Bento XVI Homilias 11206


Sábado, 2 de Dezembro de 2006: CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS DO 1º DOMINGO DO ADVENTO

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Altar da Confissão da Basílica de São Pedro


Estimados irmãos e irmãs


A primeira antífona desta celebração vespertina apresenta-se como abertura do tempo do Advento e ressoa como antífona de todo o ano litúrgico. Ouçamo-la novamente: "Transmiti aos povos este anúncio: eis que vem Deus, o nosso Salvador". No início de um novo ciclo anual, a liturgia convida a Igreja a renovar o seu anúncio a todos os povos e resume-o com duas palavras: "Deus vem".

Esta expressão tão sintética contém em si uma força de sugestão sempre nova. Paremos um momento para reflectir: não se usa o passado Deus veio nem o futuro Deus virá mas sim o presente: "Deus vem". Trata-se, em última análise, de um presente contínuo, ou seja, de uma acção sempre em acto: aconteceu, acontece agora e voltará a acontecer. Em qualquer momento, "Deus vem". o verbo "vir" aparece aqui como um verbo "teológico" e mesmo "teologal", porque diz algo que se refere à própria natureza de Deus. Por conseguinte, anunciar que "Deus vem" equivale simplesmente a anunciar o próprio Deus, através de uma sua característica essencial e qualificadora: o seu ser o Deus-que-vem.

O Advento exorta os fiéis a tomarem consciência desta verdade e de agirem consequentemente. Ressoa como um apelo saudável, na repetição dos dias, das semanas e dos meses: Acorda! Recorda que Deus vem! Não ontem, não amanhã, mas hoje, agora! O único Deus verdadeiro, "o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob", não é um Deus que está no céu, desinteressando-se por nós e pela nossa história, mas é o Deus-que-vem. É um Pai que nunca cessa de pensar em nós e, no respeito extremo pela nossa liberdade, deseja encontrar-nos e visitar-nos; quer vir, habitar no meio de nós, permanecer connosco. O seu "vir" é impelido pela vontade de nos libertar do mal e da morte, de tudo o que impede a nossa verdadeira felicidade. Deus vem para nos salvar.

Os Padres da Igreja observam que o "vir" de Deus contínuo e, por assim dizer, conatural ao seu próprio ser concentra-se nas duas vindas principais de Cristo: a da sua Encarnação e a do seu retorno glorioso no fim da história (cf. Cirilo de Jerusalém, Catequese 15, 1: PG 33, 870). O tempo do Advento é vivido inteiramente segundo esta polaridade. Nos primeiros dias, dá-se relevo à última vinda do Senhor, como demonstram também os textos da hodierna celebração vespertina.

Depois, aproximando-se o Natal, prevalecerá ao contrário a memória do acontecimento de Belém, para reconhecer nele a "plenitude do tempo". Entre estas duas vindas "manifestas", pode-se reconhecer uma terceira, que São Bernardo chama "intermédia" e "oculta", que tem lugar na alma dos fiéis e lança como que uma "ponte" entre a primeira e a última. "Na primeira escreve São Bernardo Cristo foi a nossa redenção; na última, manifestar-se-á como a nossa vida: é nela que se encontram o nosso descanso e a nossa consolação" (Disc. 5, sobre o Advento, 1). Para esta vinda de Cristo, que poderíamos chamar "encarnação espiritual", o arquétipo é sempre Maria. Como a Virgem Maria conservou no seu coração o Verbo que se fez carne, assim cada alma e toda a Igreja são chamadas, na sua peregrinação terrena, a esperar Cristo que vem e a acolhê-lo com fé e amor sempre renovados.

