Discursos Bento XVI 22101

PALAVRAS NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELA "BAYERISCHEN STAATSORCHESTER" Sala Paulo VI

Sábado, 22 de Outubro de 2011



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
1385 Distintos Ministros
Dr. Heubisch e Dr. Spaenle
Ilustres Senhores e Senhoras

Um obrigado sincero à Bayerischen Staatsorchester e à Audi-Jugendchorakademie, assim como ao Director Kent Nagano e aos solistas, pelo grande dom que nos ofereceram. A maravilhosa execução das duas obras-primas de Anton Bruckner, o Te Deum e a Sinfonia N. 9, permitiu que nos imergíssemos de modo profundo na música deste grande Compositor. Agradeço à Bayerischen Staatsoper ter oferecido este lindíssimo concerto e, a quantos tornaram possível este momento.

Quando, a 11 de Outubro de 1896, Bruckner faleceu, ainda estava a escrever a sua nona sinfonia, iniciada quase 10 anos antes. Sentia, recordando Beethoven e Schubert, que se tratava do seu «testamento sinfónico», e efectivamente — como sabemos — nunca conseguiu completar o quarto tempo, deixando o seu trabalho incompleto. O sinfonismo bruckneriano afasta-se do modelo clássico, o seu discurso musical desenvolve-se em grandes blocos paralelos, secções elaboradas e complexas não delimitadas de maneira clara, mas muitas vezes separadas por simples episódios de ligação, e também de pausa. Ouvir a sua música é quase como encontrar-se no interior de uma grande catedral, observando as enormes estruturas portantes da sua arquitectura, que nos envolvem, nos elevam e suscitam emoção. Há contudo um aspecto que está na base da produção de Bruckner, quer sinfónica quer sacra: a sua fé, simples, sólida e genuína, conservada por toda a vida, tanto é verdade que quis ser sepultado na igreja da Abadia de Sankt Florian, na cripta, sob o imponente órgão, que tinha tocado muitas vezes. Confrontando-o com outro representante do romanticismo tardio, o grande director de orquestra Bruno Walter afirmava: «Mahler esteve sempre em busca de Deus, enquanto Bruckner já O tinha encontrado». E a sinfonia que ouvimos tem um título exacto: Dem lieben Gott, «Ao bom Deus», quase como se tivesse querido dedicar e confiar o último e maduro fruto da sua arte Àquele no qual sempre tinha acreditado, o único e verdadeiro interlocutor ao qual dirigir-se, tendo já entrado na última fase da existência. E percebe-se um sentido de espera contínua em toda a Sinfonia que ouvimos, tempos dilatados que nos abrem e guiam para uma dimensão misteriosa, quase atemporal; desde o primeiro tempo, caracterizado pela indicação «Feierlich-misterioso», até ao adágio, que inicia com um grandioso gesto dos primeiros violinos e se desenvolve num crescendo para o alto com um alternar-se de momentos luminosos, de silêncios súbitos, de secções tímbricas isoladas, de sonoridades organísticas, de corais, de explosões de som, de serenos cantáveis, até chegar à pacata, radiosa conclusão em mi maior. É significativo que neste último tempo sejam inseridas quatro notas do «miserere» do Glória da Missa em re menor, e que existam reminiscências do «Benedictus» de outra Missa sua, em fa menor. Bruckner pedia ao bom Deus para poder entrar no seu mistério, para poder ascender às suas alturas, para poder louvar no céu o Senhor como tinha feito na terra com a sua música. «Te Deum laudamus, Te Dominum confitemur»: esta obra grandiosa que ouvimos, escrita de lance e reelaborada ao longo de quinze anos, quase a reconsiderar como agradecer e louvar melhor a Deus, sintetiza a fé deste grande músico, repetida na grande dupla fuga final: «In te, Domine speravi: non confundar in aeternum». Uma exortação também a nós a abrir os horizontes e a pensar na vida eterna, não para evitar o presente, mesmo se marcado por problemas e dificuldades, mas antes para o viver ainda mais intensamente, levando à realidade na qual vivemos um pouco de luz, de esperança e de amor.

