Bento XVI Homilias 31126


Segunda-feira 1° de Janeiro de 2007: FESTA DA MÃE DE DEUS - XL DIA MUNDIAL DA PAZ

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Queridos irmãos e irmãs!

A liturgia de hoje contempla, como num mosaico, diversos factos e realidades messiânicas, mas a atenção concentra-se particularmente sobre Maria, Mãe de Deus. Oito dias depois do nascimento de Jesus, recordamos a Mãe, a Theotókos, aquela que "deu à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos dos séculos" (Antífona de entrada; cf. Sedúlio). A liturgia medita hoje sobre o Verbo feito homem, e repete que nasceu da Virgem. Reflecte sobre a circuncisão de Jesus como rito de agregação à comunidade, e contempla Deus que deu o seu Filho Unigénito como chefe do "novo povo" por meio de Maria. Recorda o nome dado ao Messias, e ouve-o pronunciar com terna doçura pela sua Mãe. Invoca a paz para o mundo, a paz de Cristo, e fá-lo através de Maria, mediadora e cooperadora de Cristo (cf. Lumen gentium
LG 60-61).

Começamos um novo ano solar, que é um ulterior período de tempo que nos é oferecido pela Providência divina no contexto da salvação inaugurada por Cristo. Mas não entrou o Verbo eterno no tempo próprio por meio de Maria? Recorda-o o apóstolo Paulo na segunda Leitura, que escutámos há pouco, afirmando que Jesus nasceu "de uma mulher" (cf. Ga 4,4). Na liturgia de hoje sobressai a figura de Maria, verdadeira Mãe de Jesus, Homem-Deus. Portanto, a solenidade não celebra uma ideia abstracta, mas um mistério e um acontecimento histórico: Jesus Cristo, pessoa divina, nasceu da Virgem Maria, a qual é, no sentido mais verdadeiro, sua mãe.

Além da maternidade hoje é posta em evidência também a virgindade de Maria. Trata-se de duas prerrogativas que são sempre proclamadas juntas e de maneira inseparável, porque se integram e se qualificam reciprocamente. Maria é mãe, mas mãe virgem; Maria é virgem, mas virgem mãe. Se omitirmos um dos dois aspectos não se compreende plenamente o mistério de Maria, como os Evangelhos no-lo apresentam. Mãe de Cristo, Maria é também Mãe da Igreja, como o meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI quis proclamar a 21 de Novembro de 1964, durante o Concílio Vaticano II. Por fim, Maria é Mãe espiritual de toda a humanidade, porque Jesus derramou o seu sangue na cruz por todos, e a todos confiou da cruz à sua solicitude materna.

Olhando para Maria, iniciemos portanto este novo ano, que recebemos das mãos de Deus como um "talento" precioso para fazermos frutificar, como uma ocasião providencial para contribuir para a realização do Reino de Deus. Neste clima de oração e de gratidão ao Senhor pelo dom de um novo ano, sinto-me feliz por dirigir o meu pensamento deferente aos ilustres Senhores Embaixadores do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, que quiseram participar nesta solene celebração. Saúdo cordialmente o Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado.

Saúdo o Cardeal Renato Raffaele Martino e os componentes do Pontifício Conselho "Justiça e Paz", expressando-lhes o meu profundo agradecimento pelo compromisso com que promovem quotidianamente estes valores tão fundamentais para a vida da sociedade. Por ocasião do Dia Mundial da Paz, dirigi aos Governantes e aos Responsáveis das Nações, assim como a todos os homens e mulheres de boa vontade, a habitual Mensagem, que este ano tem como tema: "A pessoa humana, coração da paz".

Estou profundamente convicto de que "respeitando a pessoa se promove a paz e, construindo a paz, assentam-se as premissas para um autêntico humanismo integral" (Mensagem, 1). Trata-se de um compromisso que compete de maneira peculiar ao cristianismo, chamado "a ser incansável promotor de paz e acérrimo defensor da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos inalienáveis" (Ibid., 16). Precisamente porque criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27), cada indivíduo humano, sem distinção de raça, cultura nem religião, está revestido da mesma dignidade de pessoa. Por isso, deve ser respeitado, e jamais razão alguma pode justificar que se disponha dele a seu bel-prazer, como se fosse um objecto. Face às ameaças à paz, infelizmente sempre presentes, diante das situações de injustiça e de violência, que continuam a persistir em diversas regiões da terra, face ao prevalecer de conflitos armados, com frequência esquecidos pela vasta opinião pública, e ao perigo do terrorismo que perturba a serenidade dos povos, torna-se como nunca necessário comprometer-se juntos pela paz. Esta, recordei na Mensagem, é "simultaneamente um dom e uma missão" (n. 3): dom que devemos invocar com a oração, tarefa que devemos realizar com coragem sem nunca nos cansarmos.

