Discursos Bento XVI 16212

AOS PARTICIPANTES NO SIMPÓSIO DOS BISPOS DA ÁFRICA E DA EUROPA Quinta-feira, 16 de Fevereiro de 2012

16212 Sala Clementina



Senhores Cardeais
Prezados Irmãos no Episcopado
Amados irmãos e irmãs

Estou feliz por vos receber no final do Simpósio dos Bispos da África e da Europa, enquanto saúdo todos vós com grande afecto, em particular o Cardeal Péter Erdo, Presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa, e o Cardeal Polycarp Pengo, Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar, agradecendo-lhes as amáveis expressões com que introduziram este nosso encontro. Manifesto o meu profundo apreço a quantos promoveram os dias de estudo, durante os quais abordastes o tema da evangelização contemporânea das vossas terras, à luz da comunhão e colaboração pastorais recíprocas que se instauraram durante o primeiro simpósio, realizado em 2004.

Convosco dou graças a Deus pelos frutos espirituais derivados das relações de amizade e da cooperação entre as comunidades eclesiais dos vossos Continentes ao longo destes anos. A partir de diversificados ambientes culturais, sociais e económicos, vós valorizastes a comum tensão apostólica para anunciar aos vossos povos Jesus Cristo e o seu Evangelho, segundo o estilo do «intercâmbio de dons». Continuai a percorrer este caminho fecundo de fraternidade concreta e de unidade de intenções, ampliando cada vez mais os horizontes da evangelização. Com efeito, para a Igreja na Europa o encontro com a Igreja na África constitui sempre um momento de graça devido à esperança e à alegria com que as comunidades eclesiais africanas vivem e comunicam a fé, como pude constatar durante as minhas viagens apostólicas. Por outro lado, é bom ver como a Igreja na África, não obstante viva no meio de numerosas dificuldades e com a necessidade de paz e de reconciliação, está disposta a compartilhar a sua fé.

Nas relações entre a Igreja na África e a Igreja na Europa, deveis ter presente o vínculo fundamental entre fé e caridade, porque elas se iluminam reciprocamente na sua verdade. A caridade favorece a abertura e o encontro com o homem de hoje, na sua realidade concreta, para lhe levar Cristo e o seu amor por todas as pessoas e famílias, especialmente por quantos são mais pobres e sozinhos. «Caritas Christi urget nos» (
2Co 5,14): com efeito, é o amor de Cristo que enche os corações e impele a evangelizar. O Mestre divino, hoje como outrora, envia os seus discípulos pelas estradas do mundo para proclamar a sua mensagem de salvação a todos os povos da terra (cf. Carta Apostólica Porta fidei, 7).

Caros Irmãos, os desafios contemporâneos que estão à vossa frente são exigentes. Penso em primeiro lugar na indiferença religiosa, que leva muitas pessoas a viver como se Deus não existisse, ou a contentar-se com uma religiosidade indefinida, incapaz de se medir com a questão da verdade e com o dever da coerência. Hoje, principalmente na Europa, mas inclusive nalgumas regiões da África, sente-se o peso do ambiente secularizado e com frequência hostil à fé cristã. Outro desafio para o anúncio do Evangelho é o hedonismo, que contribuiu para fazer penetrar a crise dos valores na vida quotidiana, na estrutura da família, no próprio modo de interpretar o sentido da existência. Sintoma de uma situação de grave mal-estar social é também o alastrar-se de fenómenos como a pornografia e a prostituição. Vós estais bem conscientes destes desafios, que estimulam a vossa consciência pastoral e o vosso sentido de responsabilidade. Eles não vos devem desencorajar, mas ao contrário, constituir uma ocasião para renovar o compromisso e a esperança, a esperança que nasce da consciência de que a noite se adiantou e o dia se aproxima (cf. Rm 13,12), porque Cristo ressuscitado está sempre connosco. Nas sociedades da África e da Europa estão presentes não poucas forças positivas, muitas das quais se referem às paróquias e se distinguem pelo compromisso de santificação pessoal e de apostolado. Faço votos a fim de que, com a vossa ajuda, elas possam tornar-se células cada vez mais vivas e vitais da nova evangelização.

A família esteja no centro das vossas atenções de Pastores: ela, igreja doméstica, constitui também a garantia mais sólida para a renovação da sociedade. Na família, que conserva usos, tradições e ritos impregnados de fé, encontra-se o terreno mais propício para o florescimento das vocações. A mentalidade consumista dos dias de hoje pode ter repercussões negativas sobre o nascimento e o cuidado das vocações; daqui surge a necessidade de prestar atenção particular à promoção das vocações sacerdotais e de consagração especial. A família é inclusive o fulcro formativo da juventude. A Europa e a África têm necessidade de jovens generosos, que saibam assumir responsavelmente o seu futuro, e todas as Instituições devem ter bem presente que nestes jovens está encerrado o porvir, e que é importante fazer todo o possível para que o seu caminho não seja marcado pela incerteza, nem pela escuridão. Caros Irmãos, acompanhai com diligência especial o seu crescimento humano e espiritual, encorajando também as iniciativas de voluntariado que podem ter valor educativo.

Na formação das novas gerações, a dimensão cultural adquire um papel importante. Vós sabeis bem como a Igreja estima e promove todas as formas autênticas de cultura, às quais oferece a riqueza da Palavra de Deus e da graça que brota do Mistério pascal de Cristo. A Igreja respeita todas as descobertas da verdade, porque toda a verdade provém de Deus, mas sabe que o olhar da fé fixado em Cristo abre a mente e o coração do homem à Verdade Primeira, que é Deus. Assim, a cultura alimentada pela fé é factor de verdadeira humanização, enquanto as culturas falsas acabam por levar à desumanização: na Europa e na África tivemos exemplos tristes disto. Portanto, a cultura deve ser uma preocupação constante, que faça parte da vossa obra pastoral, tendo sempre bem presente que a luz do Evangelho se insere no tecido cultural, elevando-o e fazendo fecundar as suas riquezas.