Mais uma vez desejo dizer um cordial «Vergelt’s Gott» (Deus vos recompense) ao maestro Kent Nagano, aos solistas, à Bayerischen Staatsorchester e à Audi-Jugendchorakademie e ao seu Director, à Bayerischen Staastsoper, aos colaboradores e a todos vós.

Obrigado, boa tarde a todos, com a minha Bênção.



AOS MEMBROS DA FUNDAÇÃO "JOÃO PAULO II" Sala Clementina

Segunda-feira, 24 de Outubro de 2011




Queridos Cardeais
Irmãos Bispos e Sacerdotes
1386 Irmãos e Irmãs em Cristo

Há trinta anos, de acordo com o pedido de «alguns irmãos e irmãs que viviam na Polónia ou emigraram de lá, mantendo porém vínculos estreitos com a própria terra de origem» o meu predecessor, o Beato João Paulo II, instituiu na Cidade do Vaticano uma Fundação a ele intitulada, com o objectivo de «promover através do seu apoio, material e de outra natureza, iniciativas religiosas, culturais, pastorais e caritativas, cultivando e fortalecendo os vínculos tradicionais entre eles e a Santa Sé» (cf. Decreto de Instituição).

Hoje, os membros da Fundação e os amigos do mundo inteiro decidiram celebrar este aniversário, agradecendo ao Senhor pelos frutos que as várias actividades produziram ao longo de três décadas. Estou feliz por poder acompanhar-vos nesta acção de graças. Saúdo com afecto todos vós hoje aqui presentes, especialmente o Cardeal Stanislaw Dziwisz, ex-Secretário do amado Pontífice e um dos promotores da Fundação, actualmente seu chefe ex officio na qualidade de Arcebispo de Cracóvia. Dirijo as minhas cordiais boas-vindas ao Cardeal Stanislaw Rylko, Presidente do Conselho de Administração, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu. Saúdo o Arcebispo Szczepan Wesoly, ex-Presidente, assim como cada membro do Conselho e os directores de todas as instituições da Fundação. Enfim, saúdo cordialmente todos os membros do Círculo dos Amigos da Fundação que se encontram em todos os continentes. Quantos estão aqui representam os milhares de benfeitores que continuam a apoiar o trabalho da Fundação sob um ponto de vista financeiro e espiritual. Peço-vos para transmitir a todos as minhas saudações e agradecimentos.

Como podemos ler na premissa dos Estatutos: «conscientes da grandeza do dom que a pessoa e o trabalho do Papa polaco representam para a Igreja, a pátria e o mundo, a Fundação procura conservar e desenvolver esta herança espiritual, que pretende transmitir às futuras gerações». Estou ciente de que este objectivo é realizado em primeiro lugar através do «Centro de documentação e estudo do pontificado de João Paulo II», que recolhe não só arquivos, material bibliográfico e de museu, mas promove também publicações, exposições, congressos e outros eventos científicos e culturais, a fim de divulgar os ensinamentos e as actividades pastorais e humanitárias do beato pontífice. Estou confiante de que, através do estudo quotidiano das fontes e da cooperação com instituições semelhantes quer em Roma quer noutros lugares, este Centro será um ponto de referência cada vez mais importante para quantos procuram conhecer e apreciar a herança grande e rica que ele nos deixou.

Afiliado à Fundação, a Casa João Paulo II em Roma, em colaboração com o nobre Hospício de Santo Estanislau, oferece ajuda concreta e espiritual aos peregrinos que visitam o túmulo dos Apóstolos para fortalecer a sua fé e união com o Papa e a Igreja universal. O beato pontífice procurou não ligar os fiéis a si mesmo, mas cada vez mais a Cristo, à tradição apostólica e à comunidade católica unida ao colégio episcopal presidido pelo Papa. Experimento pessoalmente a eficácia destes esforços, pois recebo o amor e o apoio espiritual de muitas pessoas do mundo inteiro, que me acolhem com afecto como Sucessor de Pedro, chamado pelo Senhor para confirmá-las na fé. É-me grato saber que a Fundação continua a cultivar este espírito de amor que nos une em Cristo.

