Discursos Bento XVI 1451

AOS SÓCIOS DO CÍRCULO DE SÃO PEDRO

Sala dos Papas
Sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2012



Estimados Sócios
do Círculo de São Pedro

Estou feliz por vos receber neste encontro que tem lugar na proximidade da Festa da Cátedra de São Pedro, circunstância que vos oferece a ocasião para manifestar a fidelidade peculiar à Sé Apostólica que, desde sempre, distingue o vosso benemérito Círculo. Saúdo-vos todos com profunda cordialidade. Saúdo o Presidente-Geral, Duque Leopoldo Torlonia, e agradeço-lhe as amáveis e devotas palavras que quis dirigir-me, interpretando os sentimentos de todos vós, e saúdo também o Assistente eclesiástico.

Há pouco demos início ao caminho quaresmal e, como recordei na minha recente Mensagem (cf. L’Osservatore Romano, 8 de Fevereiro de 2012, pág. 8), este Tempo litúrgico convida-nos a meditar sobre o âmago da vida cristã: a caridade. A Quaresma é um tempo propício a fim de que, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, nos renovemos na fé e no amor, a nível tanto pessoal como comunitário. Trata-se de um percurso caracterizado pela oração e a partilha, pelo silêncio e jejum, à espera de viver o júbilo pascal. A Carta aos Hebreus exorta-nos com estas palavras: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos reciprocamente na caridade e nas boas obras» (He 10,24).

Prezados amigos, tanto hoje como ontem, o testemunho da caridade toca de modo particular o coração dos homens; a nova evangelização, especialmente numa cidade cosmopolita como Roma, exige grande abertura de espírito e disponibilidade sábia em relação a todos. Neste sentido, insere-se bem a rede de intervenções assistenciais que vós realizais, todos os dias, a favor de quantos se encontram em necessidade. Apraz-me recordar a obra generosa que levais a cabo nas Cozinhas, no Asilo nocturno, na Casa de família, no Centro polifuncional, assim como o testemunho silencioso, mas mais eloquente do que nunca, que ofereceis a favor dos doentes e dos seus familiares no Hospice Fondazione Roma, sem esquecer o compromisso missionário no Laos e as adopções à distância.

Sabemos que a autenticidade da nossa fidelidade ao Evangelho se verifica também com base na atenção e na solicitude concreta que nos esforçamos por manifestar em relação ao próximo, especialmente pelos mais frágeis e marginalizados. A atenção ao próximo exige que se deseje o seu bem, sob todos os aspectos: físico, moral e espiritual. Embora a cultura contemporânea dê a impressão de ter perdido o sentido do bem e do mal, é preciso reiterar vigorosamente que o bem existe e vence. Então, a responsabilidade pelo próximo significa querer e fazer o bem ao outro, desejando que ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão significa abrir os olhos para as suas necessidades, ultrapassando a dureza de coração que nos torna cegos para os sofrimentos de outrem. Assim, o serviço caritativo torna-se uma forma privilegiada de evangelização, à luz do ensinamento de Jesus, que considerará como feito a si mesmo aquilo que tivermos feito aos nossos irmãos, especialmente a quantos entre eles forem pequeninos e esquecidos (cfr. Mt 25,40). É necessário harmonizar o nosso coração com o Coração de Cristo, a fim de que o apoio amoroso oferecido ao próximo se traduza em participação e partilha consciente dos seus sofrimentos e das suas esperanças, tornando deste modo visível, por um lado a misericórdia infinita de Deus por todos os homens, a qual brilha na Face de Cristo, e por outro a nossa fé nele. O encontro com o outro e o abrir o coração às suas necessidades são ocasião de salvação e bem-aventurança.

Estimados componentes do Círculo de São Pedro, como todos os anos, hoje viestes oferecer-me o óbolo para a caridade do Papa, que recolhestes das paróquias de Roma. Ele representa uma ajuda concreta dedicada ao Sucessor de Pedro, para que possa responder aos inúmeros pedidos que lhe chegam de todas as partes do mundo, de modo especial dos países mais pobres. Agradeço-vos de coração toda a actividade que levais a cabo generosamente e com espírito de sacrifício e que nasce da vossa fé, da relação com o Senhor, cultivado dia após dia. Fé, caridade e testemunho continuem a ser as linhas-guia do vosso apostolado. Além disso, como não recordar a vossa presença durante as Celebrações litúrgicas na Basílica de São Pedro? Ela honra-se ainda em maior medida, enquanto através dela manifestais com a dedicação constante e a fidelidade devota que vos unem à Sé do Apóstolo Pedro. O Senhor vos recompense por isto e derrame todas as bênçãos sobre o vosso Círculo; ajude cada um de vós a realizar a própria vocação cristã em família, no trabalho e no interior da vossa Associação.