Estimados amigos, o vosso Simpósio ofereceu-vos a ocasião para meditar acerca dos problemas da Igreja nos dois Continentes. Sem dúvida, eles não faltam e às vezes são relevantes; mas, por outro lado, constituem também a prova de que a Igreja é viva, está em fase de crescimento, e não tem medo de cumprir a sua missão evangelizadora. Por isso, ela tem necessidade da oração e do compromisso da parte de todos os fiéis; com efeito, a evangelização é parte integrante da vocação de todos os baptizados, que é vocação para a santidade. Os cristãos que têm uma fé viva e estão abertos à obra do Espírito Santo tornam-se testemunhas, com a palavra e a vida, do Evangelho de Cristo. No entanto, aos Pastores está confiada uma responsabilidade particular. Portanto, «a vossa santidade pessoal deve refulgir em benefício de quantos foram confiados ao vosso cuidado pastoral e que deveis servir. A vossa vida de oração irrigará, a partir de dentro, o vosso apostolado. O bispo deve ser um enamorado de Cristo. A autoridade moral e a credibilidade, que sustentam o exercício do vosso poder jurídico, poderão derivar apenas da santidade da vossa vida» (Exortação Apostólica pós-sinodal Africae munus, 100).

Confio os vossos propósitos espirituais e os vossos programas pastorais à intercessão de Maria, Estrela da Evangelização, enquanto de coração vos concedo uma especial Bênção Apostólica, assim como às Conferências Episcopais da África e da Europa, e a todos os vossos sacerdotes e fiéis.



CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO

PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS E PELO VOTO DE ALGUMAS CAUSAS DE CANONIZAÇÃO


Basílica Vaticana Sábado, 18 de Fevereiro de 2012

18212

«Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam».

Venerados Irmãos,
Amados irmãos e irmãs!

Com estas palavras do cântico de entrada, teve início o rito solene e sugestivo do Consistório Ordinário Público para a criação dos novos Cardeais, que inclui a imposição do barrete cardinalício, a entrega do anel e a atribuição do título. Trata-se das palavras com que Jesus constituiu, eficazmente, Pedro como firme alicerce da Igreja. E o factor qualificativo deste alicerce é a fé: realmente Simão torna-se Pedro – rocha – por ter professado a sua fé em Jesus, Messias e Filho de Deus. Quando anuncia Cristo, a Igreja está ligada a Pedro, e Pedro permanece colocado na Igreja como rocha; mas, quem edifica a Igreja, é o próprio Cristo, sendo Pedro um elemento particular da construção. E deve sê-lo por meio da fidelidade à sua confissão feita junto de Cesareia de Filipe, ou seja, em virtude da afirmação: «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo».

As palavras, que Jesus dirige a Pedro, põem claramente em destaque o carácter eclesial da celebração de hoje. De facto, através da atribuição do título duma igreja desta Cidade [de Roma] ou duma diocese suburbicária, os novos Cardeais ficam, para todos os efeitos, inseridos na Igreja de Roma guiada pelo Sucessor de Pedro, para cooperar estreitamente com ele no governo da Igreja universal. Estes dilectos Irmãos, que dentro de momentos começarão a fazer parte do Colégio Cardinalício, unir-se-ão, por vínculos novos e mais fortes, não só com o Pontífice Romano mas também com toda a comunidade dos fiéis espalhada pelo mundo inteiro. Com efeito, no desempenho do seu peculiar serviço de apoio ao ministério petrino, os neo-purpurados serão chamados a analisar e avaliar os casos, os problemas e os critérios pastorais que dizem respeito à missão da Igreja inteira. Nesta delicada tarefa, servir-lhes-á de exemplo e ajuda o testemunho de fé prestado pelo Príncipe dos Apóstolos, com a sua vida e morte, pois, por amor de Cristo, deu-se inteiramente até ao sacrifício extremo.

É com este significado que se deve entender também a imposição do barrete vermelho. Aos novos Cardeais, é confiado o serviço do amor: amor a Deus, amor à sua Igreja, amor aos irmãos com dedicação absoluta e incondicional – se for necessário – até ao derramamento do sangue, como diz a fórmula para a imposição do barrete cardinalício e como indica a cor vermelha das vestes que trazem. Além disso, é-lhes pedido que sirvam a Igreja com amor e vigor, com a clareza e a sabedoria dos mestres, com a energia e a fortaleza dos pastores, com a fidelidade e a coragem dos mártires. Trata-se de ser servidores eminentes da Igreja, que encontra em Pedro o fundamento visível da unidade.

No texto evangélico há pouco proclamado, Jesus apresenta-Se como servo, oferecendo-Se como modelo a imitar e a seguir. No cenário de fundo do terceiro anúncio da paixão, morte e ressurreição do Filho do Homem, sobressai, pelo seu clamoroso contraste, a cena dos dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, que, ao lado de Jesus, ainda correm atrás de sonhos de glória. Pediram-Lhe: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda» (
Mc 10,37). Contundente é a resposta de Jesus, e inesperada a sua pergunta: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo?» (Mc 10,38). A alusão é claríssima: o cálice é o da paixão, que Jesus aceita para cumprir a vontade do Pai. O serviço a Deus e aos irmãos, a doação de si mesmo: esta é a lógica que a fé autêntica imprime e gera na nossa existência quotidiana, mas que está em contradição com o estilo mundano do poder e da glória.

Com o seu pedido, Tiago e João mostram que não compreendem a lógica de vida que Jesus testemunha, aquela lógica que deve – segundo o Mestre –caracterizar o discípulo no seu espírito e nas suas acções. E a lógica errada não reside só nos dois filhos de Zebedeu, mas, segundo o evangelista, contagia também «os outros dez» apóstolos, que «começaram a indignar-se contra Tiago e João» (Mc 10,41). Indignam-se, porque não é fácil entrar na lógica do Evangelho, deixando a do poder e da glória. São João Crisóstomo afirma que ainda eram imperfeitos os apóstolos todos: tanto os dois que procuravam obter precedência sobre os outros dez, como os dez que tinham inveja dos dois (cf. Comentário a MT 65,4, PG 58, 622). E São Cirilo de Alexandria, ao comentar passagens paralelas no Evangelho de Lucas, acrescenta: «Os discípulos caíram na fraqueza humana e puseram-se a discutir uns com os outros qual deles seria o chefe, ficando superior aos outros. (…) Isto aconteceu e foi-nos narrado para nosso proveito. (…) O que sucedeu aos santos Apóstolos pode revelar-se, para nós, um estímulo à humildade» (Comentário a LC 12, 5, 24: PG 72,912). Este episódio deu ocasião a Jesus para Se dirigir a todos os discípulos e «chamá-los a Si», de certo modo para os estreitar a Si, a fim de formarem como que um corpo único e indivisível com Ele, e indicar qual é a estrada para se chegar à verdadeira glória, a de Deus: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo, e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos» (Mc 10,42-44).

Domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dom, lucro e gratuidade: estas lógicas, profundamente contrastantes, defrontam-se em todo o tempo e lugar. Não há dúvida alguma sobre a estrada escolhida por Jesus: e não Se limita a indicá-la por palavras aos discípulos de ontem e de hoje, mas vive-a na sua própria carne. Efectivamente explica: «Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua via em resgate por muitos» (Mc 10,45). Estas palavras iluminam, com singular intensidade, o Consistório público de hoje. Ecoam no fundo da alma e constituem um convite e um apelo, um legado e um encorajamento especialmente para vós, amados e venerados Irmãos que estais para ser incluídos no Colégio Cardinalício.

Segundo a tradição bíblica, o Filho do Homem é aquele que recebe de Deus o poder e o domínio (cf. Dn Da 7,13-14). Jesus interpreta a sua missão na terra, sobrepondo à figura do Filho do Homem a imagem do Servo sofredor descrita por Isaías (cf. Is 53,1-12). Ele recebe o poder e a glória apenas enquanto «servo»; mas é servo na medida em que assume sobre Si o destino de sofrimento e de pecado da humanidade inteira. O seu serviço realiza-se na fidelidade total e na plena responsabilidade pelos homens. Por isso, a livre aceitação da sua morte violenta torna-se o preço de libertação para muitos, torna-se o princípio e o fundamento da redenção de cada homem e de todo o género humano.

Amados Irmãos que estais para ser inscritos no Colégio Cardinalício! Que a doação total de Si mesmo, feita por Cristo na cruz, vos sirva de norma, estímulo e força para uma fé que actua na caridade. Que a vossa missão na Igreja e no mundo se situe sempre e só «em Cristo» e corresponda à sua lógica e não à do mundo, sendo iluminada pela fé e animada pela caridade que nos vem da Cruz gloriosa do Senhor. No anel que daqui a pouco vos entregarei, aparecem representados São Pedro e São Paulo e, no centro, uma estrela que evoca Nossa Senhora. Trazendo este anel, sois convidados diariamente a recordar o testemunho de Cristo que os dois Apóstolos deram até ao seu martírio aqui em Roma, tornando assim fecunda a Igreja com o seu sangue. Por sua vez a evocação da Virgem Maria constituirá para vós um convite incessante a seguir Aquela que permaneceu firme na fé e serva humilde do Senhor.

1447 Ao concluir esta breve reflexão, quero dirigir a minha grata e cordial saudação a todos vós aqui presentes, particularmente às Delegações oficiais de diversos Países e aos Representantes de numerosas dioceses. No seu serviço, os novos Cardeais são chamados a permanecer fiéis a Cristo, deixando-se guiar unicamente pelo seu Evangelho. Amados irmãos e irmãs, rezai para que possa reflectir-se ao vivo neles o Senhor Jesus, o nosso único Pastor e Mestre e a fonte de toda a sabedoria que indica a estrada a todos. E rezai também por mim, para que sempre possa oferecer ao Povo de Deus o testemunho da doutrina segura e reger, com suave firmeza, o timão da santa Igreja.

Amen.





AOS NOVOS CARDEAIS, COM SEUS FAMILIARES E OS PEREGRINOS VINDOS PARA O CONSISTÓRIO Sala Paulo VI Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2012

20212

Senhores Cardeais
Amados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Prezados irmãos e irmãs

É com grande alegria que me encontro convosco, familiares e amigos dos novos Cardeais, no dia seguinte às solenes celebrações do Consistório, durante o qual estes vossos amados Pastores foram chamados a fazer parte do Colégio cardinalício. Assim, é-me oferecida a possibilidade de transmitir de modo mais directo e íntimo a minha cordial saudação a todos e, em particular, as minhas felicitações e os meus bons votos aos novos Purpurados. O acontecimento tão importante e sugestivo do Consistório seja, para vós aqui presentes e para quantos estão ligados de várias formas aos novos Cardeais, motivo e estímulo a estreitar-vos com afecto ao seu redor: senti-vos ainda mais próximos do seu coração e do seu anseio apostólica; escutai com viva esperança as suas palavras de Pais e Mestres. Permanecei unidos a eles e entre vós na fé e na caridade, para serdes testemunhas de Cristo cada vez mais fervorosas e intrépidas.

Saúdo-vos antes de tudo a vós, dilectos Purpurados da Igreja que está na Itália! O Cardeal Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos; o Cardeal António Maria Vegliò, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes; o Cardeal Giuseppe Bertello, Presidente da Pontifícia Comissão para o Estato da Cidade do Vaticano e Presidente do Governatorado do mesmo Estado; o Cardeal Francesco Coccopalmerio, Presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos; o Cardeal Domenico Calcagno, Presidente da Administração do Património da Sé Apostólica; o Cardeal Giuseppe Versaldi, Presidente da Prefeitura para os Assuntos Económicos da Santa Sé; e, enfim, o Cardeal Giuseppe Betori, Arcebispo de Florença. Venerados Irmãos, o afecto e a oração de tantas pessoas que vos são queridas vos sustentem no vosso serviço à Igreja, a fim de que cada um de vós possa oferecer um testemunho generoso do Evangelho da verdade e da caridade.

1448 Saúdo cordialmente os peregrinos francófonos e, de modo mais particular, os belgas que acompanharam o Senhor Cardeal Julien Ries. Possa a nossa lealdade a Cristo ser firme e decidida, a fim de tornar credível o nosso testemunho. A nossa sociedade, que conhece momentos de incerteza e de dúvida, precisa da luminosidade de Cristo. Que cada cristão dê testemunho disto com fé e coragem, e o tempo de Quaresma que se aproxima permita voltar para Deus. Boa peregrinação a todos!