Uma tarefa de grande valor humano e cultural, explicitamente desejada por João Paulo II e empreendida pela Fundação, é a contribuição para a «formação do clero e dos leigos, especialmente dos que provêm dos países da Europa central e oriental». Todos os anos, chegam estudantes em Lublim, Varsóvia e Cracóvia dos países que no passado sofreram a opressão ideológica do regime Comunista, para continuar os estudos nos vários âmbitos científicos e viver novas experiências, conhecer tradições espirituais diferentes e ampliar os seus horizontes culturais. Em seguida regressam para os seus países, enriquecendo os diversos âmbitos da vida social, económica, cultural, política e eclesial. Mais de novecentos licenciados constituem um dom precioso para aquelas nações. Tudo isto é possível graças às bolsas de estudo e à ajuda espiritual e profissional garantidas pela generosidade da Fundação. Espero que ela continue, se desenvolva e dê frutos abundantes.

Meus queridos amigos, poderiam ser enumerados ainda mais sucessos e os muitos resultados alcançados pela vossa Fundação. Todavia, desejo sublinhar um aspecto de importância primária, que vai além e está acima dos efeitos imediatos e visíveis. Associada à Fundação, desenvolveu-se uma união espiritual de milhares de pessoas em vários continentes que não só a apoiam materialmente, mas constituem os Círculos dos Amigos, comunidade de formação baseada no ensino e no exemplo do beato João Paulo II. Não se limitam a recordar sentimentalmente o passado, mas analisam as necessidades do presente, olham para o futuro com solicitude e confiança e comprometem-se em permear o mundo, de uma forma mais profunda, com o espírito de solidariedade e de fraternidade. Demos graças ao Senhor pelo dom do Espírito Santo que vos une, ilumina e inspira.

Com gratidão, por intercessão do vosso padroeiro beato João Paulo II, confio o futuro da vossa Fundação à Providência Divina e abençoo-vos de todo o coração.




DIA DE REFLEXÃO, DIÁLOGO E ORAÇÃO PELA PAZ E A JUSTIÇA NO MUNDO

"PEREGRINOS DA VERDADE, PEREGRINOS DA PAZ"


Assis, Basílica de Santa Maria dos Anjos Quinta-feira, 27 de Outubro de 2011

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Queridos irmãos e irmãs,
distintos Chefes e representantes das Igrejas
e Comunidades eclesiais e das religiões do mundo,
queridos amigos,

Passaram-se vinte e cinco anos desde quando pela primeira vez o beato Papa João Paulo II convidou representantes das religiões do mundo para uma oração pela paz em Assis. O que aconteceu desde então? Como se encontra hoje a causa da paz? Naquele momento, a grande ameaça para a paz no mundo provinha da divisão da terra em dois blocos contrapostos entre si. O símbolo saliente daquela divisão era o muro de Berlim que, atravessando a cidade, traçava a fronteira entre dois mundos. Em 1989, três anos depois do encontro em Assis, o muro caiu, sem derramamento de sangue. Inesperadamente, os enormes arsenais, que estavam por detrás do muro, deixaram de ter qualquer significado. Perderam a sua capacidade de aterrorizar. A vontade que tinham os povos de ser livres era mais forte que os arsenais da violência. A questão sobre as causas de tal derrocada é complexa e não pode encontrar uma resposta em simples fórmulas. Mas, ao lado dos factores económicos e políticos, a causa mais profunda de tal acontecimento é de carácter espiritual: por detrás do poder material, já não havia qualquer convicção espiritual. Enfim, a vontade de ser livre foi mais forte do que o medo face a uma violência que não tinha mais nenhuma cobertura espiritual. Sentimo-nos agradecidos por esta vitória da liberdade, que foi também e sobretudo uma vitória da paz. E é necessário acrescentar que, embora neste contexto não se tratasse somente, nem talvez primariamente, da liberdade de crer, também se tratava dela. Por isso, podemos de certo modo unir tudo isto também com a oração pela paz.