1452 Caros amigos, ao renovar o meu apreço pelo serviço que prestais à Igreja, confio-vos, juntamente com as vossas famílias, à salvaguarda materna da Virgem Maria, Salus Populi Romani, e dos vossos Santos Padroeiros. Por minha vez, asseguro a recordação da oração por vós, por quantos colaboram convosco nas várias iniciativas e por aqueles que encontrais no vosso apostolado quotidiano, enquanto concedo com afecto a todos vós uma especial Bênção Apostólica.


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA PARA A VIDA

Sala Clementina
Sábado, 25 de Fevereiro de 2012



Senhores Cardeais
venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
prezados irmãos e irmãs

É-me grato encontrar-me convosco por ocasião dos trabalhos da XVIII Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida. Saúdo-vos e agradeço-vos a todos o serviço generoso em defesa e a favor da vida, de modo particular ao Presidente, D. Ignacio Carrasco de Paula, as palavras que me dirigiu também em vosso nome. O delineamento que conferistes aos vossos trabalhos manifesta a confiança que a Igreja sempre depositou nas possibilidades da razão humana e num trabalho científico rigorosamente conduzido, que tenham sempre presente o aspecto moral. O tema por vós escolhido este ano: «Diagnóstico e terapia da infertilidade», além de ter uma relevância humana e social, possui um valor científico peculiar e expressa a possibilidade concreta de um diálogo fecundo entre dimensão ética e pesquisa biomédica. Com efeito, diante do problema da infertilidade do casal, quisestes evocar e considerar atentamente a dimensão moral, procurando os caminhos para uma avaliação diagnóstica correcta e uma terapia que corrija as causas da infertilidade. Esta abordagem nasce do desejo não só de oferecer um filho ao casal, mas de restituir aos esposos a sua fertilidade e toda a dignidade de ser responsáveis pelas próprias opções procriativas, para serem colaboradores de Deus na geração de um novo ser humano. A procura de um diagnóstico e de uma terapia representa a abordagem cientificamente mais correcta da questão da infertilidade, mas também a mais respeitadora da humanidade integral dos interessados. Com efeito, a união do homem e da mulher naquela comunidade de amor e de vida, que é o matrimónio, constitui o único «lugar» digno para a chamada à existência de um novo ser humano, que é sempre um dom.

Portanto, desejo encorajar a honestidade intelectual do vosso trabalho, expressão de uma ciência que mantém vivo o seu espírito de busca da verdade, ao serviço do bem autêntico do homem, e que evita o risco de ser uma prática meramente funcional. Com efeito, a dignidade humana e cristã da procriação não consiste num «produto», mas no seu vínculo com o acto conjugal, expressão do amor dos cônjuges, da sua união não apenas biológica, mas também espiritual. A este propósito, a Instrução Donum vitae recorda-nos que, «pela sua estrutura íntima, enquanto une os esposos com um vínculo profundíssimo, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher» (n. 126). Por conseguinte, as legítimas aspirações genitoriais do casal que se encontra numa condição de infertilidade devem obter, com a ajuda da ciência, uma resposta que respeite plenamente a sua dignidade de pessoas e de esposos. A humildade e a minuciosidade com que aprofundais estas problemáticas, consideradas obsoletas por alguns dos vossos colegas, diante do fascínio da tecnologia da fecundação artificial, merece encorajamento e apoio. Por ocasião do X aniversário da Encíclica Fides et ratio, eu recordava que «o lucro fácil ou, pior ainda, a arrogância de se substituir ao Criador desempenha às vezes um papel determinante. Esta é uma fórmula de hybris da razão, que pode assumir características perigosas para a própria humanidade» (Discurso aos participantes no Congresso internacional promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense, 16 de Outubro de 2008: aas 100 [2008], 788-789). Efectivamente, o cientismo e a lógica do lucro parecem hoje dominar o campo da infertilidade e da procriação humana, chegando a limitar também muitas outras áreas de investigação.

A Igreja presta grande atenção ao sofrimento dos casais com infertilidade, interessa-se por eles e, precisamente por isso, encoraja a pesquisa médica. Todavia, a ciência nem sempre é capaz de corresponder aos desejos de numerosos casais. Então, gostaria de recordar aos esposos que vivem a condição da infertilidade, que isto não faz malograr a sua vocação matrimonial. Pela sua própria vocação baptismal e matrimonial, os cônjuges são sempre chamados a colaborar com Deus na criação de uma humanidade nova. Com efeito, a vocação ao amor é uma vocação ao dom de si, e esta é uma possibilidade que nenhuma condição orgânica pode impedir. Portanto, onde a ciência não encontra uma resposta, a resposta que doa luz provém de Cristo.

Desejo encorajar todos vós aqui reunidos para estes dias de estudo e que às vezes trabalhais num contexto médico-científico onde a dimensão da verdade permanece ofuscada: continuai pelo caminho empreendido, de uma ciência intelectualmente honesta e fascinada pela busca contínua do bem do homem. No vosso percurso intelectual não desdenheis o diálogo com a fé. Dirijo-vos o apelo urgente, lançado na Encíclica Deus caritas est: «Para poder agir rectamente, a razão deve ser continuamente purificada porque a sua cegueira ética, derivada da prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminável [...] A fé permite à razão realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio» (n. 28). Por outro lado, precisamente a matriz cultural criada pelo cristianismo — radicada na afirmação da existência da Verdade e da inteligibilidade da realidade, à luz da Suma Verdade — digo a matriz cultural, tornou possível na Europa da Idade Média o desenvolvimento do saber científico moderno, saber que nas culturas precedentes tinha permanecido só em embrião.

