Bento XVI Homilias 15106


Segunda-feira, 16 de Outubro de 2006: NA MISSA DAS EXÉQUIAS DO CARDEAL DINO MONDUZZI

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Queridos irmãos e irmãs!

Com esta celebração eucarística despedimo-nos do querido Cardeal Monduzzi. Perante o silêncio da morte e do não cumprir-se das expectativas humanas, sentimos viva a esperança cristã de que, além das aparências, distingue-se o amor de Deus fiel às promessas. Na primeira Leitura, há pouco proclamada, ouvimos estas palavras: "Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outras para a ignomínia, para a reprovação eterna" (
Da 12,2). E o profeta Daniel acrescenta: "Os que tiverem sido sensatos resplandecerão como a luminosidade do firmamento, e os que tiverem levado muitos aos caminhos da justiça brilharão como estrelas com um esplendor eterno" (Ibid., Da 12,3). O texto sagrado põe em evidência a sabedoria de quem depôs unicamente no Senhor a própria esperança e ensinou aos demais a fazer o mesmo. Estes, no final da sua existência terrena, não serão desiludidos porque participarão da mesma luz divina e receberão de Deus a vida que não tem fim.

A página evangélica oferece-nos depois a certeza confortadora de que ninguém é excluído do amor d'Aquele que, em Cristo, "nos fez dignos de participar da sorte dos santos na luz" (cf. Col 1,12). O Senhor Jesus garante-nos que "na casa de Meu Pai há muitas moradas... E, quando Eu tiver ido e vos tiver preparado um lugar, virei outra vez e levar-vos-ei Comigo, para que, onde Eu estiver, estejais vós também" (Jn 14,2-3). Jesus pronunciava estas palavras no clima trepidante do Cenáculo, pouco antes que iniciasse a sua paixão. Como aos discípulos também a nós hoje Jesus dirige o seu encorajamento para que enfrentemos as vicissitudes da vida com plena confiança na sua presença misteriosa, que nos acompanha em cada momento, sobretudo nos mais difíceis. Na hora da provação e do abandono sentimos ressoar, densas de conforto, estas suas palavras: "Não se turve o vosso coração: Credes em Deus, crede também em Mim" (Jn 14,1). A esperança cristã, radicada numa fé sólida na palavra de Cristo, é a âncora de salvação que nos ajuda a superar as dificuldades aparentemente insuperáveis e nos permite entrever a luz da alegria também além da escuridão do sofrimento e da morte.

Apraz-nos pensar no querido Cardeal Monduzzi entre os braços amorosos do Pai celeste, que o chamou a si depois de ter padecido uma longa doença. Repercorremos com a memória a sua não breve existência, animada por uma fé evangélica simples e profunda, recebida desde a primeira infância em família e na comunidade cristã de Brisighella, onde nascera a 2 de Abril de 1922. Graças ao exemplo e aos ensinamentos dos pais, dos sacerdotes e dos educadores da Associação de Acção Católica à qual aderiu quando ainda era criança, o Senhor preparava o seu coração para receber o grande dom da vocação sacerdotal. Ele respondeu com imediata generosidade à chamada de Deus, entrando ainda jovem no Seminário diocesano de Faenza, onde fez os estudos primários, liceais e teológicos. Tendo sido ordenado sacerdote em 1945 na sua cidade de Brisighella, iniciou o ministério sacerdotal na diocese, transferindo-se pouco tempo depois para Roma, onde, tendo terminado os estudos jurídicos, foi chamado a fazer parte do grupo de sacerdotes e leigos empenhados em interessantes actividades pastorais de despertamento religioso e moral, denominadas "Missões sociais". Esta forma moderna de evangelização levou-o à Calábria e à Sardenha e preparou-o para o compromisso quase pioneirista de capelão dos assalariados e dos agricultores junto do Órgão para a Reforma Agrária do Fucino, que dava tantas esperanças numa zona caracterizada por uma grave depressão humana. Durante cerca de dez anos ele esteve presente com paciência, tenacidade e canseira junto das famílias, nos canteiros de obra, nos centros paroquiais.

