Discursos Bento XVI 12100

ALMOÇO COM OS PADRES SINODAIS E OS BISPOS QUE PARTICIPARAM DO CONCÍLIO VATICANO II Sexta-feira, 12 de Outubro de 2012

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Santidade, Your Grace,
queridos Irmãos

Inicialmente, gostaria de anunciar uma graça, isto é, hoje à tarde recomeçamos não às quatro e meia — parece-me desumano — mas às seis menos um quarto.

É uma bonita tradição criada pelo Beato Papa João Paulo II coroar o Sínodo com um almoço comum. Para mim é uma grande alegria que à minha direita esteja Sua Santidade Bartolomeu, Patriarca Ecuménico de Constantinopla e à minha esquerda o Archbishop Rowan Williams from the Anglican Communion.

Para mim esta comunhão é um sinal de que estamos a caminho rumo à unidade e que no coração vamos em frente. O Senhor ajudar-nos-á a ir em frente também exteriormente. Esta alegria, parece-me, dá-nos força inclusive no mandato da evangelização. Synodos quer dizer «caminho comum», «estar a caminho juntos», e assim a palavra synodos faz-me pensar no famoso caminho do Senhor com os dois discípulos de Emaús, que são como uma imagem do mundo agnóstico de hoje. Jesus, a sua esperança, tinha morrido; o mundo estava vazio; parecia que Deus realmente não existisse ou não se interessasse de nós. Com este desespero no coração, e no entanto com uma pequena chama de fé, prosseguem. O Senhor caminha misteriosamente com eles e ajuda-os a entender melhor o mistério de Deus, a sua presença na história, o seu caminhar silenciosamente connosco. No final, durante a ceia, quando já as palavras do Senhor e a sua escuta tinham ateado o coração e iluminado a mente, reconheceram-no e finalmente o coração começou a ver. Assim no Sínodo estamos a caminho juntamente com os nossos contemporâneos. Rezemos ao Senhor para que nos ilumine, nos ateie o coração a fim de que se torne clarividente, nos ilumine a mente; e peçamos para que, na ceia, na comunhão eucarística, possamos realmente estar abertos, vê-lo e desta forma atear também o mundo e oferecer a sua luz a este nosso mundo.

Neste sentido, a ceia — o Senhor considerou com frequência o almoço e a ceia como símbolos do Reino de Deus — poderia ser também para nós um símbolo do caminho comum e uma ocasião para rezar ao Senhor a fim de que nos acompanhe, nos ajude. Neste sentido, recitemos agora a prece de acção de graças. Bom descanso, vemo-nos na Sala do Sínodo! Obrigado!



DO FILME «BELLS OF EUROPE – SINOS DA EUROPA: UMA VIAGEM NA FÉ ATRAVÉS DA EUROPA» - ENTREVISTA AO SANTO PADRE BENTO XVI



À pergunta sobre as razões da esperança que muitas vezes manifestou nutrir pela Europa, o Papa respondeu assim.

A primeira razão da minha esperança consiste no facto de que o desejo de Deus, a busca de Deus, está profundamente escrita em cada alma e não pode desaparecer. Sem dúvida, por um certo tempo, podemos esquecer Deus, deixá-lo de lado, ocupar-nos de outros assuntos, mas Deus nunca desaparece. É simplesmente verdade o que diz santo Agostinho, que nós homens estamos inquietos enquanto não encontramos Deus. Esta inquietude existe também hoje. É a esperança de que o homem, sempre de novo, inclusive hoje, se ponha a caminho rumo a este Deus.

A segunda razão da minha esperança consiste no facto de que o Evangelho de Jesus Cristo, a fé em Cristo, é simplesmente verdadeira. E a verdade não envelhece. Também ela pode ser esquecida por um certo tempo, podemos encontrar outras coisas, deixá-la de lado, mas a verdade como tal não desaparece. As ideologias têm um tempo contado. Parecem fortes, irresistíveis, mas depois de um certo período terminam, já não têm a força em si, porque lhes falta uma verdade profunda. São partículas de verdade, mas no final desfazem-se. O Evangelho ao contrário é verdadeiro, e por isso nunca se extingue. Em todos os períodos da história sobressaem as suas novas dimensões, aparece toda a sua novidade, ao responder às exigências do coração e da razão humana, que pode caminhar nesta verdade e encontrar-se. E por isso, precisamente por este motivo, estou convicto de que existe também uma nova primavera do cristianismo.