Assim, a liturgia do Advento evidencia o facto de que a Igreja dá voz à expectativa de Deus, profundamente inscrita na história da humanidade; infelizmente, trata-se de uma expectativa sufocada ou desviada para falsas direcções. Como Corpo misticamente unido a Cristo Cabeça, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal e instrumento eficaz também desta expectativa de Deus. De uma forma que somente Ele conhece, a comunidade cristã pode apressar a sua vinda final, ajudando a humanidade a ir ao encontro do Senhor que vem. E fá-lo antes de tudo, mas não só, mediante a oração. Além disso, as "boas obras" são essenciais e inseparáveis da oração, como recorda a prece deste primeiro Domingo do Advento, com que pedimos ao Pai celeste que suscite em nós "a vontade de ir com boas obras ao encontro" de Jesus que vem. Nesta perspectiva, o Advento é mais adequado a ser um tempo vivido em comunhão com todos aqueles e graças a Deus são numerosos que esperam num mundo mais justo e mais fraterno. Neste compromisso pela justiça podem encontrar-se juntos, de certa maneira, homens de todas as nacionalidades e culturas, crentes e não-crentes. Efectivamente, todos são animados por uma aspiração comum, embora diferente pelas suas motivações, em vista de um futuro de justiça e de paz.

A paz é a meta à qual toda a humanidade aspira! Para os que crêem, a "paz" é um dos mais bonitos nomes de Deus, que deseja a compreensão de todos os seus filhos, como pude recordar também na peregrinação dos dias passados na Turquia. Um cântico de paz ressoou nos céus, quando Deus se fez homem e nasceu de uma mulher, na plenitude dos tempos (cf.
Ga 4,4). Portanto, comecemos este novo Advento um período que nos é concedido pelo Senhor do tempo despertando nos nossos corações a expectativa de Deus-que-vem e a esperança de que o seu Nome seja santificado, que venha a nós o seu Reino de justiça e de paz, que seja feita a sua Vontade assim na terra como no céu.

Nesta expectativa, deixemo-nos orientar pela Virgem Maria, Mãe de Deus-que-vem, Mãe da Esperança. Ela, que daqui a poucos dias celebraremos como Imaculada, nos conceda que sejamos encontrados santos e puros no amor, quando vier nosso Senhor Jesus Cristo, a quem, com o Pai e com o Espírito Santo, sejam dados louvor e glória por todos os séculos.
Amém.



Roma, 10 de Dezembro de 2006: DEDICAÇÃO DA IGREJA DE SANTA MARIA ESTRELA DA EVANGELIZAÇÃO

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Prezados irmãos e irmãs
da Paróquia de "Santa Maria
Estrela da Evangelização"

Estou feliz por me encontrar no meio de vós para a dedicação desta nova e bonita igreja paroquial: é a primeira que, desde quando assumi o ministério de Bispo de Roma, dedico ao Senhor. A solene liturgia da dedicação de uma igreja é um momento de intensa e comum alegria espiritual para todo o povo de Deus que vive no seu território: uno-me de todo o coração a esta vossa alegria. Saúdo com afecto o Cardeal Vigário de Roma, Camillo Ruini, o Bispo Auxiliar do Sector Sul, D. Paolino Schiavon e o Bispo Auxiliar D. Ernesto Mandara, Secretário da Obra Romana para a Preservação da Fé e para a Provisão de novas igrejas em Roma. Dirijo o meu agradecimento a eles e a quantos, a vários níveis, contribuíram para a realização deste novo centro paroquial.

Esta paróquia é inaugurada durante o período do Advento que, já há dezasseis anos, a Diocese de Roma dedica à sensibilização e à angariação de fundos para a realização de novas igrejas nas periferias da cidade. Ela vai unir-se aos mais de cinquenta edifícios paroquiais já realizados nestes anos, graças aos esforços económicos envidados pelo Vicariato, à contribuição de tantos fiéis e à atenção das autoridades civis. Peço a todos os fiéis e cidadãos de boa vontade que dêem continuidade a este compromisso com generosidade, a fim de que os bairros que ainda estão desprovidos da sua sede paroquial possam tê-la quanto antes. Sobretudo no nosso contexto social, amplamente secularizado, a paróquia constitui um farol que irradia a luz da fé e assim vai ao encontro dos desejos mais profundos e genuínos do coração do homem, dando significado e esperança à vida das pessoas e das famílias.

Saúdo o vosso Pároco, os sacerdotes seus colaboradores, os membros do Conselho Pastoral Paroquial e os outros leigos comprometidos nas várias actividades pastorais. Saúdo com carinho cada um de vós. A vossa comunidade é viva e jovem! Jovem pela sua fundação, ocorrida em 1989, e ainda mais pelo início efectivo das suas actividades. Jovem, porque neste bairro de "Torrino Nord" é jovem a maioria das famílias e, portanto, há numerosas crianças e adolescentes.