Mas, que aconteceu depois? Infelizmente, não podemos dizer que desde então a situação se caracterize por liberdade e paz. Embora a ameaça da grande guerra não se aviste no horizonte, todavia o mundo está, infelizmente, cheio de discórdias. E não é somente o facto de haver, em vários lugares, guerras que se reacendem repetidamente; a violência como tal está potencialmente sempre presente e caracteriza a condição do nosso mundo. A liberdade é um grande bem. Mas o mundo da liberdade revelou-se, em grande medida, sem orientação, e não poucos entendem, erradamente, a liberdade também como liberdade para a violência. A discórdia assume novas e assustadoras fisionomias e a luta pela paz deve-nos estimular a todos de um modo novo.

Procuremos identificar, mais de perto, as novas fisionomias da violência e da discórdia. Em grandes linhas, parece-me que é possível individuar duas tipologias diferentes de novas formas de violência, que são diametralmente opostas na sua motivação e, nos particulares, manifestam muitas variantes. Primeiramente temos o terrorismo, no qual, em vez de uma grande guerra, realizam-se ataques bem definidos que devem atingir pontos importantes do adversário, de modo destrutivo e sem nenhuma preocupação pelas vidas humanas inocentes, que acabam cruelmente ceifadas ou mutiladas. Aos olhos dos responsáveis, a grande causa da danificação do inimigo justifica qualquer forma de crueldade. É posto de lado tudo aquilo que era comummente reconhecido e sancionado como limite à violência no direito internacional. Sabemos que, frequentemente, o terrorismo tem uma motivação religiosa e que precisamente o carácter religioso dos ataques serve como justificação para esta crueldade monstruosa, que crê poder anular as regras do direito por causa do «bem» pretendido. Aqui a religião não está ao serviço da paz, mas da justificação da violência.

A crítica da religião, a partir do Iluminismo, alegou repetidamente que a religião seria causa de violência e assim fomentou a hostilidade contra as religiões. Que, no caso em questão, a religião motive de facto a violência é algo que, enquanto pessoas religiosas, nos deve preocupar profundamente. De modo mais subtil mas sempre cruel, vemos a religião como causa de violência também nas situações onde esta é exercida por defensores de uma religião contra os outros. O que os representantes das religiões congregados no ano 1986, em Assis, pretenderam dizer – e nós o repetimos com vigor e grande firmeza – era que esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição. Contra isso, objecta-se: Mas donde deduzis qual seja a verdadeira natureza da religião? A vossa pretensão por acaso não deriva do facto que se apagou entre vós a força da religião? E outros objectarão: Mas existe verdadeiramente uma natureza comum da religião, que se exprima em todas as religiões e, por conseguinte, seja válida para todas? Devemos enfrentar estas questões, se quisermos contrastar de modo realista e credível o recurso à violência por motivos religiosos. Aqui situa-se uma tarefa fundamental do diálogo inter-religioso, uma tarefa que deve ser novamente sublinhada por este encontro. Como cristão, quero dizer, neste momento: É verdade, na história, também se recorreu à violência em nome da fé cristã. Reconhecemo-lo, cheios de vergonha. Mas, sem sombra de dúvida, tratou-se de um uso abusivo da fé cristã, em contraste evidente com a sua verdadeira natureza. O Deus em quem nós, cristãos, acreditamos é o Criador e Pai de todos os homens, a partir do qual todas as pessoas são irmãos e irmãs entre si e constituem uma única família. A Cruz de Cristo é, para nós, o sinal daquele Deus que, no lugar da violência, coloca o sofrer com o outro e o amar com o outro. O seu nome é «Deus do amor e da paz» (
2Co 13,11). É tarefa de todos aqueles que possuem alguma responsabilidade pela fé cristã, purificar continuamente a religião dos cristãos a partir do seu centro interior, para que – apesar da fraqueza do homem – seja verdadeiramente instrumento da paz de Deus no mundo.