A narração evangélica que ouvimos mostra o cenário dos pastores de Belém que se dirigem à gruta para adorar o Menino, depois de ter recebido o anúncio do Anjo (cf. Lc 2,16). Como não dirigir o olhar mais uma vez para a dramática situação que caracteriza precisamente aquela Terra onde nasceu Jesus? Como não implorar com oração insistente que também naquela região chegue o mais depressa possível o dia da paz, o dia no qual se resolva definitivamente o conflito em acto que perdura há demasiado tempo? Um acordo de paz, para ser duradouro, deve basear-se sobre o respeito da dignidade e dos direitos de cada pessoa. Os votos que formulo diante dos representantes das Nações aqui presentes são por que a Comunidade internacional una os próprios esforços, para que em nome de Deus se construa um mundo no qual os direitos fundamentais do homem sejam respeitados por todos. Mas para que isto se realize é necessário que o fundamento destes direitos seja reconhecido não em simples acordos humanos, mas "na mesma natureza do homem e na sua inalienável dignidade de pessoa criada por Deus" (Mensagem, 13). De facto, se os elementos constitutivos da dignidade humana são confiados às variáveis opiniões humanas, também os seus direitos, mesmo se proclamados solenemente, acabam por se tornar frágeis e com diversas interpretações. "É, portanto, importante que os Organismos internacionais não percam de vista o fundamento natural dos direitos do homem. Isto preservá-los-á do risco, infelizmente sempre latente, de resvalar para uma interpretação meramente positivista" (Ibid.).

"O Senhor te abençoe e te guarde!... O Senhor volte para ti a sua face e te dê paz! (Nb 6,24 Nb 6,26). É esta a fórmula de bênção que ouvimos na primeira Leitura. É tirada do livro dos Números: nela é repetida três vezes o nome do Senhor. Isto significa a intensidade e a força da bênção, cuja última palavra é "paz". A palavra bíblica shalom, que traduzimos por "paz", indica aquele conjunto de bens em que consiste "a salvação" que trouxe Cristo, o Messias anunciado pelos profetas. Por isso, nós cristãos reconhecemos n'Ele o Príncipe da paz. Ele fez-se homem e nasceu numa gruta em Belém para trazer a sua paz aos homens de boa vontade, aos que o acolhem com fé e amor. A paz é assim verdadeiramente o dom e o compromisso do Natal: o dom, que deve ser acolhido com humilde docilidade e invocado constantemente com orante confiança; o compromisso, que faz de cada pessoa de boa vontade um "canal de paz".

Pedimos a Maria, Mãe de Deus, que nos ajude a acolher o Filho e, n'Ele, a verdadeira paz. Peçamos-lhe que ilumine os nossos olhos, para que saibamos reconhecer o Rosto de Cristo no rosto de cada pessoa humana, coração da paz!



Sábado 6 de Janeiro de 2007: POR OCASIÃO DA SANTA MISSA NA SOLENIDADE DA EPIFANIA

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Solenidade da Epifania do Senhor





Queridos irmãos e irmãs!

Celebramos com alegria a solenidade da Epifania, "manifestação" de Cristo às Nações, que são representadas pelos Magos, personagens misteriosas que vieram do Oriente. Celebramos Cristo, meta da peregrinação dos povos em busca da salvação. Na primeira Carta ouvimos o profeta, inspirado por Deus, contemplar Jerusalém como um farol de luz, que, no meio das trevas e entre as neblinas da terra, orienta o caminho de todos os povos. A glória do Senhor resplandece sobre a Cidade santa e atrai antes de tudo os seus filhos deportados e dispersos, mas ao mesmo tempo também as nações pagãs, que de todas as partes vêm a Sião como uma prática comum, enriquecendo-a com os seus bens (cf.
Is 60,1-6). Na segunda Leitura foi-nos reproposto o que o apóstolo Paulo escreveu aos Efésios, isto é, que precisamente o convergir de Judeus e Gentios, por iniciativa amorosa de Deus, na única Igreja de Cristo era "o mistério" manifestado na plenitude do tempo, a "graça" de que Deus o tinha constituído ministro (cf. Ep 3,2-3a Ep 3,5-6). Daqui a pouco no Prefácio cantaremos: "Hoje em Cristo luz do mundo / Tu revelaste aos povos o mistério da salvação".