Depois destes anos de intenso trabalho apostólico, em 1959 foi chamado ao serviço da Santa Sé para desempenhar o cargo de Secretário no Escritório do Mestre de Câmara e, em 1967, depois da Reforma da Cúria querida pelo servo de Deus Paulo VI, foi nomeado Secretário e Regente do Palácio Apostólico. O seu foi um longo e apreciado serviço prestado a quatro Pontífices, que em 1986 foi coroado pela nomeação para Prefeito da Casa Pontifícia e pela elevação a Bispo Titular de Capri. Nesta função ele confirmou os seus não comuns dotes organizativos quer na actividade quotidiana da Prefeitura da Casa Pontifícia, quer nas viagens apostólicas do Papa na Itália. Na conclusão de uma longa e fiel colaboração com o Sucessor de Pedro, o servo de Deus João Paulo II, no Consistório público de 21 de Fevereiro de 1998, incluiu-o entre os membros do Colégio Cardinalício.

Na segunda Leitura que foi proclamada na nossa assembleia orante, o apóstolo Paulo recorda aos Filipenses que "nós somos cidadãos do Céu e de lá esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo miserável, tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso" (Ph 3,20-21). O Cardeal Monduzzi, depois de um longo itinerário humano e sacerdotal, chega agora à pátria celeste, pátria prometida aos que empregam a vida ao serviço de Deus e dos irmãos. Ele trabalhou pelo Reino dos céus vendo nos encontros com o povo ocasiões preciosas para suscitar o desejo pelas coisas do alto e o amor à Igreja "semente e início" do Reino de Deus. Ele sentia-se um humilde colaborador da missão confiada por Cristo a Pedro e aos seus Sucessores. Como Prefeito da Casa Pontifícia teve a oportunidade de se encontrar com os homens mais poderosos do mundo, que recebeu com gentileza, com o calor e a simpatia que provinham da sua fé convicta e das suas origens. Com eles, como também com as pessoas comuns, que a ele se dirigiam apresentando os pedidos mais diversificados, na organização dos grandes momentos eclesiais ou na prática quotidiana do seu ministério de Prefeito da Casa do Papa, ele inspirava-se constantemente no mote episcopal que escolhera: "Patientiam praeficere caritati". De facto, em todas as circunstâncias ele soube encontrar na virtude da paciência a via-mestra para conformar a sua vida com Cristo, suportando dificuldades e sofrimentos, e procurando exercer a caridade para com todos.

Confiamo-lo agora à paterna bondade de Deus, que transfigurará o seu corpo consumido pela doença conformando-o com o Corpo glorioso de Cristo. Ao prestar ao amado Cardeal Monduzzi a extrema saudação, damos graças ao Senhor pelo bem que ele realizou e invocamos ao mesmo tempo, para ele, a misericórdia divina. Ele, que foi chamado a dirigir a Casa do Vigário de Cristo e que fizera do acolhimento a dimensão primária da sua vida sacerdotal, encontre no Senhor Jesus o amigo fiel que o leva consigo para lhe atribuir um lugar na casa do Pai, habitação de luz e de paz. A Virgem Maria, que ele amou ternamente, se lhe mostre como Mãe de misericórdia e o acolha na comunhão dos Santos. Amém.




Quinta-feira, 19 de outubro de 2006: VISITA PASTORAL A VERONA POR OCASIÃO DO IV CONGRESSO NACIONAL DA IGREJA ITALIANA

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Estádio Municipal "Bentegodi"





Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio!
Queridos irmãos e irmãs!