Ilustres cientistas e todos vós, membros da Academia comprometidos na promoção da vida e da dignidade da pessoa humana, tende sempre presente também o papel cultural fundamental que desempenhais na sociedade e a influência que tendes na formação da opinião pública. O meu predecessor, beato João Paulo II recordava que, «precisamente porque “sabem mais”, os cientistas são chamados a “servir mais”» (Discurso à Pontíficia Academia das Ciências, 11 de Novembro de 2002: aas 95 [2003], 206). As pessoas têm confiança em vós que servis a vida, tem confiança no vosso compromisso a favor de quantos precisam de alívio e esperança. Nunca cedais à tentação de tratar o bem das pessoas, reduzindo-o a um mero problema técnico! A indiferença da consciência em relação à verdade e ao bem representa uma ameaça perigosa para um progresso científico autêntico.

1453 Gostaria de concluir, renovando os bons votos que o Concílio Vaticano II dirige aos homens de pensamento e de ciência: «Felizes os que, possuindo a verdade, continuam a procurá-la, a fim de a renovar, de a aprofundar e de a transmitir aos outros» (Mensagem aos homens de pensamento e de ciência, 8 de Dezembro de 1965: AAS 58 [1966], 12). É com estes bons votos que vos concedo, a todos vós aqui presentes e a todos os vossos entes queridos, a Bênção apostólica. Obrigado!



PALAVRAS NA CONCLUSÃO DOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DA CÚRIA ROMANA Capela "Redemptoris Mater"

Sábado, 3 de Março de 2012




Eminência
Prezados irmãos

No final destes dias de oração e de escuta, é oportuno dizer: obrigado! Em nome de todos nós, digo-lhe obrigado, Eminência, pela guia que nos ofereceu nestes exercícios.

Vossa Eminência guiou-nos — por assim dizer — no grande jardim da primeira Carta de São João, e assim em toda a Escritura, com exímia competência exegética e com experiência espiritual e pastoral. Orientou-nos sempre com o olhar para Deus e, precisamente com este olhar rumo a Deus, aprendemos o amor, a fé que cria comunhão. E Vossa Eminência temperou estas suas meditações com histórias bonitas, tiradas predominantemente da sua amada terra africana, que nos deram alegria e ajudaram.

Fiquei particularmente impressionado com aquela história em que o senhor falava de um amigo que, estando em coma, tinha a impressão de se encontrar num túnel obscuro, mas no final via um pouco de luz e sobretudo ouvia uma música bonita. Parece-me que ela pode ser uma parábola da nossa vida: encontramo-nos muitas vezes num túnel obscuro em plena noite mas, mediante a fé, no final vemos a luz e ouvimos uma música bonita, sentimos a beleza de Deus, do céu e da terra, de Deus Criador e da criatura; e assim, é verdade, spe sumus salvos (cf. Rm 8,24).

E Vossa Eminência confirmou-nos na fé, na esperança e na caridade.

Obrigado!


VISITA PASTORAL À PARÓQUIA ROMANA DE SÃO JOÃO BAPTISTA DE LA SALLE NO BAIRRO TORRINO

1454
Domingo, 4 de Março de 2012




Saudação às crianças antes da Missa

Amadas crianças
Bom domingo, bom dia!

Para mim é uma grande alegria ver tantas crianças. Então, Roma vive e viverá também amanhã! Vós percorreis o caminho da Catequese: aprendeis Jesus, aprendeis o que Ele fez, disse e sofreu; deste modo aprendeis também a Igreja, os Sacramentos, e assim aprendeis também a viver, porque viver é uma arte, e Jesus mostra-nos esta arte.

Desejo a todos vós um bom domingo! Além disso, já hoje, desejo-vos também uma feliz Páscoa!

Obrigado pela vossa cordialidade!
* * *


Aos fiéis antes de regressar ao Vaticano

Caros amigos!

Obrigado por esta bonita celebração e pela igreja, com Nossa Senhora e os Santos. Somos uma família com todos os Santos.

1455 No domingo passado, o Senhor guiou-nos ao deserto; este domingo, ao monte: são sempre lugares privilegiados para estar um pouco mais perto de Deus, sair de todas as situações do dia-a-dia e sentir que Deus existe, que é o centro da nossa vida.

Faço votos por que possais sentir a proximidade de Deus, e que Ele vos guie todos os dias.

Bom domingo, boa Quaresma a todos vós!