Uma terceira razão empírica vemo-la no facto de que hoje esta inquietude é evidente na juventude. Os jovens viram muitas coisas — ofertas de ideologias e de consumismo — mas sentem o vazio de tudo isto, a sua insuficiência. O homem é criado para o infinito. Todo o finito é demasiado pouco. E por isso vemos que, precisamente nas novas gerações, esta inquietude desperta de novo e eles põem-se a caminho, e assim existem novas descobertas da beleza do cristianismo; um cristianismo não a preço moderado, não reduzido, mas na sua radicalidade e profundidade. Portanto, parece-me que a antropologia como tal nos indica que haverá sempre novos despertares do cristianismo, e os factos confirmam-no com uma palavra: fundamento profundo. É o cristianismo. É verdade, e a verdade tem sempre um futuro.

A outra pergunta feita a Bento XVI referia-se à influência cultural da Europa sobre todo o género humano, e o possível testemunho dos católicos e dos cristãos pertencentes às Igrejas ortodoxas e protestantes na Europa, desde o Atlântico até aos Urais, para a construção de uma Europa mais fiel. Bento XVI respondeu assim.

Trata-se da grande questão. É evidente que a Europa tem também hoje no mundo uma grande importância, tanto económica, como cultural e intelectual. E, por causa desta importância, tem uma grande responsabilidade. Mas a Europa deve, como o senhor mencionou, encontrar ainda a sua plena identidade para poder falar e agir segundo a sua responsabilidade. Hoje o problema, na minha opinião, já não são as diferenças nacionais. Trata-se de diversidades que já não são divisões, graças a Deus. As nações permanecem, e na sua diversidade cultural, humana, temperamental, são uma riqueza que se completa e faz surgir uma grande sinfonia de culturas. São fundamentalmente uma cultura comum. O problema da Europa, de encontrar a sua identidade, parece-me que consiste no facto de que hoje temos nela duas almas: uma alma é uma razão abstracta, anti-histórica, que tenciona dominar tudo porque se sente acima de todas as culturas. Uma razão que finalmente chegou a si mesma, que tenciona emancipar-se de todas as tradições e valores culturais a favor de uma racionalidade abstracta. A primeira sentença de Estrasburgo sobre o Crucifixo era um exemplo desta razão abstracta, que quer emancipar-se de todas as tradições, da própria história. Mas assim não se pode viver. Além disso, também a «razão pura» é condicionada por uma determinada situação histórica, e só neste sentido pode existir. A outra alma é aquela que podemos definir cristã, que se abre a tudo o que é razoável e que ela mesma criou a audácia da razão e a liberdade de uma razão crítica, mas permanece ancorada nas raízes que deram origem a esta Europa, que a construíram nos grandes valores, nas intuições grandiosas, na visão da fé cristã. Como o senhor mencionou, sobretudo no diálogo ecuménico entre Igreja católica, ortodoxa, protestante, esta alma deve encontrar uma expressão comum e depois encontrar-se com esta razão abstracta, ou seja aceitar e conservar a liberdade crítica da razão em relação a tudo o que pode fazer e fez, mas praticá-la, realizá-la no fundamento, na coesão com os grandes valores que o cristianismo nos legou. Só nesta síntese a Europa pode ter a sua importância no diálogo intercultural da humanidade de hoje e de amanhã, pois uma razão que se emancipou de todas as culturas não pode entrar num diálogo intercultural. Só uma razão que tem uma identidade histórica e moral pode também falar com os outros, procurar uma interculturalidade na qual todos podem entrar e encontrar uma unidade fundamental dos valores que podem abrir os caminhos para o futuro, para um novo humanismo, que deve ser a nossa finalidade. E para nós este humanismo cresce precisamente a partir da grande ideia do homem, à imagem e semelhança de Deus.




