Bento XVI Homilias 12906

Regensburg, 12 de Setembro de 2006: NA SOLENE CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA NO ISLINGER FELD

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Amados irmãos

no ministério episcopal e sacerdotal!
Queridos irmãos e irmãs!

"Quem acredita nunca está sozinho". Permiti que retome mais uma vez o lema destes dias e que expresse a minha alegria porque aqui podemos vê-lo concretizado: a fé reúne-nos e proporciona-nos uma festa. Dá-nos a alegria em Deus, a alegria pela criação e pelo estar juntos. Sei que anteriormente esta festa exigiu muita fadiga e muito trabalho. Através das notícias dos jornais pude aperceber-me do número de pessoas que empenharam o seu tempo e as suas forças para preparar esta esplanada de maneira tão digna; graças a elas encontra-se aqui na colina a Cruz como sinal de Deus pela paz no mundo; as estradas de acesso e de partida estão livres; a segurança e a ordem estão garantidas; foram preparados alojamentos, etc. Não podia imaginar e agora só o sei em resumo quanto trabalho até aos mínimos pormenores era necessário para que pudéssemos estar aqui todos juntos deste modo. Por tudo isto só posso dizer um simples "muito obrigado!".

O Senhor vos recompense por tudo, e a alegria que agora sentimos graças à vossa preparação, cada um de vós a receba centuplicada. Fiquei comovido quando ouvi dizer que muitas pessoas, sobretudo das escolas profissionais de Weiden e Amberg, assim como empresas e pessoas individualmente, homens e mulheres, colaboraram para embelezar a minha pequena casa e o meu jardim. Um pouco confundido perante tanta bondade, neste caso também só posso dizer um humilde "obrigado!" por um empenho como este. Não fizestes tudo isto só para um homem, para a minha pobre pessoa; fizestes isto na solidariedade da fé, deixando-vos guiar pelo amor ao Senhor e à Igreja. Tudo isto é um sinal de verdadeira humanidade, que nasce do sermos tocados por Jesus Cristo.

Reunimo-nos para uma festa da fé. Contudo agora, surge a pergunta: mas na realidade em que cremos? Que significa crer? Pode existir realmente uma coisa como esta no mundo moderno? Vendo as grandes "Sumas" de teologia redigidas na Idade Média ou pensando na quantidade de livros escritos todos os dias a favor ou contra a fé, somos tentados ao desencorajamento e a pensar que tudo isto é muito complicado. No final, vendo as árvores uma por uma, não se vê mais o bosque. É verdade: a visão da fé inclui céu e terra; o passado, o presente, o futuro, a eternidade e por isso nunca termina. E contudo, no seu núcleo é muito simples. De facto, o Senhor fala acerca disto com o Pai dizendo: "Quiseste revelar estas coisas aos pequeninos aos que são capazes de ver com o coração" (cf.
Mt 11,25). A Igreja, por seu lado, oferece-nos uma pequena "Suma", na qual está expresso tudo o que é essencial: é o chamado "Credo dos Apóstolos". Normalmente ele está subdividido em doze artigos segundo o número dos doze Apóstolos e fala de Deus, Criador e Princípio de todas as coisas, de Cristo e da sua obra da salvação, até à ressurreição dos mortos e à vida eterna. Mas na sua concepção básica, o Credo compõe-se só de três partes principais, e segundo a sua história não é mais do que uma amplificação da fórmula baptismal, que o Senhor ressuscitado entregou aos discípulos para todos os tempos quando lhes disse: "Ide, pois, fazei discípulos de todas os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19).

Nesta visão demonstram-se duas coisas: a fé é simples. Cremos em Deus em Deus, princípio e fim da vida humana. Naquele Deus que entra em relação connosco, seres humanos, que é para nós origem e futuro. Assim a fé, contemporaneamente, é sempre também esperança, é a certeza de que nós temos um futuro e não cairemos no vazio. E a fé é amor, porque o amor de Deus nos quer "contagiar". Esta é a primeira coisa: nós simplesmente cremos em Deus, e isto traz consigo também a esperança e o amor.

Como segunda coisa podemos constatar: o Credo não é um conjunto de sentenças, não é uma teoria. Está precisamente ancorado no acontecimento do Baptismo num acontecimento de encontro de Deus com o homem. Deus, no mistério do Baptismo, inclina-se sobre o homem; vem ao nosso encontro e deste modo aproxima-nos entre nós. Porque o Baptismo significa que Jesus Cristo, por assim dizer, nos adopta como seus irmãos e irmãs, acolhendo-nos assim como filhos na família do próprio Deus. Por conseguinte, deste modo faz com que sejamos uma grande família na comunidade universal da Igreja. Sim, quem acredita nunca está sozinho. Deus vem ao nosso encontro. Encaminhemo-nos também nós para Deus e assim iremos uns ao encontro dos outros!