É-me grato transmitir uma calorosa saudação aos Prelados anglófonos, que tive a alegria de elevar à dignidade cardinalícia no Consistório de sábado: o Cardeal Edwin Frederick O’Brien, Grão-Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém; o Cardeal George Alencherry, Arcebispo-Mor de Ernakulam-Angamaly dos Sírio-Malabares (Índia); o Cardeal Thomas Christopher Collins, Arcebispo de Toronto (Canadá); o Cardeal Timothy Michael Dolan, Arcebispo de Nova Iorque (Estados Unidos da América); o Cardeal John Tong Hon, Bispo de Hong Kong (República Popular da China); o Cardeal Prosper Grech, O.S.A., Professor emérito de várias Universidades romanas e Consultor da Congregação para a Doutrina da Fé.

Dirijo também uma cordial saudação aos familiares e amigos que hoje se uniram a eles. Peço-vos que continueis a apoiar os novos Cardeais mediante as vossas orações, enquanto eles assumem as suas importantes responsabilidades ao serviço da Sé Apostólica.

Dirijo uma cordial saudação aos novos Purpurados de língua alemã: o Cardeal Rainer Maria Woelki, Arcebispo de Berlim; e o Cardeal Karl Josef Becker, da Companhia de Jesus. Asseguro-lhes o meu afecto e a minha oração pelo serviço particular que lhes foi confiado na Igreja universal, enquanto os recomendo à salvaguarda de Maria, Mãe da Igreja.

Saúdo com alegria também os familiares e os amigos, os peregrinos das suas Dioceses de Berlim e de Colónia, os colaboradores nas várias Instituições eclesiais, os representantes da política e da vida pública, assim como todos os compatriotas que vieram a Roma para este Consistório. Desejo confiar também à vossa oração os novos Cardeais a fim de que, em conformidade com o símbolo da púrpura de que agora eles se revestem, trabalhem como testemunhas da verdade, dispostos ao sacrifício e como fiéis colaboradores do Sucessor de Pedro.

Saúdo com afecto o Cardeal Santos Abril y Castelló, Arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior, assim como os seus familiares, os Bispos, sacerdotes, religiosos e leigos vindos especialmente da Espanha para esta ocasião. Convido-os todos a acompanhar com as suas preces e proximidade espiritual os novos membros do Colégio cardinalício a fim de que, repletos de amor a Deus e estreitamente unidos ao Sucessor de Pedro, continuem a missão espiritual e apostólica em plena fidelidade ao Evangelho.

Saúdo os novos Cardeais de língua portuguesa, com seus familiares, amigos e colaboradores, e ainda os diversos representantes da comunidade eclesial e civil, para quem redunda também a honra que acaba de ser conferida ao Cardeal João Braz de Aviz, que guia a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, e ao Cardeal Manuel Monteiro de Castro, que preside à Penitenciaria Apostólica. À Virgem Mãe, confio vossas vidas devotadas ao serviço da unidade e da santidade do Povo de Deus.

Dirijo uma saudação afectuosa ao novo Cardeal Dominik Duka e a todos vós fiéis vindos da República Checa para participar na sua alegria. Estes dias de festa e de oração suscitem em vós um renovado amor a Cristo e à sua Igreja. Concedo a todos a minha Bênção! Louvados sejam Jesus e Maria!

Saúdo o Cardeal Willem Jacobus Eijk, Arcebispo de Utrecht, e os fiéis que o acompanham. Faço votos a fim de que estes dias de espiritualidade fervorosa suscitem em cada um, um amor renovado a Cristo e à Igreja. Continuai a sustentar o vosso Arcebispo com a oração, a fim de que possa continuar a guiar com zelo pastoral o povo que lhe foi confiado.

Saúdo com alegria Sua Beatitude Lucian Muresan e todos vós, fiéis da Roménia, que quisestes estreitar-vos ao redor do vosso amado Pastor, que eu criei Cardeal. Juntamente convosco saúdo todo o povo romeno e a vossa Pátria, agora ainda mais unida à Sé de São Pedro! A minha Bênção vos sustente sempre!

Caros amigos, mais uma vez obrigado pela vossa presença significativa. A criação de novos Cardeais é ocasião para meditar sobre a missão universal da Igreja na história dos homens: nas vicissitudes humanas, com frequência tão agitadas e contrastantes, a Igreja está sempre viva e presente, levando Cristo, luz e esperança de toda a humanidade. Permanecer unido à Igreja e à mensagem de salvação que ela difunde significa alicerçar-se na Verdade, fortalecer o sentido dos valores autênticos e permanecer tranquilo diante de todos os acontecimentos. Portanto, exorto-vos a permanecer sempre unidos aos vossos Pastores, assim como aos novos Cardeais, para estar em comunhão com a Igreja. A unidade na Igreja é dom divino a defender e fazer crescer. À salvaguarda da Mãe de Deus e dos Apóstolos Pedro e Paulo confio todos vós, Venerados Irmãos Cardeais, bem como os fiéis que vos acompanham. Com estes sentimentos, concedo-vos de coração a minha Bênção!



ENCONTRO COM O CLERO DA DIOCESE DE ROMA NO INÍCIO DA QUARESMA

LECTIO DIVINA

Sala Paulo VI
1449 Quinta-feira, 23 de Fevereiro de 2012




Queridos irmãos!

É para mim uma grande alegria ver todos os anos, no início da Quaresma, o meu clero, o clero de Roma, e é agradável ver como somos hoje numerosos. Pensava que nesta grande sala teríamos sido um grupo disperso, mas vejo que somos um forte exército de Deus e podemos entrar com vigor neste nosso tempo, nas batalhas necessárias para promover, para fazer com que o Reino de Deus vá em frente. Entramos ontem pela porta da Quaresma, renovamento anual do nosso Baptismo; repetimos quase o nosso catecumenado, indo de novo à profundidade do nosso ser baptizados, retomando, voltando ao nosso ser baptizados e assim incorporados em Cristo. Deste modo, podemos também procurar guiar as nossas comunidades de novo nesta comunhão íntima com a morte e ressurreição de Cristo, tornar-nos cada vez mais conformes com Cristo, tornar-nos cada vez mais realmente cristãos.

