Discursos Bento XVI 26922

SAUDAÇÃO NO FINAL DO ORATÓRIO AUGUSTINUS OFERECIDO PELA DIOCESE DE WÜRZBURG 26 de Setembro de 2012

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Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo,


Senhores Cardeais
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Estimado D. Hofmann
Prezado D. Scheele
Ilustres músicos
Queridos hóspedes provenientes de Würzburg e da Francónia
Gentis Senhoras e Senhores!


A execução de uma obra sobre santo Agostinho, aqui em Castel Gandolfo, é certamente um acontecimento singular. Agradeço de coração a todos aqueles que esta tarde tornaram possível este evento. Dirijo o meu agradecimento particular ao prezado Monsenhor Hofmann, ao Augustinus-Institut e à Diocese de Würzburg, pelo dom que me fizestes com este concerto no âmbito do Simpósio internacional sobre santo Agostinho, que se realiza no Augustinianum de Roma. Estou grato sobretudo aos artistas — ao Maestro de Capela, Prof. Martin Berger, aos solistas, ao Coro de Câmara da Catedral de Würzburg e a todos os músicos — pela execução magistral. A todos vós, de coração, um «Vergelt’s Gott» [Deus vos recompense!].

O título desta obra sobre Agostinho define-a «um mosaico de sons». Em sete imagens musicais, por sua vez compostas por diversas vozes, cânticos e melodias, pintou-se de modo impressionante um retrato de santo Agostinho com sons. É um mosaico. Algumas pedras refulgem, segundo o modo como desce a luz e o ponto de observação, mas é só no conjunto que a imagem se revela. Este mosaico representa a grandeza e a complexidade do homem e do teólogo Agostinho, que se subtrai a uma classificação e a uma sistematização que tendem a evidenciar demasiadamente apenas os seus aspectos particulares. Assim, esta composição diz-nos que, se verdadeiramente quisermos conhecer Agostinho, enquanto nos ocupamos dos pormenores nunca devemos perder de vista o conjunto do seu pensamento, da sua obra e da sua pessoa.

A actualidade do grande Padre latino da Igreja é ininterrupta. Também isto nos demonstrou, mais uma vez, a obra sobre Agostinho [que ouvimos]. As sete imagens fizeram-nos conhecer o Bispo de Hipona na linguagem musical contemporânea. É necessário relevar que o fizeram sem pôr em primeiro plano a própria personagem principal. Mas precisamente devido a esta sua «ausência», Agostinho torna-se presente e é «sem tempo». A luta do homem e a sua busca daquilo que lhe é mais íntimo, a procura de Deus, permanece válida para todos os tempos; ela não diz respeito unicamente a um retor e mestre de gramática nas dilacerações e nas revoluções da antiguidade tardia, mas a cada homem de todos os tempos. E assim, no final da obra, encontramos as famosas palavra introdutivas tiradas das Confessiones, que ressoaram, amortecendo-se em diversas línguas: «Magnus es, Domine, et laudibils valde: magna virtus tua et sapientiae tuae non est numerus... Quaerentes enim inveniunt eum et invenientes laudabunt eum». «És grande Senhor, e muito digno de louvor; grande é a tua virtude, e a tua sabedoria incalculável... Louvarão o Senhor os que o procuram porque, procurando-o encontram-no, e encontrando-o louvá-lo-ão» (I,1,1).

Dirijo o meu agradecimento mais uma vez aos promotores desta tarde dedicada à figura de santo Agostinho, aos músicos e a quantos contribuíram para a realização deste concerto. Obrigado pela vossa oferta generosa e pelo dom precioso. Saúdo também todos os participantes no Simpósio internacional sobre santo Agostinho, que nestes dias se realiza na sede do Instituto Patrístico Augustinianum, em Roma. O vosso Congresso sobre a relação entre as culturas no De civitate Dei contribua de modo fecundo para aprofundar o pensamento do santo bispo de Hipona e para reconhecer a sua actualidade para as questões e os desafios que se nos apresentam hoje. A todos, concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



AOS PARTICIPANTES NO XXXII CONGRESSO INTERNACIONAL DE MEDICINA DESPORTIVA Quinta-feira, 27 de Setembro de 2012

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Sala dos Suíços dos Palácio Apostólico de Castel Gandolfo


Ilustres Hóspedes
Estimados Amigos

É-me grato dar as boas-vindas a Castel Gandolfo aos representantes do trigésimo segundo Congresso internacional de medicina desportiva porque, pela primeira vez na vossa história, realizais o vosso Congresso bienal em Roma. Gostaria de agradecer, de igual modo, ao Doutor Maurizio Casasco as suas amáveis palavras proferidas em nome de todos vós.