AOS BISPOS DAS REGIÕES VII, VIII E IX DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sexta-feira, 9 de Março de 2012

9312

Queridos Irmãos Bispos

Saúdo todos vós com afecto fraterno por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. Como sabeis, este ano, desejo meditar convosco sobre alguns aspectos da evangelização da cultura americana, à luz dos desafios intelectuais e éticos actuais.

Nos precedentes encontros reconheci a nossa preocupação relativa às ameaças à liberdade de consciência, de religião e de culto que devem ser urgentemente resolvidas, a fim de que todos os homens e mulheres de fé, e as instituições que inspiram, possam agir de acordo com as suas convicções morais mais profundas. Nesta ocasião gostaria de falar sobre outro grave problema que me apresentastes durante a minha visita pastoral aos Estados Unidos, nomeadamente, a crise contemporânea do matrimónio e da família e, em geral, da visão cristã da sexualidade humana. Com efeito, é cada vez mais evidente que a diminuição do apreço relativo à indissolubilidade do vínculo matrimonial, e a rejeição generalizada de uma ética sexual responsável e madura fundamentada na prática da castidade, levaram a graves problemas sociais que causaram danos humanos e económicos imensos.

Contudo, como o Beato João Paulo II observou, o futuro da humanidade passa através da família (cf. Familiaris consortio
FC 85). Com efeito, «demasiado grande é o bem que a Igreja e a sociedade inteira esperam do Matrimónio e da família fundada sobre o mesmo para não nos comprometermos a fundo neste âmbito pastoral específico; Matrimónio e família são instituições cuja verdade deve ser promovida e defendida de qualquer equívoco, porque todo o dano a elas causado é realmente uma ferida que se inflige à convivência humana como tal» (Sacramentum caritatis, 29).

A este propósito, é necessário mencionar em particular o poder das correntes políticas e culturais que procuram alterar a definição jurídica do matrimónio. O esforço consciente da Igreja a fim de resistir a esta pressão apela para uma defesa do matrimónio como instituição natural constituída por uma comunhão específica de pessoas, essencialmente enraizada na complementaridade dos sexos e orientada para a procriação. As diferenças sexuais não podem ser rejeitadas como irrelevantes para a definição do matrimónio. A defesa da instituição do matrimónio como realidade social é, em última análise, uma questão de justiça, pois implica a salvaguarda do bem da comunidade humana inteira e ao mesmo tempo o direito dos pais e dos filhos

Durante a nossa conversação, alguns de vós falaram com preocupação sobre as crescentes dificuldades encontradas na transmissão do ensinamento da Igreja relativo ao matrimónio e à família na sua integridade, e sobre a diminuição do número de jovens que se aproximam do sacramento do matrimónio. Certamente, temos que reconhecer algumas carências nas catequeses dos últimos decénios que, por vezes, não conseguem comunicar a rica herança da doutrina católica sobre o matrimónio como uma instituição natural elevada por Cristo à dignidade de sacramento, a vocação cristã dos cônjuges na sociedade e na Igreja e a prática da castidade conjugal. Este ensinamento reafirmado cada vez mais claramente, pelo magistério pós-conciliar e apresentado de forma completa quer no Catecismo da Igreja Católica quer no Compêndio da Doutrina Social da Igreja, deve readquirir o seu lugar na pregação e no ensinamento catequético.

A nível prático, os programas de preparação matrimonial devem ser atentamente revistos para garantir que haja uma maior concentração sobre as suas componentes catequéticas e sobre a apresentação das responsabilidades sociais e eclesiais que o matrimónio cristão comporta. Neste contexto, não podemos ignorar o grave problema pastoral que a prática generalizada da convivência representa, muitas vezes por parte de casais que parecem ignorar que seja um grave pecado, além de representar um dano para a sociedade. Encorajo os vossos esforços a fim de desenvolver normas pastorais e litúrgicas claras para uma celebração digna do matrimónio, que sejam um testemunho inequívoco das exigências objectivas da moral cristã, demonstrando ao mesmo tempo sensibilidade e solicitude para com os casais jovens.

Gostaria também de manifestar o meu apreço pelo programa pastoral que estais a promover nas vossas dioceses e, especialmente, pela apresentação clara e competente da doutrina da Igreja na vossa Carta de 2009 Marriage: Love and Life in the Divine Plan. Aprecio também tudo o que as vossas paróquias, escolas e organismos caritativos fazem quotidianamente a fim de apoiar as famílias e ajudar quantos se encontram em situações matrimoniais difíceis, especialmente os divorciados e separados, os pais solteiros, as mães adolescentes e as mulheres que pensam abortar, assim como as crianças que sofrem os efeitos trágicos da desagregação familiar.

Neste grande esforço pastoral é necessariamente urgente que a comunidade cristã inteira volte a apreciar a virtude da castidade. A função integrativa e libertadora desta virtude (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 2338-2343) deve ser frisada por uma formação do coração, que apresente a concepção cristã da sexualidade como fonte de liberdade autêntica, de felicidade e de realização da nossa vocação fundamental e inata para o amor. Não se trata de apresentar meramente argumentos, mas de apelar para uma visão humana da sexualidade íntegra, coerente e edificante. A riqueza desta visão é mais sólida e atraente em comparação com as ideologias permissivas exaltadas nalguns âmbitos; estas, de facto, constituem uma forma poderosa e destruidora de contra-catequese para os jovens.