Não deixemos sós, na medida das nossas possibilidades, nenhum dos filhos de Deus!

Nós cremos em Deus. É esta a nossa decisão básica. Apresenta-se de novo a pergunta: Mas é possível ainda hoje? É uma coisa razoável? Desde o iluminismo, pelo menos uma parte da ciência empenha-se com primor a procurar uma explicação do mundo, na qual Deus seja supérfluo. E assim Ele deveria tornar-se inútil também para a nossa vida. Mas todas as vezes que poderia parecer que quase se conseguiu chegar a esta conclusão manifestava-se sempre de novo: as contas não quadram! As contas sobre o homem, sem Deus, não quadram, e as contas sobre o mundo, sobre todo o universo, sem Ele não quadram. No fim de contas, permanece a alternativa: o que existe na origem? A razão criadora, o Espírito Criador que tudo realiza e suscita o desenvolvimento, ou a Irracionalidade que, privada de qualquer razão, estranhamente produz um cosmos ordenado de maneira matemática e também o homem, a sua razão. Mas ela, então, seria apenas um resultado casual da evolução e por conseguinte, no fundo, também uma coisa irracional.

Nós cristãos dizemos: "Creio em Deus Pai, Criador do céu e da terra" creio no Espírito Criador. Nós cremos que na origem está o Verbo eterno, a Razão e não a Irracionalidade. Com esta fé não precisamos de nos esconder, não devemos recear que nos encontramos com ela num beco sem saída. Sentimos alegria em poder conhecer Deus! E procuramos demonstrar também aos outros a racionalidade da fé, como exortou explicitamente São Pedro os cristãos do seu tempo e, com eles, também a nós na sua Primeira Carta (cf. 1P 3,15)!

Nós cremos em Deus. Afirmam-no as partes principais do Credo e ressalta isto sobretudo a sua primeira parte. Mas agora segue-se imediatamente a segunda pergunta: em que Deus? Pois bem, cremos precisamente naquele Deus que é o Espírito Criador, Razão criativa, da qual tudo provém e na qual também nós temos a origem. A segunda parte do Credo diz-nos mais. Esta Razão criativa é Bondade. É Amor. Ela tem um rosto. Deus não nos deixa vacilar no vazio. Mostrou-se como homem. Ele é tão grande que pode permitir-se de se fazer pequeníssimo. "Quem me vê, vê o Pai", diz Jesus (Jn 14,9).Deus assumiu um rosto humano. Ama-nos a tal ponto que se deixa pregar na Cruz, para levar os sofrimentos da humanidade até ao coração de Deus. Hoje, que conhecemos as patologias e as doenças mortais da religião e da razão, as destruições da imagem de Deus por causa do ódio e do fanatismo, é importante dizer com clareza em qual Deus nós cremos e professar convictos este rosto humano de Deus. Só isto nos liberta do receio de Deus um sentimento do qual, em definitiva, nasceu o ateísmo moderno. Só este Deus nos salva do medo do mundo e da ansiedade perante o vazio da própria existência. Só olhando para Jesus Cristo, a nossa alegria em Deus alcança a sua plenitude, se torna alegria remida. Durante esta celebração solene da Eucaristia, dirigimos o nosso olhar para o Senhor que aqui, diante de nós, está elevado na cruz e pedimos-lhe a grande alegria que Ele prometeu aos discípulos na hora da sua despedida (cf. Jn 16,24)!

A segunda parte do Credo conclui-se com a perspectiva do Juízo final e a terceira com a da ressurreição dos mortos. Juízo talvez com isto nos seja inculcado de novo o medo? Mas, porventura não desejamos todos que um dia seja feita justiça para todos os condenados injustamente, para quantos sofreram ao longo da vida, e depois de uma vida cheia de sofrimentos foram engolidos pela morte? Não queremos porventura todos que o excesso de injustiça e de sofrimento, que vemos na história, no fim se dissolva; que todos possam tornar-se alegres, que tudo tenha um sentido? Esta afirmação do direito, esta união de tantos fragmentos de história que parecem privados de sentido, de forma que os integram num todo no qual dominem a verdade e o amor: é isto que se compreende com o conceito de Juízo do mundo.

