual, que se transforma de maneira incrível e onde tudo muda continuamente, onde os vínculos humanos se rompem porque dão-se novos encontros, torna-se sempre mais difícil acreditar nisto: eu resistirei por toda a vida. No meu tempo, já não era muito fácil imaginar quantos decénios Deus pensava dar-nos, quanto mudaria o mundo. Perseverarei com Ele como Lhe prometi?... Trata-se de uma pergunta que exige a verificação concreta da vocação e depois – quando já reconheço que sim, que Ele me quer – também a confiança: Se Ele me quer, então também se sustentará; na hora da tentação, na hora do perigo, estará presente e enviar-me-á pessoas, mostrar-me-á estradas, sustentar-me-á. E a fidelidade é possível, porque Ele está sempre presente. É que Ele existe ontem, hoje e amanhã; Ele não pertence apenas a este tempo, mas é futuro e pode sustentar-nos em cada momento.

Um tempo de discernimento, de aprendizagem, de vocação… E depois, enquanto tempo de estar com Ele, naturalmente tempo de oração, de escuta d’Ele. Ouvir, aprender verdadeiramente a escutá-Lo – na Palavra da Sagrada Escritura, na fé da Igreja, na liturgia da Igreja – e intuir o hoje na sua Palavra. Na exegese, aprendemos muitas coisas sobre o ontem: tudo o que havia então, as fontes que há, as comunidades que existiam, e assim por diante. Também isto é importante. Mas, mais importante é que, neste ontem, percebamos o hoje; que Ele, com estas palavras, fala agora e que todas elas encerram em si o seu hoje e que, para além do seu início histórico, contêm em si uma plenitude que fala a todos os tempos. E é importante aprender esta actualidade do seu falar – aprender a escutar – e assim poder dizê-lo aos outros homens. É verdade que, ao preparar a homilia para o Domingo, este falar – ó Deus! – muitas vezes está tão longe! Mas, se eu vivo com a Palavra, então vejo que de facto não está distante, é actualíssima, está presente agora, tem a ver comigo e diz respeito aos outros. E então aprendo também a explicá-la. Mas para isso é preciso caminhar de modo constante com a Palavra de Deus.

Uma coisa é estar pessoalmente com Cristo, com o Deus vivo; a outra é que temos possibilidade de acreditar sempre e só no «nós». Às vezes, digo que São Paulo escreveu: «A fé vem da escuta», não da leitura. Há necessidade também de ler, mas a fé vem da escuta, isto é, da palavra viva, das palavras que os outros me dirigem a mim e que posso ouvir; das palavras da Igreja através de todos os tempos, da palavra que actualmente me dirige por meio dos sacerdotes, dos bispos e dos irmãos e das irmãs. Faz parte da fé o «tu» do próximo, e faz parte da fé o «nós». E precisamente a exercitação no suportar-se mutuamente é muito importante; aprender a acolher o outro enquanto tal na sua diferença, e aprender que ele também deve suportar-me a mim na minha diferença, para nos tornarmos um «nós», a fim de podermos um dia também na paróquia formar uma comunidade, chamar as pessoas para entrarem na comunhão da Palavra e caminharem juntas para o Deus vivo. Faz parte disto o «nós» muito concreto que é o Seminário, como o será a paróquia, mas sempre também o olhar para mais além do «nós» concreto e limitado, ou seja, para o grande «nós da Igreja de todo o lugar e de todo o tempo, a fim de não fazermos de nós mesmos o critério absoluto. Quando dizemos «nós somos Igreja», dizemos certamente a verdade: somos nós, não uma pessoa qualquer. Mas o «nós» é mais amplo do que o grupo que o está dizendo. O «nós» é a comunidade inteira dos fiéis: os de hoje e os de todos os lugares e de todos os tempos. E não me canso de repetir ainda: é verdade que, na comunidade dos fiéis, existe por assim dizer o juízo da maioria efectiva, mas não pode jamais haver uma maioria contra os Apóstolos e contra os Santos: isso seria uma maioria falsa. Nós somos Igreja. Pois bem, sejamo-lo! Sejamo-lo precisamente no abrirmo-nos ultrapassando-nos a nós mesmos e no estarmos juntos com os outros.