Nesta Celebração eucarística vivemos o momento central do IV Congresso nacional da Igreja na Itália, que se reúne hoje em redor do Sucessor de Pedro. O centro de cada acontecimento eclesial é a Eucaristia, na qual Cristo Senhor nos convoca, nos alimenta e nos envia. É significativo que o lugar pré-escolhido para esta solene liturgia seja o estádio de Verona: um espaço onde habitualmente não se celebram ritos religiosos, mas manifestações desportivas, envolvendo milhares de apaixonados. Hoje, este espaço hospeda Jesus ressuscitado, realmente presente na sua Palavra, na assembleia do Povo de Deus com os seus Pastores e, de maneira eminente, no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. Cristo vem hoje a este moderno areópago, para efundir o seu Espírito sobre a Igreja que está na Itália, para que, reavivada pelo sopro de um novo Pentecostes, saiba "comunicar o Evangelho a um mundo em mudança", como propõem as orientações pastorais da Conferência Episcopal Italiana para o decénio 2000-2010.

A vós, venerados Irmãos Bispos, com os Presbíteros e os Diáconos, a vós, queridos delegados da Diocese e das agregações laicais, a vós religiosas, religiosos e leigos comprometidos dirijo a minha saudação mais cordial, que faço extensiva a quantos se unem a nós através da rádio e da televisão. Saúdo e abraço espiritualmente toda a Comunidade eclesial italiana, Corpo de Cristo vivo. Desejo expressar de modo especial o meu apreço a quantos se empenharam longamente para preparar e organizar este Congresso: o Presidente da Conferência Episcopal Camillo Ruini, o Secretário-Geral, D. Giuseppe Betori, com os colaboradores dos vários escritórios; o Cardeal Dionigi Tettamanzi e os demais membros da Comissão preparatória; o Bispo de Verona, D. Flavio Roberto Carraro, ao qual estou grato pelas gentis palavras que me dirigiu no início da celebração em nome desta amada comunidade de Verona que nos acolhe. Dirijo também um cordial pensamento ao Senhor Presidente do Conselho dos Ministros e às outras distintas Autoridades presentes; por fim, dirijo um agradecimento cordial aos profissionais da comunicação que seguem os trabalhos desta importante assembleia na Igreja Italiana.

As Leituras bíblicas, que há pouco foram proclamadas, iluminam o tema do Congresso:

"Testemunhas de Jesus ressuscitado, esperança do mundo". A Palavra de Deus põe em evidência a resurreição de Cristo, acontecimento que regenerou os crentes numa esperança viva, como se exprime o apóstolo Pedro no início da sua Primeira Carta. Este texto constituiu o eixo principal do itinerário de preparação para este grande encontro nacional. Como seu sucessor, também eu exclamo com alegria: "Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo" (
1P 1,3), porque mediante a ressurreição do seu Filho nos regenerou e, na fé, nos deu uma esperança invencível na vida eterna, de modo que nós vivemos no presente sempre propensos para a meta, que é o encontro final com nosso Senhor e Salvador. Fortalecidos por esta esperança não tenhamos receio das provas, que, por muito dolorosas e pesadas, nunca podem afectar a profunda alegria que nos provém por sermos amados por Deus. Ele, na sua próvida misericórdia, deu o seu Filho por nós e nós, mesmo sem o ver, cremos n'Ele e amámo-lo (cf. 1P 1,3-9). O seu amor nos basta.

Da força deste amor, da fé firme na ressurreição de Jesus que funda a esperança, nasce e renova-se constantemente o nosso testemunho cristão. É ali que se radica o nosso "Credo", o símbolo do qual atingiu a pregação inicial e que continua inalterado a alimentar o Povo de Deus. O conteúdo do "kerygma", do anúncio, que constitui a substância de toda a mensagem evangélica, é Cristo, o Filho de Deus feito Homem, morto e ressuscitado por nós. A sua ressurreição é o mistério qualificante do Cristianismo, o cumprimento superabundante de todas as profecias de salvação, mesmo da que acabámos de ouvir na primeira Leitura, tirada da parte final do Livro do profeta Isaías. De Cristo Ressuscitado, primícia da humanidade nova, regenerada e regenerante, nasceu, na realidade, como predisse o profeta, o povo dos "pobres" que abriram o coração ao Evangelho e se tornaram, e tornam-se sempre de novo, "sobreiros de justiça", reconstrutores de ruínas, restauradores de cidades desoladas, estimados por todos como raça abençoada pelo Senhor (cf. Is 61,3-4 Is 61,9). O mistério da ressurreição do Filho de Deus, que, tendo subido ao céu à direita do Pai, efundiu sobre nós o Espírito Santo, nos faz abraçar com um só olhar Cristo e a Igreja: o Ressuscitado e os ressuscitados, a Primazia e o campo de Deus, a Pedra angular e as pedras vivas, para usar outra imagem da Primeira Carta de Pedro (cf. 1P 2,4-8). Assim aconteceu no início, com a primeira comunidade apostólica, e assim deve acontecer também agora.