Nesta ocasião, parece oportuno propor-vos alguns pensamentos a respeito do cuidado dos atletas e de quantos praticam desportos. Tomei conhecimento de que vós que participais no Congresso provindes de 117 países dos cinco continentes e que a vossa diversidade é um importante sinal da presença do atletismo no meio das culturas, das regiões e das várias circunstâncias. É também uma indicação significativa da capacidade que os empreendimentos do desporto e do atletismo têm de unir as pessoas na busca comum da pacífica excelência competitiva. As recentes Olimpíadas e Paraolimpíadas de Londres evidenciaram-no. O fascínio e a importância universal do atletismo e da medicina desportiva reflectem-se também justamente no tema do vosso Congresso deste ano, que trata as implicações mundiais do vosso trabalho, assim como a sua potencialidade para inspirar muitas pessoas diferentes em todo o mundo.

Como o Doutor Casasco justamente ressaltou no seu discurso, como médicos especialistas vós reconheceis que o ponto de partida de todo o vosso trabalho é o atleta na sua individualidade, ao qual vós servis. Assim como o desporto é mais do que uma simples competição, cada desportista, homem e mulher, é mais do que um mero competidor, pois possui uma capacidade moral e espiritual que deve ser enriquecida e aprofundada pelo desporto e pela medicina desportiva. No entanto, às vezes o sucesso, a fama, as medalhas e a busca do dinheiro tornam-se a finalidade principal, ou até única, para as pessoas envolvidas. De vez em quando aconteceu até que a vitória a todo o custo se substituiu ao verdadeiro espírito do desporto, levando ao abuso e a uma utilização imprópria dos instrumentos à disposição da medicina moderna.

Como praticantes da medicina desportiva, vós estais conscientes desta tentação, e sei que durante o vosso Congresso estais a analisar esta problemática importante. E precisamente porque também vós considerais as pessoas das quais cuidais, como indivíduos singulares e dotados, independentemente das suas capacidades atléticas, e que eles são chamados à perfeição moral e espiritual, antes de serem chamados a qualquer resultado físico. Com efeito, São Paulo observa na sua primeira carta aos Coríntios que as excelências espiritual e atlética estão intimamente relacionadas entre si, enquanto exorta os fiéis a exercitarem-se na vida espiritual. «Todos os atletas», diz, «se impõem muitas privações; e fazem-no para alcançar uma coroa corruptível. Quanto a nós, fazemo-lo por uma coroa incorruptível» (9, 25). Caros amigos, por isso exorto-vos que continueis a ter presente a dignidade daqueles que assistis mediante o vosso trabalho médico profissional. Desta forma, sereis agentes dos cuidados da excelência física, mas também de regeneração moral, espiritual e cultural.

Do mesmo modo como o próprio Senhor assumiu a carne humana, fazendo-se homem, assim também cada pessoa humana é chamada a reflectir perfeitamente a imagem e a semelhança de Deus. Por conseguinte, rezo por vós e por aqueles que são beneficiados pelo vosso trabalho, a fim de que os vossos esforços levem a um apreço cada vez mais profundo da beleza, mistério e potencialidade de cada pessoa humana, atlética ou de outro tipo, fisicamente capaz ou portadora de deficiência. Possa a vossa eficiência profissional, os vossos bons conselhos e a vossa amizade beneficiar todos aqueles que sois chamados a servir. Com estes pensamentos, invoco sobre vós e sobre quantos servis, as abundantes bênçãos de Deus. Obrigado!



AOS EMPREGADOS DAS VILAS PONTIFÍCIAS NO FINAL DA SUA PERMANÊNCIA EM CASTEL GANDOLFO Sexta-feira, 28 de Setembro de 2012

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Palácio Apostólico de Castel Gandolfo

Prezados irmãos e irmãs

Neste mundo tudo passa! Cada coisa que começa, até a mais positiva e bonita, traz consigo inevitavelmente a própria conclusão. Assim é também para a temporada serena e tranquila que transcorri aqui convosco, na bonita moldura de Castel Gandolfo, onde mais uma vez pude respirar um clima de família e de profunda cordialidade. Este nosso encontro, que já se tornou uma agradável tradição, oferece-me a oportunidade de agradecer a todos e a cada um de vós o serviço generoso que desempenhais nesta Residência Pontifícia. Dirijo a minha saudação especial e afectuosa, antes de tudo, ao Doutor Saverio Petrillo, Director-Geral das Vilas Pontifícias, com gratidão pelas amáveis palavras que me dirigiu, também em nome de todos vós aqui presentes. Saúdo também todos os funcionários e respectivas famílias. O Senhor, rico de bondade, vos abençoe e vos conserve no seu amor!