Creio que, atendendo ao horário, deveria talvez concluir. Queria apenas dizer-vos mais uma coisa. A preparação para o sacerdócio, o caminho para ele requer, antes de mais, também o estudo. Não se trata de uma eventualidade académica que se deu na Igreja ocidental, mas é algo de essencial. Todos conhecemos estas palavras de São Pedro: «Estai sempre prontos a dar, em resposta a todo aquele que vo-lo peça, o logos da vossa fé» (cf. 1P 3,15). Hoje, o nosso mundo é um mundo racionalista e condicionado pelo carácter científico, embora este seja muitas vezes só aparente. Mas este espírito científico de querer compreender, explicar, de poder saber, da rejeição de tudo o que não seja racional é predominante no nosso tempo. Nisto há também algo de grande, apesar de frequentemente se esconder por detrás muita presunção e insensatez. A fé não é um mundo paralelo do sentimento, que possamos permitir-nos como um extra, mas é aquilo que abraça o todo, que lhe dá sentido, interpreta-o e lhe dá também as orientações éticas interiores, para que seja compreendido e vivido apontando para Deus e a partir de Deus. Por isso é importante estar informados, compreender, manter a mente aberta, aprender. Naturalmente, daqui a vinte anos, estarão na moda teorias filosóficas totalmente diversas das de hoje: quando penso como aquilo que era, entre nós, a moda filosófica mais alta e mais moderna, hoje já esteja completamente esquecido! Contudo não é inútil aprender estas coisas, porque há nelas também elementos duradouros. E sobretudo com isso aprendemos a julgar, a seguir mentalmente um pensamento – e a fazê-lo de modo crítico – e aprendemos a fazer com que, ao pensar, a luz de Deus nos ilumine e não se apague. Estudar é essencial: só assim poderemos enfrentar o nosso tempo e anunciar-lhe o logos da nossa fé. Estudar de modo crítico também – na certeza precisamente de que amanhã qualquer outro dirá algo de diverso –, mas ser estudantes atentos, abertos e humildes para estudar sempre com o Senhor, na presença do Senhor e para Ele.

Poderia, é verdade, dizer ainda muitas coisas e deveria talvez fazê-lo… Mas agradeço por me terdes escutado. E, na oração, tenho presente no meu coração todos os seminaristas do mundo – não tão bem, com os respectivos nomes, como os recebi aqui, mas encaminho-os interiormente para o Senhor: Que Ele a todos abençoe, a todos ilumine e indique a estrada justa e nos dê muitos e bons sacerdotes. De coração, muito obrigado!



ENCONTRO COM O COMITÉ CENTRAL DOS CATÓLICOS ALEMÃES (ZDK) Seminário de Friburgo Sábado, 24 de Setembro de 2011

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Ilustres Senhores e Senhoras,
Amados irmãos e irmãs,

Agradeço a possibilidade de me encontrar convosco, os membros do Conselho do Comité Central dos Católicos Alemães, aqui em Friburgo. Quero manifestar-vos o meu apreço pelo empenho com que sustentais, em público, os interesses dos católicos e dais impulso à obra apostólica da Igreja e dos católicos na sociedade. Ao mesmo tempo, quero agradecer-lhe, caro senhor Presidente Glück, pelas suas amáveis palavras, nelas exprimindo muitas coisas importantes e dignas de reflexão.

Queridos amigos, há vários anos que existem os chamados programas exposure no âmbito da ajuda aos países em vias de desenvolvimento. Pessoas responsáveis pela política, pela economia, pela Igreja vão viver, durante um certo tempo, com os pobres na África, Ásia ou América Latina, compartilhando a sua existência concreta de todos os dias. Colocam-se na situação de vida destas pessoas para verem o mundo com os seus olhos e, desta experiência, tirarem lições para o próprio agir solidário.