A fé não nos quer fazer medo; mas quer chamar-nos à responsabilidade! Não devemos desperdiçar a nossa vida, nem abusar dela; também não devemos tê-la simplesmente para nós; perante a injustiça não devemos permanecer indiferentes, tornando-nos seus coniventes ou até cúmplices. Devemos compreender a nossa missão na história e procurar corresponder-lhe. Não receio mas responsabilidade responsabilidade e preocupação pela nossa salvação, e pela salvação de todo o mundo são necessárias. Para esta finalidade, cada um deve dar a sua contribuição. Mas, quando responsabilidade e preocupação tendem a tornar-se receio, então recordemo-nos das palavras de São João: "Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo" (1Jn 2,1). "Mesmo quando o nosso coração nos acuse, pois Deus é maior que o nosso coração e conhece tudo" (1Jn 3,20).

Celebramos hoje a festa do "Nome de Maria". A quem tem este nome a minha mãe e a minha irmã tinham esse nome, como recordou o Bispo desejaria portanto expressar os meus votos mais cordiais pelo seu onomástico. Maria, a Mãe do Senhor, do povo fiel recebeu o título de Advocata: ela é a nossa advogada junto de Deus. Assim a conhecemos desde as núpcias de Caná: como a mulher bondosa, cheia de solicitude materna e de amor, a mulher que sente as necessidades do próximo e, as apresenta ao Senhor. Hoje ouvimos no Evangelho como o Senhor a dá como mãe ao discípulo predilecto e, nele, a todos nós. Em todas as épocas, os cristãos acolheram com gratidão este testamento de Jesus, e junto da Mãe encontraram sempre de novo aquela segurança e esperança confiante, que nos tornam felizes em Deus e alegres pela nossa fé n'Ele. Acolhamos também nós Maria como a estrela da nossa vida, que nos introduz na grande família de Deus! Sim, quem crê nunca está sozinho. Amém!




Terça-feira, 12 de Setembro de 2006: DISCURSO NA CELEBRAÇÃO ECUMÉNICA NA CATEDRAL DE REGENSBURG

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Dilectos irmãos e irmãs em Cristo


Reunimo-nos, cristãos ortodoxos, católicos e protestantes e juntamente connosco há também alguns amigos judeus para entoar em conjunto os louvores vespertinos de Deus. O coração desta liturgia são os salmos, onde confluem a Antiga e a Nova Aliança e a nossa oração une-se ao Israel crente que vive na esperança. Trata-se de uma hora de gratidão pelo facto de que podemos assim recitar juntos os salmos e, dirigindo-nos ao Senhor, podemos crescer contemporaneamente na unidade também entre nós.

Entre os participantes nestas Vésperas, gostaria de saudar cordialmente os representantes da Igreja ortodoxa. Considero desde sempre um grande dom da Providência o facto de que, como professor em Bonn, tive a oportunidade de conhecer e de apreciar a Igreja ortodoxa, por assim dizer, pessoalmente, ou seja, nas pessoas de dois jovens Arquimandritas, que em seguida se tornaram Metropolitas: Stylianos Harkianakis e Damaskinos Papandreou. Em Regensburg, graças às iniciativas do Bispo Graber, acrescentavam-se ulteriores encontros: nos Simpósios sobre o "Spindlhof" e por causa dos bolsistas que estudaram aqui. Estou feliz por rever alguns rostos que desde há muito tempo me são familiares e por reencontrar reavivadas as antigas amizades.

Daqui a poucos dias será retomado em Belgrado o diálogo teológico sobre o tema fundamental da koinonia, da comunhão nas duas dimensões que a Primeira Carta de João nos indica imediatamente no início, no primeiro capítulo. A nossa koinonia é, antes de mais nada, a comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo, no Espírito Santo; é a comunhão com o próprio Deus Trino, que o Senhor tornou possível mediante a sua Encarnação e a efusão do Espírito. Além disso, esta comunhão com Deus cria também a koinonia entre os homens, como participação na fé dos Apóstolos e como comunhão na fé uma comunhão que na Eucaristia se torna "corpórea", edificando a única Igreja que se propaga para além de todos os confins (cf.
1Jn 1,3). Espero e rezo a fim de que estes diálogos dêem fruto e que a comunhão com Deus vivo que nos vincula, assim como a comunhão entre nós na fé legada pelos Apóstolos, se aprofundem e amadureçam até à plena unidade, através da qual o mundo pode reconhecer que Jesus Cristo é verdadeiramente o Enviado de Deus, o Filho de Deus, o Salvador do mundo (cf. Jn 17,21). "Para que o mundo creia", é necessário que nós sejamos um só: a seriedade deste compromisso deve animar o nosso diálogo.

