Discursos Bento XVI 1397


VIAGEM APOSTÓLICA AO BENIM

18-20 DE NOVEMBRO DE 2011



ENCONTRO COM OS JORNALISTAS DURANTE A VIAGEM PARA O BENIM Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011

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Padre Lombardi: Santidade, bem vindo entre nós, o grupo de jornalistas que o acompanham para a África. Muito gratos lhe ficamos por nos dedicar um pouco de tempo também esta vez. Aqui, neste avião, há cerca de quarenta jornalistas, fotógrafos e operadores de câmara de diversas agências e televisões, e ainda os mídia do Vaticanos que o acompanham por um total de cinquenta pessoas. Em Cotonou, espera-nos um milhar de jornalistas que acompanharão localmente a viagem. Como de costume, dirigimos-lhe algumas perguntas recolhidas nestes dias entre os colegas. A primeira pergunta faço-a em francês, pensando que isto possa comprazer também aos ouvintes e telespectadores do Benim, quando puderem valer-se dela à chegada.

Padre Lombardi: Santo Padre, esta viagem leva-nos até ao Benim, mas é uma vigem muito importante para todo o continente africano. Porque é que pensou concretamente no Benim como sendo o país indicado para lançar uma mensagem à África inteira, de hoje e de amanhã?

Santo Padre: Há diversas razões. A primeira está no facto de o Benim ser um país em paz: paz externa e interna. As instituições democráticas funcionam, formaram-se no espírito de liberdade e responsabilidade e, por conseguinte, a justiça e o trabalho para o bem comum são possíveis e garantidos pelo funcionamento do sistema democrático e pelo sentido de responsabilidade na liberdade. A segunda razão é porque, à semelhança do que sucede na maior parte dos países africanos, se verifica uma presença de diversas religiões e uma convivência pacífica entre as mesmas: temos os cristãos na sua diversidade, nem sempre fácil, temos os muçulmanos e temos ainda as religiões tradicionais; e estas diversas religiões convivem no respeito recíproco e na responsabilidade comum pela paz, pela reconciliação interna e externa. Parece-me que esta convivência entre as religiões, o diálogo inter-religioso como factor de paz e de liberdade seja um aspecto importante, como põe em destaque a Exortação apostólica pós-sinodal. Enfim, a terceira razão deriva do facto de este ser o país do meu querido amigo, o Cardeal Bernardin Gantin: tinha sempre comigo o desejo de, um dia, poder rezar junto do seu túmulo. Ele é para mim verdadeiramente um grande amigo (talvez volte a falar disto no final) e, por isso, visitar o país do Cardeal Gantin – um grande representante da África Católica e da África humana e civil – constitui para mim um dos motivos pelo qual desejo ir a este país.

Padre Lombardi: Enquanto os africanos experimentam o enfraquecimento das suas comunidades tradicionais, a Igreja Católica deve ter em conta o sucesso crescente de Igrejas evangélicas ou pentecostais, por vezes auto-geradas na África, que propõem um fé atraente, uma grande simplificação da mensagem cristã: insistem nas curas, misturam os seus cultos com os tradicionais. Como olha a Igreja Católica estas comunidades que lhe são agressivas? E como se pode fazer atraente, sabendo que estas comunidades se apresentam festivas, calorosas ou inculturadas?