Imaginemos que um tal programa exposure tivesse lugar aqui na Alemanha. Peritos originários dum país distante viriam viver, durante uma semana, com uma família alemã média. Certamente admirariam aqui muitas coisas, como por exemplo o bem-estar, a ordem e a eficiência. Mas, com um olhar imparcial, constatariam também tanta pobreza: pobreza nas relações humanas e pobreza no âmbito religioso.

Vivemos num tempo caracterizado em grande parte por um relativismo subliminar que penetra todos os âmbitos da vida. Às vezes, este relativismo torna-se combativo, lançando-se contra pessoas que dizem saber onde se encontra a verdade ou o sentido da vida.

E notamos como este relativismo exerce uma influência cada vez maior sobre as relações humanas e a sociedade. Isto exprime-se também na inconstância e descontinuidade de vida de muitas pessoas e num individualismo excessivo. Há pessoas que não parecem capazes de renunciar de modo algum a determinada coisa ou de fazer um sacrifício pelos outros. Também o compromisso altruísta pelo bem comum nos campos sociais e culturais ou então pelos necessitados está a diminuir. Outros já não são capazes de se unir de forma incondicional a um consorte. Quase já não se encontra a coragem de prometer ser fiel a vida toda; a coragem de decidir-se e dizer: agora pertenço totalmente a ti, ou então, de comprometer-se resolutamente com a fidelidade e a veracidade, e de procurar sinceramente as soluções dos problemas.

Queridos amigos, no programa exposure, depois da análise vem a reflexão comum. Nesta elaboração, deve-se olhar a pessoa humana na sua totalidade; e desta faz parte explicitamente, e não só de modo implícito, a sua relação com o Criador.

Vemos que, no nosso mundo rico ocidental, há carências. Muitas pessoas carecem da experiência da bondade de Deus. Não encontram qualquer ponto de contacto com as Igrejas institucionais e suas estruturas tradicionais. Mas porquê? Penso que esta seja uma pergunta sobre a qual devemos reflectir muito a sério. Ocupar-se desta questão é a tarefa principal do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Mas, obviamente, a mesma diz respeito a todos nós. Permiti-me tratar aqui um ponto da situação específica alemã. Na Alemanha, a Igreja está optimamente organizada. Mas, por detrás das estruturas, porventura existe também a correlativa força espiritual, a força da fé no Deus vivo? Sinceramente devemos afirmar que se verifica um excedente das estruturas em relação ao Espírito. Digo mais: a verdadeira crise da Igreja no mundo ocidental é uma crise de fé. Se não chegarmos a uma verdadeira renovação da fé, qualquer reforma estrutural permanecerá ineficaz.

Mas, voltemos às pessoas a quem falta a experiência da bondade de Deus. Precisam de lugares, onde possam expor a sua nostalgia interior. E, aqui somos chamados a procurar novos caminhos da evangelização. Um destes caminhos poderiam ser as pequenas comunidades, onde sobrevivem as amizades, que são aprofundadas na frequente adoração comunitária de Deus. Aqui há pessoas que contam as suas pequenas experiências de fé no emprego e no âmbito da família e dos conhecidos, testemunhando assim uma nova proximidade da Igreja à sociedade. Depois, a seus olhos, aparece de modo cada vez mais claro que todos necessitam deste alimento do amor, da amizade concreta de um pelo outro e pelo Senhor. Permanece importante a ligação com a seiva vital da Eucaristia, porque sem Cristo nada podemos fazer (cf.
Jn 15,5).

Amados irmãos e irmãs, que o Senhor nos indique sempre o caminho para, juntos, sermos luzes no mundo e mostrarmos ao nosso próximo o caminho para a fonte, onde possam saciar o seu profundo anseio de vida. Obrigado!




VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS Feira de Friburgo Sábado, 24 de Setembro de 2011

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Queridos jovens amigos!

Durante todo o dia, pensei com alegria a esta noite, quando poderia estar aqui junto convosco e unir-me a vós na oração. Talvez alguns de vós tenham estado presentes na Jornada Mundial da Juventude, onde pudemos experimentar a singular atmosfera de serenidade, profunda comunhão e íntima alegria que caracteriza uma vigília nocturna de oração. Espero que possamos todos nós também fazer a mesma experiência neste momento em que o Senhor nos toca e faz de nós testemunhas jubilosas, que rezam juntas e servem de suporte umas às outras não só nesta noite, mas durante toda a nossa vida.