Saúdo de coração inclusive os amigos das várias tradições da Reforma. Também este contexto desperta muitas lembranças no meu íntimo: recordações de amigos do círculo "Jäger-Stählin", que já faleceram; com estas lembranças mistura-se a gratidão pelos encontros deste momento.

Obviamente, penso de modo particular no compromisso da pesquisa cansativa para alcançar o consenso acerca da justificação. Recordo todas as fases daquele processo, até ao memorável encontro com o saudoso Bispo Hanselmann aqui em Regensburg um encontro que contribuiu de modo essencial para alcançar uma conclusão concorde. Estou feliz porque, entretanto, também o "Conselho Mundial das Igrejas Metodistas" aderiu a tal Declaração.

O consenso acerca da justificação permanece para nós um grande compromisso que na minha opinião na realidade ainda não foi totalmente alcançado: na teologia a justificação é um tema essencial, mas na vida dos fiéis tenho esta impressão hoje está pouco presente. Pois por causa dos acontecimentos dramáticos do nosso tempo, o tema do perdão recíproco manifesta-se de novo em toda a sua urgência; estamos pouco conscientes do facto de que nos é necessário sobretudo o perdão de Deus, a justificação por meio dele.

Em grande parte da consciência moderna e todos nós, de certo modo, somos "modernos" já não existe a consciência de que perante Deus realmente temos dívidas e que o pecado é uma realidade que só pode ser superada por iniciativa de Deus. Por detrás deste debilitamento do tema da justificação e do perdão dos pecados encontra-se, na realidade, um enfraquecimento do nosso relacionamento com Deus. Por isso, a nossa tarefa primordial talvez consista em redescobrir de outra forma o Deus vivo na nossa vida, no nosso tempo e na nossa sociedade.

Ouçamos agora, a este propósito, aquilo que há pouco São João queria dizer-nos na leitura bíblica. Gostaria de sublinhar de maneira particular três afirmações deste texto complexo e rico. O tema central de toda a Carta aparece no versículo 15: "Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus". Uma vez mais, como já antes nos versículos 2 e 3 do capítulo 4, João ressalta a confissão que, no fundo, nos distingue como cristãos: ou seja, a fé no facto de que Jesus é o Filho de Deus que se tornou carne. "A Deus jamais alguém O viu.

O Filho unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem O deu a conhecer", lê-se no final do prólogo do quarto Evangelho (Jn 1,18). Quem é Deus, sabemo-lo através de Jesus Cristo: do único que é Deus. É mediante Ele que entramos em contacto com Deus. Na época dos encontros multirreligiosos, somos facilmente tentados a atenuar um pouco esta confissão central ou mesmo a ocultá-la. Mas assim não prestamos um serviço ao encontro, nem ao diálogo. Deste, modo, só tornamos Deus menos acessível aos outros e a nós mesmos.

É importante que questionemos de modo completo, e não somente fragmentário, a imagem que nós temos de Deus. Para sermos capazes disto, a nossa comunhão pessoal com Cristo e o nosso amor por Ele devem crescer e aprofundar-se. Nesta nossa comum confissão e nesta nossa tarefa conjunta não existe qualquer divisão entre nós. Queremos rezar, a fim de que este fundamento comum se fortaleça cada vez mais.

Assim, já chegamos ao segundo tema, que eu desejava abordar. Dele fala o versículo 14, onde se lê: "Nós O contemplamos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo". A palavra central desta frase é: µa?t????ˆ µe? nós testemunhamos, somos testemunhas.

A confissão deve tornar-se testemunho. A palavra subjacente µ??t?? evoca o facto de que a testemunha de Jesus Cristo deve afirmar o seu testemunho com toda a sua existência, com a sua vida e com a morte. O autor da Carta diz de si mesmo: "Nós O contemplamos". Porque viu, ele pode ser testemunha. Porém, pressupõe que também nós as gerações sucessivas sejamos capazes de nos tornarmos videntes, a fim de podermos dar testemunho como videntes. Portanto, oremos a Deus para que nos faça ser videntes! Ajudemo-nos uns aos outros a desenvolver esta capacidade, para poder tornar videntes também os homens do nosso tempo, de tal forma que eles, por sua vez, através do mundo inteiro por eles mesmos construído, consigam redescobrir Deus!