Os jovens precisam de conhecer o ensinamento da Igreja na sua integridade, não obstante possa ser desafiador e contra-cultural; ainda mais importante, necessitam vê-lo encarnado por cônjuges fiéis que dão um testemunho convincente da sua verdade. Além disso, devem ser apoiados na sua luta para fazer escolhas sábias num momento de vida difícil e confuso. A castidade, como o Catecismo nos recorda, supõe «uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana» (2339). Numa sociedade que tende cada vez mais a confundir e, até mesmo, a ridicularizar esta dimensão essencial da doutrina cristã, é necessário tranquilizar os jovens sobre a realidade de que «quem faz entrar Cristo nada perde, nada absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande» (Homilia, Santa Missa para a inauguração do ministério petrino, 24 de Abril de 2005).

Gostaria de concluir recordando que todos os nossos esforços neste âmbito estão orientados fundamentalmente para o bem das crianças, que têm o direito imprescindível de crescer com uma compreensão saudável da sexualidade e do lugar que lhe pertence nas relações humanas. As crianças são o maior tesouro e o futuro de toda a sociedade: cuidar realmente delas significa reconhecer a nossa responsabilidade de ensinar, defender e viver as virtudes morais que são a chave para a realização humana. Espero que a Igreja nos Estados Unidos, mesmo se refreada pelos acontecimentos dos últimos decénios, possa perseverar na sua missão histórica de educar os jovens e, deste modo, contribuir para a consolidação de uma vida familiar saudável que é a garantia mais segura da solidariedade intergeracional e da saúde da sociedade no seu conjunto.

Confio a vós e aos vossos irmãos Bispos, juntamente com o rebanho entregue aos vossos cuidados pastorais, à amorosa intercessão da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Concedo-vos de bom grado a minha Bênção Apostólica como penhor de sabedoria, força e paz no Senhor.





AOS PARTICIPANTES NO FÓRUM INTERNO ORGANIZADO PELA PENITENCIARIA APOSTÓLICA Sala Paulo VI Sexta-feira, 9 de Março de 2011

9322
Prezados Amigos

Estou muito feliz por me encontrar convosco por ocasião do anual Curso sobre o Fórum Interno, organizado pela Penitenciaria Apostólica. Dirijo uma saudação cordial ao Cardeal Manuel Monteiro de Castro, Penitenciário-Mor que, pela primeira vez neste cargo, presidiu às vossas sessões de estudo, e agradeço-lhe as cordiais expressões que quis dirigir-me. Saúdo também D. Gianfranco Girotti, Regente, os funcionários da Penitenciaria e cada um de vós que, mediante a vossa presença, evocais a todos a importância do Sacramento da Reconciliação na vida de fé, evidenciando quer a necessidade permanente de uma adequada preparação teológica, espiritual e canónica para poder ser confessor, quer sobretudo o vínculo constitutivo entre celebração Sacramental e anúncio do Evangelho.

Com efeito, os Sacramentos e o anúncio da Palavra nunca devem ser concebidos separadamente mas, ao contrário, «Jesus afirma que o anúncio do Reino de Deus é a finalidade da sua missão; mas este anúncio não é só um “discurso” mas inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir; os sinais, os milagres que Jesus realiza, indicam que o Reino vem como realidade presente e que no final coincide com a sua própria pessoa, com o dom de si [...] o sacerdote, representa Cristo, o Enviado do Pai e continua a sua missão, mediante a “palavra” e o “sacramento”, nesta totalidade de corpo e alma, de sinal e palavra» (Audiência geral, 5 de Maio de 2010). Precisamente esta totalidade, que afunda as raízes no próprio mistério da Encarnação, sugere-nos que a celebração do Sacramento da Reconciliação é, ela mesma, anúncio e por isso caminho a percorrer para a obra da nova evangelização.

Então, em que sentido a Confissão sacramental é «caminho» para a nova evangelização? Antes de tudo porque a nova evangelização haure linfa vital da santidade dos filhos da Igreja, do caminho quotidiano de conversão pessoal e comunitária, para se conformar cada vez mais profundamente com Cristo. E existe um vínculo estreito entre santidade e Sacramento da Reconciliação, testemunhado por todos os Santos da história. A conversão real dos corações, que significa abrir-se à acção transformadora e renovadora de Deus, é o «motor» de qualquer reforma e traduz-se numa verdadeira força evangelizadora. Na Confissão, o pecador arrependido, por obra gratuita da Misericórdia divina, é justificado, perdoado e santificado, abandona o homem velho para se revestir do homem novo. Só quem se deixou renovar profundamente pela Graça divina, pode trazer em si mesmo, e portanto anunciar, a novidade do Evangelho. O beato João Paulo II, na Carta Apostólica Novo millennio ineunte, afirmava: «Solicito ainda uma renovada coragem pastoral para, na pedagogia quotidiana das comunidades cristãs, se propor de forma persuasiva e eficaz a prática do Sacramento da Reconciliação» (n. 37). Desejo reiterar este apelo, ciente de que a nova evangelização deve fazer conhecer ao homem do nosso tempo o Rosto de Cristo «como mysterium pietatis, Aquele em Quem Deus nos mostra o seu Coração misericordioso e nos reconcilia plenamente consigo mesmo. É este o Rosto de Cristo que é necessário fazer redescobrir, também através do Sacramento da Penitência» (Ibidem).