Em todas as igrejas, nas catedrais e nos conventos, em toda a parte onde se reúnem os fiéis para a celebração da Vigília Pascal, a mais santa de todas as noites começa com o acendimento do círio pascal, cuja luz é depois transmitida a todos os presentes. Uma minúscula chama irradia-se para muitas luzes e ilumina a casa de Deus que estava às escuras. Neste maravilhoso rito litúrgico que imitámos nesta vigília de oração, desvenda-se-nos, através de sinais mais eloquentes do que as palavras, o mistério da nossa fé cristã. Ele, Cristo, que diz de Si próprio: «Eu sou a luz do mundo» (
Jn 8,12), faz brilhar a nossa vida, para ser verdadeiro o que acabámos de ouvir no Evangelho: «Vós sois a luz do mundo» (Mt 5,14). Não são os nossos esforços humanos nem o progresso técnico do nosso tempo que trazem a luz a este mundo. Experimentamos sempre de novo que o nosso esforço por uma ordem melhor e mais justa tem os seus limites. O sofrimento dos inocentes e, enfim, a morte de cada homem constituem uma escuridão impenetrável que pode talvez ser momentaneamente iluminada por novas experiências, como a noite o é por um relâmpago; mas, no fim, permanece uma escuridão acabrunhadora.

Ao nosso redor pode haver a escuridão e as trevas, e todavia vemos uma luz: uma chama pequena, minúscula, que é mais forte do que a escuridão, aparentemente tão poderosa e insuperável. Cristo, que ressuscitou dos mortos, brilha neste mundo, e fá-lo de modo mais claro precisamente onde tudo, segundo o juízo humano, parece lúgubre e sem esperança. Ele venceu a morte – Ele vive – e a fé n’Ele penetra, como uma pequena luz, tudo o que é escuro e ameaçador. Certamente quem acredita em Jesus não é que vê sempre só o sol na vida, como se fosse possível poupar-lhe sofrimentos e dificuldades, mas há sempre uma luz clara que lhe indica um caminho, o caminho que conduz à vida em abundância (cf. Jn 10,10). Os olhos de quem acredita em Cristo vislumbram, mesmo na noite mais escura, uma luz e vêem já o fulgor dum novo dia.

A luz não fica sozinha. Ao seu redor, acendem-se outras luzes. Sob os seus raios, delineiam-se de tal modo os contornos do ambiente que nos podemos orientar. Não vivemos sozinhos no mundo. Precisamente nas coisas importantes da vida, temos necessidade de outras pessoas. Assim, de modo particular na fé, não estamos sozinhos, somos anéis da grande corrente dos crentes. Ninguém chega a crer, senão for sustentado pela fé dos outros; mas, por outro lado, com a minha fé contribuo para confirmar os outros na sua fé. Ajudamo-nos mutuamente a ser exemplo uns para os outros, partilhamos com os outros o que é nosso, os nossos pensamentos, as nossas acções, a nossa estima. E ajudamo-nos mutuamente a orientar-nos, a identificar o nosso lugar na sociedade.

Queridos amigos, diz o Senhor: «Eu sou a luz do mundo; vós sois a luz do mundo». É uma coisa misteriosa e magnífica que Jesus tenha dito de Si próprio e de todos nós juntos a mesma coisa, ou seja, que «somos luz». Se acreditarmos que Ele é o Filho de Deus que curou os doentes e ressuscitou os mortos, antes, que Ele mesmo ressuscitou do sepulcro e está verdadeiramente vivo, então compreenderemos que Ele é a luz, a fonte de todas as luzes deste mundo. Nós, ao contrário, não cessamos de experimentar a falência dos nossos esforços e o erro pessoal, apesar das nossas boas intenções. Não obstante o seu progresso técnico, o mundo onde vivemos, em última análise – ao que parece – não se tem tornado melhor. Existem ainda guerras, terror, fome e doença, pobreza extrema e desalmada repressão. E mesmo aqueles que, na história, se consideraram «portadores de luz», mas sem ter sido iluminados por Cristo que é a única verdadeira luz, não criaram paraíso terrestre algum, antes instauraram ditaduras e sistemas totalitários onde até a mais pequena centelha de humanismo foi sufocada.