Transcorreram vinte séculos desde quando este mistério foi revelado e realizado em Cristo, mas ele ainda não chegou ao seu cumprimento. O amado Predecessor João Paulo II, ao iniciar a sua Encíclica sobre a missão da Igreja, escreveu que "no final do segundo milénio, uma visão de conjunto da humanidade mostra que tal missão está ainda no começo" (cf. Redemptoris missio RMi 1). Surgem então espontâneas algumas perguntas: em que sentido, hoje, Cristo ainda é lumen gentium, luz das nações? A que ponto chegou se assim se pode dizer este itinerário universal dos povos em direcção a Ele? Está numa fase de progresso ou de regresso? E ainda: quem são hoje os Magos? Como podemos interpretar, pensando no mundo actual, estas misteriosas figuras evangélicas? Para responder a estas perguntas, gostaria de voltar aquanto disseram em relação a isto os Padres do Concílio Vaticano II. E apraz-me acrescentar que, logo após o Concílio, o servo de Deus Paulo VI, há precisamente quarenta anos, a 26 de Março de 1967, dedicou ao desenvolvimento dos povos a Encíclica Populorum progressio.

Na verdade, todo o Concílio Vaticano II foi movido pelo anseio de anunciar à humanidade contemporânea Cristo, luz do mundo. No coração da Igreja, a partir do vértice da sua hierarquia, sobressaiu impelente, suscitado pelo Espírito Santo, o desejo de uma nova epifania de Cristo para o mundo, um mundo que a época moderna tinha transformado profundamente e que pela primeira vez na história se encontrava a fazer frente ao desafio de uma civilização global, onde o centro já não podia continuar a ser a Europa e nem sequer aqueles a que chamamos o Ocidente e o Norte do mundo. Sobressaía a exigência de elaborar uma nova ordem mundial política e económica, mas ao mesmo tempo e sobretudo, espiritual e cultural, isto é, um renovado humanismo. Esta constatação impunha-se com evidência crescente, uma nova ordem mundial económica e política não funciona se não há uma renovação espiritual, se não nos podemos aproximar de novo de Deus e encontrar Deus entre nós. Já antes do Concílio Vaticano II consciências iluminadas de pensadores cristãos tinham intuído e enfrentado este desafio epocal.

Pois bem, no início do terceiro milénio encontramo-nos no âmago desta fase da história humana, que já está tematizada na palavra "globalização". Por outro lado, hoje damo-nos conta de como é fácil perder de vista os termos deste mesmo desafio, precisamente porque estamos envolvidos nele: um risco grandemente fortalecido pela mídia, que, se por um lado multiplica indefinidamente as informações, por outro parecem enfraquecer as nossas capacidades de uma síntese crítica. A solenidade de hoje pode oferecer-nos esta perspectiva, a partir da manifestação de um Deus que se revelou na história como luz do mundo, para guiar e introduzir finalmente a humanidade na terra prometida, onde reinarão liberdade, justiça e paz. E vemos cada vez mais que não podemos promover sozinhos a justiça e a paz, se não se nos manifesta a luz de um Deus que nos mostra o seu rosto, que se nos apresenta na manjedoura de Belém, que nos aparece na Cruz.

Quem são portanto os "Magos" de hoje, e a que ponto está a sua e a nossa "viagem?". Queridos irmãos e irmãs, voltemos àquele momento de especial graça que foi a conclusão do Concílio Vaticano II, a 8 de Dezembro de 1965, quando os Padres conciliares dirigiram à humanidade inteira algumas "Mensagens". A primeira destinava-se "Aos Governantes", a segunda "Aos homens de pensamento e de ciência". São duas categorias de pessoas que de certa forma podemos ver representadas nas figuras evangélicas dos Magos. Gostaria de acrescentar a terceira, à qual o Concílio não dirigiu mensagem alguma mas que esteve muito presente na sua atenção na Declaração conciliar Nostra aetate. Refiro-me às guias espirituais das grandes religiões não cristãs.

À distância de dois mil anos, podemos portanto reconhecer nas figuras dos Magos uma espécie de prefiguração destas três dimensões constitutivas do humanismo moderno: a dimensão política, a científica e a religiosa. A Epifania no-lo mostra em estado de "peregrinação", isto é, num movimento de pesquisa, muitas vezes um pouco confundida que, definitivamente, tem o seu ponto de chegada em Cristo, mesmo se algumas vezes a estrela se esconde. Ao mesmo tempo, mostra-nos Deus que por sua vez está em peregrinação em direcção ao homem. Não há só a peregrinação do homem para Deus; o próprio Deus se pôs a caminho em direcção a nós: quem é de facto Jesus, a não ser Deus que saiu, por assim dizer, de si mesmo para vir ao encontro da humanidade? Ele, por amor, fez-se história na nossa história; por amor veio trazer-nos o germe da vida nova (cf. Jn 3,3-6) e lançá-la nos sulcos da nossa terra, para que germine, floresça e dê fruto.