Santo Padre: Estas comunidades são um fenómeno mundial, em todos os continentes; sobretudo estão muito presentes, embora de modo diverso, na América Latina e na África. Diria que os seus elementos característicos são: pouco carácter institucional, poucas instituições, uma carga reduzida de instrução, uma mensagem fácil, simples, compreensível, aparentemente concreta e ainda – como disse o padre Lombardi – uma liturgia participativa com a expressão dos sentimentos pessoais, da própria cultura e também combinações sincretistas entre religiões. Se tudo isto, por um lado, garante sucesso, por outro implica pouca estabilidade. Sabemos também que muitos regressam à Igreja Católica ou transmigram duma comunidade para outra. Por isso, não devemos imitar estas comunidades, mas interrogarmo-nos sobre o que podemos nós fazer para dar nova vitalidade à fé católica. Eu diria que o primeiro ponto é, sem dúvida, torná-la uma mensagem simples, profunda, compreensível; é importante que o cristianismo não apareça como um sistema difícil, europeu, que mais ninguém possa compreender e realizar, mas como uma mensagem universal dizendo que Deus existe, que Deus tem a ver connosco, que Deus nos conhece e ama e que a religião concreta gera colaboração e fraternidade. Portanto, uma mensagem simples e concreta é muito importante. Depois é sempre muito importante que a instituição não seja demasiado pesada, mas que seja prevalecentemente – digamos – a iniciativa da comunidade e da pessoa. E diria também uma liturgia participativa, mas não sentimental: não deve estar baseada apenas na expressão dos sentimentos, mas caracterizar-se pela presença do mistério na qual entramos, pela qual nos deixamos formar. E, por último, diria que é importante, na inculturação, não perder de vista a universalidade. Preferiria falar de interculturalidade, e não tanto de inculturação, isto é, dum encontro das culturas na verdade comum do nosso ser humano no nosso tempo, e assim crescer também na fraternidade universal; não perder esta realidade grande que é a catolicidade, ou seja, que em todas as partes do mundo somos irmãos, somos uma família que se conhece e colabora em espírito de fraternidade.

Padre Lombardi: Santidade, nas últimas décadas realizaram-se, em terra africana, muitas operações de peace-keeping, conferências para as reconstruções nacionais, comissões de verdade e reconciliação, com resultados uma vezes bons outras decepcionantes. Durante a assembleia sinodal, os bispos pronunciaram palavras duras sobre as responsabilidades dos homens políticos nos problemas do continente. Qual é a mensagem que pensa dirigir aos responsáveis políticos da África, e qual é a contribuição específica que a Igreja pode dar para a construção duma paz duradoura no continente?

Santo Padre: A mensagem encontra-se no texto que irei entregar à Igreja da África: não posso resumi-la, agora, em poucas palavras. É verdade que houve tantas conferências internacionais e precisamente para a África, para a fraternidade universal. Dizem-se coisas boas, e por vezes também se fazem realmente coisas boas: temos de o reconhecer! Mas, certamente, as palavras são maiores, as intenções e mesmo a vontade são maiores do que a realização; e devemos interrogar-nos por que motivo a realidade não chega às palavras e às intenções. Parece-me que um factor fundamental é que esta renovação, esta fraternidade universal exige renúncias, exige também superar o egoísmo e ser para o outro. E isto é fácil de dizer, mas é difícil de realizar. O homem, tal como se apresenta depois do pecado original, quer possuir-se a si mesmo, ter a vida e não dar a vida. Tudo o que tenho, quero conservá-lo. Mas, com esta mentalidade segundo a qual não quero dar mas possuir, naturalmente as grandes intenções não podem funcionar. E, somente com o amor e o conhecimento de um Deus que nos ama e Se nos dá, é que podemos chegar a isto: ousamos perder a vida, ousamos dar-nos, porque sabemos que é precisamente assim que nos ganhamos. Depois os pormenores actuais, que se encontram no documento do Sínodo, têm a ver com esta posição fundamental: amando a Deus e permanecendo na amizade com este Deus que Se dá, também nós podemos ousar e implorar a graça de dar – e não só de ter –, de renunciar, de ser para o outro, de perder a vida com a certeza de que é assim, precisamente assim, que a ganhamos.

Padre Lombardi: Santidade, na abertura do Sínodo Africano em Roma, falara da África como de um grande «pulmão espiritual para uma humanidade em crise de fé e de esperança». Pensando nos grandes problemas da África, esta expressão revela-se quase desconcertante. Verdadeiramente em que sentido pensa que possa vir, da África, fé e esperança para o mundo? Pensa num papel da África nomeadamente na evangelização do resto do mundo?

