Discursos Bento XVI 1413

1413 Desde o início do vosso caminho pastoral recebestes, como compromisso prioritário, a tarefa de realizar uma presença minuciosa no território, sobretudo através das Cáritas diocesanas e paroquiais. É uma finalidade que se deve perseguir também no presente. Estou certo de que os Pastores saberão suntentar-vos e orientar-vos, principalmente ajudando as comunidades a compreender o proprium de animação pastoral que a Cáritas oferece à vida de cada Igreja particular, e estou persuadido de que vós ouvireis os vossos Pastores e seguireis as suas indicações.

Além disso, a atenção ao território e à sua animação suscita a capacidade de interpretar a evolução da vida das pessoas que o habitam, as dificuldades e as solicitudes, mas inclusive as oportunidades e as perspectivas. A caridade exige abertura da mente, olhar amplo, intuição e previsão, além de um «coração que vê» (cf. Encíclica Deus caritas est ). Responder às necessidades significa não só oferecer o pão a quem tem fome, mas também deixar-se interpelar pelas causas da sua fome, com o olhar de Jesus que sabia ver a realidade profunda das pessoas que se aproximavam dele. É nesta perspectiva que o presente interpela o vosso modo de ser animadores e agentes de caridade. O pensamento não pode deixar de se dirigir também ao mundo da migração. Muitas vezes calamidades naturais e guerras criam situações de emergência. A crise económica global é um ulterior sinal dos tempos, que requer a coragem da fraternidade. A diversidade entre norte e sul do mundo, e a lesão da dignidade humana de numerosas pessoas exigem uma caridade que saiba ampliar-se a círculos concêntricos desde os pequenos até aos grandes sistemas económicos. A dificuldade crescente, o debilitamento das famílias e a incerteza da condição juvenil indicam o risco de uma diminuição da esperança. A humanidade não precisa só de benfeitores, mas também de pessoas humildes e concretas que, como Jesus, saibam colocar-se ao lado dos irmãos, compartilhando um pouco dos seus afãs. Em síntese, a humanidade procura sinais de esperança. A nossa fonte de esperança está no Senhor. E, por este motivo, é necessária a Cáritas; não para lhes delegar o serviço da caridade, mas para que seja um sinal da caridade de Cristo, um sinal que suscite esperança. Caros amigos, ajudar a Igreja inteira a tornar visível o amor de Deus. Vivei a gratuidade e ajudai a vivê-la. Exortai todos à essencialidade do amor que se faz serviço. Acompanhai os irmãos mais débeis. Animai as comunidades cristãs. Dizei ao mundo a palavra do amor que deriva de Deus. Buscai a caridade como síntese de todos os carismas do Espírito (cf.
1Co 14,1).

Seja vossa guia a Bem-Aventurada Virgem Maria que, na visita a Isabel, levou o dom sublime de Jesus na humildade do serviço (cf. Lc 1,39-43). Acompanho-vos com a oração e, de bom grado, concedo-vos a Bênção apostólica, fazendo-a extensiva a quantos, diariamente, encontrais nas vossas numerosas actividades. Obrigado!




À PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS

Sala Clementina
Sexta-feira, 25 de Novembro de 2011



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Prezados irmãos e irmãs

Estou feliz por me encontrar com todos vós, membros e consultores do Pontifício Conselho para os Leigos, reunidos para a XXV Assembleia Plenária. Saúdo de modo particular o Cardeal Stanislaw Rylko e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu, assim como a D. Josef Clemens, Secretário. Dirijo cordiais boas-vindas a todos, de modo especial aos fiéis leigos, mulheres e homens, que fazem parte do Dicastério. O período transcorrido desde a última Assembleia plenária viu-vos comprometidos em várias iniciativas, já mencionadas por Sua Eminência. Também eu gostaria de recordar o Congresso para os fiéis leigos da Ásia e a Jornada Mundial da Juventude em Madrid. Foram momentos de fé e de vida eclesial muito intensos, importantes inclusive na perspectiva dos grandes encontros eclesiais que celebraremos no próximo ano: a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização e a abertura do Ano da Fé.