O trecho da Carta de são Paulo aos Efésios que ouvimos (4, 1-16) é um dos grandes textos eclesiais do Novo Testamento. O autor começa com a sua apresentação: «Eu, Paulo, preso por causa do Senhor» (v. 1). A palavra grega desmios diz «encadeado»: Paulo, como um criminal, está em cadeias, encadeado por Cristo. Este é o primeiro elemento da auto-apresentação: ele diz encadeado, fala na comunhão da paixão de Cristo e deste modo está em comunhão também com a ressurreição de Cristo, com a sua nova vida. Nós, quando falamos, devemos falar sempre em comunhão com a sua paixão e aceitar também as nossas paixões, os nossos sofrimentos e provações, neste sentido: são precisamente provas da presença de Cristo, que Ele está connosco e que nos encaminhamos, em comunhão com a sua paixão, para a novidade da vida, para a ressurreição. «Encadeado», portanto, é primeiro uma palavra da teologia da cruz, da comunhão necessária de qualquer evangelização, de cada pastor com o Pastor supremo, que nos remiu «entregando-se», sofrendo por nós. O amor é sofrimento, é doar-se, é perder-se, e precisamente deste modo é fecundo. Mas assim, no elemento exterior das cadeias da liberdade que já não está presente, aparece e transparece também outro aspecto: a verdadeira cadeia que liga Paulo a Cristo é a cadeia do amor: «Encadeado por amor»: um amor que dá liberdade, um amor que o torna capaz de fazer presente a Mensagem de Cristo e o próprio Cristo. E isto deveria ser, também para todos nós, a última cadeia que nos liberta, ligados com a cadeia do amor a Cristo. Deste modo encontramos a liberdade e o verdadeiro caminho da vida, e podemos, com o amor de Cristo, guiar para este amor, que é a alegria, a liberdade, também os homens que nos estão confiados.

E depois diz «exorto» (cf 4, 1): sua tarefa é exortar, mas não é uma admoestação moralista. Exorto da comunhão com Cristo; é o próprio Cristo, por fim, que exorta, que convida com o amor de um pai e de uma mãe. «Comportai-vos de maneira digna da chamada que recebestes» (v. 1); ou seja, primeiro elemento: recebemos uma chamada. Eu não sou anónimo ou sem sentido no mundo: há uma chamada, há uma voz que me chamou, uma voz que sigo. E a minha vida deveria ser um entrar cada vez mais profundamente no caminho da chamada, seguir esta voz e deste modo encontrar o verdadeiro caminho e guiar os outros por este caminho.

Sou «chamado com uma chamada». Diria que temos a grande primeira chamada do Baptismo, de ser com Cristo; a segunda grande chamada de ser Pastores ao seu serviço, e devemos estar cada vez mais em escuta desta chamada, de modo a poder chamar, ou melhor, ajudar também outros para que sintam a voz do Senhor que chama. O grande sofrimento da Igreja de hoje na Europa e no Ocidente é a falta de vocações sacerdotais, mas o Senhor chama sempre, falta quem ouve. Nós ouvimos a sua voz e devemos estar atentos à voz do Senhor também para outros, ajudar para que haja quem ouve, e assim a chamada seja aceite, se abra um caminho da vocação para ser Pastores com Cristo. São Paulo volta sobre esta palavra «chamada» no final deste primeiro parágrafo, e fala de uma vocação, de uma chamada à esperança – a própria chamada é esperança – e deste modo demonstra as dimensões da chamada: não é só individual, a chamada já é um fenómeno dialógico, um fenómeno no «nós»; no «eu» e no «tu» e no «nós». «Chamada à esperança». Vemos assim as dimensões da chamada; elas são três. Chamada, por fim, segundo este texto, para Deus. Deus é o fim; no final chegamos simplesmente a Deus e todo o caminho é um caminho rumo a Deus. Mas este caminho rumo a Deus nunca é isolado, nunca é um caminho só no «eu», é um caminho rumo ao futuro, à renovação do mundo, é um caminho no «nós» dos chamados que chamam outros, que lhes faz ouvir esta chamada. Por isso a chamada é sempre também uma vocação eclesial. Ser fiéis à chamada do Senhor abrange a descoberta deste «nós» no qual e para o qual somos chamados, assim como ir juntos e realizar as virtudes necessárias. A «chamada» implica a eclesialidade, por conseguinte, a dimensão vertical e horizontal, que caminham inseparavelmente juntas, engloba a eclesialidade no sentido de se deixar ajudar para o «nós» e de construir este «nós» da Igreja. Neste sentido, são Paulo ilustra a chamada com esta finalidade: um Deus único, só, mas com esta direcção rumo ao futuro; a esperança no «nós» dos que têm esperança, que amam dentro da esperança, com algumas virtudes que são precisamente os elementos do caminhar juntos.