Numa época de emergência educativa, em que o relativismo põe em questão a própria possibilidade de uma educação entendida como introdução progressiva no conhecimento da verdade, no sentido profundo da realidade, portanto como introdução progressiva na relação com a Verdade que é Deus, os cristãos são chamados a anunciar com vigor a possibilidade do encontro entre o homem de hoje e Jesus Cristo, em Quem Deus se fez tão próximo a ponto de O poder ver e ouvir. Nesta perspectiva, o Sacramento da Reconciliação, que se inspira numa consideração da condição existencial pessoal concreta, contribui de modo singular para aquela «abertura do coração» que permite dirigir o olhar para a Deus, a fim de que entre na vida. A certeza de que Ele está próximo e, na sua misericórdia, atende o homem, mesmo o envolvido no pecado, para curar as suas enfermidades com a graça do Sacramento da Reconciliação, é sempre uma luz de esperança para o mundo.

Queridos sacerdotes e diáconos que vos preparais para o Presbiterado, na administração deste Sacramento, deveis e tereis a possibilidade de ser instrumentos de um encontro sempre renovado dos homens com Deus. Quantos recorrerão a vós, precisamente pelas suas condições de pecadores, experimentarão em si um desejo profundo: desejo de mudança, pedido de misericórdia e, enfim, desejo que volte a acontecer, através do Sacramento, o encontro e o abraço com Cristo. Por isso sereis colaboradores e protagonistas de muitos possíveis «novos inícios», tantos quantos forem os penitentes que a ele recorrerem, tendo presente que o autêntico significado de cada «novidade» não consiste só no abandono ou na remoção do passado, mas em acolher Cristo e em abrir-se à sua Presença, sempre nova e sempre capaz de transformar, iluminar todas as zonas de sombra e abrir continuamente um novo horizonte. A nova evangelização, então, começa também no Confessionário! Isto é, parte do misterioso encontro entre o inexaurível questionamento do homem, sinal nele do Mistério Criador, e a Misericórdia de Deus, única resposta adequada à necessidade humana de infinito. Se a celebração do Sacramento da Reconciliação for isto, se nela os fiéis fizerem uma experiência real daquela Misericórdia que Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, nos concedeu, então tornar-se-ão eles mesmos credíveis daquela santidade, que é o fim da nova evangelização.

Queridos amigos, tudo isto, se é verdadeiro para os fiéis leigos, adquire ainda maior relevância para cada um de nós. O ministro do Sacramento da Reconciliação colabora com a nova evangelização sendo ele mesmo o primeiro a renovar a consciência do próprio ser penitente e da necessidade de pedir o perdão sacramental, para que se renove aquele encontro com Cristo, que, tendo iniciado no Baptismo, encontrou no Sacramento da Ordem uma configuração específica e definitiva. São estes os meus votos para cada um de vós: a novidade de Cristo seja sempre o centro e a razão da vossa existência sacerdotal, para que quantos vos encontram possam, através do vosso ministério, proclamar como André e João: «encontrámos o Messias» (
Jn 1,41). Deste modo, cada Confissão, da qual cada cristão sairá renovado, representará um passo em frente da nova evangelização. Maria, Mãe de Misericórdia, Refúgio para nós pecadores e Estrela da nova evangelização acompanhe o nosso caminho. Agradeço-vos de coração e de bom grado concedo a minha Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA AO MÉXICO E À REPÚBLICA DE CUBA

(23-29 DE MARÇO DE 2012)


ENTREVISTA AOS JORNALISTAS DURANTE A VIAGEM PARA O MÉXICO Sexta-feira, 23 de Março de 2012

23312

1ª Pergunta: Santo Padre, o México e Cuba são terras nas quais as viagens do seu Predecessor se tornaram história. Com que ânimo e esperanças Vossa Santidade se põe hoje nas suas pegadas?