CERIMÓNIA PARA A ENTREGA DO "PRÉMIO RATZINGER" 2012 20 de Outubro de 2012

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Sala Clementina

Sábado, 20 de Outubro de 2012





Venerados Irmãos
Ilustres Senhores e Senhoras
Estimados irmãos e irmãs

É-me grato transmitir a minha saudação a todos vós, que participais nesta cerimónia. Agradeço ao Cardeal Ruini a sua intervenção, assim como a D. Scotti que introduziu o encontro. Congratulo-me com o Padre Daley e o Prof. Brague que, com a sua personalidade, ilustram esta iniciativa na sua segunda edição. E quero dizer «personalidade» em sentido pleno: o perfil da pesquisa e de todo o trabalho científico; o serviço precioso do ensinamento, que ambos desempenham há muitos anos; mas também o seu ser, naturalmente, de modos diversos — um é jesuíta, o outro um leigo casado — comprometidos na Igreja, activos na oferta da sua contribuição qualificada para a presença da Igreja no mundo contemporâneo.

A este propósito, observei algo que me fez ponderar, ou seja, que os dois Premiados deste ano são competentes e comprometidos em dois aspectos decisivos para a Igreja nos nossos tempos: refiro-me ao ecumenismo e ao confronto com as demais religiões. Padre Daley, estudando profundamente os Padres da Igreja, colocou-se na melhor escola para conhecer e amar a Igreja una e indivisa, apesar da riqueza das suas diferentes tradições; por isso, ele desempenha também um serviço de responsabilidade em relação às Igrejas ortodoxas. E o Prof. Brague é um grande estudioso da filosofia das religiões, de modo particular da judaica e islâmica, na Idade Média. Pois bem, cinquenta anos depois do início do Concílio Vaticano II, gostaria de reler juntamente com eles dois documentos conciliares: a Declaração Nostra aetate sobre as religiões não cristãs e o Decreto Unitatis redintegratio sobre o ecumenismo, ao qual contudo eu acrescentaria mais um documento que se revelou de importância extraordinária: a declaração Dignitatis humanae sobre a liberdade religiosa. Sem dúvida, seria muito interessante, estimado Padre e prezado Professor, ouvir as vossas reflexões e inclusive as vossas experiências nestes campos, onde está em jogo o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo.

Na realidade, este encontro ideal e confronto já se verifica lendo as suas publicações, que estão parcialmente disponíveis em diversas línguas. Sinto que devo manifestar apreço e gratidão especiais por este esforço em vista de comunicar os frutos de tais investigações. Trata-se de um compromisso que é trabalhoso mas precioso para a Igreja e para quantos agem em âmbito académico e cultural. A este propósito, gostaria simplesmente de sublinhar o facto de que ambos os Premiados são professores universitários, deveras comprometidos no ensino. Este aspecto merece ser posto em evidência, porque mostra um elemento de coerência na actividade da Fundação que, além do Prémio, promove bolsas de estudo para doutorandos em Teologia e também congressos de estudo a nível universitário, como o que foi realizado este ano na Polónia, e o que terá lugar daqui a três semanas no Rio de Janeiro. Personalidades como Padre Daley e o Professor Brague são exemplares para a transmissão de um saber que une ciência e sabedoria, rigor científico e paixão pelo homem, para que possa descobrir a «arte de viver». E temos necessidade precisamente de pessoas que, através de uma fé iluminada e vivida, tornem Deus próximo e credível ao homem de hoje; homens que mantenham o olhar fixo em Deus, haurindo desta nascente a verdadeira humanidade para ajudar quantos o Senhor colocar no nosso percurso, a compreender que Cristo é o caminho da vida; homens cujo intelecto seja iluminado pela luz de Deus, a fim de que possam falar também à mente e ao coração dos outros. Trabalhar na vinha do Senhor, onde Ele nos chama, para que os homens e as mulheres do nosso tempo possam descobrir e redescobrir a verdadeira «arte de viver»: esta foi também uma grande paixão do Concílio Vaticano II, actual como nunca no compromisso da nova evangelização.

Renovo de coração as minhas congratulações aos Premiados, assim como à Comissão científica da Fundação e a todos os colaboradores. Obrigado!