O mês de Setembro, que já passou, é sempre o tempo de um relançamento positivo, depois das férias de Verão: para as vossas crianças e jovens recomeçou a escola; e para todos vós, o trabalho mais intenso e assíduo. Também na Igreja, para muitas comunidades cristãs espalhadas pelo mundo, o tempo que Deus Pai nos concede é de um novo ano pastoral que inicia. Além disso, já vemos próximos alguns acontecimentos muito significativos: penso na minha iminente visita a Loreto, com a qual desejo recordar o 50° aniversário da peregrinação do Beato João XXIII, realizado àquele Santuário mariano para confiar a Maria o Concílio Ecuménico Vaticano II; penso no Sínodo dos Bispos, que meditará sobre a nova evangelização no presente da Igreja e do mundo; e, finalmente — no cinquentenário do início do Concílio — na inauguração do Ano da fé, por mim proclamado para ajudar cada homem a abrir o seu coração e a sua vida ao Senhor Jesus e à Palavra de salvação.

Por isso, estimados amigos, confio à vossa oração estes importantes momentos eclesiais, que somos chamados a viver. O Senhor nos assista, a fim de que eles ajudem cada um de nós a crescer na fé, a redescobrir Jesus como a pérola preciosa e o verdadeiro tesouro da nossa vida. A Virgem Maria, Mãe da Igreja e nossa Mãe, que invocaremos com confiança no próximo mês de Outubro, mediante a recitação quotidiana do Santo Rosário, vos proteja sempre e vos sustente na realização de todos os vossos propósitos de bem que tendes no coração.

Acompanhe-vos a minha Bênção que, com carinho, concedo a cada um de vós, às vossas famílias e a todas as pessoas queridas, de maneira especial aos doentes e a quantos sofrem. Até à vista!

Arrivederci!



ÀS COMUNIDADES RELIGIOSAS E CIVIS NO FINAL DA SUA PERMANÊNCIA EM CASTEL GANDOLFO Castel Gandofo, 29 de Setembro de 2012

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Prezados irmãos e irmãs

Estou feliz por vos receber no final da da minha estadia de Verão em Castel Gandolfo. Ela permitiu-me viver um período de estudo, oração e descanso, durante o qual observei com admiração a solicitude e a atenção de todas as pessoas que se ocupam a garantir assistência e hospitalidade a mim, aos meus colaboradores, assim como aos peregrinos que vieram aqui para se encontrar com o Sucessor de Pedro. Exprimo o meu reconhecimento a todos e a cada um pela dedicação prodigalizada no arco destes meses. Na temporada de Verão Castel Gandolfo confirma-se como uma «segunda sede» do Bispo de Roma, competindo com a «primeira» na capacidade de acolher os visitantes e os peregrinos que vêm para recitar o Angelus dominical ou para as Audiência gerais de quarta-feira.

Saúdo com afecto e com gratidão, em primeiro lugar o Bispo de Albano, D. Marcello Semeraro. Saúdo o Pároco de Castel Gandolfo e os seus colaboradores, juntamente com as comunidades religiosas e laicas, masculinas e femininas, presentes no território. Convido todos vós a continuar a fazer-me sentir a vossa proximidade espiritual inclusive depois da minha partida, como aconteceu durante este período da minha permanência. Estou-vos grato por isto, enquanto vos encorajo a continuar com confiança e com alegria o vosso serviço a Cristo e ao seu Evangelho.

Dirijo uma saudação cordial às autoridades civis de Castel Gandolfo, na pessoa do Presidente da Câmara municipal. Enquanto vos agradeço a disponibilidade e a solicitude que me demonstrastes, asseguro a minha recordação na oração por toda a vossa comunidade, de modo particular pelas famílias em dificuldade e pelos enfermos.

Além disso, é-me grato transmitir a minha saudação aos responsáveis pelos Serviços do Governatorado: o Corpo da Gendarmaria, a «Floreria», os Serviços técnicos e de saúde; e os demais Corpos que cooperaram de maneira determinante para a realização de todos os encontros: a Guarda Suíça Pontifícia, os funcionários e os agentes das Forças da Ordem italianas e os oficiais e aviadores do 31° Esquadrão da Aeronáutica Militar. O Senhor recompense todos vós com abundantes dádivas celestes, e vos proteja bem como as vossas famílias.