Se hoje uma tipologia fundamental da violência tem motivação religiosa, colocando assim as religiões perante a questão da sua natureza e obrigando-nos a todos a uma purificação, há uma segunda tipologia de violência, de aspecto multiforme, que possui uma motivação exactamente oposta: é a consequência da ausência de Deus, da sua negação e da perda de humanidade que resulta disso. Como dissemos, os inimigos da religião vêem nela uma fonte primária de violência na história da humanidade e, consequentemente, pretendem o desaparecimento da religião. Mas o «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida, que foi possível só porque o homem deixara de reconhecer qualquer norma e juiz superior, mas tomava por norma somente a si mesmo. Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus.

Aqui, porém, não pretendo deter-me no ateísmo prescrito pelo Estado; queria, antes, falar da «decadência» do homem, em consequência da qual se realiza, de modo silencioso, e por conseguinte mais perigoso, uma alteração do clima espiritual. A adoração do dinheiro, do ter e do poder, revela-se uma contra-religião, na qual já não importa o homem, mas só o lucro pessoal. O desejo de felicidade degenera num anseio desenfreado e desumano como se manifesta, por exemplo, no domínio da droga com as suas formas diversas. Aí estão os grandes que com ela fazem os seus negócios, e depois tantos que acabam seduzidos e arruinados por ela tanto no corpo como na alma. A violência torna-se uma coisa normal e, em algumas partes do mundo, ameaça destruir a nossa juventude. Uma vez que a violência se torna uma coisa normal, a paz fica destruída e, nesta falta de paz, o homem destrói-se a si mesmo.

A ausência de Deus leva à decadência do homem e do humanismo. Mas, onde está Deus? Temos nós possibilidades de O conhecer e mostrar novamente à humanidade, para fundar uma verdadeira paz? Antes de mais nada, sintetizemos brevemente as nossas reflexões feitas até agora. Disse que existe uma concepção e um uso da religião através dos quais esta se torna fonte de violência, enquanto que a orientação do homem para Deus, vivida rectamente, é uma força de paz. Neste contexto, recordei a necessidade de diálogo e falei da purificação, sempre necessária, da vivência da religião. Por outro lado, afirmei que a negação de Deus corrompe o homem, priva-o de medidas e leva-o à violência.

Ao lado destas duas realidades, religião e anti-religião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar «Não existe nenhum Deus», mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente estão a caminho d’Ele. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornar-se, em lugar de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que crêem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que crêem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. Por isto mesmo, convidei representantes deste terceiro grupo para o nosso Encontro em Assis, que não reúne somente representantes de instituições religiosas. Trata-se de nos sentirmos juntos neste caminhar para a verdade, de nos comprometermos decisivamente pela dignidade do homem e de assumirmos juntos a causa da paz contra toda a espécie de violência que destrói o direito. Concluindo, queria assegura-vos de que a Igreja Católica não desistirá da luta contra a violência, do seu compromisso pela paz no mundo. Vivemos animados pelo desejo comum de ser «peregrinos da verdade, peregrinos da paz».



PALAVRAS NA DESPEDIDA Assis, Praça inferior de São Francisco Quinta-feira, 27 de Outubro de 2011

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Ilustres Hóspedes
Prezados Amigos

Na conclusão desta Dia intenso, desejo agradecer a todos vós. Transmito a minha profunda gratidão àqueles que tornaram possível o encontro hodierno. Agradecemos em especial a quantos, mais uma vez, nos hospedaram: a cidade de Assis, a comunidade desta Diocese com o seu Bispo e os filhos de São Francisco que conservam a preciosa herança espiritual do Pobrezinho de Assis. Obrigado também aos numerosos jovens que realizaram a peregrinação a pé de Santa Maria dos Anjos para testemunhar como, entre as novas gerações, há muitos que se empenham para superar violências e divisões, e para ser promotores de justiça e paz.

O evento de hoje é uma imagem de como a dimensão espiritual é um elemento-chave na construção da paz. Através desta peregrinação singular pudemos manter um diálogo fraterno, aprofundar a nossa amizade e reunir-nos em silêncio e oração.