Santo Padre: Naturalmente a África tem grandes problemas e dificuldades, toda a humanidade tem grandes problemas. Se penso na minha juventude, vejo que era um mundo totalmente diverso do actual e, às vezes, penso viver num planeta diferente daquele em que vivia quando era jovem. De facto a humanidade encontra-se num processo cada vez mais acelerado e rápido de transformação. No caso da África, este processo dos últimos 50-60 anos – partindo da independência, após o colonialismo, até chegar aos dias de hoje – foi um processo muito exigente, naturalmente muito difícil, com grandes dificuldades e problemas; e estes problemas ainda não estão superados. Com o avanço da humanidade, crescem também as dificuldades. Todavia esta pujança do «sim» à vida que há na África, esta juventude que lá existe, que é cheia de entusiasmo e de esperança, e também de humorismo e de alegria, mostra-nos que aqui há uma reserva humana, há ainda uma pujança do sentido religioso e da esperança; há ainda uma percepção da realidade metafísica, da realidade na sua totalidade com Deus; e não aquela redução ao positivismo, que restringe a nossa vida, tornando-a um pouco árida, e também apaga a esperança. Diria, pois, que um humanismo pujante que se encontra na alma jovem da África, não obstante todos os problemas que existem e hão-de existir, mostra que aqui ainda há uma reserva de vida e de vitalidade para o futuro, com a qual podemos contar.

Padre Lombardi: Com a última pergunta, voltamos brevemente a um ponto que Vossa Santidade acenou entre os motivos desta viagem ao Benim: sabemos que nesta viagem ocupa um lugar muito importante a recordação da figura do cardeal Gantin. O Santo Padre conheceu-o muito bem: foi o seu predecessor como Decano do Colégio Cardinalício, e a estima que universalmente o circunda é enorme. Quer dar-nos ainda um breve testemunho pessoal sobre ele?

Santo Padre: Vi pela primeira vez o cardeal Gantin na minha Ordenação para Arcebispo de Mónaco, em 1977. Ele viera, porque um dos seus alunos era meu discípulo: assim, idealmente, havia já uma amizade entre nós, mesmo sem ainda nos termos visto. Neste dia decisivo da minha Ordenação Episcopal, foi belo para mim encontrar este jovem Bispo africano, cheio de fé, alegria e coragem. Depois colaboramos muitíssimo, sobretudo quando ele era Prefeito da Congregação para os Bispos e, mais tarde, no Colégio Cardinalício. Sempre admirei a sua inteligência prática e profunda; o seu sentido de discernimento, de não cair em certas frases feitas, mas de compreender o que era essencial e o que não tinha sentido; e ainda o seu autêntico sentido de humorismo, que era muito bom. Mas sobretudo era um homem de fé profunda e de oração. Tudo isto fez do cardeal Gantin não só um amigo, mas também um exemplo a seguir, um grande Bispo africano, católico. Estou realmente contente por poder rezar agora no seu túmulo e sentir a sua proximidade e a sua grande fé, que faz dele – sempre para mim – um exemplo e um amigo.

Padre Lombardi: Obrigado, Santidade. Posso acrescentar, se me permite, que o «seu discípulo», que convidara o cardeal Gantin, também nos acompanha nesta viagem; trata-se de D. Barthélémy Adoukounou e, por conseguinte, também ele está presente neste momento tão belo. Sem mais, agradecemos-lhe por este tempo que nos deu. Desejamos-lhe uma boa viagem e, como habitualmente, procuraremos colaborar para uma boa difusão das suas palavras para a África nestes dias. Mais uma vez, obrigado e até breve.



CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS Aeroporto Internacional "Card. Bernardin Gantin" de Cotonou Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011

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Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Venerados Cardeais,
Amado Presidente da Conferência Episcopal do Benim,
Ilustres Autoridades civis, eclesiais e religiosas,
Queridos amigos!

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as cordiais palavras de boas-vindas que me dirigiu. Vossa Excelência conhece o afecto que sinto por este continente e pelo seu país; tinha desejo de voltar à África, sendo esta viagem apostólica motivada por uma tríplice razão. Antes de mais nada, o amável convite que me fez o Senhor Presidente para visitar o país e que foi acompanhado por igual iniciativa da Conferência Episcopal do Benim; iniciativas estas, que caíram num momento propício, ou seja, no ano em que o Benim celebra o quadragésimo aniversário do estabelecimento das suas relações diplomáticas com a Santa Sé, bem como o sesquicentenário da sua evangelização. A minha estada convosco proporciona-me a feliz ocasião para inúmeros encontros, culminando na Eucaristia que celebrarei antes do meu regresso.