Por conseguinte, à vossa comunidade compete a árdua e fascinante tarefa de educar os próprios filhos para a vida e a alegria da fé. Estou convicto de que, em conjunto e em espírito de comunhão sincera, vos comprometereis na preparação para os sacramentos da iniciação cristã e ajudareis os vossos jovens, que doravante poderão encontrar aqui um lugar hospitaleiro e estruturas adequadas, a crescerem no amor e na fidelidade ao Senhor.

Estimados irmãos e irmãs, estamos a dedicar uma igreja um edifício em que Deus e o homem querem encontrar-se; uma casa que nos reúne, onde nos sentimos atraídos por Deus, e o facto de estarmos reunidos com Deus une-nos uns aos outros. As três leituras desta liturgia solene querem mostrar-nos, sob aspectos muito diferentes entre si, o significado de um edifício sagrado como casa de Deus e como casa dos homens.

Nestas três leituras que ouvimos, estamos diante de três grandes temas: na primeira leitura, a Palavra de Deus que reúne os homens; na segunda, a cidade de Deus que, ao mesmo tempo, se manifesta como esposa; e enfim, na terceira, a confissão de Jesus Cristo como Filho de Deus encarnado, expressa primeiro por Pedro, que deste modo deu início àquela Igreja viva que se manifesta no edifício material de cada igreja. Ouçamos agora um pouco mais de perto o que nos dizem estas três leituras.

Antes de tudo, há a narração da nova construção do povo de Israel, da cidade santa de Jerusalém e do templo depois da volta do exílio. Após o grande optimismo da repatriação, o povo tendo voltado encontra-se diante de um país deserto. Como voltar a construí-lo? A reconstrução externa, tão necessária, não pode progredir, se antes não for reconstituído o próprio povo como povo se não se torna concreto um critério comum de justiça que una todos e regulamente a vida e a actividade de cada um.

O povo que regressou tem necessidade, por assim dizer, de uma "constituição", de uma lei fundamental para a sua vida. E sabe que esta constituição, se deve ser justa e duradoura, se em última análise deve levar à justiça, não pode ser fruto de uma sua invenção autónoma. A verdadeira justiça não pode ser inventada pelo homem: ao contrário, ela deve ser descoberta. Em síntese, tem que vir de Deus, que é a Justiça. Por conseguinte, é a Palavra de Deus que volta a edificar a cidade. O que a leitura nos narra é uma evocação do evento do Sinai.

Ela torna-nos presente o acontecimento do Sinai: a santa Palavra de Deus, que indica aos homens o caminho da justiça, é solenemente lida e explicada. Assim, torna-se presente como uma força que, a partir de dentro, edifica novamente o país. Isto acontece no primeiro dia do ano. A Palavra de Deus inaugura um novo ano, inaugura uma nova hora da história. A Palavra de Deus é sempre uma força de renovação, que dá sentido e ordem ao nosso tempo.

No final da leitura, encontra-se a alegria: os homens são convidados a participar no banquete solene; são exortados a ajudar quem nada tem e, deste modo, a unir todos na comunhão da alegria que se fundamenta na Palavra de Deus. A última palavra desta leitura é a bonita expressão: o júbilo do Senhor é a nossa força. Julgo que não é difícil ver que agora estas palavras do Antigo Testamento constituem para nós uma realidade. O edifício da igreja existe para que a Palavra de Deus possa ser ouvida, explicada e compreendida no meio de nós; existe, para que a Palavra de Deus possa agir entre nós como uma força que cria a justiça e o amor. De modo particular, existe para que aí possa começar a festa na qual Deus quer que toda a humanidade participe, não somente no fim dos tempos, mas desde já.

Ele existe para que seja despertado em nós o conhecimento da justiça e do bem, e não há outra fonte para descobrir e dar força a este conhecimento da justiça e do bem, a não ser a Palavra de Deus. Existe ainda para que possamos aprender a viver a alegria do Senhor, que é a nossa força. Oremos ao Senhor para que nos faça alegrar-nos com a sua Palavra; que nos torne felizes com a fé, para que este júbilo nos renove a nós e o mundo!