Depois de termos renovado o nosso compromisso pela paz e de trocado um sinal de paz recíproco, sentimo-nos ainda mais profundamente comprometidos, com todos os homens e mulheres das comunidades que representamos, no nosso caminho humano comum.

Não nos separamos; continuaremos a encontrar-nos, a estar unidos neste percurso, em diálogo, na edificação diária da paz e no nosso compromisso em prol de um mundo melhor, no qual cada homem, mulher e todos possam viver de acordo com as suas legítimas aspirações.

Estou grato de coração a todos vós aqui presentes, por terdes aceite o meu convite a vir a Assis como peregrinos da verdade e da paz, e saúdo cada um de vós com as palavras de São Francisco: O Senhor vos conceda a paz!



ÀS DELEGAÇÕES QUE PARTICIPARAM NO ENCONTRO DE ASSIS Sala Clementina Sexta-feira, 28 de Outubro de 2011

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Ilustres Hóspedes
Prezados Amigos

Dou-vos as boas-vindas esta manhã ao Palácio apostólico e agradeço-vos mais uma vez a vossa disponibilidade para participar no Dia de reflexão, diálogo e oração pela justiça e a paz no mundo, que teve lugar ontem em Assis, vinte e cinco anos depois daquele histórico primeiro encontro.

Num certo sentido, este encontro é representativo dos biliões de homens e de mulheres no nosso mundo inteiro, que estão concretamente comprometidos na promoção da justiça e da paz. É inclusive um sinal de amizade e de fraternidade, que floresceu como o fruto dos esforços realizados por tantos pioneiros desta forma de diálogo. Que esta amizade continue a crescer entre todos os seguidores das religiões do mundo e com os homens e as mulheres de boa vontade em toda a parte.

Estou grato aos meus irmãos e irmãs cristãos pela sua presença fraternal. Agradeço também aos representantes do povo judeu, que estão particularmente próximos de nós, assim como a todos vós, ilustres representantes das religiões do mundo inteiro. Estou consciente de que muitos de vós viestes de terras longínquas e empreendestes uma viagem difícil. Transmito a minha gratidão inclusive a quantos representam as pessoas de boa vontade que não seguem qualquer tradição religiosa, mas estão comprometidas na busca da verdade. Elas quiseram participar nesta peregrinação em nossa companhia, como um sinal do desejo de trabalhar em conjunto para a construção de um mundo melhor.

Olhando para atrás, podemos apreciar a clarividência do saudoso Papa João Paulo II na proclamação do primeiro encontro de Assis, e a necessidade constante de que homens e mulheres de diferentes religiões possam dar o testemunho conjunto de que a viagem do espírito é sempre um percurso de paz.

Encontros deste tipo são necessariamente extraordinários e raros, e no entanto constituem uma expressão viva de que todos os dias, de lés a lés do nosso mundo, pessoas de diferentes tradições religiosas vivem e trabalham juntas em harmonia. É certamente significativo para a causa da paz que tantos homens e mulheres, inspirados pelas suas mais profundas convicções, estejam comprometidos em trabalhar pelo bem da família humana.

Por isso, estou persuadido de que o encontro realizado ontem nos conferiu um sentido da genuinidade do nosso desejo de contribuir para o bem de todos os nossos semelhantes e de tudo o que devemos partilhar uns com os outros. Ao percorrer os nossos caminhos diversos, revigoremo-nos com esta experiência e, onde quer que nos encontremos, prossigamos fortalecidos a viagem que leva à verdade, a peregrinação que conduz à paz. Agradeço-vos a todos de coração!




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE (C.E.A.S.T.) POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sala do Consistório

Sábado, 29 de Outubro de 2011



Senhor Cardeal,
1390 Amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio!