Caros irmãos e irmãs, agradeço-vos a vossa presença neste encontro de hoje. O melhor modo para se recordar é o da oração: não deixarei de rezar por vós e pelas vossas intenções, e espero que façais o mesmo. À Virgem Maria, que veneramos no mês de Outubro como Rainha do Santo Rosário, confio cada um de vós, os vossos parentes e amigos. Com o seu olhar amoroso, Ela vos acompanhe e ampare sempre os vossos passos ao longo do caminho da justiça e da verdade. Com tais sentimentos, concedo de coração a cada um de vós aqui presentes e a todos os vossos entes queridos, a Bênção Apostólica.




XIII ASSEMBLEIA GERAL DO SÍNODO DOS BISPOS


MEDITAÇÃO DURANTE A ORAÇÃO DA HORA TÉRCIA NA INAUGURAÇÃO DOS TRABALHOS DO SÍNODO DOS BISPOS Segunda-feira, 8 de Outubro de 2012

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Sala do Sínodo

Queridos irmãos!

A minha meditação refere-se à palavra «evangelium» «euangelisasthai» (cf.
Lc 4,18). Neste Sínodo pretendemos conhecer mais o que o Senhor nos diz e o que podemos ou devemos fazer. Divide-se em duas partes: uma primeira reflexão sobre o significado destas palavras, e depois vou procurar interpretar o Hino da Hora Tércia «Nunc, Sancte, nobis Spiritus», na página 5 do Livro das Orações.

A palavra «evangelium» «euangelisasthai» tem uma longa história. Comparece em Homero: é o anúncio de uma vitória, e por conseguinte é anúncio de bem, de alegria, de felicidade. Comparece, depois, no Segundo livro de Isaías (cf. 40, 9), como voz que anuncia a alegria de Deus, como voz que faz compreender que Deus não se esqueceu do seu povo, que Deus, o Qual aparentemente quase se tinha retirado da história, existe, está presente. E Deus tem poder, Deus dá alegria, abre as portas do exílio; depois da longa noite do exílio, a sua luz aparece e dá a possibilidade do regresso ao seu povo, renova a história do bem, a história do seu amor. Neste contexto da evangelização, sobressaem sobretudo três palavras: dikaiosyne, eirene, soteria — justiça, paz, salvação. O próprio Jesus retomou as palavras de Isaías em Nazaré, falando deste «Evangelho» que agora ele leva precisamente aos excluídos, aos encarcerados, aos sofredores e aos pobres.

Mas para o significado da palavra «evangelium» no Novo Testamento, além deste — o Deutero-Isaías, que abre a porta —, é importante também o uso da palavra do Império Romano, começando pelo imperador Augusto. Aqui a palavra «evangelium» indica uma palavra, uma mensagem que vem do Imperador. Por conseguinte, a mensagem do Imperador — como tal — traz o bem: é renovação do mundo, é salvação. Mensagem imperial e como tal é uma mensagem de força e de poder; é uma mensagem de salvação, de renovação e de saúde. O Novo Testamento aceita esta situação. São Lucas confronta explicitamente o Imperador Augusto com o Menino nascido em Belém: «evangelium» — diz — sim, é uma palavra do Imperador, do verdadeiro Imperador do mundo. O verdadeiro Imperador do mundo fez-se ouvir, fala a nós. E este facto, como tal, é redenção, porque o grande sofrimento do homem — naquele tempo, como hoje — é precisamente este: por detrás do silêncio do universo, das nuvens da história há ou não um Deus? E, se este Deus existe, se nos conhece, está relacionado connosco? Este Deus é bom, e a realidade do bem tem ou não poder no mundo? Estas perguntas hoje são tão actuais como eram naquele tempo. Muita gente se pergunta: Deus é uma hipótese ou não? É uma realidade ou não? Por que não se manifesta? «Evangelho» significa: Deus interrompeu o seu silêncio, Deus falou, Deus existe. Este facto enquanto tal é salvação: Deus conhece-nos, Deus ama-nos, entrou na história. Jesus é a sua Palavra, o Deus connosco, Deus ama-nos, entrou na história. Jesus é a sua Palavra, o Deus connosco, o Deus que nos mostra que nos ama, que sofre connosco até à morte e ressuscita. Este é o próprio Evangelho. Deus falou, já não é o maior desconhecido, mas mostrou-se a si mesmo e isto é salvação.