A leitura da Palavra de Deus, a renovação da revelação do Sinai depois do exílio serviu, portanto, para a comunhão com Deus e entre os homens. Esta comunhão expressou-se na reedificação do templo, da cidade e dos seus muros. Palavra de Deus e edificação da cidade, no Livro de Neemias, estão em estreita relação: por um lado, sem a Palavra de Deus não há cidade, nem comunidade; por outro, a Palavra de Deus não permanece somente um discurso, mas leva a edificar, é uma Palavra que constrói. Os textos seguintes de Neemias sobre a construção dos muros da cidade mostram-se, à uma primeira leitura nos seus pormenores, muito concretos e até prosaicos. Contudo, constituem um tema autenticamente espiritual e teológico.

Uma palavra profética daquela época afirma que o próprio Deus serve de muro em redor de Jerusalém (cf.
Za 2,8 s.). O próprio Deus é a defesa viva da cidade, não só naquela época, mas sempre. Assim, a narração veterotestamentária introduz-nos na visão do Apocalipse, que ouvimos como segunda leitura. Gostaria de lançar luz somente sobre dois aspectos desta visão. A cidade é esposa. Não é simplesmente um edifício de pedra. Tudo o que, com imagens grandiosas, se afirma acerca da cidade refere-se a algo de vivo: à Igreja de pedras vivas, em que desde já se está a formar a cidade futura. Refere-se ao novo povo que, na fracção do pão, se torna um único corpo com Cristo (cf. 1Co 10,16 s.).

Assim como o homem e a mulher, no seu amor, se tornam "uma só carne", também Cristo e a humanidade congregada na Igreja se tornam, mediante o amor de Cristo, "um só espírito" (cf. 1Co 6,17 Ep 5,29 ss.). Paulo chama Cristo o novo, o último Adão: o homem definitivo. E chama-lhe "espírito vivificador" (1Co 15,45). Com Ele, tornamo-nos uma só coisa; com Ele, a Igreja torna-se espírito vivificador. A Cidade santa, em que já não existe um templo porque é habitada por Deus, constitui a imagem desta comunidade que se forma a partir de Cristo.

O outro aspecto que quereria mencionar aqui são os doze fundamentos da cidade, sobre os quais estão inscritos os nomes dos doze Apóstolos. Os fundamentos da cidade não são pedras materiais, mas seres humanos são os Apóstolos com o testemunho da sua fé. Os Apóstolos permanecem como os fundamentos essenciais da nova cidade, da Igreja, por intermédio do ministério da sucessão apostólica: mediante os Bispos. As pequenas velas que acendemos nas paredes da igreja, nos lugares onde serão feitas as unções, evocam precisamente os Apóstolos: a sua fé constitui a verdadeira luz que ilumina a Igreja. E, ao mesmo tempo, é o fundamento sobre o qual ela está alicerçada. A fé dos Apóstolos não é algo antiquado. Uma vez que é verdade, é também o fundamento sobre o qual nos encontramos, é a luz através da qual vemos.

Venhamos ao Evangelho. Quantas vezes já o ouvimos! A profissão de fé de Pedro constitui o fundamento inabalável da Igreja. Com Pedro, dizemos a Jesus: "Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo". A Palavra de Deus não é apenas palavra. Em Jesus Cristo, ela está presente no meio de nós como Pessoa. Esta é a finalidade mais profunda da existência deste edifício sagrado: a igreja existe porque nela encontramos Cristo, o Filho do Deus vivo. Deus tem um rosto. Deus tem um nome.

Em Cristo, Deus fez-se homem e entrega-se-nos no mistério da Santíssima Eucaristia. A Palavra é carne. Ela entrega-se-nos sob as aparências do pão e, assim, torna-se verdadeiramente o Pão de que vivemos. Nós, homens, vivemos da Verdade. Esta Verdade é Pessoa: ela fala-nos e nós falamos-lhe. A Igreja é o lugar de encontro com o Filho de Deus vivo e, deste modo, constitui o lugar de encontro entre nós. Esta é a alegria que Deus nos concede: que Ele se fez um de nós, que nós podemos tocá-lo e que Ele vive connosco. O júbilo de Deus é realmente a nossa força.