Na alegria da fé, cujo anúncio é o nosso serviço comum de Pastores, dou-vos as boas-vindas a este nosso encontro por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Esta tem lugar depois da minha visita a Luanda, em Março de 2009, durante a qual pude encontrar-me convosco e, convosco, celebrar Jesus Cristo no meio dum povo que não se cansa de O procurar, amar e servir com generosidade e alegria. Guardo aquele povo no coração e, de certo modo, esperava a vossa vinda para ter notícias dele. Agradeço a D. Gabriel Mbilingi, Arcebispo de Lubango e Presidente da Conferência Episcopal, a apresentação das vossas comunidades, com seus desafios e esperanças na hora presente e com as forças e favores de que o Céu as dotou. A vossa entreajuda fraterna, a solicitude pelo povo de Deus em Angola e em São Tomé e Príncipe, a união com o Papa e o desejo de permanecerdes fiéis ao Senhor são para mim fonte de profunda alegria e sentida acção de graças.

Vós, amados Irmãos, em virtude da missão apostólica recebida, estais habilitados para introduzir o vosso povo no coração do mistério da fé, encontrando a pessoa viva de Jesus Cristo. Na esperança de «fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo» (Motu proprio Porta fidei, 2), decidi proclamar um Ano da Fé, para que a Igreja inteira possa oferecer a todos um rosto mais belo e credível, transparência mais clara do rosto do Senhor. De facto, «enquanto Igreja – como justamente salientou a Segunda Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos, cujos frutos, sob a habitual forma de Exortação Apostólica, espero poder confiar a todo o povo de Deus na minha próxima visita ao Benim –, o nosso primeiro e mais específico contributo para o povo africano é a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, uma vez que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento. De facto, a dedicação ao serviço do desenvolvimento procede da transformação do coração, e a transformação do coração só pode vir da conversão ao Evangelho» (Mensagem final, 15). Este não oferece «uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão, que torna acessível o encontro com Cristo, através do qual floresce uma humanidade nova» (Exort. Verbum Domini, 93).

Na verdade, os cristãos respiram o espírito do seu tempo e sofrem a pressão dos costumes da sociedade em que vivem; mas, pela graça do Baptismo, são chamados a renunciar às tendências nocivas imperantes e a caminhar contra-corrente guiados pelo espírito das Bem-aventuranças. Nesta linha, queria abordar três escolhos, onde naufraga a vontade de muitos santomenses e angolanos que aderiram a Cristo. O primeiro é o chamado «amigamento», que contradiz o plano de Deus para a geração e a família humana. O reduzido número de matrimónios católicos, em vossas comunidades, indica uma hipoteca que grava sobre a família, cujo valor insubstituível para a estabilidade do edifício social conhecemos. Ciente deste problema, a vossa Conferência Episcopal escolheu o matrimónio e a família como prioridades pastorais do triénio em curso. Que Deus cubra de frutos as iniciativas a bem desta causa! Ajudai os casais a adquirir a maturidade humana e espiritual necessária para assumirem de modo responsável a sua missão de esposos e pais cristãos, recordando-lhes que o seu amor esponsal deve ser único e indissolúvel como a aliança entre Cristo e a sua Igreja. Este tesouro precioso deve ser salvaguardado, custe o que custar.

Um segundo escolho na vossa obra de evangelização é o coração dos baptizados ainda dividido entre o cristianismo e as religiões tradicionais africanas. Aflitos com os problemas da vida, não hesitam em recorrer a práticas incompatíveis com o seguimento de Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica
CEC 2117). Efeito abominável é a marginalização e mesmo o assassinato de crianças e idosos, a que são condenados por falsos ditames de feitiçaria. Lembrados de que a vida humana é sagrada em todas as suas fases e situações, continuai, queridos bispos, a levantar a vossa voz a favor das suas vítimas. Mas, tratando-se dum problema regional, convinha um esforço conjunto das comunidades eclesiais provadas por esta calamidade, procurando determinar o significado profundo de tais práticas, identificar os riscos pastorais e sociais por elas veiculados e chegar a um método que conduza à sua definitiva erradicação, com a colaboração dos governos e da sociedade civil.