Para nós a questão é: Deus falou, deveras rompeu o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer chegar esta realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação? Em si o facto que tenha falado é a salvação, é a redenção. Mas como pode o homem saber isto? Parece-me que este ponto constitua para nós uma pergunta, mas também um pedido, um mandato: podemos encontrar uma resposta meditando o Hino da Hora Tércia «Nunc, Sancte, nobis Spiritus». A primeira estrofe diz: «Dignare promptus ingeri nostro refusus, pectori», ou seja, oremos para que venha o Espírito Santo, esteja em nós e connosco. Por outras palavras: nós não podemos fazer a Igreja, podemos unicamente dar a conhecer quanto Ele fez. A Igreja não começa com o nosso «fazer», mas com o «fazer» e o «falar» de Deus. Assim os Apóstolos não disseram, depois de algumas assembleias: agora queremos criar uma Igreja, e com a forma de uma constituinte elaboraram uma constituição. Não, rezaram e em oração esperaram, porque sabiam que só o próprio Deus pode criar a sua Igreja, que Deus é o primeiro agente: se Deus não age, as nossas coisas são apenas nossas e são insuficientes; só Deus pode testemunhar que é Ele quem fala e quem falou. Pentecostes é a condição do nascimento da Igreja: só porque Deus agiu primeiro, os Apóstolos podem agir com Ele e com a sua presença e tornar presente quanto Ele faz. Deus falou e este «falou» é o perfeito da fé, mas é sempre também um presente: o perfeito de Deus não é só um passado, porque é um passado verdadeiro que tem sempre em si o presente e o futuro. Deus falou significa: «fala». E como naquele tempo só com a iniciativa de Deus podia nascer a Igreja, o Evangelho podia ser conhecido, o facto de que Deus falou e fala, assim também hoje só Deus pode começar, nós podemos unicamente cooperar, mas o início deve vir de Deus. Por isso não é uma simples formalidade se começarmos todos os dias a nossa Assembleia com a oração: isto responde à própria realidade. Só o preceder de Deus torna possível o nosso caminhar, o nosso cooperar, que é sempre um cooperar, não uma nossa decisão. Por isso é sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a actividade verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa divina, nos podemos tornar também — com Ele e n’Ele — evangelizadores. Deus é sempre o início, e sempre só Ele pode fazer Pentecostes, pode criar a Igreja, pode mostrar a realidade do seu ser connosco. Mas por outro lado, contudo, Deus, que é sempre o início, deseja também o nosso compromisso, deseja comprometer a nossa actividade, de modo que as actividades sejam teândricas, por assim dizer, feitas por Deus, mas com o nosso comprometimento e exigindo o nosso ser, toda a nossa actividade.

Por conseguinte, quando nós fazemos a nova evangelização é sempre cooperação com Deus, insere-se no conjunto com Deus, está fundada na oração e na sua presença real.

Mas, este nosso agir, que provém da iniciativa de Deus, encontramo-lo descrito na segunda estrofe deste Hino: «Os, lingua, mens, sensus, vigor, confessionem personent, flammescat igne caritas, accendat ardor proximos». Temos aqui, em duas linhas, dois substantivos determinantes;: «confessio» nas primeiras linhas, e «caritas» nas duas segundas. «confessio» e «caritas», como os dois modos nos quais Deus nos envolve, nos faz agir com Ele e para a humanidade, para a sua criatura: «confessio» e «caritas». E são acrescentados os verbos: no primeiro caso «personent» e no segundo «caritas» interpretado com a palavra fogo, fervor, acender, atear.