Gostaria hoje de fazer minhas aquelas Mensagens conciliares, que nada perderam da sua actualidade. Como por exemplo onde, na Mensagem dirigida aos Governantes, se lê: "Compete a vós, ser na terra, os promotores da ordem e da paz entre os homens. Mas não vos esqueçais: é Deus, o Deus vivo e verdadeiro, que é o Pai dos homens. E é Cristo, seu Filho eterno, que veio para nos dizer e fazer compreender que todos somos irmãos. É Ele, o grande artífice da ordem e da paz na terra, porque é Ele que conduz a história humana e que, pode induzir os corações a renunciar às paixões pervertidas que geram a guerra e o sofrimento". Como não reconhecer nestas palavras dos Padres conciliares o vestígio luminoso de um caminho, o único, que pode transformar a história das Nações e do mundo? E ainda, na "Mensagem aos homens de pensamento e de ciência", lemos: "Continuai a pesquisar, sem nunca renunciar, sem jamais desesperar da verdade" é este de facto o grande perigo: perder o interesse pela verdade e procurar apenas o agir, a eficiência, o pragmatismo! "Recordai-vos, continuam os Padres conciliares, das palavras de um vosso grande amigo, Santo Agostinho: "Procuremos com o desejo de encontrar, e encontremos com o desejo de procurar ainda". Felizes os que, possuindo a verdade, a continuam a procurar, para a renovar, aprofundar e doar aos outros. Felizes os que, não a tendo encontrado, caminham rumo a ela de coração sincero: que eles procurem a luz futura com a razão de hoje, até à plenitude da luz!".

Isto foi dito nas duas Mensagens conciliares. Os Chefes dos povos, os pesquisadores e os cientistas, hoje mais do que nunca, devem apoiar-se com os representantes das grandes tradições não cristãs, convidando-os a confrontar-se com a luz de Cristo, que veio não para abolir, mas para levar a cumprimento o que a mão de Deus escreveu na história religiosa das civilizações, sobretudo nas "grandes almas", que contribuíram para edificar a humanidade com a sua sabedoria e com os seus exemplos de virtudes. Cristo é luz, e a luz não pode obscurecer, mas apenas iluminar, esclarecer, revelar. Portanto, ninguém tenha receio de Cristo e da sua mensagem! E se ao longo da história os cristãos, sendo homens limitados e pecadores, por vezes o traíram com os seus comportamentos, isto faz sobressair ainda mais que a luz é Cristo e que a Igreja a reflecte unicamente permanecendo unida a Ele.

"Vimos a sua estrela no oriente e viemos para adorar o Senhor" (Aclamação ao Evangelho, cf. Mt 2,2). O que nos surpreende sempre, ao ouvir estas palavras dos Magos, é que eles se prostaram em adoração diante de um simples menino nos braços da sua mãe, não no quadro de um palácio real, mas na pobreza de uma cabana em Belém (cf. Mt 2,11). Como foi possível? Que convenceu os Magos que aquele menino era "o rei dos Judeus" e o rei dos povos? Certamente persuadiu-os o sinal da estrela, que eles tinham visto "surgir" e que tinha parado precisamente ali onde se encontrava o Menino (cf. Mt 2,9). Mas também a estrela não teria sido suficiente, se os Magos não fossem pessoas intimamente abertas à verdade. Ao contrário do rei Herodes, tomado pelos seus interesses de poder e de riquezas, os Magos propendiam para a meta da sua busca, e quando a encontraram, mesmo sendo homens cultos, comportaram-se como os pastores de Belém: reconheceram o sinal e adoraram o Menino, oferecendo-lhe os dons preciosos e simbólicos que tinham levado consigo.

Queridos irmãos e irmãs, detenhamo-nos também nós idealmente diante do ícone da adoração dos Magos. Ele contém uma mensagem exigente e sempre actual. Exigente e sempre actual antes de tudo para a Igreja que, espelhando-se em Maria, está chamada a mostrar Jesus aos homens, nada mais do que Jesus. De facto, Ele é o Tudo e a Igreja existe unicamente para permanecer unida a Ele e dá-Lo a conhecer ao mundo. Ajude-nos a Mãe do Verbo encarnado a sermos discípulos dóceis do seu Filho, Luz das nações. O exemplo dos Magos de então é um convite também para os Magos de hoje a abrir as mentes e os corações e a oferecer-lhe os dons da sua busca. A eles, a todos os homens do nosso tempo, gostaria de repetir hoje: não tenhais medo da luz de Cristo! A sua luz é o esplendor da verdade. Deixai-vos iluminar por Ele, povos da terra; deixai-vos arrebatar pelo seu amor e encontrareis o caminho da paz. Assim seja.