Para que, através de todas as barreiras históricas, possam voltar a ver Jesus, o Filho enviado por Deus, em quem vemos o Pai. No versículo 9 diz-se que Deus enviou o Filho ao mundo, a fim de que nós tivéssemos vida. Não podemos talvez constatar hoje, que somente mediante o encontro com Jesus Cristo a vida se torna verdadeiramente tal? Ser testemunha de Jesus Cristo significa sobretudo: ser testemunha de um determinado modo de viver. Num mundo repleto de confusão, nós devemos dar novamente testemunho das orientações que tornam a vida autenticamente tal. Temos o dever de assumir com grande determinação esta importante tarefa comum de todos os fiéis: nesta hora, a responsabilidade dos cristãos consiste em tornar visíveis as orientações de uma vida recta, como nos foram esclarecidas em Jesus Cristo. No seu estilo de vida Ele resumiu todas as palavras da Escritura: "Escutai-o!" (Mc 9,7).

Assim, chegamos à terceira palavra que, nesta Leitura, eu desejava frisar: ágape amor. Esta é a palavra-guia de toda a Carta, e especialmente do trecho que ouvimos. Ágape, o amor que nos ensina João, nada tem de sentimental, nem de exaltação; é algo totalmente sóbrio e realista.

Procurei explicar um pouco disto na minha Encíclica Deus caritas est. O ágape, o amor, é autenticamente a síntese da Lei e dos Profetas. Nela tudo está "entrelaçado"; todavia, é um tudo que na vida quotidiana deve ser "desenvolvido" sempre de novo. No versículo 16 do nosso texto encontra-se esta palavra maravilhosa: "Nós cremos no amor". Sim, o homem pode acreditar no amor. Demos testemunho da nossa fé, de tal forma que se manifeste como força do amor, "para que o mundo creia" (Jn 17,21).

Amém!





Sexta-feira, 6 de Outubro de 2006: NA CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA COM OS MEMBROS DA COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

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Queridos Irmãos e Irmãs!


Não preparei uma verdadeira homilia, mas apenas algumas ideias para fazer a meditação. A missão de São Bruno, o santo de hoje, é clara podemos dizer é interpretada na oração deste dia que, mesmo se bastante variada no texto italiano, nos recorda que a sua missão foi silêncio e contemplação. Mas silêncio e contemplação têm uma finalidade: servem para conservar, na dispersão da vida quotidiana, uma união permanente com Deus. Esta é a finalidade: que na nossa alma esteja sempre presente a união com Deus e transforme todo o nosso ser.

Silêncio e contemplação característica de São Bruno servem para poder encontrar na dispersão de cada dia esta profunda e contínua união com Deus. Silêncio e contemplação: a bela vocação do teólogo é falar. É esta a sua missão: na loquacidade do nosso tempo, e de outros tempos, na inflação das palavras, tornar presentes as palavras essenciais. Nas palavras tornar presente a Palavra, a Palavra que vem de Deus, a Palavra que é Deus.

Mas como poderemos, sendo parte deste mundo com todas as suas palavras, tornar presente Deus nas palavras, a não ser mediante um processo de purificação do nosso pensar, que deve ser sobretudo também um processo de purificação das nossas palavras? Como poderemos abrir o mundo, e primeiro nós mesmos, à Palavra sem entrar no silêncio de Deus, do qual procede a sua Palavra? Para a purificação das nossas palavras, e portanto para a purificação das palavras do mundo, temos necessidade daquele silêncio que se torna contemplação, que nos faz entrar no silêncio de Deus e assim chegar ao ponto onde nasce a Palavra, a Palavra redentora.

São Tomás de Aquino, com uma longa tradição, diz que na teologia Deus não é o objecto do qual falamos. Esta é a nossa concepção normal. Na realidade, Deus não é o objecto; Deus é o sujeito da teologia. Quem fala na teologia, o sujeito falante, deveria ser o próprio Deus. E o nosso falar e pensar deveria servir apenas para que possa ser ouvido, para que o falar de Deus, a Palavra de Deus possa encontrar espaço no mundo. Assim de novo, somos convidados para este caminho da renúncia a palavras nossas; a este caminho da purificação, para que as nossas palavras sejam só instrumento mediante o qual Deus possa falar, e assim Deus seja realmente não objecto, mas sujeito da teologia.