O Congresso para os leigos da Ásia foi organizado no ano passado em Seul, com o auxílio da Igreja na Coreia, sobre o tema: «Proclaiming Jesus Christ in Asia Today». O vastíssimo continente asiático hospeda diferentes povos, culturas e religiões, de origem antiga, mas até agora o anúncio cristão só alcançou uma pequena minoria, que não raro — como disse Vossa Eminência — vive a fé num contexto difícil, às vezes de verdadeira perseguição. O Congresso ofereceu a oportunidade aos fiéis leigos, às associações, aos movimentos e às novas comunidades que trabalham na Ásia, de revigorar o compromisso e a coragem para a missão. Estes nossos irmãos testemunham de modo admirável a sua adesão a Cristo, deixando entrever que na Ásia, graças à sua fé, para a Igreja do terceiro milénio estão a abrir-se vastos cenários de evangelização. Apraz-me saber que o Pontifício Conselho para os Leigos está a organizar um Congresso análogo para os leigos da África, previsto nos Camarões no próximo ano. Tais encontros continentais são preciosos para dar impulso à obra de evangelização, fortalecer a unidade e tornar cada vez mais sólidos os vínculos entre as Igrejas particulares e a Igreja universal.

1414 Além disso, gostaria de chamar a atenção para a última Jornada Mundial da Juventude em Madrid. O tema, como sabemos, foi a fé: «Arraigados e fundados em Cristo, firmes na fé» (cf. Col 2,7). E realmente pude contemplar uma multidão imensa de jovens, vindos com entusiasmo do mundo inteiro para encontrar o Senhor e viver a fraternidade universal. Uma extraordinária cascata de luz, de alegria e de esperança iluminou Madrid, e não só, mas também a velha Europa e o mundo inteiro, voltando a propor de modo claro a actualidade da busca de Deus. Ninguém pôde permanecer indiferente, ninguém pôde pensar que a questão de Deus é irrelevante para o homem contemporâneo. Os jovens do mundo inteiro esperam com ansiedade poder celebrar as Jornadas mundiais que lhes são dedicadas, e sei que já estais a trabalhar para o encontro no Rio de Janeiro, em 2013.

A este propósito, parece-me particularmente importante ter desejado enfrentar este ano, durante a Assembleia Plenária, o tema de Deus: «A questão de Deus hoje». Nunca nos deveríamos cansar de repropor esta exigência, de «recomeçar a partir de Deus», para restituir ao homem a totalidade das suas dimensões, a sua plena dignidade. Com efeito, uma mentalidade que se foi difundindo no nosso tempo, renunciando a qualquer referência ao transcendente, demonstraou-se incapaz de compreender e preservar o humano. A difusão desta mentalidade gerou a crise que hoje vivemos, uma crise de significado e de valores, antes de ser crise económica e social. O homem que procura existir apenas positivistamente, no calculável e no mensurável, no final permanece sufocado. Neste contexto, a questão de Deus é, num certo sentido, «a questão das questões». Ela leva-nos às interrogações fundamentais do homem, às aspirações de verdade, de felicidade e de liberdade ínsitas no seu coração, que procuram uma realização. O homem que desperta em si a interrogação acerca de Deus abre-se à esperança, a uma esperança confiável, pelo que vale a pena enfrentar o cansaço do caminho no presente (cf. Spe salvi ).

Mas como despertar a interrogação sobre Deus, para que seja a questão fundamental? Caros amigos, se é verdade que «no início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa» (Deus caritas est ), a interrogação sobre Deus é despertada a patir do encontro com quantos têm o dom da fé, com aqueles quem têm uma relação vital com o Senhor. Deus torna-se conhecido através de homens e mulheres que O conhecem: o caminho rumo a Ele passa, de maneira concreta, através de quem já O encontrou. Aqui, o vosso papel de fiéis leigos é particularmente importante. Como observava a Christifideles laici, esta é a vossa vocação específica: na missão da Igreja «...aos fiéis leigos cabe um lugar de relevo, em função da sua “índole secular”, que os empenha, com modalidades próprias e insubstituíveis, na animação cristã da ordem temporal» (n. 36). Sois chamados a oferecer um testemunho transparente da relevância da questão de Deus em cada campo do pensar e do agir. Na família, no trabalho, assim como na política e na economia, o homem contemporâneo tem necessidade de ver com os seus próprios olhos e de sentir concretamente como com Deus ou sem Deus tudo muda.