Depois, com esta viagem, cumpre-se o meu desejo de entregar, em terra africana, a Exortação apostólica pós-sinodal Africae munus, cujas reflexões hão-de guiar a acção pastoral das numerosas comunidades cristãs nos próximos anos. Nestas, este texto terá possibilidade de germinar, crescer e frutificar «ora cem, ora sessenta, ora trinta por um», como diz o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo (
Mt 13,23).

E há ainda uma terceira razão, que é de ordem mais pessoal ou afectiva. Sempre tive grande estima por um filho desta Nação, o Cardeal Bernardin Gantin. Durante muitos anos, trabalhamos ambos, cada qual nas próprias atribuições, ao serviço da mesma Vinha: ajudámos, o melhor que pudemos, o meu predecessor, o Beato João Paulo II, a exercer o seu ministério petrino. Tivemos oportunidade de nos encontrar muitas vezes, dialogar profundamente e rezar juntos. O Cardeal Gantin conquistara o respeito e a estima de muitos. Por isso, pareceu-me justo vir ao seu país natal, rezar junto da sua sepultura e agradecer ao Benim este filho ilustre que deu à Igreja.

O Benim é uma terra de antigas e nobres tradições, com uma história prestigiosa. Quero aproveitar esta ocasião para saudar os chefes tradicionais: a sua colaboração é importante para construir o futuro deste país; encorajo-os a contribuir, com a sua sabedoria e o seu conhecimento dos costumes, para a delicada transição actualmente em curso da tradição para a modernidade.

A modernidade não deve meter medo, mas também não se pode construir sobre o esquecimento do passado. Tem de ser orientada com prudência para o bem de todos, evitando certos escolhos presentes no continente africano e noutras partes como, por exemplo, a sujeição incondicional às leis do mercado ou das finanças, o nacionalismo ou o tribalismo exacerbados e estéreis que se podem tornar letais, a politização extrema das tensões inter-religiosas em detrimento do bem comum, e ainda a erosão dos valores humanos, culturais, éticos e religiosos. A transição para a modernidade deve ser guiada por critérios seguros, que se baseiam em virtudes reconhecidas como as que aparecem no vosso lema nacional e também as virtudes que estão enraizadas na dignidade da pessoa, na grandeza da família e no respeito pela vida. Todos estes valores têm em vista o bem comum, o único que deve prevalecer, constituindo a preocupação suprema de cada responsável. Deus confia no homem e deseja o seu bem; cabe a nós responder-Lhe com uma honestidade e justiça que estejam à altura da sua confiança.

A Igreja, por seu lado, dá a contribuição que lhe é específica. Com a sua presença orante e as diversas obras de misericórdia, especialmente no âmbito educativo e sanitário, deseja oferecer o que tem de melhor: assegurar a sua proximidade àquele que passa necessidade, àquele que procura Deus; fazer compreender que Deus existe e não é inútil como às vezes se procura fazer crer, mas é o amigo do homem. É neste espírito de amizade e fraternidade, Senhor Presidente, que venho ao seu país.

(saudação, em língua fon) AC? MAWU T?N NI K?N DO BENIN TO ? BI JI [Deus abençoe o Benim]!



VISITA À CATEDRAL DE COTONOU Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011

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Venerados Cardeais,
Amado Arcebispo e caros irmãos no Episcopado,
Reverendo Reitor da catedral,
Amados irmãos e irmãs!

O antigo hino do Te Deum, que acabámos de cantar, exprime o nosso louvor a Deus, três vezes santo, que nos reúne nesta bela Catedral de Nossa Senhora da Misericórdia. Agradecidos, rendemos homenagem aos Arcebispos anteriores, que aqui repousam: D. Christophe Adimou e D. Isidore de Sousa. Foram valorosos trabalhadores na Vinha do Senhor, cuja memória continua ainda viva no coração dos católicos e de numerosos habitantes do Benim: estes dois Prelados foram, cada um a seu modo, Pastores cheios de zelo e caridade, que se entregaram sem reservas ao serviço do Evangelho e do Povo de Deus, especialmente dos mais desvalidos. Como bem sabeis, D. Isidore de Sousa foi um amigo da verdade e teve um papel determinante na transição democrática do vosso país.