Assim o Evangelho finalmente nos introduz na hora que hoje estamos a viver. Conduz-nos rumo a Maria, que aqui honramos como Estrela da Evangelização. Na hora decisiva da história humana, Maria ofereceu-se inteiramente a Deus, o seu corpo e a sua alma, como morada. Nela e dela o Filho de Deus assumiu a carne. Por meio dela, a Palavra fez-se homem (cf. Jn 1,14). Desta forma, Maria diz-nos o que é o Advento: ir ao encontro do Senhor que vem em nossa direcção. Esperá-lo, escutá-lo, contemplá-lo. Maria diz-nos por que motivo existem os edifícios das igrejas: eles existem para que, dentro de nós, se faça espaço à Palavra de Deus; para que, dentro de nós, a Palavra possa também nos dias de hoje fazer-se homem. É assim que a saudamos como Estrela da Evangelização: Santa Maria, Mãe de Deus, ora por nós, a fim de que vivamos o Evangelho.

Ajuda-nos a não ocultar a luz do Evangelho debaixo do alqueire da nossa pouca fé. Ajuda-nos a ser, em virtude do Evangelho, luz para o mundo, a fim de que os homens possam ver o bem e dar glória ao Pai que está nos céus (cf. Mt 5,14 ss.). Amém!




Domingo, 24 de Dezembro de 2006: MISSA DA MEIA NOITE

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SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR


Basílica Vaticana





Amados irmãos e irmãs!

Acabamos de ouvir no Evangelho a palavra que os Anjos, na Noite santa, disseram aos pastores e que agora a Igreja grita para nós: «Nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (
Lc 2,11ss). Nada de maravilhoso, nada de extraordinário, nada de magnífico é dado como sinal aos pastores. Verão só um menino envolto em panos que, como todos os meninos, precisa dos cuidados maternos; um menino que nasceu num estábulo e, por isso, não está deitado num berço, mas numa manjedoura. O sinal de Deus é o menino carente de ajuda e pobre. Os pastores, somente com o coração, poderão ver que neste menino tornou-se realidade a promessa do profeta Isaías, que escutamos na primeira leitura: «Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros» (Is 9,5). A nós também não e nos dado um sinal distinto. O anjo de Deus, mediante a mensagem do Evangelho, nos convida também a encaminhar-nos com o coração para ver o menino que jaz na manjedoura.

O sinal de Deus é a simplicidade. O sinal de Deus é o menino. O sinal de Deus é que Ele faz-se pequeno por nós. Este é o seu modo de reinar. Ele não vem com poder e grandiosidades externas. Ele vem como menino - inerme e necessitado da nossa ajuda. Não nos quer dominar com a força. Tira-nos o medo da sua grandeza. Ele pede o nosso amor: por isto faz-se menino. Nada mais quer de nós senão o nosso amor, mediante o qual aprendemos espontaneamente a entrar nos seus sentimentos, no seu pensamento e na sua vontade - aprendemos a viver com Ele e a praticar com Ele a humildade da renúncia que faz parte da essência do amor. Deus fez-se pequeno a fim de que nós pudéssemos compreendê-Lo, acolhê-Lo, amá-Lo. Os Padres da Igreja, na sua tradução grega do Antigo Testamento, encontravam uma palavra do profeta Isaías que Paulo também cita para mostrar como os novos caminhos de Deus já fossem anunciados no Antigo Testamento. Assim se lia: «Deus tornou breve a sua Palavra, Ele abreviou-a» (Is 10,23 Rm 9,28). Os Padres interpretavam num duplo sentido. O mesmo Filho é a Palavra, o Logos; a Palavra eterna fez-se pequena - tão pequena a ponto de caber numa manjedoura. Fez-se menino, para que a Palavra possa ser compreendida por nós. Assim, Deus nos ensina a amar os pequeninos. Assim nos ensina a amar os frágeis. Deste modo, nos ensina a respeitar as crianças. O menino de Belém dirige o nosso olhar a todas as crianças que sofrem e são abusadas no mundo, os nascidos como não nascidos. Dirige-o a crianças que, como soldados, são introduzidas num mundo de violência; a crianças que são obrigadas a mendigar; a crianças que sofrem a miséria e a fome; a crianças que não experimentam sequer amor. Nelas todas é o menino de Belém que nos interpela; interpela-nos o Deus que se fez pequeno. Rezemos nesta noite, para que o esplendor do amor de Deus acaricie todos estas crianças, e peçamos-lhe que nos ajude a fazer o que podamos para que seja respeitada a dignidade das crianças; para que desponte a luz do amor da qual mais precisa o homem, e não das coisas materiais necessárias para viver.