De facto, a partir do dia de Pentecostes a luz do Senhor ressuscitado transfigurou a vida dos Apóstolos. Eles já tinham a percepção clara de não serem simplesmente discípulos de uma doutrina nova e interessante, mas testemunhas pré-escolhidos e responsáveis de uma revelação com a qual estava relacionada a salvação dos seus contemporâneos e de todas as gerações futuras. A fé pascal enchia o seu coração de um fervor e de um zelo extraordinário, que os tornava prontos para enfrentar todas as dificuldades e até a morte, e imprimia às suas palavras uma irresistível energia de persuasão. E assim, um grupo de pessoas, sem recursos humanos e fortes unicamente da sua fé, enfrentou sem receio duras perseguições e o martírio. Escreve o apóstolo João: "esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (1Jn 5,4b). A verdade desta afirmação está também documentada na Itália há quase dois milénios de história cristã, com numerosos testemunhos de mártires, de santos e beatos, que deixaram vestígios perenes em todas as partes da bonita península na qual vivemos. Alguns deles foram recordados no início do Congresso e os seus rostos acompanham os seus trabalhos.

Nós somos hoje os herdeiros daquelas testemunhas vitoriosas! Mas precisamente desta constatação surge a pergunta: que acontece à nossa fé? Em que medida sabemos hoje anunciá-la?

A certeza de que Cristo ressuscitou garante-nos que nenhuma força contrária poderá destruir a Igreja. Anima-nos também a consciência de que só Cristo pode satisfazer plenamente as expectativas profundas de cada coração humano e responder às interrogações mais preocupantes acerca do sofrimento, da injustiça e do mal, da morte e da outra vida. Portanto, a nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós. Então é preciso fazer um amplo e pormenorizado esforço para que cada cristão se transforme em "testemunha" capaz e pronta a assumir o compromisso de explicar a todos e sempre o motivo da esperança que o anima (cf. 1P 3,15). Por isso é preciso anunciar de novo com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do Cristianismo, fulcro portante da nossa fé, meio poderoso das nossas certezas, vento impetuoso que afasta qualquer receio e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. Só de Deus pode vir a mudança decisiva do mundo. Só a partir da Ressurreição se compreende a verdadeira natureza da Igreja e do seu testemunho, e não algo separado do mistério pascal, mas é o seu fruto, manifestação e actuação por parte de quantos, recebendo o Espírito Santo, são enviados por Cristo a prosseguir a sua mesma missão (cf. Jn 20,21-23).

"Testemunhas de Jesus ressuscitado": esta definição dos cristãos deriva directamente do trecho do Evangelho de Lucas hoje proclamado, mas também dos Actos dos Apóstolos (cf. Ac 1,8 Ac 1,22). Testemunhas de Jesus ressuscitado. Aquele "de" deve ser compreendido bem! Significa que a testemunha "de" Jesus ressuscitado lhe pertence, e precisamente como tal lhe pode prestar um válido testemunho, pode falar dele, fazê-lo conhecer, guiar para ele, transmitir a sua presença. É exactamente o contrário do que acontece para a outra expressão: "esperança do mundo". Aqui a preposição "do" não indica absolutamente pertença, porque Cristo não é do mundo, assim como os cristãos não devem ser do mundo. A esperança, que é Cristo, é no mundo, é para o mundo, e isto precisamente porque Cristo é Deus, é "o Santo" (em hebraico Qadosh). Cristo é esperança para o mundo porque ressuscitou, e ressuscitou porque é Deus. Também os cristãos podem levar a esperança ao mundo, porque são de Cristo e de Deus na medida em que morrem com Ele para o pecado e ressuscitam com Ele para a vida nova do amor, do perdão, do serviço, da não-violência.