Vejamos o primeiro: «confessionem personent». A fé tem um conteúdo: Deus comunica-se, mas este Eu de Deus mostra-se realmente na figura de Jesus e é interpretado na «confissão» que nos fala da sua concepção virginal do Nascimento, da Paixão, da Cruz, da Ressurreição. Este mostrar-se de Deus é todo uma Pessoa: Jesus como o Verbo, com um conteúdo muito concreto que se expressa na «confessio». Por conseguinte, o primeiro ponto é que nós devemos entrar nesta «confissão», fazer-nos penetrar, de modo que «personent» — como diz o Hino — em nós e através de nós. Aqui é importante observar também uma pequena realidade filológica: «confessio» em latim pré-cristão não seria «confessio» mas «professio» (profiteri): isto é, apresentar positivamente uma realidade. Ao contrário a palavra «confessio» refere-se à situação num tribunal, num processo no qual alguém abre a sua mente e confessa. Por outras palavras, esta «confissão», que no latim cristão substituiu a palavra «professio», tem em si o elemento martirológico, o elemento de testemunhar diante de instâncias inimigas à fé, testemunhar também em situações de paixão e de perigo de morte. É parte essencial da confissão cristã a disponibilidade para sofrer: isto parece-me muito importante. Sempre na essência da «confessio» do nosso Credo, está incluída também a disponibilidade para a paixão, para o sofrimento, aliás, para o dom da vida. E precisamente isto garante a credibilidade: a «confessio» não é algo que se pode pôr de lado; a «confessio» exige a disponibilidade para dar a vida, para aceitar a paixão. Isto é precisamente também a verificação da «confessio». Vê-se que para nós a «confessio» não é uma palavra, é mais que a dor, é mais que a morte. Vale realmente a pena sofrer, vale a pena sofrer até à morte pela «confessio». Quem faz esta «confessio» demonstra assim que deveras aquilo que confessa é mais do que vida: é a própria vida, o tesouro, a pérola preciosa e infinita. Precisamente na dimensão martirológica da palavra «confessio» sobressai a verdade: verifica-se só para uma realidade pela qual vale a pena sofrer, que é também mais forte do que a morte, e demonstra que possuo a verdade, que tenho mais segurança, que «levo» a minha vida porque encontro a vida nesta confissão.

Vejamos agora onde deveria penetrar esta «confissão»: «Os, lingua, mens, sensus, vigor». De São Paulo, Carta aos Romanos 10, sabemos que a colocação da «confissão» é no coração e na boca: deve estar no fundo do coração, mas deve ser também pública: deve ser anunciada a fé que se tem no coração: nunca é apenas uma realidade no coração, mas tende para ser comunicada, para ser confessada realmente diante dos olhos do mundo. Assim devemos aprender, por um lado, a estar realmente — digamos — penetrados no coração pela «confissão», assim o nosso coração é formado, e do coração encontrar também, juntamente com a grande história da Igreja, a palavra e a coragem da palavra, e a palavra que indica o nosso presente, esta «confissão» que é sempre contudo uma. «Mens»: a «confissão» não é só uma questão do coração e da boca, mas também da inteligência: deve ser pensada e assim, como pensada e inteligentemente concebida, toca o outro e supõe sempre que o meu pensamento seja realmente colocado na «confissão». «Sensus»: não é uma coisa meramente abstracta e intelectual, a «confessio» deve penetrar também os sentidos da nossa vida. São Bernardo de Claraval disse-nos que Deus, na sua revelação, na história de salvação, deu aos nossos sentidos a possibilidade de ver, de tocar, de saborear a revelação. Deus já não é só uma coisa espiritual: entrou no mundo pelos sentidos e os nossos sentidos devem estar cheios deste sabor, desta beleza da Palavra de Deus, que é realidade. «Vigor»: é a força vital do nosso ser e também o vigor jurídico de uma realidade. Com toda a nossa vitalidade e força, devemos ser penetrados pela «confessio», que deve realmente «personare»; a melodia de Deus deve entoar o nosso ser na sua totalidade.

«Confessio» é a primeira coluna — por assim dizer — da evangelização e a segunda é «caritas». A «confessio» não é uma coisa abstracta, é «caritas», é amor. Só assim é realmente o reflexo da verdade divina, que como verdade é inseparavelmente também amor. O texto descreve, com palavras muito fortes, este amor: é fervor, é chama, é atear os outros. Há uma nossa paixão que deve crescer da fé, que deve transformar-se em fogo da caridade. Jesus disse-nos: Vim para lançar fogo à terra e quanto desejaria que já estivesse ateado. Orígenes transmitiu-nos uma palavra do Senhor: «Quem está perto de mim está perto do fogo». O cristão não deve ser tíbio. O Apocalipse diz-nos que este é o maior perigo do cristão: não diz não, mas diz um sim tíbio. Precisamente esta tibiez desacredita o cristianismo. A fé deve tornar-se em nós chama do amor, chama que acende realmente o meu ser, se torna grande paixão do meu ser, e assim acende o próximo. Este é o modo da evangelização: «Accendat ardor proximos», que a verdade se torne em mim caridade e a caridade acenda como o fogo também o outro. Só neste acender o outro através da chama da nossa caridade, cresce realmente a evangelização, a presença do Evangelho, que já não é só palavra, mas realidade vivida.