A primeira é: «com toda a humildade» (
Ep 4,2). Gostaria de me deter um pouco mais sobre esta virtude porque o catálogo das virtudes pré-cristãs não a contém; é uma virtude nova, a virtude do seguimento de Cristo. Pensemos na Carta aos Filipenses, no capítulo dois: Cristo, sendo igual a Deus, humilhou-se, aceitando a forma de servo e obedecendo até à cruz (cf. Ph 2,6-8). Este é o caminho da humildade do Filho que devemos imitar. Seguir Cristo significa entrar neste caminho da humildade. O texto grego diz tapeinophrosyne (cf. Ef Ep 4,2): não pensar em grande para si mesmos, ter a medida justa. Humildade. O contrário da humildade é a soberba, como raiz de todos os pecados. A soberba que é arrogância, que quer sobretudo poder, aparência, aparecer aos olhos dos outros, ser alguém ou alguma coisa, não tenciona agradar a Deus, mas agradar a si próprio, ser aceite pelos demais e — digamos — venerados pelos outros. O «eu» no centro do mundo: trata-se do meu eu soberbo, que sabe tudo. Ser cristão significa superar esta tentação originária, que é também o núcleo do pecado original: ser como Deus, mas sem Deus; ser cristão é ser verdadeiro, sincero, realista. A humildade é sobretudo verdade, viver na verdade, aprender a verdade, aprender que a minha pequenez é precisamente a grandeza, porque assim sou importante para o grande tecido da história de Deus com a humanidade. Precisamente reconhecendo que eu sou um pensamento de Deus, da construção do seu mundo, e sou insubstituível, precisamente assim, na minha pequenez, e só deste modo, sou grande. Este é o início do ser cristão: é viver a verdade. E só vivo bem se viver a verdade, o realismo da minha vocação pelos outros, com os outros, no corpo de Cristo. Viver contra a verdade é sempre viver mal. Vivamos a verdade! Aprendamos este realismo: não querer aparecer, mas querer agradar a Deus e fazer quanto Deus pensou de mim e para mim, e deste modo aceitar também o outro. O aceitar o outro, que talvez seja maior do que eu, supõe precisamente este realismo e o amor à verdade; supõe aceitar-me a mim mesmo como «pensamento de Deus»; tal como sou, nos meus limites e, desta forma, na minha grandeza. A aceitação de si e do outro caminham juntas: só aceitando-me a mim no grande tecido divino posso aceitar também os outros, que formam comigo a grande sinfonia da Igreja e da criação. Eu penso que as pequenas humilhações, que temos que viver dia a dia, são saudáveis, porque ajudam cada um a reconhecer a própria verdade e deste modo a libertar-nos desta vanglória que vai contra a verdade e não me pode fazer feliz e bom. Aceitar e aprender isto, e assim aprender a aceitar a minha posição na Igreja, o meu pequeno serviço como grande aos olhos de Deus. E precisamente esta humildade, este realismo, torna livres. Se sou arrogante, se sou soberbo, pretendo agradar sempre e se não consigo sou miserável, sou infeliz e devo procurar sempre este agradar. Ao contrário, quando sou humilde tenho a liberdade também de estar em contraste com uma opinião prevalecente, com pensamentos de outros, porque a humildade me dá a capacidade, a liberdade da verdade. E assim, diria, peçamos ao Senhor que nos ajude, nos ajude a ser realmente construtores da comunidade da Igreja: que cresça, que nós mesmos cresçamos na grande visão de Deus, do «nós», e sejamos membros do Corpo de Cristo, pertencentes assim, em unidade, ao Filho de Deus.

A segunda virtude — mas sejamos mais breves — é a «doçura», diz a tradução italiana (Ep 4,2), em grego é praus, ou seja, «doce, manso»; e também esta é uma virtude cristológica como a humildade, que é seguir Cristo por este caminho de humildade. Assim também praus, ser doce, ser manso, é seguimento de Cristo que diz: Vinde a mim, que sou manso de coração (cf. Mt 11,29). Isto não significa debilidade. Cristo também pode ser duro, se necessário, mas sempre com um coração bom, permanece sempre visível a bondade, a mansidão. Na Sagrada Escritura, algumas vezes, «manso» é simplesmente o nome dos crentes, do pequeno rebanho dos pobres que, em todas as provas, permanecem humildes e firmes na comunhão do Senhor: procurar esta mansidão, que é o contrário da violência. A terceira bem-aventurança. O Evangelho de são Mateus diz: felizes os mansos, porque possuirão a terra (cf. Mt 5,5). Não são os violentos que possuem a terra, no final permanecem os mansos: eles têm a grande promessa, e assim nós devemos ter a certeza da promessa de Deus, da mansidão que é mais forte que a violência. Nesta palavra da mansidão esconde-se o contraste com a violência: os cristãos são os não violentos, são os opositores da violência.

E são Paulo prossegue: «com magnanimidade» (Ep 4,2): Deus é magnânimo. Não obstante a nossa debilidade e os nossos pecados, começa sempre de novo connosco. Perdoa-me, mesmo se sabe que amanhã cairei de novo no pecado; distribui os seus dons, mesmo sabendo que muitas vezes somos administradores insuficientes. Deus é magnânimo, de grande coração, confia-nos a sua bondade. E esta magnanimidade, esta generosidade, faz precisamente parte deste seguimento de Cristo, de novo.

Por fim, «suportando-vos uns aos outros no amor» (Ep 4,2); parece-me que precisamente a humildade dá origem esta capacidade de aceitar o outro. A alteridade do outro é sempre um peso. Por que o outro é diferente? Mas precisamente esta diferença, esta alteridade é necessária para a beleza da sinfonia de Deus. E devemos, precisamente com a humildade na qual reconheço os meus limites, a minha alteridade em relação ao outro, o peso que eu sou para o outro, tornar-nos capazes não só de suportar o outro, mas, com amor, encontrar precisamente na alteridade também a riqueza do seu ser e das ideias e da fantasia de Deus.

1450 Portanto, tudo isto serve como virtude eclesial para a construção do Corpo de Cristo, que é o Espírito de Cristo, para que se torne de novo exemplo, de novo corpo, e cresça. Paulo diz isto depois em concreto, afirmando que toda esta variedade dos dons, dos temperamentos, do ser homem, serve à unidade (cf. Ef Ep 4,11-13). Todas estas virtudes são também virtudes da unidade. Por exemplo, para mim é muito significativo que a primeira Carta depois do Novo Testamento, a Primeira Carta de Clemente, seja dirigida a uma comunidade, a dos Coríntios, dividida e sofredora pela divisão (cf. PG 1,201-328). Nesta Carta, precisamente a palavra «humildade» é uma palavra-chave: estão divididos porque falta a humildade, a falta de humildade destrói a unidade. A humildade é uma virtude fundamental da unidade e só assim a unidade do Corpo de Cristo cresce e nos tornarmos realmente unidos e recebemos a riqueza e a beleza da unidade. Por isso, é lógico que o elenco destas virtudes, que são virtudes eclesiais, cristológicas, virtudes da unidade, se oriente para a unidade explícita: «um só Senhor, uma só fé, um só Baptismo. Um só Deus e Pai de todos» (Ep 4,5). Uma só fé e um só Baptismo, como realidade concreta da Igreja que está sob o único Senhor.