Enquanto louvamos a Deus pelas maravilhas, com que não cessa de cumular a humanidade, convido-vos a meditar brevemente sobre a sua misericórdia infinita, nesta catedral que a isto se presta providencialmente. A história da salvação, que culmina na encarnação de Jesus e tem o seu pleno cumprimento no mistério pascal, é uma revelação esplêndida da misericórdia de Deus. No Filho, torna-Se visível «o Pai das misericórdias» (
2Co 1,3), que, sempre fiel à sua paternidade, «é capaz de debruçar-se sobre todos os filhos pródigos, sobre qualquer miséria humana e, especialmente, sobre toda a miséria moral, sobre o pecado» (João Paulo II, Enc. Dives in misericordia DM 6). A misericórdia divina não consiste apenas na remissão dos nossos pecados, mas também no facto de Deus, nosso Pai, nos reconduzir – por vezes com sofrimento, aflição e temor da nossa parte – ao caminho da verdade e da luz, porque não quer que nos percamos (cf. Mt 18,14 Jn 3,16). Esta dupla manifestação da misericórdia divina mostra como Deus é fiel à aliança selada com cada cristão no Baptismo. Repassando a história pessoal de cada um e a da evangelização dos nossos países, podemos dizer com o salmista: «Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor» (Sal 89/88, 2).

A Virgem Maria experimentou, no seu grau mais excelso, o mistério do amor divino: «A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem» (Lc 1,50) – exclama Ela no seu Magnificat. Com o seu «sim» ao chamamento de Deus, contribuiu para a manifestação do amor divino entre os homens. Neste sentido, é Mãe de Misericórdia por participação na missão do seu Filho; recebeu o privilégio de nos poder socorrer sempre e em toda parte. «Com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Lumen gentium LG 62). Ao abrigo da sua misericórdia, os corações feridos curam, as ciladas do maligno são evitadas e os inimigos reconciliam-se. Em Maria, temos não só um modelo de perfeição, mas também uma ajuda para realizar a comunhão com Deus e com os nossos irmãos e irmãs. Mãe da misericórdia, Ela é um guia seguro para os discípulos de seu Filho que querem estar ao serviço da justiça, da reconciliação e da paz. Com simplicidade e coração materno, Ela indica-nos a única Luz e a única Verdade – o seu Filho, Cristo Jesus – que conduz a humanidade para a sua plena realização no Pai do Céu. Não tenhamos medo de invocar, com confiança, Aquela que não cessa de dispensar aos seus filhos as graças divinas:

Ó Mãe de Misericórdia,
nós Vos saudamos, Mãe do Redentor;
nós Vos saudamos, Virgem gloriosa;
nós Vos saudamos, nossa Rainha!

Ó Rainha da Esperança,
mostrai-nos a face do vosso divino Filho;
guiai-nos pelos caminhos da santidade;
dai-nos a alegria daqueles que sabem dizer «sim» a Deus!

Ó Rainha da paz,
satisfazei as mais nobres aspirações dos jovens africanos;
satisfazei os corações sedentos de justiça, paz e reconciliação;
satisfazei os anseios das crianças vítimas da fome e da guerra!

Ó Rainha da justiça,
alcançai-nos o amor filial e fraterno;
alcançai-nos ser amigos dos pobres e dos humildes;
alcançai para os povos da terra o espírito de fraternidade!

Ó Nossa Senhora da África,
alcançai-nos do vosso divino Filho a cura para os doentes,
a consolação para os aflitos, o perdão para os pecadores;
intercedei junto do vosso divino Filho pela África,
e alcançai, para toda a humanidade, a salvação e a paz!

Amen.



ENCONTRO COM OS MEMBROS DO GOVERNO, OS REPRESENTANTES DAS INSTITUIÇÕES DA REPÚBLICA, O CORPO DIPLOMÁTICO E OS REPRESENTANTES DAS PRINCIPAIS RELIGIÕES

Palácio Presidencial de Cotonou Sábado, 19 de Novembro de 2011

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Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Ilustríssimos Representantes das Autoridades civis, políticas e religiosas,
Digníssimos Chefes de Missões Diplomáticas,
Venerados Irmãos no Episcopado,
Senhoras e Senhores,
Queridos amigos!