Neste ponto, não devemos calar o facto de que o mal existe. Vemo-lo em tantos lugares deste mundo; mas vemo-lo também – e isto assusta-nos – na nossa própria vida. Sim, no nosso próprio coração, existe a inclinação para o mal, o egoísmo, a inveja, a agressividade. Com uma certa autodisciplina, talvez isto se possa, em certa medida, controlar. Caso diverso e mais difícil se passa com formas de mal mais escondido, que podem envolver-nos como um nevoeiro indefinido, tais como a preguiça, a lentidão no querer e no praticar o bem. Repetidamente, ao longo da história, pessoas atentas fizeram notar que o dano para a Igreja não vem dos seus adversários, mas dos cristãos tíbios. «Vós sois a luz do mundo». Só Cristo pode dizer «Eu sou a luz do mundo»; todos nós somente somos luz, se estivermos naquele «vós» que, a partir do Senhor, se torna incessantemente luz. E, tal como o Senhor, num sinal de advertência, diz do sal que poderia tornar-se insípido, assim também nas palavras sobre a luz Ele incluiu uma pequena advertência: em vez de colocar a luz num candelabro, pode-se cobri-la com um alqueire. Perguntemo-nos: quantas vezes teremos coberto de tal modo a luz de Deus com a nossa inércia, com a nossa obstinação, que ela não pôde brilhar, por nosso intermédio, no mundo?

Queridos amigos, o apóstolo São Paulo, em muitas das suas cartas, não tem receio de designar por «santos» os seus contemporâneos, os membros das comunidades locais. Aqui torna-se evidente que cada baptizado – ainda antes de poder realizar boas obras – é santificado por Deus. No baptismo, o Senhor acende, por assim dizer, uma luz na nossa vida, uma luz que o Catecismo chama a graça santificante. Quem conservar essa luz, quem viver na graça, é santo.

Queridos amigos, a imagem dos santos foi repetidamente objecto de caricatura e apresentada de modo distorcido, como se o ser santo significasse estar fora da realidade, ser ingénuo e viver sem alegria. Não é raro pensar-se que um santo seja apenas aquele que realiza acções ascéticas e morais de nível altíssimo, pelo que se pode certamente venerar mas nunca imitar na própria vida. Como é errada e desalentadora esta visão! Não há nenhum santo, à excepção da bem-aventurada Virgem Maria, que não tenha conhecido também o pecado e que não tenha caído alguma vez. Queridos amigos, Cristo não se interessa tanto de quantas vezes vacilamos e caímos na vida, como sobretudo de quantas vezes nós, com a Sua ajuda, nos erguemos. Não exige acções extraordinárias, mas quer que a sua luz brilhe em vós. Não vos chama porque sois bons e perfeitos, mas porque Ele é bom e quer tornar-vos seus amigos. Sim, vós sois a luz do mundo, porque Jesus é a vossa luz. Sois cristãos, não porque realizais coisas singulares e extraordinárias, mas porque Ele, Cristo, é a vossa, a nossa vida. Vós sois santos, nós somos santos, se deixarmos a sua graça agir em nós.

Queridos amigos, nesta noite em que nos reunimos em oração ao redor do único Senhor, vislumbramos a verdade da palavra de Cristo segundo a qual não pode ficar escondida uma cidade situada no cimo de um monte. Esta assembleia brilha nos vários significados da palavra: quer no clarão de inúmeras luzes, quer no resplendor de tantos jovens que acreditam em Cristo. Uma vela só pode dar luz, se se deixar consumir pela chama; permaneceria inútil, se a sua cera não alimentasse o fogo. Permiti que Cristo arda em vós, ainda que isto possa às vezes implicar sacrifício e renúncia. Não tenhais medo de poder perder alguma coisa, ficando, no fim, por assim dizer de mãos vazias. Tende a coragem de empenhar os vossos talentos e os vossos dotes pelo Reino de Deus e de vos dar a vós mesmos – como a cera da vela –, para que o Senhor ilumine, por vosso meio, a escuridão. Sabei ousar ser santos ardorosos, em cujos olhos e coração brilha o amor de Cristo e que, deste modo, trazem luz ao mundo. Eu confio que vós e muitos outros jovens aqui na Alemanha sejais chamas de esperança, que não ficam escondidas. «Vós sois a luz do mundo». «Onde há Deus, há futuro!» Amen.