Com isto chegamos ao segundo significado que os Padres encontraram na frase: «Ele abreviou-a». A Palavra que Deus nos comunica nos livros da Sagrada Escritura, ao longo dos tempos, tornou-se extensa. Extensa e complicada não só para as pessoas simples e analfabetas, mas inclusive muito mais para os entendidos de Sagrada Escritura, para os doutos que, claramente, perdiam-se nas particularidades e nos respectivos problemas, sem quase conseguir mais encontrar uma visão de conjunto. Jesus «abreviou» a Palavra - fez-nos rever a sua mais profunda simplicidade e unidade. Tudo aquilo que nos ensina a Lei e os profetas está resumido - Ele diz - na palavra: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente [...] Amarás a teu próximo como a ti mesmo» (Mt 22,37-40). Está tudo aí - toda a fé se resolve neste único ato de amor que abraça Deus e os homens. Logo a seguir, porém, surgem as perguntas: como podemos amar Deus com toda a nossa mente, se nos custa encontrá-lo com a nossa capacidade metal? Como amá-Lo com todo o nosso coração e a nossa alma, se este coração consegue entrevê-Lo só de longe e contempla tantas coisas contraditórias no mundo que velam o seu rosto diante de nós? Neste ponto se encontram os dois modos com os quais Deus «abreviou» a sua Palavra. Ele não está mais longe. Não é mais desconhecido. Não é inalcançável para o nosso coração. Fez-se menino por nós e, com isto, dissolveu toda ambigüidade. Fez-se o nosso próximo, restabelecendo também deste modo a imagem do homem que, com freqüência, se nos revela tão pouco amável. Deus, por nós, fez-se dom. Doou-se a si próprio. Perde tempo conosco. Ele, o Eterno que supera o tempo, assumiu o tempo, atraiu a si próprio para o alto o nosso tempo. O Natal veio a ser a festa dos dons para imitar Deus que por nós doou-se a si próprio. Deixemos que o nosso coração, a nossa alma e a nossa mente fiquem tocados por este fato! Entre os inúmeros dons que compramos e recebemos não esqueçamos o verdadeiro dom: de doarmos-nos mutuamente algo de nós próprios! De doarmos-nos mutuamente o nosso tempo. De abrir o nosso tempo para Deus. Assim desvanece-se a agitação. Deste modo brota a alegria, assim se cria a festa. E lembremos nos banquetes festivos destes dias a palavra do Senhor: «Quando deres um banquete, não convides os que, por sua vez, vão retribuir-te, mas convida os que não são convidados por ninguém e não poderão convidar-te» (cf. Lc 14,12-14). Isto também significa precisamente: Quando deres um presente de Natal não o faças só aos que, por sua vez, te fazem presentes, mas fá-lo aos que não o recebem de ninguém e que nada podem retribuir-te. Assim mesmo fez o Senhor: Ele nos convida ao seu banquete de bodas que não podemos retribuir, que só podemos receber com alegria. Imitemos-lo! Amemos a Deus e, por Ele, também ao homem, para depois redescobrir a Deus, a partir dos homens, de um novo modo!

Surge, enfim, ainda um terceiro significado da afirmação sobre a Palavra feita «breve» e «pequena». Aos pastores foi dito que teriam encontrado o menino numa manjedoura para animais, que eram os verdadeiros habitantes do estábulo. Lendo Isaías (Is 1,3) os Padres deduziram que junto à manjedoura de Belém estavam um boi e um asno. Interpretaram assim o texto no sentido de que haveria um símbolo dos judeus e dos pagãos - portanto, de toda a humanidade - que, uns e outros, necessitam, ao seu modo, de um salvador: daquele Deus que se fez menino. O homem, para viver, precisa de pão, do fruto da terra e do seu trabalho. Mas não vive só de pão. Precisa de alimento para a sua alma: precisa de um sentido que encha a sua vida. Por isto, segundo os Padres, a manjedoura dos animais veio a ser o símbolo do altar, sobre o qual jaz o Pão que é o mesmo Cristo: o verdadeiro alimento para os nossos corações. Uma vez mais vemos como Ele se fez pequeno: na humilde aparência da hóstia, de um pedacinho de pão, Ele se nos doa si próprio.