DOO NUMI! (solene saudação, em língua fon).

Quis, Senhor Presidente, proporcionar-me a ocasião de o encontrar na presença duma prestigiosa assembleia de personalidades. É um privilégio que sentidamente aprecio; e, de coração, agradeço-lhe as amáveis palavras que há pouco me dirigiu em nome de todo o povo do Benim. Agradeço também à Senhora Representante dos Corpos Constituídos as suas palavras de boas-vindas. Formulo votos do maior bem para todas as personalidades presentes, que são protagonistas, a diversos níveis, da vida nacional do Benim.

Frequentemente, nas minhas intervenções anteriores, associei à palavra África o termo esperança. Fi-lo há dois anos, em Luanda, e já num contexto sinodal. Aliás a palavra esperança aparece várias vezes na Exortação apostólica pos-sinodal Africae munus, que em breve assinarei. Quando digo que a África é o continente da esperança, não estou a fazer retórica; exprimo simplesmente uma convicção pessoal, que é também a da Igreja. Com muita frequência, a nossa mente detém-se em preconceitos ou em imagens que dão uma visão negativa da realidade africana, fruto duma análise pessimista. Há sempre a tentação de pôr em realce o que está mal; pior ainda, é fácil assumir o tom sentencioso do moralista ou do perito, que impõe as suas conclusões e, no fim de contas, poucas soluções adequadas propõe. Existe ainda a tentação de analisar as realidades africanas à maneira de um etnólogo curioso ou como quem vê nelas somente uma enorme reserva energética, mineral, agrícola e humana fácil de explorar para interesses muitas vezes pouco nobres. Trata-se de visões redutivas e irrespeitosas, que levam a uma coisificação pouco dignificadora da África e dos seus habitantes.

Estou ciente de que as palavras não têm o mesmo significado em toda a parte; mas o termo esperança varia pouco de cultura para cultura. Alguns anos atrás, dediquei à esperança cristã uma Carta Encíclica. Falar da esperança significa falar do futuro e, portanto, de Deus. O futuro enraíza-se no passado e no presente. O passado, conhecemo-lo bem, lamentando os seus fracassos e alegrando-nos com as suas realizações positivas. O presente, vivemo-lo como podemos: da melhor forma – espero – e com a ajuda de Deus! É neste terreno, composto por vários elementos ora contraditórios ora complementares, que temos de construir, com a ajuda de Deus.

Queridos amigos, à luz desta esperança que nos deve animar, quero repassar duas realidades africanas, de viva actualidade. A primeira refere-se mais à vida sociopolítica e económica em geral do continente; a segunda, ao diálogo inter-religioso. Estas realidades interessam-nos a todos, porque o nosso século parece nascer no sofrimento e sentir dificuldade em fazer crescer a esperança nestes dois campos particulares.

Nos últimos meses, numerosos povos expressaram o seu desejo de liberdade, a sua necessidade de segurança material e a sua vontade de viver harmoniosamente na diversidade das etnias e das religiões. E nasceu um novo Estado no vosso continente. Numerosos foram também os conflitos provocados pela cegueira do homem, pela sua ânsia de poder e por interesses político-económicos que excluem a dignidade das pessoas ou da natureza. A pessoa humana aspira à liberdade; quer viver dignamente; deseja boas escolas e alimentação para as crianças, hospitais dignos para curar os doentes; quer ser respeitada; reivindica uma governação transparente que não confunda o interesse privado com o interesse geral; e sobretudo quer a paz e a justiça. Neste momento, há demasiados escândalos e injustiças, demasiada corrupção e avidez, demasiado desprezo e demasiadas mentiras, demasiadas violências que levam à miséria e à morte. Se é certo que estes males afligem o vosso continente, sucede igual no resto do mundo. Cada povo quer compreender as decisões políticas e económicas que são tomadas em seu nome; dá-se conta de ser manipulado, e reage, por vezes, violentamente. Deseja participar no bom governo. Sabemos que nenhum regime político humano é o ideal, e que nenhuma decisão económica é neutra; mas sempre devem servir o bem comum. Encontramo-nos perante uma reivindicação legítima – que diz respeito a todos os países – de maior dignidade e sobretudo de maior humanidade. O homem quer que a sua humanidade seja respeitada e promovida. Os responsáveis políticos e económicos dos países encontram-se perante decisões imperativas e opções que já não podem evitar.