Como diz Santo Agostinho: "Acreditaste, foste baptizado: morreu a vida velha, foi morta na cruz, sepultada no baptismo. Foi sepultada a velha, na qual não viveste bem: ressurja a nova" (Sermão Guelf. IX, em M. Pellegrino, Vox Patrum, 177). Só se, como Cristo, não forem do mundo, os cristãos podem ser esperança no mundo e para o mundo.

Queridos irmãos e irmãs, os meus votos, que certamente todos vós partilhais, são por que a Igreja na Itália possa partir de novo deste Congresso como que estimulada pela palavra do Senhor ressuscitado que repete a todos e a cada um: sede no mundo de hoje testemunhas da minha paixão e da minha ressurreição (cf. Lc 24,48). Num mundo que muda, o Evangelho não muda. A Boa Nova permanece sempre a mesma: Cristo morreu e ressuscitou para a nossa salvação! Levai a todos em seu nome o anúncio da conversão e do perdão dos pecados, mas sede vós os primeiros a dar testemunho de uma vida convertida e de perdão. Sabemos bem que isto não é possível sem estar "revestidos do poder do alto" (Lc 24,49), isto é, sem a força interior do Espírito do Ressuscitado. Para a receber é necessário, como disse Jesus aos discípulos, não se afastar de Jerusalém, permanecer na "cidade" onde se consumou o mistério da salvação, o supremo Acto de amor de Deus pela humanidade. É preciso permanecer em oração com Maria, a Mãe que Cristo nos deu da Cruz. Para os cristãos, cidadãos do mundo, permanecer em Jerusalém só pode significar permanecer na Igreja, a "cidade de Deus", da qual haurir dos Sacramentos a "unção" do Espírito Santo. Nestes dias do Congresso eclesial nacional, a Igreja que está na Itália, obedecendo ao mandamento do Senhor ressuscitado, reuniu-se, reviveu a experiência originária do Cenáculo, para receber de novo o dom do Alto. Ide agora, consagrados pela sua "unção"! Levai a boa nova aos pobres, curai as feridas dos corações dilacerados, proclamai a liberdade dos escravos, a libertação dos presos, promulgai o ano de misericórdia do Senhor (cf. Is 61,1-2). Reconstruí os antigos desabamentos, erguei as velhas ruínas, restaurai as cidades desoladas (cf. Is 61,4). São tantas as situações difíceis que esperam uma intervenção resolutiva! Levai ao mundo a esperança de Deus, que é Cristo Senhor, o qual ressuscitou dos mortos, e vive e reina nos séculos dos séculos. Amém.



Sexta-feira, 20 de Outubro de 2006: EXÉQUIAS DO CARDEAL MARIO FRANCESCO POMPEDDA

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Queridos irmãos e irmãs!

À distância de poucos dias, reencontramo-nos reunidos em oração para dar a última saudação a outro irmão nosso, o Cardeal Mario Francesco Pompedda, que o Senhor chamou a si, depois de um longo período de sofrimento. Nestes momentos de tristeza e dor vem em nossa ajuda a palavra de Deus, que ilumina a nossa fé e ampara a nossa esperança: a morte não tem a última palavra sobre o destino do homem. "A vida não é tirada diz-nos a Liturgia mas transformada, e enquanto se destrói a habitação deste exílio terreno, é preparada uma habitação eterna no céu" (Prefácio dos defuntos, I).

Na primeira Leitura, tirada do livro do profeta Ezequiel, escutamos palavras cheias de conforto: "Eis que vou introduzir em vós o sopro da vida para que revivais... Sabereis assim que eu sou o Senhor" (
Ez 37,5-6). A visão do profeta projecta-nos para o triunfo definitivo de Deus, quando fará ressurgir os mortos para a vida sem fim. A descrição que Ezequiel traça de "um exército muito numeroso" faz-nos pensar numa multidão de salvos, entre os quais nos apraz pensar que esteja também este nosso irmão. Diz Jesus no Evangelho: "Quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá: e todo aquele que vive e crê em Mim, nunca morrerá" (Jn 11,25-26).