Mas o desafio de uma mentalidade fechada ao transcendente obriga também os próprios cristãos a voltar de modo mais decisivo à centralidade de Deus. Às vezes trabalhamos para que a presença dos cristãos no campo social, na política ou na economia seja mais incisiva, e talvez não nos preocupemos em igual medida pela firmeza da sua fé, como se se tratasse de um dado adquirido de uma vez por todas. Na realidade, os cristãos não habitam um planeta distante, imune das «enfermidades» do mundo, mas compartilham as perturbações, a desorientação e as dificuldades da sua época. Por isso, não é menos urgente voltar a propor a questão de Deus inclusive no próprio tecido eclesial. Quantas vezes, não obstante as pessoas se autodefinam cristãs, Deus não constitui efectivamente o ponto de referência central no seu modo de pensar e de agir, nas suas opções fundamentais da vida. Assim, a primeira resposta ao grande desafio da nossa época encontra-se na profunda conversão do nosso coração, para que o Baptismo que nos fez luz do mundo e sal da terra possa transformar-nos verdadeiramente.

Estimados amigos, a missão da Igreja tem necessidade da contribuição de todos e de cada um dos seus membros, especialmente dos fiéis leigos. Nos ambientes de vida em que o Senhor vos chamou, sede testemunhas corajosas do Deus de Jesus Cristo, vivendo o vosso Baptismo. Por isso, confio-vos à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de todos os povos, e concedo-vos de coração, bem como aos vossos entes queridos, a Bênção Apostólica. Obrigado!




AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DOS ESTADOS UNIDOS, REGIÕES I-II-III EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»

26131
Sala do Consistório

Sábado, 26 de Novembro de 2011




Queridos Irmãos Bispos

Saúdo com afecto no Senhor todos vós e, através de vós, os Bispos dos Estados Unidos da América que durante o próximo ano realizarão as suas visitas ad limina Apostolorum.

Os nossos encontros são os primeiros depois da minha visita pastoral ao vosso país em 2008, cujo objectivo foi encorajar os católicos da América na sequência do escândalo e da desorientação provocados pela crise dos abusos sexuais dos últimos decénios. Quis reconhecer pessoalmente os sofrimentos causados às vítimas e os esforços sinceros realizados para garantir a segurança das nossas crianças e para enfrentar de forma adequada e transparente as acusações de abusos, quando surgem. Espero que os esforços conscientes da Igreja a fim de abordar esta realidade possam ajudar a comunidade em geral a reconhecer as causas, a verdadeira dimensão e as consequências devastadoras dos abusos sexuais, e a responder com eficácia a este flagelo que atinge todos os níveis da sociedade. Devido à mesma razão, assim como a Igreja justamente se adapta aos padrões específicos sobre este aspecto, também todas as instituições, sem excepção, deveriam seguir as mesmas normas.

Um segundo objectivo, igualmente importante, da minha visita pastoral foi exortar a Igreja na América a reconhecer, à luz da transformação dramática do cenário social e religioso, a urgência e as exigências de uma nova evangelização. Em continuidade com este objectivo, nos próximos meses tenciono apresentar à vossa consideração algumas reflexões, que estou convicto de que achareis úteis para o discernimento que sois chamados a actuar na vossa tarefa de guiar a Igreja no futuro que Cristo está a abrir para nós.

Muitos de vós compartilharam comigo a preocupação acerca dos sérios desafios de um testemunho cristão coerente, apresentado por uma sociedade cada vez mais secularizada. Todavia, considero significativo que exista também uma maior preocupação por parte de muitos homens e mulheres, independentemente da suas opiniões religiosas ou políticas, pelo futuro das nossas sociedades democráticas. Assistem a um desabamento preocupante dos fundamentos intelectuais, culturais e morais da vida social, e a uma crescente sensação de desorientação e insegurança, especialmente entre os jovens, perante as grandes transformações sociais. Não obstante as tentativas de silenciar a voz da Igreja no grande debate público, numerosas pessoas de boa vontade continuam a olhar para ela em busca de sabedoria, discernimento e guia sadia para enfrentar esta crise de vasto alcance. Portanto, o momento actual pode ser considerado, em termos positivos, como uma exortação a pôr em prática a dimensão profética do vosso ministério episcopal defendendo, com humildade mas também com insistência a verdade moral e oferecendo uma palavra de esperança capaz de abrir o coração e a mente à verdade que nos liberta.