A partir desta tribuna, lanço um apelo a todos os responsáveis políticos e económicos dos países africanos e do resto do mundo: Não priveis os vossos povos da esperança! Não amputeis o seu futuro, mutilando o seu presente. Mantende uma perspectiva ética corajosa sobre as vossas responsabilidades e, se fordes pessoas de fé, rogai a Deus que vos conceda a sabedoria. Esta far-vos-á compreender que é necessário, enquanto promotores do futuro dos vossos povos, tornar-vos verdadeiros servidores da esperança. Não é fácil viver a condição de servidor, permanecer íntegro no meio de correntes de opinião e interesses poderosos. O poder, seja ele qual for, cega com facilidade, sobretudo quando estão em jogo interesses privados, familiares, étnicos ou religiosos. Só Deus purifica os corações e as intenções.

1404 A Igreja não oferece qualquer solução técnica, nem impõe qualquer solução política. Mas vai repetindo: Não tenhais medo! A humanidade não está sozinha enfrentando os desafios do mundo; Deus está presente. Trata-se duma mensagem de esperança, uma esperança geradora de energia, que estimula a inteligência e confere à vontade todo o seu dinamismo. Um Arcebispo de Toulouse, o Cardeal Saliège, dizia: «Esperar não é abandonar mas redobrar a actividade». A Igreja acompanha o Estado na sua missão; quer ser como que a alma deste corpo, apontando incansavelmente o essencial: Deus e o homem. Deseja cumprir, às claras e sem medo, esta imensa tarefa de quem educa e cuida, e sobretudo reza sem cessar (cf. Lc 18,1), indica onde está Deus (cf. Mt 6,21) e onde está o verdadeiro homem (cf. Mt 20,26 Jn 19,5). O desespero é individualista; a esperança é comunhão. Porventura não nos é proposto aqui um caminho esplêndido? Convido a segui-lo todos os responsáveis políticos, económicos, bem como o mundo universitário e o da cultura. Sede, vós também, semeadores de esperança!

Queria agora abordar o segundo ponto: o diálogo inter-religioso. Não me parece necessário lembrar os recentes conflitos gerados em nome de Deus, nem as mortes causadas em nome d’Aquele que é a Vida. Toda a pessoa de bom senso compreende que é preciso promover uma cooperação serena e respeitosa entre as diversidades culturais e religiosas. O verdadeiro diálogo inter-religioso rejeita a verdade humanamente egocêntrica, porque a única e exclusiva verdade está em Deus. Deus é a Verdade. Portanto, nenhuma religião, nenhuma cultura pode justificar o apelo ou o recurso à intolerância e à violência. A agressividade é uma forma relacional demasiado arcaica, que faz apelo a instintos banais e pouco nobres. Utilizar as palavras reveladas, as Sagradas Escrituras ou o nome de Deus para justificar os nossos interesses, as nossas políticas tão facilmente complacentes ou as nossas violências, é um erro gravíssimo.

Não posso conhecer o outro, senão me conheço a mim mesmo. Não o posso amar, senão me amo a mim mesmo (cf. Mt 22,39). Por isso, o conhecimento, o aprofundamento e a prática da própria religião são essenciais para um verdadeiro diálogo inter-religioso. Este só pode começar com a oração pessoal e sincera daquele que deseja dialogar. Que ele se retire no segredo do seu quarto interior (cf. Mt 6,6), pedindo a Deus a purificação do raciocínio e a bênção para o encontro desejado. Esta oração pede a Deus também o dom de ver, no outro, um irmão a amar e, na tradição que ele vive, um reflexo da verdade que ilumina todos os homens (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Nostra Aetate NAE 2). Convém, portanto, que cada um se coloque, com toda a verdade, diante de Deus e do outro. Esta verdade não exclui, nem é confusão. O diálogo inter-religioso mal-entendido leva à confusão ou ao sincretismo. Este não é o diálogo que se pretende.