O Cardeal Mario Francesco Pompedda viveu e morreu com esta certeza. Tinha nascido a 18 de Abril de 1929 em Ozieri, na Sardenha e, depois de ter feito os estudos primários no seminário arquiepiscopal de Sassari e os secundários no seminário regional de Cagliari, completou a formação filosófica, teológica e jurídica em Roma na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico e na Pontifícia Universidade Lateranense. Obteve também o título de Advogado da Rota frequentando o "Studium Sacrae Romanae Rotae". Foi ordenado sacerdote a 23 de Dezembro de há 55 anos nesta mesma Basílica de São Pedro. E ainda nesta Basílica foi consagrado Bispo com o título arquiepiscopal de Bisarcio pelo meu Predecessor, o servo de Deus João Paulo II, a 6 de Janeiro de 1998. Hoje, mais uma vez na Basílica de São Pedro, celebra-se o seu funeral.

Empregou toda a sua vida ao serviço da Santa Sé desde quando, em 1955, iniciou a trabalhar no Tribunal da Rota Romana com vários encargos, até à nomeação para Defensor do vínculo e sucessivamente, em 1969, para Prelado Auditor. Em 1993 tornou-se Decano do mesmo Tribunal e Presidente do Tribunal de Apelação do Estado da Cidade do Vaticano. A sua preparação teológica, bíblica e especialmente jurídica fez dele um competente colaborador de diversos Dicastérios da Cúria Romana, até assumir a alta responsabilidade de Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e de Presidente do Tribunal de Apelação do Estado da Cidade do Vaticano.

Ao trabalho quotidiano na Rota Romana e depois na Assinatura Apostólica, ao ensinamento na Faculdade de Direito Canónico da Pontifícia Universidade Gregoriana e do Ateneu Romano da Santa Cruz, o Cardeal Pompedda uniu a actividade pastoral, exercendo o ministério sacerdotal durante trinta anos na paróquia de Nossa Senhora de Guadalupe no Monte Mário. Comunicava a quantos o encontravam a solidez da sua fé e iluminava as consciências com os princípios e os ensinamentos da doutrina católica. Com os limites de qualquer criatura humana, esforçou-se por servir Cristo servindo a Igreja, colaborando com o Sucessor de Pedro nos vários cargos que a pouco e pouco lhe foram confiados. Quando, há cinco anos, a 21 de Fevereiro de 2001, foi criado Cardeal pelo amado João Paulo II, ele sentiu ainda mais o valor e a responsabilidade de dever servir e testemunhar o Evangelho "usque ad effusionem sanguinis".

A última etapa do seu caminho terreno foi marcada por uma doença, que praticamente lhe impediu de desempenhar qualquer actividade. Assimilando desta forma à paixão de Cristo, este nosso amigo e irmão teve que se desapegar progressivamente de tudo para se abandonar sem hesitações à vontade divina. "Soli Dei" foi o mote que escolheu aquando da sua eleição para Arcebispo; só em Deus pôde encontrar verdadeiro conforto nos momentos do sofrimento e da provação e agora é Ele, o Pai celeste, que o acolhe com os braços abertos no seu amor misericordioso. São Paulo recorda na Carta aos Romanos: "Deus demonstra o seu amor para connosco, pelo facto de Cristo haver morrido por nós, quando ainda éramos pecadores. Com muito mais razão, portanto, justificados agora pelo Seu sangue, seremos salvos da ira, por Ele mesmo" (Rm 5,8-9). A confiança em Cristo guiou sempre, mas de modo particular nos últimos meses, a existência do Cardeal Pompedda, cuja alma agora confiamos à misericórdia do Pai.