PROJECÇÃO DO FILME DOCUMENTÁRIO "ARTE E FÉ - VIA PULCHRITUDINIS" 25 de Outubro de 2012

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Sala Paulo VI

Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012




Venerados Irmãos
Ilustres Autoridades
Gentis Senhores e Senhoras

No final desta projecção, é-me grato dirigir a todos vós a minha cordial saudação.

Saúdo antes de tudo a Delegação polaca, em particular as Autoridades do Governo, o Senhor Embaixador junto da Santa Sé e todos aqueles que contribuíram para a realização deste filme.

Saúdo o Cardeal Bertone, Secretário de Estado, e o Cardeal Bertello que, como Presidente do Governatorado, apresentou esta iniciativa — agradeço-lhe e congratulo-me com ele e com a Direcção dos Museus do Vaticano. Saúdo com reconhecimento os administradores das Sociedades que realizaram o filme e assumiram a sua produção.

Os Museus do Vaticano não são novos a iniciativas que explicam o vínculo entre arte e fé, a partir do património conservado nas Galerias Pontifícias. Várias exposições foram realizadas sobre este tema, assim como algumas obras audiovisuais. No entanto, o filme que vimos apresenta-se como uma contribuição digna de menção especial, sobretudo porque estamos no início do Ano da fé.Com efeito, ele constitui uma contribuição específica e qualificada dos Museus do Vaticano para o Ano da fé, e isto justifica também o grande compromisso assumido a vários níveis. Como a parte final do filme realça explicitamente, para muitas pessoas a visita aos Museus do Vaticano representa, na sua viagem a Roma, o maior contacto, às vezes único, com a Santa Sé; por isso, é uma ocasião privilegiada para conhecer a mensagem cristã. Poder-se-ia dizer que o património artístico da Cidade do Vaticano constitui uma espécie de grande «parábola» mediante a qual o Papa fala a homens e mulheres de todas as partes do mundo, e portanto de múltiplas pertenças culturais e religiosas, pessoas que talvez nunca lerão um seu discurso ou uma sua homilia. Vem ao pensamento aquilo que Jesus dizia aos seus discípulos: a vós, os mistérios do Reino de Deus são explicados, enquanto àqueles que são «de fora» tudo é anunciado «em parábolas» (cf.
Mc 4,10-12). A linguagem da arte é parabólica, dotada de uma especial abertura universal: a «via Pulchritudinis» é uma senda capaz de orientar a mente e o coração para o Eterno, de os elevar até às alturas de Deus.

Apreciei muito o facto de que no filme se faça, reiteradamente, referência ao compromisso dos Romanos Pontífices em prol da conservação e da valorização do património artístico; e também, na época contemporânea, de um diálogo renovado da Igreja com os artistas. A Colecção de Arte Religiosa Moderna dos Museus do Vaticano é a demonstração viva da fecundidade deste diálogo. Mas não só esta. Todo o grande organismo dos Museus do Vaticano — trata-se com efeito de uma realidade viva! — possui também esta dimensão, que poderíamos chamar «evangelizadora». E aquilo que sobressai, ou seja, as obras expostas, pressupõe todo um trabalho que não se vê, mas que é indispensável para as suas melhores conservação e fruição.

Em particular, estou feliz por prestar homenagem à grande sensibilidade pelo diálogo entre arte e fé, do meu amado Predecessor o Beato João Paulo II: o papel que a Polónia desempenha nesta produção confirma os seus méritos neste campo.

Arte e fé: um binómio que acompanha a Igreja e a Santa Sé desde há dois mil anos, um binómio que também hoje devemos valorizar em maior medida no compromisso de levar aos homens e às mulheres do nosso tempo o anúncio do Evangelho, do Deus que é Beleza e Amor infinito.

Agradeço novamente a todos aqueles que, de diversos modos, cooperaram para realizar este filme documentário, e faço votos a fim de que ele suscite em muitas pessoas o desejo de conhecer melhor aquela fé que sabe inspirar tais e tantas obras de arte. Boa tarde a todos!



AOS PADRES SINODAIS POR OCASIÃO DA ÚLTIMA CONGREGAÇÃO DA XIII ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS 27 de Outubro de 2012

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Sábado, 27 de Outubro de 2012

Sala do Sínodo



Queridos irmãos e irmãs

Antes de agradecer, gostaria de fazer mais uma comunicação.