ENCONTRO COM OS CATÓLICOS COMPROMETIDOS NA IGREJA E NA SOCIEDADE Konzerthaus de Friburgo Domingo, 25 de Setembro de 2011

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Ilustre Senhor Presidente federal,
Senhor Presidente dos Ministros,
Senhor Prefeito,
Ilustres Senhoras e Senhores,
Amados Irmãos no ministério episcopal e sacerdotal!

Sinto-me feliz por me encontrar convosco, que de variados modos estais comprometidos na Igreja e na sociedade. Isto oferece-me a ocasião favorável para vos agradecer, pessoalmente de todo o coração, o vosso serviço e o vosso testemunho como «valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos» (Lumen gentium
LG 35); assim o Concílio Vaticano II define as pessoas como vós que, assentes na fé, se preocupam com o presente e o futuro. No vosso ambiente de trabalho, defendeis resolutamente a causa da vossa fé e da Igreja, o que deveras – como sabemos – nem sempre é fácil no tempo actual.

Assistimos, há decénios, a uma diminuição da prática religiosa, constatamos o crescente afastamento duma parte notável de baptizados da vida da Igreja. Surge a pergunta: Porventura não deverá a Igreja mudar? Não deverá ela, nos seus serviços e nas suas estruturas, adaptar-se ao tempo presente, para chegar às pessoas de hoje que vivem em estado de busca e na dúvida?

Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu!

Este pequeno episódio evidencia-nos duas coisas: por um lado, a Religiosa pretendeu dizer ao seu interlocutor que a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os baptizados. Por outro lado, Madre Teresa parte efectivamente do pressuposto de que há motivos para uma mudança. Há uma necessidade de mudança. Cada cristão e a comunidade dos crentes no seu todo são chamados a uma contínua conversão.

E esta mudança, concretamente como se deve configurar? Trata-se porventura de uma renovação parecida com a que realiza, por exemplo, um proprietário de casa mediante uma reestruturação ou a pintura do seu imóvel? Ou então trata-se de uma correcção para retomar a rota e percorrer, de modo mais ágil e directo, um caminho? Certamente estes e outros aspectos são importantes, mas aqui não podemos tratar de todos eles. Mas, cingindo-nos ao motivo fundamental da mudança, este é a missão apostólica dos discípulos e da própria Igreja.

De facto a Igreja deve verificar incessantemente a sua fidelidade a esta missão. Os três evangelhos sinópticos põem em evidência diversos aspectos do mandato da referida missão: esta assenta antes de tudo na experiência pessoal: «Vós sois testemunhas» (Lc 24,48); exprime-se em relações: «Fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28,19); transmite uma mensagem universal: «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16,15). Mas, por causa das pretensões e condicionamentos do mundo, este testemunho fica muitas vezes ofuscado, são alienadas as relações e acaba relativizada a mensagem. Se, depois, a Igreja, como diz o Papa Paulo VI, «procura modelar-se em conformidade com o tipo proposto por Cristo, não poderá deixar de distinguir-se profundamente do ambiente humano, em que afinal vive ou do qual se aproxima» (Carta encíclica Ecclesiam suam, 60). Para cumprir a sua missão, deverá continuamente também manter as distâncias do seu ambiente, deverá por assim dizer «desmundanizar-se».