Como ressoam confortadoras, a este propósito, as palavras que ouvimos há pouco no Evangelho: "E a vontade de Meu pai é esta: que todo aquele que vê o Filho e acredita n'Ele tenha a vida eterna; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia" (Jn 6,40). Quem crê em Cristo tem a vida eterna. Jesus não elimina a morte. Ela permanece como uma grande dívida a pagar ao nosso limite humano e ao poder do mal. Mas com a sua ressurreição Ele derrotou a morte para sempre. E com Ele derrotaram-na também os que n'Ele crêem e haurem da sua plenitude graça sobre graça (cf. Jn 1,16). Esta consciência ilumina e orienta a existência de todos os crentes. Com a certeza de que Cristo é o vencedor da morte e com a esperança de sermos por Ele ressuscitados no último dia, faleceu o Cardeal Mario Francesco Pompedda. No seu êxodo deste mundo acompanhamo-lo com a nossa oração fraterna, confiando-o à celeste protecção de Maria. O Senhor lhe conceda, por intercessão da Virgem Santíssima, o repouso prometido aos seus amigos, e na sua misericórdia o introduza no Reino da luz e da paz. Unidos com afecto em volta dos despojos mortais do Cardeal Pompedda, pedimos a Deus para vivermos constantemente inclinados para Cristo que "assumindo sobre si a nossa morte, nos libertou da morte e sacrificando a sua vida nos abriu a porta para a vida imortal" (Prefácio dos defuntos, II). Amém!





Quarta-feira, 1 de Novembro de 2006: NA SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

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Amados irmãos e irmãs


A nossa celebração eucarística inaugurou-se hoje com a exortação "Alegremo-nos todos no Senhor". A liturgia convida-nos a compartilhar o júbilo celeste dos santos, a saborear a sua alegria. Os santos não são uma exígua casta de eleitos, mas uma multidão inumerável, para a qual a liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Em tal multidão não estão somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os baptizados de todas as épocas e nações, que procuraram cumprir com amor e fidelidade a vontade divina. De uma grande parte deles não conhecemos os rostos e nem sequer os nomes, mas com os olhos da fé vemo-los resplandecer, como astros repletos de glória, no firmamento de Deus.

No dia de hoje, a Igreja festeja a sua dignidade de "mãe dos santos, imagem da cidade divina" (A. Manzoni), e manifesta a sua beleza de esposa imaculada de Cristo, nascente e modelo de toda a santidade. Sem dúvida, não lhe faltam filhos obstinados e até rebeldes, mas é nos santos que ela reconhece os seus traços característicos, e precisamente neles saboreia a sua glória mais profunda.

Na primeira Leitura, o autor do livro do Apocalipse descreve-os como "uma multidão enorme, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas" (
Ap 7,9). Este povo compreende os santos do Antigo Testamento, a partir do justo Abel e do fiel Patriarca Abraão, os do Novo Testamento, os numerosos mártires do início do cristianismo e também os beatos e os santos dos séculos seguintes, até às testemunhas de Cristo desta nossa época. Todos eles são irmanados pela vontade de encarnar o Evangelho na sua existência, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus, que é o Espírito Santo.

Mas "para que servem o nosso louvor aos santos, o nosso tributo de glória, esta nossa solenidade?". Com esta interrogação tem início uma famosa homilia de São Bernardo para o dia de Todos os Santos. É uma pergunta que se poderia fazer também hoje. E actual é inclusive a resposta que o Salmo nos oferece: "Os nossos santos diz não têm necessidade das nossas honras, e nada lhes advém do nosso culto. Por minha vez, devo confessar que, quando penso nos santos, sinto-me arder de grandes desejos" (Disc. 2; Opera Omnia Cisterc. 5, 364ss.). Eis, portanto, o significado da solenidade hodierna: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande desejo de ser como os santos: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com vigor pelo Concílio Vaticano II, e hoje proposta de novo solenemente à nossa atenção.