No contexto das reflexões do Sínodo dos bispos, «A Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã» e na conclusão de um caminho de reflexão sobre as temáticas dos Seminários e da Catequese, de bom grado anuncio que decidi, depois de rezar e reflectir, transferir a competência sobre os Seminários da Congregação para a Educação Católica para a Congregação para o Clero e a competência sobre a Catequese da Congregação para o Clero para o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.

Seguirão os documentos relativos em forma de Carta Apostólica Motu Proprio para definir os âmbitos e as respectivas competências. Rezemos ao Senhor a fim de que acompanhe os três Dicastérios da Cúria Romana na sua importante missão, com a colaboração de toda a Igreja.

Tendo já a palavra, gostaria também de expressar os meus cordialíssimos bons votos aos novos Cardeais. Desejei, com este pequeno Consistório, completar o Consistório de Fevereiro, exactamente no contexto da Nova Evangelização, com um gesto da universalidade da Igreja, mostrando que a Igreja é de todos os povos, fala todas as línguas, é sempre Igreja de Pentecostes; não Igreja de um Continente mas Igreja universal. Era esta precisamente a minha intenção, expressar este contexto, esta universalidade da Igreja; é também a bonita expressão deste Sínodo. Para mim foi deveras edificante, confortador e encorajador ver aqui o reflexo da Igreja universal com os seus sofrimentos, ameaças, perigos e alegrias, experiências da presença do Senhor, inclusive nas situações difíceis.

Ouvimos como a Igreja também hoje cresce, vive. Penso, por exemplo, em quanto nos foi dito sobre o Camboja, onde a Igreja nasce de novo, a fé; ou sobre a Noruega, e muitos outros. Vemos inclusive como hoje o Senhor está presente, é poderoso e actuante onde não se espera, também através do nosso trabalho e das nossas reflexões.

Embora a Igreja sinta ventos contrários, todavia sente sobretudo o vento do Espírito Santo que nos ajuda, nos mostra o caminho recto; e assim, com novo entusiasmo — é a minha impressão — estamos a caminho e damos graças ao Senhor porque nos proporcionou realizar este encontro verdadeiramente católico.

Agradeço a todos: aos Padres do Sínodo, aos Auditores, com testemunhos deveras muito comovedores, aos Peritos, aos Delegados fraternos que nos ajudaram; e sabemos que todos queremos anunciar Cristo e o seu Evangelho e combater, nestes tempos difíceis, pela presença da verdade de Cristo e pelo seu anúncio.

Sobretudo, gostaria de agradecer aos nossos Presidentes que nos guiaram com amabilidade e decisão, aos Relatores que trabalharam dia e noite. Penso sempre que seja contra o direito natural trabalhar inclusive à noite, mas se o fizeram voluntariamente podemos agradecer-lhes e devemos sentir-nos gratos; e, naturalmente, ao nosso Secretário-Geral, incansável e rico de ideias.

Agora estas propositiones são um testamento, um dom, entregue a mim, mas para nós, a fim de elaborar tudo num documento que nasce da vida e deveria gerar vida. Sobre isto, esperemos e rezemos; em todo o caso, vamos em frente com a ajuda do senhor. Obrigado a todos vós. Com muitos encontrar-nos-emos também em Novembro — penso — no Consistório. Obrigado.



CELEBRAÇÃO DAS PRIMEIRAS VÉSPERAS POR OCASIÃO DO 500º ANIVERSÁRIO DA INAUGURAÇÃO DA ABÓBADA DA CAPELA SISTINA

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Capela Sistina, Solenidade de Todos os Santos

Quarta-feira, 31 de Outubro de 2012




Venerados Irmãos
Queridos irmãos e irmãs

Nesta liturgia das Primeiras Vésperas da solenidade de todos os Santos, nós comemoramos o acto com o qual, há 500 anos, o Papa Júlio II inaugurou o afresco da abóbada desta Capela Sistina. Agradeço ao Cardeal Bertello as palavras que me dirigiu e saúdo cordialmente todos os presentes.