Domingo, 7 de Janeiro de 2007: NA FESTA DO BAPTISMO DO SENHOR

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Estimados irmãos e irmãs

Encontramo-nos novamente este ano para uma celebração muito familiar, o Baptismo de treze crianças, nesta maravilhosa Capela Sistina, onde a criatividade de Michelangelo e de outros artistas insignes soube realizar obras-primas que ilustram os prodígios da história da salvação. E gostaria de saudar em primeiro lugar todos vós que estais aqui presentes: os pais, os padrinhos e as madrinhas, os parentes e os amigos que acompanham estes recém-nascidos num momento tão importante para a sua vida e para a Igreja. Cada criança que nasce traz-nos o sorriso de Deus e convida-nos a reconhecer que a vida é uma sua dádiva, um dom a acolher com amor e a conservar com cuidado, sempre e em cada momento.

O tempo de Natal, que termina precisamente hoje, fez-nos contemplar o Menino Jesus na pobre gruta de Belém, amorosamente cuidado por Maria e José. Cada filho que nasce, Deus confia-o aos seus pais: então, como é importante a família fundada no matrimónio, berço da vida e do amor! A casa de Nazaré, onde vive a Sagrada Família, é modelo e escola de simplicidade, de paciência e de harmonia para todas as famílias cristãs. Rezo ao Senhor para que também as vossas famílias sejam lugares hospitaleiros, onde estes pequeninos possam crescer não apenas em boa saúde, mas inclusive na fé e no amor a Deus que hoje, mediante o Baptismo, os torna seus filhos.

O rito do Baptismo destas crianças realiza-se no dia em que celebramos a festa do Baptismo do Senhor, celebração que, como eu dizia, encerra o tempo de Natal. Há pouco ouvimos a narração do Evangelista Lucas, que apresenta Jesus confundido no meio do povo, enquanto vai ter com João Baptista para ser baptizado. Tendo também Ele recebido o Baptismo, "estava diz-nos São Lucas em oração" (
Lc 3,21). Jesus fala com o seu Pai. E estamos convictos de que Ele falou não só por si mesmo, mas também de nós e por nós; falou inclusive de mim, de cada um de nós e por cada um de nós. Além disso, o Evangelista diz-nos que o céu se abriu acima do Senhor em oração.

Jesus entra em contacto com o Pai e o céu abre-se sobre Ele. Neste momento podemos pensar que o céu está aberto também aqui, sobre estas nossas crianças que, através do sacramento do Baptismo, entram em contacto com Jesus. O céu abre-se sobre nós no Sacramento. Quanto mais vivemos em contacto com Jesus na realidade do nosso Baptismo, tanto mais o céu se abre sobre nós. E do céu voltemos ao Evangelho naquele dia desceu uma voz que disse a Jesus: "Tu és o meu Filho muito amado" (Lc 3,22). No Baptismo, o Pai celeste repete estas palavras também a cada uma destas crianças. Ele diz: "Tu és o meu filho". O Baptismo é adopção e assunção na família de Deus, na comunhão com a Santíssima Trindade, na comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. Exactamente por isso o Baptismo deve ser administrado em nome da Santíssima Trindade. Estas palavras não são apenas uma fórmula, mas uma realidade. Assinalam o momento em que os vossos filhos renascem como filhos de Deus. De filhos de pais humanos que são, passam a ser também filhos de Deus no Filho de Deus vivo.

Mas agora devemos meditar sobre as palavras da segunda leitura desta liturgia, em que São Paulo nos diz: somos salvos "em virtude da misericórdia de Deus, mediante um novo nascimento e renovação no Espírito Santo" (Tt 3,5). Um novo nascimento. O Baptismo não é somente uma palavra; não é apenas algo espiritual, mas implica inclusive a matéria. Toda a realidade da terra é interpelada. O Baptismo não diz respeito exclusivamente à alma. A espiritualidade do homem investe o homem na sua totalidade, corpo e alma. A acção de Deus em Jesus Cristo tem uma eficácia universal. Cristo adquire a carne e isto continua nos sacramentos, em que a matéria é adquirida e começa a fazer parte da acção divina.