Neste contexto vem-me em mente uma lindíssima palavra da Primeira Carta de São Pedro, no primeiro capítulo, versículo 22. Em latim soa assim: "Castificantes animas nostras in obedientia veritatis". A obediência à verdade deveria "castificar" a nossa alma, e desta forma guiar à recta palavra e à recta acção. Por outras palavras, falar para encontrar aplausos, falar orientando-se segundo o que os homens querem ouvir, falar em obediência à ditadura das opiniões comuns, é considerado como uma espécie de prostituição da palavra e da alma. A "castidade" à qual o apóstolo Pedro faz alusão não é submeter-se a estes protótipos, não procurar os aplausos, mas procurar a obediência à verdade. E penso que esta seja a virtude fundamental do teólogo, esta disciplina até severa da obediência à verdade que nos torna colaboradores da verdade, boca da verdade, porque não falemos neste rio de palavras de hoje, mas realmente purificados e tornados castos pela obediência à verdade, a verdade fale em nós. E desta forma podemos ser verdadeiramente portadores da verdade.

Isto faz-me pensar em Santo Inácio de Antioquia e numa sua bonita expressão: "Quem compreendeu as palavras do Senhor compreende o seu silêncio, porque o Senhor deve ser conhecido no seu silêncio". A análise das palavras de Jesus chega até um certo ponto, mas permanece no nosso pensar. Só quando alcançamos aquele silêncio do Senhor, no seu ser com o Pai do qual provêm as palavras, podemos realmente começar a compreender a profundidade destas palavras. As palavras de Jesus nasceram no seu silêncio no Monte, como diz a Escritura, no seu ser com o Pai. Deste silêncio da comunhão com o Pai, do estar imerso no Pai, nascem as palavras e só chegando a este ponto, e partindo deste ponto, alcançamos a verdadeira profundidade da Palavra e podemos ser autênticos intérpretes da palavra. O Senhor convida-nos, falando, a subir com Ele ao Monte, e no seu silêncio, aprender de novo o verdadeiro sentido das palavras.

Dizendo isto chegamos às duas leituras de hoje. Job tinha gritado a Deus, fez também a luta com Deus diante das injustiças evidentes com as quais o tratava. Agora confronta-se com a grandeza de Deus. E compreende que diante da verdadeira grandeza de Deus todo o nosso falar é só pobreza e não alcança nem sequer de longe a grandeza do seu ser, e assim diz: "Por duas vezes falei, não continuarei". Silêncio diante da grandeza de Deus, porque as nossas palavras tornam-se demasiado pequenas. Isto faz-me pensar nas últimas semanas da vida de São Tomás. Nessas últimas semanas não escreveu mais, não falou mais. Os seus amigos perguntaram-lhe: Mestre, porque não falas, porque não escreves? E ele respondeu: perante tudo o que vi agora todas as minhas palavras parecem palha. O grande conhecedor de São Tomás, o padre Jean-Pierre Torrel, diz-nos que não interpretemos mal estas palavras. A palha não é nada. A palha dá o grão e é este o grande valor da palha. Dá o grão. E também a palha das palavras permanece válida como portadora de grão. Mas isto é também para nós, diria, uma relativização do nosso trabalho e ao mesmo tempo uma valorização do nosso trabalho. É também uma indicação, para que o modo de trabalhar, a nossa palha, dê realmente o grão da Palavra de Deus.

O Evangelho termina com as palavras: "Quem vos ouve, é a mim que ouve". É verdade que quem me escuta, escuta realmente o Senhor? Rezemos e trabalhemos para que seja sempre mais verdadeiro que quem nos ouve, ouça Cristo. Amém!





Domingo 15 de Outubro de 2006: CANONIZAÇÃO DE QUATRO BEATOS

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Queridos irmãos e irmãs!

Quatro novos Santos são hoje propostos à veneração da Igreja universal: Rafael Guízar y Valencia, Filippo Smaldone, Rosa Venerini e Théodore Guérin. Os seus nomes serão recordados sempre. Por contraste, é espontâneo pensar no "jovem rico", do qual fala o Evangelho agora proclamado. Este jovem permaneceu anónimo; se tivesse respondido positivamente ao convite de Jesus, ter-se-ia tornado seu discípulo e provavelmente os Evangelistas teriam registado o seu nome. Deste acontecimento entrevê-se imediatamente o tema da Liturgia da Palavra deste domingo: se o homem depõe a sua segurança nas riquezas deste mundo não alcança o sentido pleno da vida nem a verdadeira alegria; se, ao contrário, tendo confiança na palavra de Deus, renuncia a si mesmo e aos seus bens pelo Reino dos céus, aparentemente perde muito, na realidade ganha tudo.

O Santo é exactamente aquele homem, aquela mulher que, respondendo com alegria e com generosidade à chamada de Cristo, deixa tudo para o seguir. Como Pedro e os Apóstolos, como santa Teresa de Jesus que hoje recordamos, e numerosos outros amigos de Deus, também os novos Santos percorreram este itinerário evangélico exigente mas que satisfaz, e receberam "o cêntuplo" já na vida terrena juntamente com provas e perseguições, e depois com a vida eterna.