São Lucas narra que no Pentecostes, nesta fundação da Igreja por Deus, o Espírito Santo era fogo que transformou o mundo, mas fogo em forma de língua, ou seja, fogo que é contudo também razoável, que é espírito, que é também compreensão; fogo que está unido ao pensamento, à «mens». E precisamente este fogo inteligente, esta «sobria ebrietas», é característica para o cristianismo. Sabemos que o fogo é o início da cultura humana: o fogo é luz, é calor, é força de transformação. A cultura humana começa no momento em que o homem tem o poder de criar o fogo: com o fogo pode destruir, mas pode também transformar, renovar. O fogo de Deus é fogo transformador, fogo de paixão — sem dúvida — que destrói também tanto em nós, que leva a Deus, mas fogo sobretudo que transforma, renova e cria uma novidade do homem, que se torna luz em Deus.

Assim, no final, podemos unicamente rezar ao Senhor para que a «confessio» esteja fundada profundamente em nós e que se torne fogo que ateia os outros; assim o fogo da sua presença, a novidade do seu ser connosco, torna-se realmente visível e força do presente e do futuro.



ABERTURA DO ANO DA FÉ - BÊNÇÃO AOS PARTICIPANTES DA PROCISSÃO DE VELAS ORGANIZADA PELA ACÇÃO CATÓLICA ITALIANA Quinta-feira, 11/10/2012

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Prezados Irmãos e Irmãs

Boa tarde a todos vós e obrigado por terdes vindo. Obrigado também à Acção católica italiana, que organizou esta procissão de velas.

Há cinquenta anos, neste dia, também eu estava aqui na Praça com o olhar voltado para esta janela, de onde o Papa bom, o Beato Papa João, nos falou com palavras inesquecíveis, palavras cheias de poesia, de bondade, palavras do coração.

Éramos felizes — diria — e cheios de entusiasmo. O grande Concílio ecuménico tinha sido inaugurado; estávamos certos de que devia vir uma nova primavera da Igreja, um novo Pentecostes, com uma presença renovada da graça libertadora do Evangelho.

Também hoje estamos felizes, trazemos a alegria no nosso coração, mas diria um júbilo talvez mais sóbrio, uma alegria humilde. Nestes cinquenta anos aprendemos e experimentamos que o pecado original existe e que se traduz, sempre de novo, em pecados pessoais, que podem também tornar-se estruturas de pecado. Vimos que no campo do Senhor há sempre o joio. Vimos que na rede de Pedro se encontram também peixes maus. Vimos que a fragilidade humana está presente também na Igreja, que a barca da Igreja continua a navegar inclusive com vento contrário, com tempestades que ameaçam a barca, e às vezes pensamos: «O Senhor dorme e esqueceu-nos».

Esta é uma parte das experiências feitas ao longo destes cinquenta anos, mas também vivemos uma renovada experiência da presença do Senhor, da sua bondade, da sua força. O fogo do Espírito Santo, o fogo de Cristo não é um fogo devorador, destrutivo; é um fogo silencioso, é uma pequena chama de bondade, de bondade e de verdade, que transforma, dá luz e calor. Vimos que o Senhor não nos esquece. Também hoje, à sua maneira, humilde o Senhor está presente e transmite calor aos corações, mostra vida, cria carismas de bondade e de caridade que iluminam o mundo e são para nós garantia da bondade de Deus. Sim, Cristo vive, está connosco também hoje, e podemos ser felizes inclusive hoje, porque a sua bondade não se apaga; é forte também hoje!

No final, ouso fazer minhas as palavras inesquecíveis do Papa João: «Ide para casa, dai um beijo às crianças e dizei-lhes que é do Papa».

Neste sentido, de todo o coração concedo-vos a minha Bênção: «Bendito seja o nome do Senhor...».



ENCONTRO COM OS BISPOS QUE PARTICIPARAM NO CONCÍLIO VATICANO II E OS PRESIDENTES DAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS 12 de Outubro de 2012

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Sala Clementina

Sexta-feira, 12 de Outubro de 2012




Venerados e dilectos irmãos

Estamos reunidos hoje, depois da solene celebração que ontem nos congregou na Praça de São Pedro. A saudação cordial e fraterna que agora desejo dirigir-vos nasce daquela comunhão profunda que somente a Celebração eucarística é capaz de criar. Nela tornam-se visíveis, praticamente tangíveis, aqueles vínculos que nos unem enquanto membros do Colégio episcopal, reunidos com o Sucessor de Pedro.