Baptismo e fé são inseparáveis. O Baptismo é o Sacramento da fé e a fé tem um dúplice aspecto. É um acto profundamente pessoal: eu conheço Cristo, encontro-me com Cristo e dou-lhe confiança. Pensemos na mulher que toca as suas vestes na esperança de ser salva (cf. Mt 9,20-21); confia totalmente n'Ele e o Senhor diz: A tua fé te salvou, porque acreditaste (cf. Mt 9,22). Também aos leprosos, ao único que volta, diz: a tua fé te salvou (cf. Lc 17,19). Portanto, inicialmente a fé é sobretudo um encontro pessoal, um tocar as vestes de Cristo, um ser tocado por Cristo, estar em contacto com Cristo, confiar no Senhor, ter e encontrar o amor de Cristo e, no amor de Cristo, também a chave da verdade, da universalidade. Mas precisamente por isto, porque chave da universalidade do único Senhor, esta fé não é só um acto pessoal de confiança, mas um acto que tem um conteúdo. A fides qua exige a fides quae, o conteúdo da fé, e o Baptismo expressa este conteúdo: a fórmula trinitária é o elemento substancial do credo dos cristãos. Ele, em si, é um «sim» a Cristo, e assim ao Deus Trinitário, com esta realidade, com este conteúdo que me une a este Senhor, a este Deus, que tem este Rosto: vive como Filho do Pai na unidade do Espírito Santo e na comunhão do Corpo de Cristo. Por conseguinte, isto parece-me muito importante: a fé tem um conteúdo e não é suficiente, não é um elemento de unificação se este conteúdo da única fé não existe nem for vivido e confessado.

Por isso, «Ano da Fé», Ano do Catecismo — para ser muito prático – estão imprescindivelmente relacionados. Só renovaremos o Concílio se renovarmos o conteúdo — depois condensado de novo — do Catecismo da Igreja Católica. E um grande problema da Igreja actual é a falta de conhecimento da fé, é o «analfabetismo religioso», como disseram os Cardeais na sexta-feira passada sobre esta realidade. «Analfabetismo religioso»; e com este analfabetismo não podemos crescer, a unidade não pode crescer. Por isso, nós mesmos devemos apropriar-nos de novo deste conteúdo, como riqueza da unidade e não como uma confecção de dogmas e mandamentos, mas como uma realidade única que se revela na sua profundidade e beleza. Devemos fazer o possível por um renovamento catequético, para que a fé seja conhecida e assim Deus seja conhecido, Cristo seja conhecido, a verdade seja conhecida e cresça a unidade na verdade.

Depois todas estas unidades acabam em: «um só Deus e Pai de todos». Tudo isto não é humildade, tudo isto não é fé comum, destrói a unidade, destrói a esperança e torna invisível o Rosto de Deus. Deus é Uno e Único. O monoteísmo era o grande privilégio de Israel, que conheceu o único Deus, e permanece elemento constitutivo da fé cristã. O Deus Trinitário — sabemo-lo — não são três divindades, mas é um único Deus; e vemos melhor o que significa unidade: unidade é unidade do amor. É assim: precisamente porque é o círculo de amor, Deus é Uno e Único.

Para Paulo, como vimos, a unidade de Deus identifica-se com a nossa esperança. Por quê? De que modo? Porque a unidade de Deus é esperança, porque ela nos garante que, no final, não há diversos poderes, no final não há dualismo entre poderes diversos e contrastantes, no final não permanece a cabeça do dragão que se poderia levantar contra Deus, não permanece a imundície do mal e do pecado. No final permanece só a luz! Deus é único e é o único Deus: não há outro poder contra Ele! Sabemos que hoje, com os males sempre em crescimento que vivemos no mundo, muitos duvidam da Omnipotência de Deus; aliás, diversos teólogos — até bons — dizem que Deus não seria Omnipotente, porque tudo o que vemos no mundo não seria compatível com a omnipotência; e assim eles querem criar uma nova apologia, desculpar Deus e «desculpar» Deus destes males. Mas esta não é a maneira justa, porque se Deus não é Omnipotente, se existem e permanecem outros poderes, não é verdadeiramente Deus e não é esperança, porque no final permaneceria o politeísmo, permaneceria a luta, o poder do mal. Deus é Omnipotente, o único Deus. É claro, na história foi dado um limite à sua omnipotência, reconhecendo a nossa liberdade. Mas enfim tudo volta e não permanece outro poder; esta é a esperança: que a luz vence, o amor vence! No final não permanece a força do mal, só Deus permanece! E deste modo estamos no caminho da esperança, caminhando rumo à unidade do único Deus, que se revelou mediante o Espírito Santo, no único Senhor, Cristo.

Depois desta grande visão, são Paulo entra um pouco nos pormenores e diz de Cristo: «Tendo subido ao céu levou consigo os presos, distribuiu dons aos homens» (Ep 4,8). O Apóstolo cita o Salmo 68, que descreve de modo poético a subida de Deus com a Arca da Aliança rumo às alturas, rumo ao cimo do Monte Sião, rumo ao templo: Deus como vencedor que superou os outros, que são prisioneiros e, como um verdadeiro vencedor, distribui dons. O Judaísmo viu nisto uma imagem de Moisés, que sobe para o monte Sinai para receber nas alturas a vontade de Deus, os Mandamentos, não considerados como peso, mas como o dom de conhecer o Rosto de Deus, a vontade de Deus. Por fim, Paulo vê nisto uma imagem da ascensão de Cristo que sobe para o alto depois de ter descido; sobe e atrai a humanidade para Deus, encontra lugar para a carne e para o sangue no próprio Deus; atrai-nos para a altura do seu ser Filho e liberta-nos da prisão do pecado, torna-nos livres porque é vencedor. Sendo vencedor, Ele distribui os dons. E assim chegamos da ascensão de Cristo à Igreja. Os dons são a charis como tal, a graça: estar na graça, no amor de Deus. E depois os carismas que concretizam a charis em cada uma das funções e missões: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres para assim edificar o Corpo de Cristo (cf. Ef Ep 4,11).