Por último, queria referir os resquícios de tribalismo étnico palpáveis nas atitudes de comunidades que tendem a fechar-se, não aceitando pessoas originárias doutras partes da nação. Expresso o meu apreço àqueles de vós que aceitaram uma missão pastoral fora dos confins do seu grupo regional ou linguístico, e agradeço aos sacerdotes e às pessoas que vos acolheram e ajudaram. Na Igreja, como nova família de todos os que acreditam em Cristo (cf. Mc 3,31-35), não há lugar para qualquer tipo de divisão. «Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milénio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo» (João Paulo II, Carta Novo millennio ineunte, 43). Ao redor do altar, reúnem-se homens e mulheres de tribos, línguas e nações diversas, que, partilhando o mesmo corpo e sangue de Jesus-Eucaristia, se tornam irmãos e irmãs verdadeiramente consanguíneos (cf. Rm 8,29). Este vínculo de fraternidade é mais forte do que o das nossas famílias terrenas e o das vossas tribos.

Gostava de concluir estas minhas considerações, com algumas palavras que pronunciei ao chegar a Luanda, na referida visita: «Deus concedeu aos seres humanos voar, sobre as suas tendências naturais, com as asas da razão e da fé. Se vos deixardes levar por elas, não será difícil reconhecer no outro um irmão que nasceu com os mesmos direitos humanos fundamentais». Sim, amados Pastores de Angola e de São Tomé e Príncipe, formais um povo de irmãos, que daqui abraço e saúdo. Levai a minha sudação afectuosa a todos os membros das vossas Igrejas particulares: aos bispos eméritos, aos sacerdotes e seminaristas, aos religiosos e religiosas, aos catequistas e animadores dos movimentos e a todos os fiéis leigos. Enquanto os confio à protecção da Virgem Maria, tão amada nas vossas nações nomeadamente no santuário de Mamã Muxima, de coração concedo a todos a Bênção Apostólica.




AO SENHOR ALMIR FRANCO DE SÁ BARBUDA, NOVO EMBAIXADOR DO BRASIL JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS

Segunda-feira, 31 de Outubro de 2011




Senhor Embaixador,

Ao receber as Cartas Credenciais que o designam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Federativa do Brasil junto da Santa Sé, apresento-lhe respeitosos cumprimentos de boas-vindas e agradeço-lhe as significativas palavras que me dirigiu, nelas manifestando os sentimentos que lhe vão na alma ao iniciar esta sua nova missão. Vi com grande satisfação as saudações que me transmitiu da parte de Sua Excelência a Senhora Presidente da República Dilma Rousseff, pedindo ao Senhor Embaixador a amabilidade de fazer-lhe chegar a minha gratidão pelas mesmas e certificar-lhe dos meus deferentes votos do melhor êxito no desempenho da sua alta missão, bem como das minhas orações pela prosperidade e bem-estar de todos os brasileiros, cujo carinho experimentado na minha visita pastoral de 2007 permanece indelével nas minhas lembranças. Registro com vivo apreço e profundo reconhecimento a disponibilidade manifestada pelas diversas esferas governamentais da Nação, bem como da sua Representação diplomática junto da Santa Sé, para apoiar a XXVIII Jornada Mundial da Juventude que se realizará, se Deus quiser, em 2013 no Rio de Janeiro.

Como recordava o Senhor Embaixador, o Brasil, pouco tempo depois de despontar como Nação independente, estabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé. Isso nada mais era senão o desbordar da fecunda história conjunta do Brasil com a Igreja Católica, que teve início naquela primeira missa celebrada no dia 26 de abril de 1500 e que deixou testemunhos em tantas cidades batizadas com o nome de Santos da tradição cristã e em inúmeros monumentos religiosos, alguns deles elevados a símbolo de identificação mundial do País como a estátua do Cristo Redentor com seus braços abertos, num gesto de bênção à Nação inteira. Porém, mais do que construções materiais, a Igreja ajudou a forjar o espírito brasileiro caracterizado pela generosidade, laboriosidade, apreço pelos valores familiares e defesa da vida humana em todas as suas fases.


Discursos Bento XVI 22101