Ao mesmo tempo, a gravidade dos desafios que a Igreja na América, sob a vossa guia, é chamada a enfrentar no futuro próximo não pode ser subestimada. Os obstáculos à fé e à prática cristã, impostos por uma cultura secularizada, influenciam também a vida dos crentes, dando origem por vezes àquele «leve atrito» por parte da Igreja que sublinhastes durante a minha visita pastoral. Imersos nesta cultura, os crentes são quotidianamente perturbados pelas dúvidas, pelas questões preocupantes e pelo cinismo da sociedade que parece ter perdido as suas raízes, por um mundo em que o amor de Deus se tornou insensível em numerosos corações. Portanto, a evangelização parece não só uma tarefa a ser empreendida ad extra; nós mesmos somos os primeiros a necessitar da reevangelização. Tal como acontece com todas as crises espirituais, quer individuais quer comunitárias, sabemos que a resposta definitiva pode surgir unicamente de uma auto-avaliação rigorosa, crítica e constante e de uma conversão à luz da verdade da Igreja. Só através desta renovação interior conseguiremos discernir e satisfazer as exigências espirituais da nossa época com a verdade eterna do Evangelho.

Aqui, não posso deixar de expressar o meu apreço pelo progresso real que os Bispos americanos fizeram, quer a nível individual quer como Conferência, ao enfrentar estas questões e ao trabalhar juntos a fim de elaborar uma visão pastoral comum, cujos frutos podem ser encontrados, por exemplo, nos vossos recentes documentos sobre a cidadania leal e a instituição do matrimónio. A importância destas expressões influentes da vossa solicitude comum pela autenticidade da vida e do testemunho da Igreja no vosso país deveria ser evidente para todos.

Nestes dias, a Igreja nos Estados Unidos está a elaborar a tradução revista do Missal Romano. Estou grato pelos vossos esforços a fim de garantir que esta nova tradução possa inspirar uma catequese permanente capaz de evidenciar a natureza autêntica da liturgia e, sobretudo, o valor singular do sacrifício salvífico de Cristo para a redenção do mundo. Um enfraquecimento do significado e da importância do culto cristão somente pode levar a um enfraquecimento da vocação específica e essencial dos leigos, que consiste em permear a ordem temporal com espírito evangélico. A América possui uma tradição orgulhosa de respeito pelo sabbath. Esta herança deve ser fortalecida como exortação ao serviço do Reino de Deus e à renovação do tecido social segundo a sua verdade imutável.

De qualquer maneira a renovação do testemunho do Evangelho por parte da Igreja no vosso país está ligada de forma essencial ao restabelecimento de uma visão comum e de um sentido de missão por parte de toda a comunidade católica. Estou ciente de que esta é uma preocupação que tendes a peito, como se deduz dos vossos esforços finalizados a encorajar a comunicação, o debate e o testemunho coerente a todos os níveis da vida das vossas igrejas locais. Penso especialmente na importância das universidades católicas e nos sinais de renovação da sua missão eclesial, como é demonstrado pelos debates que celebram o décimo aniversário da Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, e por iniciativas como o simpósio realizado recentemente na Catholic University of America sobre a actividade intelectual da nova evangelização. Os jovens têm o direito de escutar com clareza o ensinamento da Igreja e, o que é ainda mais importante, de ser inspirados pela coerência e beleza da mensagem cristã de modo que, por sua vez, possam infundir nos seus coetâneos um amor profundo a Cristo e à sua Igreja.

Queridos Irmãos Bispos, estou ciente dos numerosos problemas, urgentes e por vezes aparentemente insolúveis, que enfrentais todos os dias no exercício do vosso ministério. Com a confiança que nasce da fé, e com grande afecto, transmito-vos estas palavras de encorajamento e confio-vos de bom grado, a vós e o vosso clero, os religiosos e os leigos das vossas Dioceses à intercessão de Maria Imaculada, Padroeira dos Estados Unidos. Concedo a todos vós a minha Bênção Apostólica como penhor de sabedoria, força e paz no Senhor.