Por que recordar este acontecimento histórico-artístico numa celebração litúrgica? Antes de tudo porque a Sistina é, por sua natureza, um ambiente litúrgico, é a Capela magna do Palácio Apostólico Vaticano. Além disso, porque as obras artísticas que a ornamentam, sobretudo os ciclos de afrescos, encontram na liturgia, por assim dizer, o seu ambiente vital, toda a riqueza e plenitude do seu significado. É como se, durante a acção litúrgica, toda esta sinfonia de figuras se animassem, em sentido espiritual, mas inseparavelmente também estético, porque a percepção da forma artística é um acto tipicamente humano e, como tal, envolve os sentidos e o espírito. Em poucas palavras: a Capela Sistina, contemplada em oração, tem ainda mais beleza, é mais autêntica; revela-se em toda a sua riqueza.

Aqui tudo vive, tudo ressoa em contacto com a Palavra de Deus. Ouvimos o trecho da Carta aos Hebreus: «Vós, porém, aproximaste-vos do monte de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste, das miríades de anjos, da assembleia dos primogénitos...» (12, 22-23). O Autor dirige-se aos cristãos e explica que para eles se realizaram as promessas da Antiga Aliança: uma festa de comunhão que tem Deus, e Jesus, o Cordeiro imolado e ressuscitado, como centro (cf. vv. 23-24). Toda esta dinâmica de promessa e cumprimento nós temo-la aqui representada nos afrescos das paredes longas, obra dos grandes pintores umbros e toscanos da segunda metade do século XV. E quando o texto bíblico prossegue dizendo que nos aproximamos «da assembleia dos primogénitos que estão inscritos nos Céus, do Juiz que é Deus de todos, do espírito dos justos que atingem a perfeição» (v. 23), o nosso olhar eleva-se para o Juízo final de Michelangelo, onde o fundo azul do céu, recordado no manto da Virgem, dá luz e esperança a toda a visão, bastante dramática. «Christe, redemptor omnium, / conserva tuos famulos, / beatae semper Virginis / placatus sanctis precibus» — canta a primeira estrofe do Hino latino destas Vésperas. E é precisamente o que nós vemos: Cristo redentor no centro, coroado pelos seus Santos, e ao lado d’Ele Maria, em acto de intercessão suplicante, como se quisesse mitigar o tremendo juízo.

Mas esta tarde a nossa atenção dirige-se sobretudo ao grande afresco da abóbada, que Michelangelo, por encargo de Júlio II, realizou em cerca de quatro anos, de 1508 a 1512. O grande artista, já célebre por obras-primas de escultura, enfrentou o empreendimento de pintar uma superfície de mais de mil metros quadrados, e podemos imaginar que o efeito produzido sobre quem a viu completada pela primeira vez certamente foi deveras impressionante. Deste imenso afresco precipitou sobre a história da arte italiana e europeia — dirá Wölfflin em 1899 com uma bela e já célebre metáfora — algo comparável com uma «violenta torrente de montanha portadora de felicidade e ao mesmo tempo de devastação»: nada permaneceu como antes. Giorgio Vasari, num famoso excerto das Vite, escreveu de modo muito eficaz: «Esta obra foi e é deveras a lanterna da nossa arte, que tanto enriqueceu e iluminou a arte da pintura, que foi suficiente para iluminar o mundo».

Lanterna, fogo, iluminar: três palavras de Vasari que não permaneceram distantes do coração de quem estava presente na Celebração das Vésperas daquele dia 31 de Outubro de 1512. Mas não se trata só de luz que vem do sábio uso da cor rica de contrastes, ou do movimento que anima a obra-prima de Michelangelo, mas da ideia que percorre a grande abóbada: é a luz de Deus que ilumina estes afrescos e toda a Capela Papal. Aquela luz que com o seu poder vence o caos e a obscuridade para doar vida: na criação e na redenção. E a Capela Sistina narra esta história de luz, de libertação, de salvação, fala da relação de Deus com a humanidade. Com a genial abóbada de Michelangelo, o olhar é estimulado a repercorrer a mensagem dos Profetas, à qual se juntam as Sibilas pagãs à espera de Cristo, até ao princípio de tudo: «No princípio Deus criou o céu e a terra» (
Gn 1,1). Com uma intensidade expressiva única, o grande artista desenha o Deus Criador, a sua acção, o seu poder, para dizer com evidência que o mundo não é produto da obscuridade, do caso, do absurdo, mas deriva de uma Inteligência, de uma Liberdade, de um acto supremo de Amor. Naquele encontro entre o dedo de Deus e o dedo do homem, nós percebemos o contacto entre o céu e a terra; em Adão Deus entra numa relação nova com a sua criação, o homem está em relação directa com Ele, está chamado por Ele, é a imagem e semelhança de Deus.