De facto, a missão da Igreja deriva do mistério de Deus uno e trino, do mistério do seu amor criador. E em Deus não está apenas mais ou menos presente o amor; mas Ele mesmo, por sua natureza, é amor. E o amor de Deus não quer ficar isolado em si mesmo, mas quer, como é próprio da sua natureza, difundir-se. Na encarnação e no sacrifício do Filho de Deus, o amor divino alcançou de um modo particular a humanidade – isto é, a nós –, e isto pelo facto de que Cristo, o Filho de Deus, saiu por assim dizer da sua esfera que é ser Deus, encarnou e fez-Se homem; não apenas para confirmar o mundo no seu ser terreno, tornando-se seu companheiro e deixando-o assim como é, mas para o transformar. Do evento cristológico faz parte o dado incompreensível de que há – como dizem os Padres da Igreja – um sacrum commercium, uma permuta entre Deus e os homens. Os Padres explicavam-na assim: nós não temos nada que possamos dar para Deus, podemos apenas apresentar-Lhe o nosso pecado. E Ele acolhe-o, assume-o como próprio e, em troca, dá-Se a Si mesmo e a sua glória a nós. Trata-se de uma permuta deveras desigual, que se realiza na vida e na paixão de Cristo. Ele faz-Se pecador, toma o pecado sobre Si, assume aquilo que é nosso e dá-nos aquilo que é Seu. Mas em seguida, à medida que se desenvolvem o pensamento e a vida à luz da fé, torna-se evidente que, devido à faculdade que Ele entretanto nos concedeu, não Lhe damos só o pecado: a partir do íntimo, Ele concede-nos a força de Lhe darmos também algo de positivo, o nosso amor, de Lhe darmos a humanidade em sentido positivo. Naturalmente, é claro que só graças à generosidade de Deus é que o homem – o mendigo que recebe a riqueza divina – pode também dar alguma coisa para Deus; Deus torna-nos suportável o dom para nós, fazendo-nos capazes de ser doadores para com Ele.

Ora, a Igreja fica-se a dever totalmente a esta permuta desigual. Por si mesma nada possui diante d’Aquele que a fundou, de modo que possa dizer: fizemo-lo muito bem! O sentido dela é ser instrumento da redenção, deixar-se permear pela palavra de Deus e introduzir o mundo na união de amor com Deus. A Igreja insere-se na atenção condescendente do Redentor pelos homens. Quando é verdadeiramente ela mesma, a Igreja sempre se sente em movimento, deve colocar-se continuamente ao serviço da missão que recebeu do Senhor. E por isso deve abrir-se incessantemente às inquietações do mundo, do qual ela mesma faz parte, e dedicar-se a elas sem reservas, para continuar a fazer presente a permuta sagrada que teve início com a Encarnação.

Entretanto, no desenvolvimento histórico da Igreja manifesta-se também uma tendência contrária, ou seja, a de uma Igreja satisfeita consigo mesma, que se acomoda neste mundo, que é auto-suficiente e se adapta aos critérios do mundo. Assim não é raro dar à organização e à institucionalização uma importância maior do que dá ao seu chamamento a permanecer aberta a Deus e a abrir o mundo ao próximo.

Para corresponder à sua verdadeira tarefa, a Igreja deve esforçar-se sem cessar por distanciar-se desta sua secularização e tornar-se novamente aberta para Deus. Assim fazendo, segue as palavras de Jesus: «Eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo» (Jn 17,16), e é precisamente assim que Ele Se entrega pelo mundo. Em certo sentido, a história vem em ajuda da Igreja com as diversas épocas de secularização, que contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior.

De facto, as secularizações – sejam elas a expropriação de bens da Igreja, o cancelamento de privilégios, ou coisas semelhantes – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despoja-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e volta a abraçar plenamente a sua pobreza terrena. Deste modo, partilha o destino da tribo de Levi, que, segundo afirma o Antigo Testamento, era a única tribo em Israel que não possuía uma património terreno, mas, como porção de herança, tinha tido em sorte exclusivamente o próprio Deus, a sua palavra e os seus sinais. Com esta tribo, a Igreja partilhava naqueles momentos da história a exigência duma pobreza que se abria para o mundo, para se destacar dos seus laços materiais e assim também a sua acção missionária voltava a ser credível.