Apesar dos esforços realizados, sabemos também que às vezes o diálogo inter-religioso não é fácil, podendo mesmo ver-se impedido por diversas razões. Isto não significa de forma alguma uma derrota. As formas do diálogo inter-religioso são variadas. A cooperação no âmbito social ou cultural pode ajudar as pessoas a compreenderem-se melhor e a viverem juntas tranquilamente. Também é bom saber que não se dialoga por fraqueza, mas dialogamos porque acreditamos em Deus, Criador e Pai de todos os homens. Dialogar é uma forma suplementar de amar a Deus e ao próximo no amor da verdade (cf. Mt 22,37).

Ter esperança não significa ser ingénuos, mas realizar um acto de fé em Deus, Senhor do tempo, Senhor também do nosso futuro. Deste modo, a Igreja Católica concretiza uma das intuições do Concílio Vaticano II: favorecer relações amistosas entre ela e os membros de religiões não cristãs. Há já várias décadas que o Conselho Pontifício competente tece laços, multiplica os encontros e publica regularmente documentos para favorecer tal diálogo. A Igreja tenta assim pôr remédio à confusão das línguas e à dispersão dos corações nascidas do pecado de Babel (cf. Gn 11). Saúdo todos os responsáveis religiosos que tivestes a amabilidade de vir encontrar-me. Quero assegurar-vos, tanto a vós como aos dos outros países africanos, que o diálogo oferecido pela Igreja Católica brota do coração. Encorajo-vos a promover, especialmente entre os jovens, uma pedagogia do diálogo, para descobrirem que a consciência de cada um é um santuário a respeitar e que a dimensão espiritual constrói a fraternidade. A verdadeira fé conduz, invariavelmente, ao amor. É neste espírito que a todos vos convido à esperança.

Estas considerações gerais aplicam-se de maneira particular à África. No vosso continente, são numerosas as famílias cujos membros professam crenças diversas, e todavia permanecem unidas. Esta unidade não se fica a dever só à cultura, mas está cimentada na estima fraterna. Naturalmente, às vezes verificam-se derrotas, mas também muitas vitórias. Neste campo particular, a África pode fornecer a todos matéria de reflexão e ser assim uma fonte de esperança.

Para concluir, queria propor-vos a imagem da mão: compõe-se de cinco dedos, diferentes entre si; mas cada um deles é essencial e a sua unidade forma a mão. O bom entendimento entre as culturas, a consideração sem transigência de uma pelas outras e o respeito pelos direitos de cada um são um dever vital; é preciso ensiná-lo a todos os fiéis das várias religiões. O ódio é uma derrota, a indiferença um beco sem saída, e o diálogo uma abertura. Não é este um bom terreno onde será possível lançar as sementes da esperança? Estender a mão significa esperar para se chegar, num segundo momento, a amar. Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4,1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo; pode fazer florir a esperança, sobretudo quando a inteligência titubeia e o coração tropeça.

Segundo a Sagrada Escritura, há três símbolos que descrevem a esperança para o cristão: o capacete, porque protege do desânimo (cf. 1Th 5,8), a âncora segura e firme, que fixa em Deus (cf. Heb He 6,19) e a lâmpada, que permite esperar a aurora dum novo dia (cf. Lc 12,35-36). Ter medo, duvidar e recear, acomodar-se no presente sem Deus, ou não ter nada a esperar, são atitudes alheias à fé cristã (cf. S. João Crisóstomo, Homilia XIV sobre a Carta aos Rm 6, PG 45, 941C) e – suponho – a qualquer outra crença em Deus. A fé vive o presente, mas espera os bens futuros. Deus está no nosso presente, mas também no futuro, «lugar» da esperança. A dilatação do coração não é só a esperança em Deus, mas também a abertura ao cuidado das realidades corporais e temporais para glorificar a Deus. Na linha de Pedro, de quem sou sucessor, desejo que a vossa fé e a vossa esperança estejam postas em Deus (cf. 1P 1,21). Estes são os votos que formulo para a África inteira, que me é tão querida! África, tem confiança e levanta-te. O Senhor chama-te! Que Deus vos abençoe. Obrigado.




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