AOS PARTICIPANTES DO ENCONTRO INTERNACIONAL PROMOVIDO PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE

26121
Sala Clementina

Sábado, 26 de Novembro de 2011




Eminência
Amados Irmãos no Episcopado
Estimados irmãos e irmãs

É motivo de grande alegria encontrar-me convosco, por ocasião da XXVI Conferência internacional, organizada pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, e que quis meditar sobre o tema: A pastoral da saúde ao serviço da vida, à luz do magistério do Beato João Paulo II. É-me grato saudar os Bispos encarregados da Pastoral da saúde, que se reuniram pela primeira vez junto do Túmulo do Apóstolo Pedro, para averiguar as formas de uma obra colegial neste âmbito tão delicado e importante da missão da Igreja. Manifesto o meu reconhecimento ao Dicastério pelo seu serviço precioso, a começar pelo Presidente, D. Zygmunt Zimowski, a quem agradeço as amáveis palavras que me dirigiu, mediante as quais explicou os trabalhos e as iniciativas tomadas durante estes dias. Dirijo a minha saudação também ao Secretário e ao Subsecretário, ambos nomeados recentemente, aos Oficiais e aos Funcionários, assim como aos Relatores e aos Especialistas, aos Responsáveis dos Institutos de Cura, aos Agentes no campo da saúde, a todos os presentes e a quantos colaboraram para a realização deste Congresso.

Estou persuadido de que as vossas reflexões contribuíram para aprofundar o «Evangelho da Vida», herança inestimável do magistério do Beato João Paulo II. Em 1985, ele instituiu este Pontifício Conselho para dar um testemunho concreto no vasto e minucioso âmbito da saúde; há vinte anos, ele estabeleceu a celebração do Dia Mundial do Doente; e, finalmente, constitui a Fundação «O Bom Samaritano», como instrumento de uma renovada obra caritativa a favor dos enfermos mais pobres em diversos países, Fundação para a qual dirijo o meu apelo a um renovado compromisso em vista de a sustentar.

Durante os longos e intensos anos de Pontificado, o Beato João Paulo II proclamou que o serviço à pessoa enferma no corpo e no espírito constitui um compromisso constante de atenção e de evangelização para toda a comunidade eclesial, em conformidade com o mandato de Jesus aos Doze, de curar os enfermos (cf.
Lc 9,2). Em particular, na Carta Apostólica Salvifici doloris, de 11 de Fevereiro de 1984, o meu venerado Predecessor afirmava: «O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles pontos em que o homem está, em certo sentido, “destinado” a superar-se a si mesmo; e é chamado de modo misterioso a fazê-lo» (n. 2). O mistério da dor parece ofuscar o Rosto de Deus, tornando-o quase um estranho, ou chegando mesmo a indicá-lo como responsável pelo sofrimento humano, mas os olhos da fé são capazes de contemplar este mistério em profundidade. Deus encarnou-se, fez-se próximo do homem, inclusive nas suas situações mais difíceis; Ele não evitou o sofrimento, mas no Crucificado Ressuscitado, no Filho de Deus que padeceu até à morte, e morte de cruz, Ele revela que o seu amor chega a descer até ao abismo mais profundo do homem, para lhe oferecer a esperança. O Crucificado ressuscitou, a morte foi iluminada pela aurora da Páscoa: «Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). No Filho «doado» para a salvação da humanidade, a verdade do amor é, num certo sentido, provada através da verdade do sofrimento; quanto à Igreja, nascida do mistério da Redenção na Cruz de Cristo, «tem o dever de procurar o encontro com o homem, de modo particular no caminho do seu sofrimento. É em tal encontro que o homem “se torna o caminho da Igreja”; e este é um dos caminhos mais importantes» (João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, 3).

Caros amigos, o serviço de acompanhamento, de proximidade e de cura dos irmãos enfermos, sozinhos e com frequência provados por feridas não apenas físicas, mas também espirituais e morais, coloca-vos numa posição privilegiada para dar testemunho da obra salvífica de Deus, do seu amor pelo homem e pelo mundo, que abrange inclusive as situações mais dolorosas e terríveis. A Face do Salvador agonizante na cruz, do Filho consubstancial ao Pai que sofre como homem por nós (cf. Ibid., n. 17), ensina-nos a conservar e a promover a vida, em qualquer fase e em qualquer condição ela se encontre, reconhecendo a dignidade e o valor de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27) e chamado à vida eterna.