Os exemplos históricos mostram que o testemunho missionário de uma Igreja «desmundanizada» refulge de modo mais claro. Liberta dos fardos e dos privilégios materiais e políticos, a Igreja pode dedicar-se melhor e de modo verdadeiramente cristão ao mundo inteiro, pode estar verdadeiramente aberta ao mundo. Pode de novo viver, com mais agilidade, a sua vocação ao ministério da adoração de Deus e ao serviço do próximo. A tarefa missionária, que está ligada à adoração cristã e deveria determinar a estrutura da Igreja, torna-se visível mais claramente. A Igreja abre-se ao mundo, não para obter a adesão dos homens a uma instituição com as suas próprias pretensões de poder, mas sim para os fazer reentrar em si mesmos e, deste modo, conduzi-los a Deus – Àquele de Quem cada pessoa pode afirmar com Agostinho: Ele é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo (cf. Conf. III, 6, 11). Ele que está infinitamente acima de mim, todavia está de tal maneira em mim que constitui a minha verdadeira interioridade. Através deste estilo de abertura da Igreja ao mundo, é conjuntamente delineada também a forma em que se pode realizar, eficaz e adequadamente, a abertura ao mundo por parte do indivíduo cristão.

Não se trata aqui de encontrar uma nova táctica para relançar a Igreja. Trata-se, antes, de depor tudo aquilo que seja apenas táctica e procurar a plena sinceridade, que não descura nem reprime nada da verdade do nosso hoje, mas realiza a fé plenamente no hoje vivendo-a precisa e totalmente na sobriedade do hoje, levando-a à sua plena identidade, tirando dela aquilo que só na aparência é fé, pois na verdade não passa de convenção e hábito.

Por outras palavras, podemos dizer: a fé cristã constitui sempre, e não apenas no nosso tempo, um escândalo para o homem. Que o Deus eterno se preocupe connosco, seres humanos, e nos conheça; que o Inatingível, num determinado momento e num determinado lugar, se tenha colocado ao nosso alcance; que o Imortal tenha sofrido e morrido na cruz; que nos sejam prometidas a nós, seres mortais, a ressurreição e a vida eterna – crer em tudo isto não passa, aos olhos dos homens, de uma real presunção.

Este escândalo, que não pode ser abolido se não se quer abolir o cristianismo, foi infelizmente encoberto, mesmo recentemente, por outros tristes escândalos dos anunciadores da fé. Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros.

Esta é mais uma razão para pensar que seja hora novamente de encontrar a verdadeira separação do mundo, de tirar corajosamente o que há de mundano na Igreja. Isto naturalmente não significa retirar-se do mundo, antes pelo contrário. Uma Igreja aliviada dos elementos mundanos é capaz de comunicar aos homens, precisamente no âmbito sóciocaritativo – tanto aos que sofrem como àqueles que os ajudam –, a força vital particular da fé cristã. «Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência» (Carta encíclica Deus caritas est ). Certamente também as obras caritativas da Igreja devem continuamente prestar atenção à necessidade duma adequada separação do mundo, para evitar que, devido a um progressivo afastamento da Igreja, se sequem as suas raízes. Só a relação profunda com Deus torna possível uma atenção plena ao homem, tal como sem a atenção ao próximo se empobrece a relação com Deus.

Portanto, ser aberta às vicissitudes do mundo significa, para a Igreja «desmundanizada», testemunhar segundo o Evangelho, com palavras e obras, aqui e agora a soberania do amor de Deus. E esta tarefa remete ainda para além do mundo presente: de facto, a vida presente inclui a ligação com a vida eterna. Como indivíduos e como comunidade da Igreja, vivemos a simplicidade dum grande amor que, no mundo, é simultaneamente a coisa mais fácil e a mais difícil, porque requer nada mais nada menos que o doar-se a si mesmo.

Queridos amigos, resta-me implorar para todos nós a bênção de Deus e a força do Espírito Santo, a fim de podermos, cada um no próprio campo de acção, reconhecer e testemunhar sempre de novo o amor de Deus e a sua misericórdia. Obrigado pela vossa atenção!




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