Portanto, Jesus pode verdadeiramente garantir uma existência feliz e a vida eterna, mas por um caminho diferente daquele que o jovem rico imaginava: isto é, não mediante uma obra boa, uma prestação legal, mas sim na escolha do Reino de Deus como "pérola preciosa" pela qual vale a pena vender tudo o que se possui (cf.
Mt 13,45-46). O jovem rico não consegue dar este passo.

Apesar de ter sido alcançado pelo olhar cheio de amor de Jesus (cf. Mc 10,21), o seu coração não conseguiu desapegar-se dos numerosos bens que possuía. Eis então o ensinamento para os discípulos: "Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!" (Mc 10,23). As riquezas terrenas ocupam e preocupam a mente e o coração. Jesus não diz que são más, mas que afastam de Deus se não forem, por assim dizer, "investidas" pelo Reino dos céus, isto é, se forem empregues para ajudar quem está na pobreza.

Compreender isto é fruto daquela sabedoria da qual fala a primeira Leitura. Ela foi-nos dito é mais preciosa que a prata ou o ouro, mais que a beleza, a saúde e a própria luz, "porque a sua claridade jamais se extingue" (Sg 7,10). Obviamente, esta sabedoria não se reduz unicamente à dimensão intelectual. É muito mais; é "a Sabedoria do coração", como a chama o Salmo 89. É um dom que vem do alto (cf. Jc 3,17), de Deus, e obtém-se com a oração (cf. Sg 7,7). De facto, ela não permaneceu longe do homem, fez-se próxima do seu coração (cf. Dt 30,14), assumindo forma na lei da Primeira Aliança estabelecida entre Deus e Israel mediante Moisés. No Decálogo está contida a Sabedoria de Deus. Por isto Jesus afirma no Evangelho que para "entrar na vida" é necessário observar os mandamentos (cf. Mc 10,19). É necessário, mas não é suficiente! De facto, como diz São Paulo, a salvação não provém da lei, mas da Graça. E São João recorda que a lei foi dada por Moisés, enquanto a Graça e a Verdade vieram por meio de Jesus Cristo (cf. Jn 1,17).

Portanto, para alcançar a salvação é preciso abrir-se na fé à graça de Cristo, o qual pretende de nós, contudo, uma condição exigente: "Vem e segue-Me" (Mc 10,21). Os santos tiveram a humildade e a coragem de lhe responder "sim", e renunciaram a tudo para serem seus amigos.

Assim fizeram os novos quatro Santos, que hoje veneramos de modo particular. Neles reencontramos a experiência de Pedro actualizada: "Aqui estamos nós que deixámos tudo e Te seguimos" (Mc 10,28). O seu único tesouro está no céu: é Deus.

O evangelho que ouvimos ajuda-nos a compreender a figura de São Rafael Guízar y Valencia, Bispo de Veracruz na querida nação mexicana, como um exemplo dos que deixaram tudo para "seguir Jesus". Este Santo foi fiel à palavra divina, "viva e eficaz", que penetra no mais profundo do espírito (cf. He 4,12). Imitando Cristo pobre, desprendeu-se dos seus bens e nunca aceitou favores dos poderosos, ou então oferecia-os em seguida. Por isso recebeu "o cêntuplo" e, desta forma, pôde ajudar os pobres, inclusive entre "perseguições" sem trégua (cf. Mc 10,30). Por ter vivido heroicamente a sua caridade chamavam-lhe o "Bispo dos pobres". No seu ministério sacerdotal e em seguida episcopal, foi um incansável pregador de missões populares, o modo mais apropriado naquela época para evangelizar o povo, usando o seu Catecismo da doutrina cristã.

Sendo a formação dos sacerdotes uma das suas prioridades, reconstruiu o seminário, que considerava "a pupila dos seus olhos", e por isso costumava exclamar: "Um bispo pode não ter a mitra, o báculo e até a catedral, mas nunca lhe deve faltar o seminário, porque do seminário depende o futuro da sua diocese". Com este profundo sentido de paternidade sacerdotal enfrentou novas perseguições e desterros, mas garantindo sempre a preparação dos alunos. Que o exemplo de São Rafael Guízar y Valencia seja uma chamada para os irmãos bispos e sacerdotes, para que considerem fundamental nos programas pastorais, além do espírito de pobreza e de evangelização, a fomentação de vocações sacerdotais e religiosas, na sua formação segundo o coração de Cristo.