Nos vossos rostos, amados Patriarcas e Arcebispos das Igrejas orientais católicas, estimados Presidentes das Conferências episcopais do mundo inteiro, vejo também as centenas de Bispos que, em todas as regiões da terra, estão comprometidos no anúncio do Evangelho e no serviço à Igreja e ao homem, em obediência ao mandato recebido de Cristo. Mas hoje gostaria de dirigir uma saudação particular a vós, prezados Irmãos que tivestes a graça de participar como Padres no Concílio Ecuménico Vaticano II. Estou grato ao Cardeal Arinze, que se fez intérprete dos vossos sentimentos, e neste momento tenho presente na oração e no afecto o grupo inteiro — quase setenta — de Bispos ainda vivos que participaram nos trabalhos conciliares. Respondendo ao convite para esta comemoração, na qual não puderam estar presentes por causa da idade avançada e da saúde, muitos deles recordaram aqueles dias com palavras comovedoras, assegurando a união espiritual neste momento, também com a oferta dos seus sofrimentos.

Ainda são numerosas as recordações que afloram à nossa mente e que cada um tem bem gravados no âmago daquele período tão vivo, rico e fecundo que foi o Concílio; no entanto, não quero prolongar-me demasiado, mas — retomando alguns elementos da minha homilia de ontem — gostaria de recordar unicamente como uma palavra, lançada pelo Beato João XXIII, de modo quase programático, se repetia continuamente nos trabalhos conciliares: a palavra «actualização».

Cinquenta anos depois da inauguração daquela Assembleia solene da Igreja, houve quem se perguntasse se aquela expressão fosse, talvez desde o início, não totalmente feliz. Penso que sobre a escolha das palavras se poderia debater durante horas, encontrando-se pareceres continuamente discordantes, mas estou persuadido de que a intuição que o Beato João XXIII resumiu com esta palavra foi e ainda hoje é exacta. O Cristianismo não pode ser considerado como «algo do passado», nem deve ser vivido com o olhar perenemente voltado «para trás», porque Jesus Cristo é ontem, hoje e para toda a eternidade (cf. Hb
He 13,8). O Cristianismo é caracterizado pela presença do Deus eterno, que entrou no tempo e está presente em todos os tempos, para que cada tempo derive da sua potencialidade criadora, do seu «hoje» eterno.

Por isso, o Cristianismo é sempre novo. Nunca o podemos ver como uma árvore plenamente desenvolvida a partir do pequeno grão de mostarda evangélico, que cresceu, deu os seus frutos e, um certo dia, a sua energia vital envelhece e chega ao crepúsculo. O Cristianismo é uma árvore que está, por assim dizer, em «aurora» perene, é sempre jovem. E esta actualidade, esta «actualização» não significa ruptura com a tradição, mas exprime a sua vitalidade contínua; não significa reduzir a fé, submetendo-a à moda dos tempos, ao parâmetro do que nos agrada, àquilo que satisfaz a opinião pública, mas é o contrário: precisamente como fizeram os Padres conciliares, temos que elevar o «hoje» que nós vivemos à medida do acontecimento cristão, devemos elevar o «hoje» do nosso tempo ao «hoje» de Deus.

O Concílio foi um tempo de graça em que o Espírito Santo nos ensinou que a Igreja, no seu caminho ao longo da história, deve falar sempre ao homem contemporâneo, mas isto só pode verificar-se mediante a força daqueles que estão profundamente arraigados em Deus, deixando-se orientar por Ele e vivendo com pureza a própria fé; não deriva de quem se adapta ao momento passageiro, de quem escolhe o caminho mais fácil. O Concílio sabia-o muito bem, quando na Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, no número 49, afirmou que todos na Igreja são chamados à santidade segundo as palavras do Apóstolo Paulo: «Esta é, pois, a vontade de Deus: a vossa santificação» (1Th 4,3): a santidade manifesta o verdadeiro semblante da Igreja, faz entrar o «hoje» eterno de Deus no «hoje» da nossa vida, no «hoje» da nossa época.

Caros Irmãos no Episcopado, a memória do passado é preciosa, mas nunca é um fim em si mesma. O Ano da fé, ao qual demos início ontem, sugere o melhor modo de recordar e comemorar o Concílio: concentrar-nos no cerne da sua mensagem, que de resto é apenas a mensagem da fé em Cristo, único Salvador do mundo, proclamada ao homem do nosso tempo. Também hoje o que é importante e essencial é levar o raio do amor de Deus ao coração e à vida de cada homem e de cada mulher, conduzindo a Deus os homens e as mulheres de todos os lugares e de todas as épocas. Desejo intensamente que cada uma das Igrejas particulares encontre, na celebração deste Ano, a ocasião para a ida sempre necessária à nascente viva do Evangelho, ao encontro transformador com a pessoa de Jesus Cristo. Obrigado!




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