De tudo isto nos diz o sinal que foi dado aos pastores e que nos vem dado: o menino nos foi dado; o menino no qual Deus se fez pequeno por nós. Rezemos ao Senhor para que nos dê a graça de ver nesta noite o presépio com a simplicidade dos pastores, para receber assim a alegria com a qual eles voltam para casa (cf. Lc 2,20). Peçamos que nos dê a humildade e a fé com a qual São José contemplou o menino que Maria tinha concebido pelo Espírito Santo. Peçamos que nos ajude a vê-Lo com aquele amor com que Maria o contemplava. E, assim, peçamos por que a luz que viram os pastores, também nos ilumine e que se cumpra em todo o mundo aquilo que os anjos cantaram naquela noite: «Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados». Amém.




Domingo, 31 de Dezembro de 2006: PRIMEIRAS VÉSPERAS DA SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS E RECITAÇÃO DO "TE DEUM"

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Senhores Cardeais

Venerados Irmãos
no Episcopado e no Presbiterado
Ilustres Autoridades
Estimados irmãos e irmãs

Estamos reunidos na Basílica do Vaticano para dar graças ao Senhor no final do ano, e para entoar em conjunto o Te Deum. Agradeço de coração a todos vós que quisestes unir-vos a mim numa circunstância tão significativa. Saúdo em primeiro lugar os Senhores Cardeais, os venerados Irmãos no Episcopado e no Presbiterado, os religiosos e as religiosas, as pessoas consagradas e os numerosos fiéis leigos que representam toda a comunidade eclesial de Roma. Saúdo de maneira especial o Presidente da Câmara Municipal de Roma e as demais Autoridades aqui presentes.

Nesta tarde de 31 de Dezembro entrelaçam-se duas perspectivas diferentes: uma está vinculada ao fim do ano civil, a outra à solenidade litúrgica de Maria Santíssima Mãe de Deus, que conclui a oitava do Santo Natal. O primeiro evento é comum a todos, enquanto o segundo é próprio dos fiéis. O seu entrelaçamento confere a esta celebração vespertina uma índole singular, num particular clima espiritual que nos convida à reflexão.

O primeiro tema, muito sugestivo, está ligado à dimensão do tempo. Nas últimas horas de cada ano solar assistimos à repetição de certos "ritos" mundanos que, no contexto contemporâneo, se caracterizam predominantemente pela diversão, vivida muitas vezes como evasão da realidade, como que para exorcizar os seus aspectos negativos e para propiciar uma sorte improvável. Como deve ser diferente a atitude da Comunidade cristã! A Igreja é chamada a viver estas horas, tornando seus os sentimentos da Virgem Maria. Juntamente com Ela, é convidada a conservar o seu olhar fixo no Menino Jesus, novo Sol que surgiu no horizonte da humanidade e, confortada pela sua luz, a ter o cuidado de lhe apresentar "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem" (Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes
GS 1).

Por conseguinte, confrontam-se duas avaliações diferentes da dimensão do "tempo", uma quantitativa e outra qualitativa. Por um lado, o ciclo solar com os seus ritmos; por outro, aquela que São Paulo denomina como "plenitude dos tempos" (Ga 4,4), ou seja, o momento culminante da história do universo e do género humano, quando o Filho de Deus nasceu no mundo. O tempo das promessas cumpriu-se e, quando a gravidez de Maria chegou ao seu fim, "a terra como afirma um Salmo deu os seus frutos" (Ps 66,7). A vinda do Messias, prenunciada pelos Profetas, é o acontecimento qualitativamente mais importante de toda a história, à qual confere o seu sentido último e completo.

Não são as coordenadas histórico-políticas que condicionam as opções de Deus mas, ao contrário, é o acontecimento da Encarnação que "preenche" a história de valor e de significado. Nós, que vivemos dois mil anos depois de tal acontecimento, podemos afirmá-lo, por assim dizer, também a posteriori, depois de conhecermos toda a vicissitude de Jesus, até à sua morte e ressurreição. Nós somos testemunhas da sua glória e, contemporaneamente, da sua humildade, do valor imenso da sua vinda e do respeito infinito de Deus por nós homens e pela nossa história.