São Filippo Smaldone, filho da Itália meridional, soube conciliar na sua vida as melhores virtudes próprias da sua terra. Sacerdote de coração grande, alimentado pela oração constante e pela adoração eucarística, foi sobretudo testemunha e servo da caridade, que manifestavademodoeminente no serviço aos pobres, em particular aos surdos-mudos, aos quais se dedicou totalmente. A obra que ele iniciou continua graças à Congregação das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações por ele fundada, e que está difundida em diversas partes da Itália e do mundo. São Filippo Smaldone via reflectida nos surdos-mudos a imagem de Jesus e costumava repetir que, assim como nos prostramos diante do Santíssimo Sacramento, também é preciso ajoelhar-nos diante de um surdo-mudo. Aceitemos do seu exemplo o convite para considerar sempre indissolúveis o amor à Eucaristia e o amor ao próximo. Aliás, só podemos obter a verdadeira capacidade de amar os irmãos no encontro com o Senhor no sacramento da Eucaristia.

Santa Rosa Venerini é outro exemplo de discípula fiel de Cristo, pronta a abandonar tudo para cumprir a vontade de Deus. Gostava de repetir: "estou presa a tal ponto na vontade divina, que não me importa nem morte, nem vida: desejo viver o que Ele quer, e desejo servi-lo em tudo o que lhe apraz, e nada mais" (Biografia Andreucci, p. 515). Deste seu abandono a Deus brotava a actividade clarividente que desempenhava com coragem a favor da elevação espiritual e da autêntica emancipação das jovens mulheres do seu tempo. Santa Rosa não se contentava em dar às jovens uma adequada instrução, mas preocupava-se em lhes garantir uma formação completa, com sólidas referências ao ensinamento doutrinal da Igreja. O seu mesmo estilo apostólico continua a caracterizar ainda hoje a vida da Congregação das Mestras Pias Venerini, por ela fundada. E como é actual e importante também para a sociedade de hoje o serviço que elas desempenham no campo da escola e sobretudo da formação da mulher!

"Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres... depois vem e segue-Me". Estas palavras inspiraram numerosos Cristãos ao longo da história da Igreja para seguir Cristo numa vida de pobreza radical, confiando na Providência Divina. Entre estes generosos discípulos de Cristo encontrava-se a jovem francesa, que respondeu sem hesitações à chamada do divino Mestre. A Madre Théodore Guérin entrou na Congregação das Irmãs da Providência em 1823, e dedicou-se ao trabalho do ensino nas escolas. Depois, em 1839, foi enviada pela Superiora para os Estados Unidos da América, com a tarefa de orientar a nova comunidade em Indiana. Depois de uma longa viagem entre terra e mar, o grupo de seis irmãs chegou à localidade de "Saint Mary-of-the-Woods". Ali, de uma simples cabana, fizeram uma capela no meio da floresta. Ajoelhavam-se diante do Santíssimo Sacramento e davam graças, pedindo ao Senhor orientação para a nova fundação. Com grande confiança na Divina Providência, a Madre Théodore superou muitos desafios e perseverou no trabalho para o qual o Senhor a tinha chamado. No momento da sua morte, em 1856, as Irmãs dirigiam muitas escolas e orfanatos no Estado de Indiana. Nas suas palavras, "quanto bem foi realizado pelas Irmãs de Saint Mary-of-the-Woods! Quanto bem ainda pode ser realizado se permanecerem fiéis à sua santa vocação!".

A Madre Théodore Guérin é uma bela figura espiritual e um modelo de vida cristã. Ela esteve sempre disponível para as missões que a Igreja lhe solicitava, encontrava a força e a audácia para as concretizar na Eucaristia, na oração e numa confiança infinita na divina Providência. A sua força interior estimulava-a a dedicar especial atenção aos pobres, sobretudo às crianças.

Queridos irmãos e irmãs, demos graças ao Senhor pelo dom da santidade, que hoje resplandece na Igreja com beleza especial. Jesus convida também a nós, como a estes Santos, a segui-lo para termos como herança a vida eterna. O seu testemunho exemplar ilumine e encorage especialmente os jovens, para que se deixem conquistar por Cristo, pelo seu olhar repleto de amor. Maria, Rainha dos Santos, suscite no povo cristão homens e mulheres como São Rafael Guízar y Valencia, São Filippo Smaldone, Santa Rosa Venerini e Santa Théodore Guérin, dispostos a abandonar tudo pelo Reino de Deus; decididos a fazer própria a lógica da doação e do serviço, a única que salva o mundo. Amém!





Bento XVI Homilias 12906