Agora podemos perguntar por que motivo precisamente a água é o sinal desta totalidade. A água é o elemento da fecundidade. Sem água não há vida. E assim, em todas as grandes religiões a água é vista como símbolo da maternidade, da fecundidade. Para os Padres da Igreja, a água torna-se o símbolo do seio materno da Igreja. Num escritor eclesiástico dos séculos II-III, Tertuliano, encontra-se uma palavra surpreendente. Ele afirma: "Cristo nunca existe sem água". Com estas palavras, Tertuliano queria dizer que Cristo jamais existe sem a Igreja. No Baptismo somos adoptados pelo Pai celeste, mas nesta família que Ele constitui para si há também uma Mãe, a Igreja-Mãe. O homem não poderá ter Deus como Pai, já diziam os antigos escritores cristãos, se não tiver também a Igreja como Mãe. Assim vemos novamente que o cristianismo não é uma realidade somente espiritual, individual, uma simples decisão subjectiva que eu tomo, mas que é algo concreto, poderíamos dizer mesmo algo material. A família de Deus constrói-se na realidade concreta da Igreja. A adopção como filhos de Deus, do Deus trinitário, é assunção na família da Igreja e, contemporaneamente, inserção como irmãos e irmãs na grande família dos cristãos. E somente se, enquanto filhos de Deus, nos inserimos como irmãos e irmãs na realidade da Igreja, podemos recitar o "Pai-Nosso" ao nosso Pai celestial. Esta prece supõe sempre o "nós" da família de Deus.

Mas agora temos que voltar ao Evangelho, onde João Baptista diz: "Eu baptizo-vos em água, mas vai chegar alguém mais forte do que eu... Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo e no fogo" (Lc 3,16). Vimos a água; agora, porém, impõe-se a pergunta: em que consiste o fogo a que São João Baptista se refere? Para ver esta realidade do fogo, presente no Baptismo com a água, devemos observar que o Baptismo de João era um gesto humano, um acto de penitência, um orientar-se do homem para Deus, com a finalidade de pedir perdão pelos pecados e a possibilidade de começar uma nova existência. Era somente um desejo humano, um caminhar para Deus com as próprias forças. Pois bem, isto não é suficiente. A distância seria demasiado grande. Em Jesus Cristo vemos que Deus vem ao nosso encontro. No Baptismo cristão, instituído por Cristo, não agimos sozinhos com o desejo de sermos purificados, com a oração para alcançar o perdão. No Baptismo é o próprio Deus que age, é Jesus que age através do Espírito Santo. No Baptismo cristão está presente o fogo do Espírito Santo. É Deus que age, e não apenas nós. Deus está presente aqui e hoje. Ele assume e torna os seus filhos vossos filhos.

Naturalmente, Deus não age de modo mágico. Ele age somente com a nossa liberdade. Não podemos renunciar à nossa liberdade. Deus interpela a nossa liberdade, convida-nos a cooperar com o fogo do Espírito Santo. Estas duas coisas devem caminhar juntas. O Baptismo permanecerá durante toda a vida um dom de Deus, que imprimiu o seu selo nas nossas almas. Mas depois será a nossa cooperação, a disponibilidade da nossa liberdade a dizer o "sim" que há-de tornar eficaz a acção divina.

Estes vossos filhos, que agora baptizaremos, são ainda incapazes de colaborar, de manifestar a sua fé. Por isso, adquire valor e significado particulares a vossa presença, queridos pais e mães, e a vossa, padrinhos e madrinhas. Vigiai sempre sobre estes vossos pequeninos para que, crescendo, aprendam a conhecer Deus, a amá-lo com todas as forças e a servi-lo fielmente. Sede os seus primeiros educadores na fé, oferecendo juntamente com os ensinamentos também os exemplos de uma vida cristã coerente. Ensinai-os a rezar e a sentir-se membros activos da família de Deus concreta, da comunidade eclesial.

Podereis receber uma contribuição importante do estudo atento do Catecismo da Igreja Católica ou do Compêndio deste mesmo Catecismo. Ele contém os elementos essenciais da nossa fé e poderá ser instrumento mais útil e imediato do que nunca para crescerdes, vós mesmos, no conhecimento da fé católica e para a poder transmitir integral e fielmente aos vossos filhos. Sobretudo, não esqueçais que é o vosso testemunho, o vosso exemplo, que incide em maior medida sobre o amadurecimento humano e espiritual da liberdade dos vossos filhos. Embora tomados pelas actividades quotidianas muitas vezes frenéticas, não deixeis de cultivar, pessoalmente e em família, a oração que constitui o segredo da perseverança cristã.

À Virgem Mãe de Deus, nosso Salvador, apresentado na hodierna liturgia como o Filho predilecto de Deus, confiemos estas crianças e as suas famílias: que vele Maria sobre elas e as acompanhe sempre, a fim de que possam realizar até ao fim o projecto de salvação que Deus tem para cada um. Amém!