Santo Padre: Queridos amigos, antes de tudo gostaria de dizer: bem-vindos e obrigado pelo vosso acompanhamento nesta viagem, que esperamos seja abençoada pelo Senhor. Nesta viagem, sinto-me totalmente em continuidade com o Papa João Paulo II. Recordo-me muito bem da sua primeira viagem ao México, que foi realmente histórica. Numa situação jurídica ainda muito confusa, abriu as portas, deu início a uma nova fase da colaboração entre Igreja, sociedade e Estado. E recordo-me bem também da sua viagem histórica a Cuba. Por conseguinte, procuro ir nas suas pegadas e continuar o que ele começou. Desde o início, eu sentia o desejo de visitar o México. Quando era cardeal estive no México, com óptimas recordações, e todas as quartas-feiras sinto o aplauso, a alegria dos mexicanos. Estar agora, como Papa, aqui, é para mim uma grande alegria e corresponde a um desejo que tenho desde há muito tempo. Para dizer quais sentimentos me acompanham, vêm-me à mente as palavras do Vaticano II «gaudium et spes, luctus et angor», alegria e esperança, mas também luto e angústia. Compartilho as alegrias e as esperanças mas partilho também o luto e as dificuldades deste grande país. Vou para encorajar e para aprender, para confortar na fé, na esperança e na caridade, e para animar no compromisso pelo bem e pela luta contra o mal. Esperemos que o Senhor nos ajude!

2ª Pergunta: O México é um país com recursos e possibilidades maravilhosas, mas nestes anos sabemos que é também terra de violência devido ao problema do narcotráfico. Fala-se de 50.000 mortos nos últimos cinco anos. Como enfrenta a Igreja católica esta situação? Vossa Santidade terá palavras para os responsáveis e para os traficantes que por vezes se professam católicos ou até benfeitores da Igreja?

Santo Padre: Nós conhecemos bem todas as belezas do México, mas também este grande problema do narcotráfico e da violência. É certamente uma grande responsabilidade para a Igreja católica num país com 80 por cento de católicos. Devemos fazer o possível contra este mal destruidor da humanidade e da nossa juventude. Diria que o primeiro acto é anunciar Deus: Deus é o juiz, Deus que nos ama, mas ama-nos para nos atrair para o bem, para a verdade contra o mal. Por conseguinte, a grande responsabilidade da Igreja é educar as consciências, educar para a responsabilidade moral e desmascarar o mal, a idolatria do dinheiro, que escraviza os homens só por esta coisa; desmascarar também as falsas promessas, a mentira, a falcatrua, que está por detrás da droga. Devemos ver que o homem precisa do infinito. Se Deus não está presente, o infinito cria-se os seus próprios paraísos, uma aparência de «infinitude» que só pode ser uma mentira. Por isso é muito importante que Deus esteja presente, que seja acessível; é uma grande responsabilidade diante do Deus juiz que nos guia, atrai para a verdade e para o bem, e neste sentido a Igreja deve desmascarar o mal, tornar presente a bondade de Deus, tornar presente a sua verdade, o verdadeiro infinito do qual temos sede. É o grande dever da Igreja. Façamos todos juntos o possível, cada vez mais.

3ª Pergunta: Damos-lhe deveras as boas-vindas ao México: todos estamos contentes que Vossa Santidade visite o México. A pergunta é a seguinte: do México Vossa Santidade disse que se quer dirigir a toda a América Latina no bicentenário da independência. A América Latina, não obstante o desenvolvimento, continua a ser uma região de contrastes sociais, onde se encontram os mais ricos ao lado dos mais pobres. Por vezes parece que a Igreja católica não é suficientemente encorajada a comprometer-se neste âmbito. Pode-se continuar a falar de «teologia da libertação» de modo positivo, depois de certos excessos — sobre o marxismo ou a violência — terem sido corrigidos?

Santo Padre: Naturalmente, a Igreja deve perguntar sempre se se fez o suficiente pela justiça social neste grande Continente. Esta é uma questão de consciência que devemos fazer-nos sempre. Perguntar: o que pode e deve fazer a Igreja, o que não pode e não deve fazer. A Igreja não é um poder político, não é um partido, mas uma realidade moral, um poder moral. Enquanto a política fundamentalmente deve ser uma realidade moral, a Igreja, neste caminho, está fundamentalmente relacionada com a política. Repito quanto já disse: o primeiro pensamento da Igreja é educar as consciências e desta forma criar a responsabilidade necessária; educar as consciências quer na ética individual, quer na ética pública. E talvez neste aspecto haja uma falta. Vê-se, na América Latina mas também noutras partes, em não poucos católicos, uma certa esquizofrenia entre moral individual e pública: pessoalmente, na esfera individual, são católicos, crentes, mas na vida pública seguem outros caminhos que não correspondem aos grandes valores do Evangelho, que são necessários para a fundação de uma sociedade justa. Por conseguinte, é preciso educar para superar esta esquizofrenia, educar não só para uma moral individual, mas para uma moral pública, e procuramos fazer isto com a Doutrina Social da Igreja, porque, naturalmente, esta moral pública deve ser uma moral sensata, partilhada e partilhável também por não-crentes, uma moral da razão. Certamente, à luz da fé podemos ver melhor tantas coisas que também a razão pode ver, mas precisamente a fé serve também para libertar a razão dos interesses falsos e dos obscurecimentos dos interesses, e assim criar na doutrina social os modelos substanciais para uma colaboração política, sobretudo para a superação desta divisão social, anti-social, que existe, infelizmente. Queremos trabalhar neste sentido. Não sei se a expressão «teologia da libertação», que pode ser interpretada também muito bem, nos ajudaria muito. Permanece importante a sensatez comum para a qual a Igreja oferece uma contribuição fundamental e deve ajudar sempre ao educar as consciências, quer para a vida pública, quer para a vida privada.