Esta visão da dor e do sofrimento, iluminada pela morte e pela ressurreição de Cristo, foi-nos testemunhada pelo calvário lento que distinguiu os últimos anos de vida do Beato João Paulo II, a quem é possível aplicar as palavras de são Paulo: «Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu corpo que é a Igreja» (Col 1,24). A fé firme e segura invadiu a sua debilidade física, fazendo da sua enfermidade, vivida por amor a Deus, à Igreja e ao mundo, uma participação concreta no caminho de Cristo, até ao Calvário.

A sequela Christi não impediu que o Beato João Paulo II tomasse a própria cruz todos os dias, até ao fim, para ser como o seu único Mestre e Senhor que, a partir da Cruz, se tornou um ponto de atracção e de salvação para toda a humanidade (cf. Jn 12,32 Jn 19,37) e manifestou a sua glória (cf. Mc 15,39). Na homilia durante a Santa Missa de Beatificação do meu venerado Predecessor recordei como «pouco a pouco o Senhor o foi despojando de tudo, mas ele permaneceu sempre uma “rocha”, como Cristo o quis. A sua humildade profunda, enraizada na união íntima com Cristo, permitiu-lhe continuar a guiar a Igreja e a transmitir ao mundo uma mensagem ainda mais eloquente, justamente no período em que as suas forças físicas definhavam» (Homilia, 1 de Maio de 2011).

Estimados amigos, valorizando o testamento vivido pelo Beato João Paulo II na sua própria carne, formulo votos a fim de que também vós, no exercício do vosso ministério pastoral e na vossa actividade profissional, possais descobrir na árvore gloriosa da Cruz de Cristo, «o cumprimento e a plena revelação de todo o Evangelho da vida» (Carta Encíclica Evangelium vitae EV 50). Que no serviço por vós prestado, nos vários âmbitos da pastoral da saúde, possais experimentar que «só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Ele me ama» (Carta Encíclica Deus caritas est ).

Confio cada um de vós, os enfermos, as famílias e todos os agentes que trabalham no campo da saúde, à salvaguarda materna de Maria e, de bom grado, concedo-vos a todos do íntimo do coração a Bênção Apostólica.






NO FINAL DO CONCERTO OFERECIDO PELO GOVERNO DO PRINCIPADO DAS ASTÚRIAS Sábado, 26 de Novembro de 2011

26141
Sala Paulo VI



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Distintas Autoridades
Queridos amigos!

Agradeço de coração ao Governo do Principado das Astúrias e à Fundação María Cristina Masaveu Peterson, com o seu Presidente, o Senhor Fernando Masaveu, o maravilhoso concerto que nos ofereceu, e que nos deu a possibilidade de realizar como que uma viagem interior, levados pela música, através do folclore, dos sentimentos e do próprio coração da Espanha. Um obrigado muito especial à Orquestra Sinfónica do Principado das Astúrias, dirigida pelo maestro Maximiano Valdés, pela magnífica execução com a qual nos transmitiu também um pouco do profundo e rico carácter da população espanhola, e particularmente asturiana. E obrigado também a todos os que tornaram possível este momento, assim como ao Senhor Arcebispo de Oviedo e a quantos estão aqui presentes nesta ocasião significativa.

Esta tarde, por assim dizer, foi transferido para esta sala um «bocado» de Espanha. Tivemos a oportunidade de ouvir músicas de alguns dos mais célebres compositores daquela terra, como Manuel de Falla ou Isaac Albéniz, mas também do alemão Richard Strauss e do russo Nikolai Rimsky-Korsakov, fascinados por aquilo que, no libreto de sala, é definido «more hispano», ou seja, o modo hispânico de ser, assim como de compor e de interpretar a música. E é precisamente este o elemento que associa as peças tão variadas que ouvimos; elas têm uma característica de fundo: a capacidade de comunicar musicalmente sentimentos, emoções, aliás diria quase o tecido quotidiano da vida. E isto sobretudo porque quem compõe «more hispano» é quase naturalmente levado a fundir em harmonia os elementos do folclore, da canção popular, que provêm do viver de cada dia, com aquela que chamamos «música culta». E é um conjunto de sentimentos que nos foram transmitidos esta tarde: a «alegria de vivir», a alegria de viver, o clima da festa, que transparece em composições como as três Danças de «El sombrero de tres picos» de Manuel de Falla, ou a luta contra o mal descrita na célebre «Danza ritual del fuego» do mesmo autor: a vida animada dos bairros das cidades, como em «Lavapiés», da «Ibéria» de Albéniz; o drama de uma vida que não encontra paz, como a de don Juan, que não consegue viver o amor de modo autêntico e, no fim, dá-se conta do vazio da sua existência; a obra-prima de Strauss expressou perfeitamente a passagem da euforia que anima o trecho, para a tristeza do vazio manifestada no final melancólico.