Não pretendo entrar agora numa exegese pormenorizada. É muito debatido o significado de apóstolos, profetas... Contudo, podemos dizer que a Igreja está construída sobre o fundamento da fé apostólica, que está sempre presente: os Apóstolos, na sucessão apostólica, estão presentes nos Pastores, que somos nós, pela graça de Deus e não obstante toda a nossa pobreza. E estamos gratos a Deus que nos quis chamar para estar na sucessão apostólica e continuar a edificar o Corpo de Cristo. Aqui surge um elemento que parece importante: os ministérios — os chamados ministérios — são chamados «dons de Cristo», são carismas, isto é, não há esta oposição: por um lado o ministério, como uma coisa jurídica, e por outro os carismas, como dom profético, vivaz, espiritual, como presença do Espírito e da sua novidade. Não! Precisamente os ministérios são dons do Ressuscitado e são carismas, são articulações da sua graça: não se pode ser sacerdote sem ser carismático. Ser sacerdote é um carisma. Devemos ter isto — parece-me — presente: ser chamado ao sacerdócio, ser chamado com um dom do Senhor, com um carisma do Senhor. E assim, inspirados pelo seu Espírito, devemos procurar viver este nosso carisma. Só deste modo penso que se possa compreender que a Igreja no Ocidente relacionou inseparavelmente sacerdócio e celibato; estar numa existência escatológica rumo ao último destino da nossa esperança, rumo a Deus. Precisamente porque o sacerdócio é um carisma e deve estar também relacionado com um carisma: se não fosse isto mas apenas uma coisa jurídica, seria absurdo impor um carisma, que seja um verdadeiro carisma; mas se o próprio sacerdócio é carisma, é normal que conviva com o carisma, com o estado carismático da vida escatológica.

Peçamos ao Senhor para que nos ajude a compreender isto cada vez mais, a viver cada vez mais no carisma do Espírito Santo e assim a viver também este sinal escatológico da fidelidade ao Senhor Único, que é necessário precisamente para o nosso tempo, com a fragmentação do matrimónio e da família, que se podem compor só na luz desta fidelidade à única chamada do Senhor.

Um último ponto. São Paulo fala do crescimento do homem perfeito, que alcança a medida da plenitude de Cristo: já não seremos crianças à mercê das ondas, transportados por qualquer vento de doutrina (cf. Ef Ep 4,13-14). «Ao contrário, agindo segundo a verdade na caridade, procuremos crescer em todas as coisas, tendendo para Ele» (Ep 4,15). Não se pode viver numa meninice espiritual, numa meninice de fé: infelizmente, neste nosso mundo, vemos esta meninice. Muitos, depois da primeira catequese, não foram mais além; talvez tenha ficado este núcleo, talvez se tenha também destruído. E de resto, eles estão nas ondas do mundo e nada mais; não podem como adultos, com competência e profunda convicção, expor e tornar presente a filosofia da fé — por assim dizer — a grande sabedoria, a racionalidade da fé, que abre os olhos também dos outros, que abre os olhos precisamente para quanto é bom e verdadeiro no mundo. Falta este ser adultos na fé e permanece a meninice na fé.

Sem dúvida, nestes últimos decénios, vivemos também outro uso da expressão «fé adulta». Fala-se de «fé adulta», ou seja, emancipada do Magistério da Igreja. Enquanto estou sob a protecção da mãe, sou criança, devo emancipar-me; emancipado do Magistério, finalmente sou adulto. Mas o resultado não é uma fé adulta, o resultado é a dependência das ondas do mundo, das opiniões do mundo, da ditadura dos meios de comunicação, da opinião que todos pensam e querem. Não é verdadeira emancipação, a emancipação da comunhão do Corpo de Cristo! Ao contrário, é cair sob a ditadura das ondas, do vento do mundo. A verdadeira emancipação é precisamente libertar-se desta ditadura, na liberdade dos filhos de Deus que crêem juntos no Corpo de Cristo, com Cristo Ressuscitado, e vêem assim a realidade, e são capazes de responder aos desafios do nosso tempo.

Parece-me que devemos rezar muito ao Senhor, para que nos ajude a ser emancipados neste sentido, livres neste sentido, com uma fé realmente adulta, que vê, deixa ver e pode ajudar também os outros a chegar à verdadeira perfeição, à verdadeira idade adulta, em comunhão com Cristo.

1451 Neste contexto há a bonita expressão da aletheuein en te agape, ser verdadeiros na caridade, viver a verdade, ser verdade na caridade: os dois conceitos caminham juntos. Hoje o conceito de verdade é um pouco suspeito porque se combina verdade com violência. Infelizmente na história verificaram-se também episódios com os quais se procurava defender a verdade com a violência. Mas as duas são contrárias. A verdade não se impõe com outros meios, mas só por si mesma! A verdade só pode chegar através de si mesma, da própria luz. Mas precisamos da verdade; sem verdade não conhecemos os verdadeiros valores e como poderíamos ordenar o kosmos dos valores? Sem verdade somos cegos no mundo, não temos caminho. O grande dom de Cristo é precisamente que vemos o Rosto de Deus e, mesmo se de forma enigmática, muito insuficiente, conhecemos o fundo, o essencial da verdade em Cristo, no seu Corpo. E conhecendo esta verdade, crescemos também na caridade que é a legitimação da verdade e nos mostra que é a verdade. Diria que precisamente a caridade é o fruto da verdade — conhece-se a árvore pelos frutos — e se não há caridade, também a verdade não é precisamente apropriada, vivida; e onde há a verdade, nasce a caridade. Graças a Deus, vemo-lo em todos os séculos: não obstante os factos negativos, o fruto da caridade sempre esteve presente na cristandade e está também hoje! Vemo-lo nos mártires, em tantas irmãs, frades e sacerdotes que servem humildemente os pobres, os doentes, que são presença da caridade de Cristo. E deste modo são o grande sinal que aqui está a verdade.

Rezemos ao Senhor para que nos ajude a levar o fruto da caridade e deste modo sermos testemunhas da sua verdade. Obrigado.



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