Quinta-feira, 25 de Janeiro de 2007: NA FESTA DE CONVERSÃO DO APÓSTOLO SÃO PAULO

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Basílica de São Paulo Fora dos Muros



Estimados irmãos e irmãs

Durante a "Semana de Oração", que se encerra esta tarde, intensificou-se nas várias Igrejas e Comunidades eclesiais do mundo inteiro a comum invocação ao Senhor pela unidade dos cristãos.

Meditemos juntos sobre as palavras do Evangelho de Marcos, há pouco proclamadas: "Faz ouvir os surdos e falar os mudos" (
Mc 7,37), tema bíblico proposto pelas Comunidades cristãs da África do Sul. As situações de racismo, de pobreza, de conflito, de exploração, de doença e de sofrimento em que elas se encontram, pela própria impossibilidade de se fazer compreender nas suas suas necessidades, suscitam nas mesmas uma forte exigência de ouvir a palavra de Deus e de falar com coragem. Com efeito, ser surdo-mudo, ou seja, não poder ouvir nem falar, não pode constituir um sinal de falta de comunhão e um sintoma de divisão? A divisão e a incomunicabilidade, consequência do pecado, são contrárias ao desígnio de Deus. No corrente ano a África ofereceu-nos um tema de reflexão de grande importância religiosa e política, porque "falar" e "ouvir" são condições essenciais para construir a civilização do amor.

As palavras "Faz ouvir os surdos e falar os mudos" constituem uma boa notícia, que anuncia a vinda do Reino de Deus e a cura da incomunicabilidade e da divisão. Esta mensagem encontra-se em toda a pregação e obra de Jesus, que atravessava as aldeias, cidades ou campos e, onde quer que entrasse, "colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados" (Mc 6,56). A cura do surdo-mudo, sobre a qual meditamos nestes dias, acontece quanto Jesus, deixando a região de Tiro, se dirige para o lago da Galileia, atravessando o território da chamada "Decápole", região multiétnica e plurirreligiosa (cf. Mc 7,31). É uma situação emblemática também nos dias de hoje. Como noutras regiões, também na Decápole apresentam um doente a Jesus, um homem surdo e tartamudo ("moghílalon"), e rogam-lhe que imponha as mãos sobre ele, porque o consideram um homem de Deus. Jesus afasta-se com o surdo-mudo para longe da multidão e realiza gestos que significam um contacto salvífico mete-lhe os dedos nos ouvidos e com a sua saliva toca a língua do doente e em seguida, voltando os olhos para o céu, ordena: "Abre-te!". Pronuncia esta ordem em aramaico ("Effathá!"), provavelmente a língua das pessoas presentes e do próprio surdo-mudo, expressão que o Evangelista traduz em grego ("dianoíchtheti"). Os ouvidos do surdo-mudo abriram-se, soltou-se a prisão da sua língua "e falava correctamente" ("orthos"). Jesus recomenda que nada se diga acerca do milagre. Todavia, quanto mais o recomendava, "tanto mais eles o apregoavam" (Mc 7,36). E o comentário admirado de muitas pessoas que tinham assistido reitera a pregaçao de Isaias para o advento do Messias: "Faz ouvir os surdos e falar os mudos" (Mc 7,37).

O primeiro ensinamento que tiramos deste episódio bíblico, evocado também no rito do baptismo é que, na perspectiva crista, a escuta é prioritária. A este propósito, Jesus afirma de modo explicito: "Felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática" (Lc 11,28). Antes, a Marta preocupada com muitas coisas, Ele diz que "uma só é necessária" (Lc 10,42). E de tal contexto resulta que esta única coisa é a escuta obediente da Palavra. Por isso, a escuta da Palavra de Deus é prioritária para o nosso compromisso ecuménico. Com efeito, não somos nós que realizamos ou organizamos a unidade da Igreja. A Igreja não se faz a si mesma e não vive por si própria, mas da palavra criadora que provém da boca de Deus. Ouvir a Palavra de Deus em conjunto; praticar a lectio divina da Bíblia, ou seja, a leitura ligada à oração; deixar-se surpreender pela novidade da Palavra de Deus, que nunca envelhece e jamais se esgota; superar a nossa surdez por aquelas palavras que não concordam com os nossos preconceitos e as nossas opiniões; ouvir e estudar, na comunhão dos fiéis de todos os tempos; tudo isto constitui um caminho a percorrer para alcançar a unidade na fé, como resposta à escuta da Palavra.