Mas há outro elemento que sobressai constantemente nas composições «more hispano», que é o religioso do qual está profundamente imbuído o povo da Espanha; captara-o muito bem Rimsky-Korsakov, que no maravilhoso Capricho Espanhol, utilizando cânticos e danças folclóricas da Espanha, inclui vários temas de melodias populares religiosas, como na primeira parte da peça na qual se reconhece uma antiga invocação asturiana com a qual se pede a protecção da Virgem Maria e de são Pedro, ou o segundo movimento no qual aparece um cântico cigano a Nossa Senhora. São as maravilhas que a música realiza, esta linguagem universal que nos permite superar qualquer barreira e entrar no mundo do outro, de uma Nação, de uma cultura, e nos permite dirigir também a mente e o coração para o Alto com «A» maiúsculo, ou seja, que nos elevemos para para o mundo de Deus.

Mais uma vez obrigado ao Governo das Astúrias, à Fundação, aos professores da Orquestra Sinfónica do Principado das Astúrias, ao maestro Maximiano Valdés, aos organizadores, a quantos vieram das Astúrias e a todos vós. A Virgem Maria «que brilha mais bela que o sol nas alturas, e é Mãe e Rainha», como reza o hino à Padroeira celestial dessas terras, vos proteja sempre com a sua ternura materna.

Desejo a todos um bom caminho de Advento e concedo-vos de coração a minha Bênção.




AOS ESTUDANTES E PROFESSORES PARTICIPANTES NUM PROJECTO PROMOVIDO PELA FUNDAÇÃO «SORELLA NATURA»

Segunda-feira, 28 de Novembro de 2011





Senhor Cardeal
Ilustres Autoridades
Prezados adolescentes e jovens

É com grande alegria que vos dou a todos as minhas boas-vindas a este encontro dedicado ao compromisso em prol da «irmã natureza», para usar o nome da Fundação que o promoveu. Saúdo cordialmente o Cardeal Rodríguez Maradiaga e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu também em vosso nome e o dom da reprodução preciosa do Códex 338, que contém as fontes franciscanas mais antigas. Saúdo o Presidente, Senhor Roberto Leoni, assim como as Autoridades e Personalidades e os numerosos professores e pais. Mas saúdo-vos sobretudo a vós, queridos meninos e meninas, dilectos jovens! Foi precisamente para vós que desejei este encontro, e gostaria de vos dizer que aprecio muito a vossa escolha de ser «guardiães da criação», e que nisto podeis contar com meu pleno apoio.

Antes de tudo, devemos recordar que a vossa Fundação e este próprio encontro têm uma profunda inspiração franciscana. Também a data hodierna foi escolhida para fazer memória da proclamação de são Francisco de Assis como Padroeiro da ecologia da parte do meu amado Predecessor, o Beato João Paulo II, em 1979. Todos vós sabeis que são Francisco é também Padroeiro da Itália. No entanto, talvez não saibais que quem o declarou tal foi o Papa Pio XII, em 1939, quando o definiu «o mais italiano dos santos, o mais santo dos italianos». Portanto, se o santo Padroeiro da Itália é também Padroeiro da ecologia, parece-me justo que as jovens e os jovens italianos tenham uma sensibilidade especial em relação à «irmã natureza», se comprometem concretamente pela sua defesa.