4ª Pergunta: Santidade, olhemos para Cuba. Todos recordamos as famosas palavras de João Paulo II: «Que Cuba se abra ao mundo e que o mundo se abra a Cuba!». Passaram 14 anos, mas parece que estas palavras ainda são actuais. Como Vossa Santidade sabe, durante a expectativa da sua viagem, fizeram-se ouvir muitas vozes de opositores e de defensores dos direitos humanos. Santidade, tenciona retomar a mensagem de João Paulo II, pensando quer na situação interna de Cuba, quer na internacional?

Santo Padre: Como já disse, sinto-me em absoluta continuidade com as palavras do Santo Padre João Paulo II, que ainda são muito actuais. Esta visita do Papa inaugurou um caminho de colaboração e de diálogo construtivo: um caminho que é longo e exige paciência, mas que vai em frente. Hoje é evidente que a ideologia marxista, tal como era concebida, já não corresponde à realidade: deste modo já não se pode responder e construir uma sociedade; devem ser encontrados novos modelos, com paciência e de forma construtiva. Neste processo, que exige paciência mas também decisão, queremos ajudar em espírito de diálogo, para evitar traumas e ajudar no caminho rumo a uma sociedade fraterna e justa como a desejamos para todo o mundo e pretendemos colaborar neste sentido. Sem dúvida, a Igreja está sempre da parte da liberdade: liberdade da consciência, liberdade da religião. Neste sentido contribuímos, contribuem também simples fiéis neste caminho em frente.

5ª Pergunta: Depois da Conferência de Aparecida fala-se de «missão continental» da Igreja na América Latina; daqui a poucos meses será realizado o Sínodo sobre a nova evangelização e terá início o Ano da fé. Também na América Latina há os desafios da secularização, das seitas. Em Cuba há as consequências de uma longa propaganda do ateísmo, a religiosidade afrocubana é muito difundida. Pensa que esta viagem é um encorajamento para a «nova evangelização» e quais são os pontos que tem muito a peito nesta perspectiva?

Santo Padre: O período da nova evangelização começou com o Concílio; fundamentalmente, era esta a intenção do Papa João XXIII; foi muito frisada por João Paulo II e a sua necessidade, num mundo que em grande parte mudou, torna-se cada vez mais evidente. Necessidade no sentido de que o Evangelho deve expressar-se de modos diversos; necessidade também no outro sentido, que o mundo precisa de uma palavra na confusão, na dificuldade de se orientar hoje. Há uma situação comum do mundo, há uma secularização, a ausência de Deus, a dificuldade de encontrar acesso, de o ver como uma realidade que diz respeito à minha vida. E por outro lado há os contextos específicos; o senhor mencionou os de Cuba com o sincretismo afrocubano, com muitas outras dificuldades, mas cada país tem a sua situação cultural específica. E por um lado devemos começar a partir do problema comum: como hoje, neste contexto da nossa racionalidade moderna, podemos descobrir de novo Deus como a orientação fundamental da nossa vida, a esperança essencial da nossa vida, o fundamento dos valores que realmente constroem uma sociedade, e de que modo podemos ter em consideração a especificidade das situações diversas. O primeiro parece-me muito importante: anunciar um Deus que responde à nossa razão, porque vemos a racionalidade da criação, vemos que por detrás há algo, mas não vemos como este Deus está perto, como me diz respeito e esta síntese do Deus grande e majestoso e do Deus pequeno que está perto de mim, orienta, mostra os valores da minha vida e é o núcleo da evangelização. Portanto, um cristianismo essencial, no qual se encontra realmente o núcleo fundamental para viver hoje com todos os problemas do nosso tempo. E por outro lado, ter em consideração a realidade concreta. Na América Latina, em geral, é muito importante que o Cristianismo não seja uma coisa só da razão, mas do coração. Nossa Senhora de Guadalupe é reconhecida e amada por todos, porque compreendem que é uma Mãe para todos e está presente desde o início nesta nova América Latina, depois da chegada dos europeus. Contudo em Cuba temos Nossa Senhora do Cobre, que comove os corações e todos sabem intuitivamente que é verdade, que esta Nossa Senhora nos ajuda, existe, nos ama e coadjuva. Mas esta intuição do coração deve relacionar-se com a racionalidade da fé e com a profundidade da fé que vai além da razão. Devemos procurar não perder o coração, mas ligar coração e razão, de modo que cooperem, porque só assim o homem é completo e pode ajudar e trabalhar realmente por um futuro melhor.




Discursos Bento XVI 1451