Além disso, quem se coloca à escuta da Palavra de Deus pode e deve falar e transmiti-la aos outros, àqueles que nunca a ouviram, ou a quem a esqueceu e sepultou sob os espinhos das preocupações e dos enganos do mundo (cf. Mt 13,22). Devemos perguntar-nos: nós, cristãos, não nos tornamos porventura demasiado mudos? Não nos falta acaso a coragem de falar e de testemunhar, como fizeram aqueles que eram as testemunhas da cura do surdo-mudo na Decápole?

O nosso mundo tem necessidade deste testemunho; espera sobretudo o testemunho conjunto dos cristãos. Por isso, a escuta de Deus que fala implica também a escuta uns dos outros, o diálogo entre as Igrejas e as Comunidades eclesiais. O diálogo honesto e leal constitui o instrumento imprescindível da busca da unidade. O Decreto do Concilio Vaticano II sobre o Ecumenismo salientou o facto de que se os cristãos não se conhecerem reciprocamente nem sequer será imaginável alcançar progressos no caminho da comunhão. Efectivamente, no diálogo ouvimos e comunicamo-nos uns com os outros; confrontamo-nos e, com a graça de Deus, podemos convergir para a sua Palavra, aceitando as suas exigências, que são válidas para todos.

Na escuta e no diálogo, os Padres conciliares não entreviram uma utilidade que visa exclusivamente o progresso ecuménico, mas acrescentaram uma perspectiva relativa à própria Igreja católica: "Deste diálogo afirma o texto do Concilio surgirá mais claramente qual é a verdadeira situação da Igreja católica" (Unitatis redintegratio UR 9). Sem dúvida, é indispensável "expor com toda a clareza a doutrina completa" em vista de um diálogo que enfrente, debata e vença as divergências existentes entre os cristãos mas, ao mesmo tempo, "o modo e o método de enunciar a fé católica não devem de forma alguma servir de obstáculo ao diálogo com os irmãos" (Ibid., UR 11). É necessário falar correctamente (orthos) e de maneira compreensível. O diálogo ecuménico exige a correcção evangélica fraternal e leva a um recíproco enriquecimento espiritual na partilha das autenticas experiências de fé e de vida crista. Para que isto aconteça, é preciso implorar incansavelmente a assistência da graça de Deus e a iluminação do Espírito Santo. É quanto os cristãos do mundo inteiro realizam durante esta "Semana" especial, ou que farão na Novena que precede o Pentecostes, assim como em todas as circunstâncias oportunas, elevando a sua oração confiante a fim de que todos os discípulos de Cristo sejam um só e para que, na escuta da Palavra, possam dar um testemunho concorde aos homens e às mulheres do nosso tempo.

Neste clima de intensa comunhão, desejo dirigir a minha cordial saudação a todos os presentes: ao Senhor Cardeal Arcipreste desta Basílica, ao Senhor Cardeal Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e aos demais Cardeais, aos venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, aos Monges beneditinos, aos religiosos, às religiosas e aos leigos, que representam toda a comunidade diocesana de Roma. De modo especial, gostaria de saudar os Irmãos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, que estão a participar na presente celebração, renovando a significativa tradição de concluir em conjunto a "Semana de Oração" no dia em que comemoramos a fulgurante conversão de São Paulo no caminho de Damasco. Estou feliz por evidenciar o facto de que o sepulcro do Apóstolo das Nações, junto do qual nos encontramos, recentemente foi objecto de investigações e de estudos, depois dos quais se desejou torná-lo visível aos peregrinos, com uma intervenção adequada na área subjacente ao altar-mor. Manifesto as minhas congratulações por esta importante iniciativa. À intercessão de São Paulo, incansável construtor da unidade da Igreja, confio os frutos da escuta e do testemunho conjunto, que pudemos experimentar nos numerosos encontros fraternais e nos diálogos promovidos ao longo do ano de 2006, tanto com as Igrejas do Oriente como as Igrejas e as Comunidades eclesiais do Ocidente.

Nestes acontecimentos foi possível sentir a alegria da fraternidade, juntamente com a tristeza pelas tensões que subsistem, conservando sempre a esperança que o Senhor nos infunde. Damos graças a quantos contribuíram para intensificar o diálogo ecuménico com a oração, com a oferta do seu sofrimento e com a sua obra incansável. É sobretudo ao nosso Senhor Jesus Cristo que damos graças fervorosas por tudo. A Virgem Maria faça com que, quanto antes, possa realizar-se o ardente anseio de unidade do seu Filho divino: "Para que todos sejam um só.... para que o mundo creia" (Jn 17,21).





Bento XVI Homilias 31126