Mas como é que podemos tornar-nos santos, amigos de Deus? A esta interrogação pode-se responder antes de tudo de forma negativa: para ser santo não é necessário realizar acções nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Depois, vem a resposta positiva: é preciso sobretudo ouvir Jesus e depois segui-lo sem desanimar diante das dificuldades. "Se alguém me serve Ele admoesta-nos que me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo" (Jn 12,26). Quem nele confia e o ama com sinceridade, como o grão de trigo sepultado na terra, aceita morrer para si mesmo. Com efeito, Ele sabe que quem procura conservar a sua vida para si mesmo, perdê-la-á, e quem se entrega, se perde a si mesmo, precisamente assim encontra a própria vida (cf. Jn 12,24-25). A experiência da Igreja demonstra que cada forma de santidade, embora siga diferentes percursos, passa sempre pelo caminho da cruz, pelo caminho da renúncia a si mesmo. As biografias dos santos descrevem homens e mulheres que, dóceis aos desígnios divinos, enfrentaram por vezes provações e sofrimentos indescritíveis, perseguições e o martírio. Perseveraram no seu compromisso, "vêm da grande tribulação lê-se no Apocalipse lavaram as suas túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro" (Ap 7,14). Os seus nomes estão inscritos no livro da Vida (cf. Ap 20,12); a sua morada eterna é o Paraíso. O exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o facto de viver longe de Deus.

A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (cf. Is 6,3). Na segunda Leitura, o Apóstolo João observa: "Vede que amor tão grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e, realmente, o somos!" (1Jn 3,1). Portanto, é Deus que nos amou primeiro e, em Jesus, nos tornou seus filhos adoptivos. Na nossa vida tudo é dom do seu amor: como permanecer indiferente diante de um mistério tão grande? Como deixar de responder ao amor do Pai celestial, com uma vida de filhos reconhecidos? Em Cristo, entregou-se inteiramente a nós e chama-nos a um profundo relacionamento pessoal com Ele. Portanto, quanto mais imitarmos Jesus e permanecermos unidos a Ele, tanto mais entraremos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito, e isto impele-nos, por nossa vez, a amar os irmãos. O amar implica sempre um acto de renúncia a si mesmo, o "perder-se a si próprio", e é precisamente assim que nos torna felizes.

Assim chegamos ao Evangelho desta festa, ao anúncio das Bem-Aventuranças, que há pouco ouvimos ressoar nesta Basílica. Jesus diz: Bem-aventurados os pobres de espírito, bem-aventurados os aflitos, os mansos, quem tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, bem-aventurados os puros de coração, os pacificadores, os que sofrem perseguição por causa da justiça (cf. Mt 5,3-10). Na realidade, o Bem-Aventurado por excelência é somente Ele, Jesus.

Com efeito, Ele é o verdadeiro pobre de espírito, o aflito, o manso, aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o pacificador; Ele sofre perseguição por causa da justiça. As Bem-Aventuranças revelam-nos a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o seu mistério, o mistério da Morte e da Ressurreição, da Paixão e da alegria da Ressurreição. Este mistério, que é mistério da verdadeira bem-aventurança, convida-nos ao seguimento de Jesus e, deste modo, ao caminho que conduz a ela. Na medida em que aceitamos a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento cada qual nas suas próprias circunstâncias também nós podemos participar das Bem-Aventuranças. Juntamente com Ele, o impossível torna-se possível e até um camelo pode passar pelo fundo de uma agulha (cf. Mc 10,25); com a sua ajuda, somente com a sua ajuda podemos tornar-nos perfeitos como é perfeito o Pai celeste (cf. Mt 5,48).

Estimados irmãos e irmãs, agora entramos no coração da Celebração eucarística, estímulo e alimento de santidade. Daqui a pouco tornar-se-á presente de modo mais excelso Cristo, verdadeira Videira à qual, como ramos, estão unidos os fiéis que vivem na terra e os santos do céu. Por conseguinte, mais íntima será a comunhão da Igreja que peregrina no mundo, com a Igreja triunfante na glória. No Prefácio proclamaremos que os santos são nossos amigos e modelos de vida. Invoquemo-los para que nos ajudem a imitá-los e comprometamo-nos a responder com generosidade, segundo o seu exemplo, à vocação divina. Invoquemos especialmente Maria, Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, nos faça ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo!

Amém.



Bento XVI Homilias 15106