Ele não preencheu o tempo, inserindo-se nele do alto, mas "a partir de dentro", tornando-se pequenina semente para conduzir a humanidade à sua plena maturidade. Este estilo de Deus fez com que se tornasse necessário um longo período de preparação para chegar de Abraão a Jesus Cristo, e que depois da vinda do Messias a história não terminasse, mas continuasse o seu percurso, aparentemente igual mas na realidade já visitada por Deus e orientada rumo à segunda e definitiva vinda do Senhor, no final dos tempos. De tudo isto é símbolo concreto, poderíamos dizer sacramento, a maternidade de Maria, que um evento humano e, ao mesmo tempo, também divino.

No trecho da Carta aos Gálatas, que acabamos de ouvir, São Paulo afirma: "Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher" (Ga 4,4). Orígenes comenta: "Observa bem, que não disse: nascido através de uma mulher, mas sim: nascido de uma mulher" (Comentário à Carta aos Gálatas, PG 14, 1298). Esta observação perspicaz do grande exegeta e escritor eclesiástico é importante: com efeito, se o Filho de Deus tivesse nascido somente "através" de uma mulher, na realidade não teria assumido a nossa humanidade, o que contudo fez, tomando a carne "de" Maria. Portanto, a maternidade de Maria é verdadeira e plenamente humana.

Na expressão "Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher" encontra-se resumida a verdade fundamental sobre Jesus como Pessoa divina, que assumiu completamente a nossa natureza humana. Ele é o Filho de Deus, é gerado por Ele e, ao mesmo tempo, é Filho de uma mulher, Maria. Ele provém dela. É de Deus e de Maria. Por isso, a Mãe de Jesus pode e deve chamar-se Mãe de Deus. Este título, que em grego se diz Theotókos, aparece talvez pela primeira vez precisamente na área de Alexandria do Egipto onde, na primeira metade do século III viveu o próprio Orígenes. Contudo, ele foi definido dogmaticamente só dois séculos mais tarde, em 431, pelo Concílio de Éfeso, cidade aonde tive a alegria de ir em peregrinação há um mês, durante a viagem apostólica à Turquia. Voltando a pensar exactamente nesta visita inesquecível, como posso deixar de expressar toda a minha gratidão filial à Santa Mãe de Deus, pela particular salvaguarda que me concedeu naqueles dias de graça?

Theotókos, Mãe de Deus: cada vez que recitamos a Ave-Maria dirigimo-nos à Virgem com este título: suplicando-lhe que ore "por nós, pecadores". No final de um ano, sentimos a necessidade de invocar de modo inteiramente especial a intercessão materna de Maria Santíssima pela cidade de Roma, pela Itália, pela Europa e pelo mundo inteiro. A Ela, que é a Mãe da Misericórdia encarnada, confiemos sobretudo as situações em que somente a graça do Senhor pode trazer a paz, o alívio e a justiça. "Para Deus, nada é impossível" (Lc 1,37), disse à Virgem o Anjo que lhe anunciava a sua maternidade divina. Maria acreditou e por isso é bem-aventurada (cf. Lc 1,45).

O que é impossível para o homem, torna-se possível para aquele que crê (cf. Mc 9,23). Portanto, enquanto se encerra o ano de 2006 e já se entrevê a aurora de 2007, peçamos à Mãe de Deus que nos obtenha o dom de uma fé amadurecida: gostaríamos que esta fé se assemelhasse na medida do possível à sua, uma fé límpida, genuína, humilde e ao mesmo tempo corajosa, impregnada de esperança e de entusiasmo pelo Reino de Deus, uma fé separada de todo o fatalismo e totalmente orientada para cooperar em plena e jubilosa obediência à vontade divina, certeza absoluta de que Deus só deseja amor e vida, sempre e para todos.

Obtém-nos, ó Maria, uma fé autêntica e pura. Que Tu sejas sempre agradecida e abençoada, Santa Mãe de Deus. Amém!




Bento XVI Homilias 11206