Quando se estuda a literatura italiana, um dos primeiros textos que se encontram nas antologias é precisamente o «Cântico do Irmão Sol», ou «das criaturas», de são Francisco de Assis: «Altissimo, onnipotente, bon Signore...». Este cântico ressalta o justo lugar que se deve reservar ao Criador, Àquele que chamou à existência toda a grande sinfonia das criaturas: «...tue so’ le laude, la gloria e l’honore et onne benedictione... Laudato sie, mi’ Signore, cum tucte le Tue creature». Justamente, estes versos fazem parte da vossa tradição cultural e escolar. Mas constituem antes de tudo uma oração, que educa o coração para o diálogo com Deus, levando-o a ver em cada criatura o sinal do grande Artista celeste, como lemos inclusive no belíssimo Salmo 19: «Narram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos... Não é uma língua nem são palavras, cujo sentido não se entenda, porque por toda a terra se espalha o seu ruído, e até aos confins do mundo a sua voz» (v. 1.4-5). Frei Francisco, fiel à Sagrada Escritura, convida-nos a reconhecer na natureza um livro admirável, que nos fala de Deus, da sua beleza e da sua bondade. Pensai que o Pobrezinho de Assis pedia sempre ao frade do convento, encarregado do quintal, que não cultivasse todo o terreno para as hortaliças, mas que deixasse uma parte para as flores, aliás, que cuidasse de um bonito canteiro de flores, para que as pessoas ao passarem elevassem o pensamento a Deus, Criador de tanta beleza (cf. Vita seconda di Tommaso da Celano, CXXIV, 165).

Estimados amigos, tendo em consideração com estima as mais importantes investigações e descobertas científicas, a Igreja nunca deixou de recordar que, respeitando o vestígio do Criador em toda a criação, é possível compreender melhor a nossa verdadeira e profunda identidade humana. Se for vivido bem, este respeito pode ajudar a juventude a descobrir também talentos e atitudes pessoais, e portanto a preparar-se para uma determinada profissão, que procurará realizar sempre no respeito pelo meio ambiente. Com efeito, se no seu trabalho o homem esquecer que é colaborador de Deus, pode violar a criação e provocar danos que têm sempre consequências negativas também sobre o homem, como infelizmente vemos em várias circunstâncias. Hoje mais do que nunca, parece-nos claro que o respeito pelo meio ambiente não pode esquecer o reconhecimento do valor da pessoa humana e da sua inviolabilidade, em cada fase da vida e em todas as condições. O respeito pelo ser humano e o respeito pela natureza são uma só coisa, mas ambos só podem crescer e adquirir a sua justa medida, se nós respeitarmos o Criador e a sua criação na criatura humana e na natureza. Amados jovens, a este propósito, estou convicto de encontrar em vós aliados, verdadeiros «guardiães da vida e da criação».

E agora gostaria de aproveitar esta ocasião para dirigir uma palavra específica também aos professores e às Autoridades aqui presentes. Gostaria de ressaltar a grande importância da educação inclusive neste campo da ecologia. Foi de bom grado que aceitei a proposta deste encontro, precisamente porque ele empenha numerosos estudantes muito jovens, porque tem uma clara perspectiva educativa. Com efeito, já é evidente que não existe um futuro bom para a humanidade na terra, se não nos educarmos todos para um estilo de vida mais responsável em relação à criação. E friso aqui a importância da palavra «criação», porque a frondosa e maravilhosa árvore da vida não é fruto de uma evolução cega e irracional, mas esta evolução reflecte a vontade criadora do Criador, além da sua beleza e bondade. Este estilo de responsabilidade aprende-se antes de tudo na família e na escola. Por conseguinte, encorajo os pais, os dirigentes escolares e os professores a promoverem concretamente uma atenção educativa e didática constante, com esta finalidade. Além disso, é indispensável que este trabalho das famílias e das escolas seja sustentado pelas instituições prepostas, que hoje estão bem representadas aqui.

Caros amigos, confiemos estes pensamentos e estas aspirações à Virgem Maria, Mãe de toda a humanidade. Neste Tempo de Advento, no qual acabamos de entrar Ela nos acompanhe e oriente para reconhecer em Cristo o centro do cosmos, a luz que ilumina cada homem e cada criatura. E são Francisco nos ensine a cantar, com toda a criação, um hino de louvor e de acção de graças ao Pai celestial, dador de todas as dádivas. Agradeço-vos de coração por terdes vindo em grande número, e é de bom grado que acompanho com a minha Bênção o vosso estudo, o vosso trabalho e o vosso compromisso. Falei em cantar, então cantemos juntos o Pai-Nosso, a grandiosa oração que Jesus nos ensinou a todos.





                                            

À PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA Sala Clementina

Quinta-feira, 1° de Dezembro de 2011




Senhores Cardeais
1419
Discursos Bento XVI 1413