Vinte anos mais tarde, no Juízo Universal, Michelangelo concluirá a grande parábola do caminho da humanidade, levando o olhar ao cumprimento desta realidade do mundo e do homem, ao encontro definitivo com o Cristo Juiz dos vivos e dos mortos.

Rezar esta tarde nesta Capela Sistina, envolvidos pela história do caminho de Deus com o homem, admiravelmente representada nos afrescos que temos por cima de nós e em nosso redor, é um convite ao louvor, um convite a elevar ao Deus criador, redentor e juiz dos vivos e dos mortos, com todos os Santos do Céu, as palavras do cântico do Apocalipse: «Amén, aleluia. [...] Louvai o nosso Deus, todos vós, servos, vós que o temeis, pequenos e grandes! [...] Aleluia. [...] Rejubilemos e exultemos, demos graças a Ele» (19, 4a.5.7a). Amém.




AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS 8 de Novembro de 2012

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Sala Clementina
Quinta-feira, 8 de Novembro de 2012




Excelências

Ilustres Senhores e Senhoras

Saúdo os membros da Pontifícia Academia das Ciências por ocasião desta Assembleia Plenária e expresso a minha gratidão ao vosso presidente, professor Werner Arber, pelas cordiais palavras de saudação que me dirigiu em vosso nome. Tenho o prazer de cumprimentar o Bispo Marcel Sánchez Sorondo, vosso Chanceler, e agradeço-lhe pelo importante trabalho que faz para vós.

A presente sessão plenária sobre «Complexity and Analogy in Science: Theoretical, Methodological and Epistemological Aspects» (Complexidade e analogia na ciência: aspectos teoréticos, metodológicos e epistemológicos), enfrenta um tema importante que revela uma série de perspectivas que apontam para uma nova visão da unidade das ciências. Com efeito, as importantes descobertas e os progressos dos últimos anos convidam-nos a examinar a grande analogia entre física e biologia, que se manifesta claramente sempre que obtemos uma compreensão mais profunda da ordem natural. Se é verdade que alguns dos novos conceitos obtidos deste modo podem permitir que tiremos conclusões sobre os processos do passado, esta extrapolação realça também a grande unidade da natureza na complexa estrutura do universo e o mistério do lugar que o homem ocupa nele. A complexidade e a grandeza da ciência contemporânea em tudo o que consente que o homem saiba sobre a natureza têm repercussões directas sobre os seres humanos. Só o homem pode ampliar constantemente o próprio conhecimento da verdade e ordená-la sabiamente para o bem próprio e do seu contexto.

Nos vossos debates tentastes examinar, por um lado, a dialéctica em curso sobre a expansão constante da pesquisa científica, dos métodos e das especializações e, por outro, a busca de uma visão global deste universo no qual os seres humanos, dotados de inteligência e liberdade, são chamados a compreender, amar, viver e trabalhar. Actualmente, a disponibilidade de instrumentos poderosos de pesquisa e o potencial para realizar experiências altamente complexas e precisas permitiram que as ciências naturais se aproximassem dos próprios fundamentos da realidade material, mesmo sem conseguir compreender totalmente a sua estrutura unificadora e a sua realidade última. A sucessão infinita e a integração paciente de diversas teorias, onde os resultados obtidos servem, por sua vez, como pressuposto para novas pesquisas, confirmam quer a unidade do processo científico quer o impulso constante dos cientistas em direcção a uma compreensão mais apropriada da verdade da natureza e de uma visão mais inclusiva da mesma. Podemos pensar aqui, por exemplo, nos esforços da ciência e da tecnologia para reduzir as diversas formas de energia a uma força elementar fundamental, que agora parece ser expressa melhor na abordagem emergente da complexidade como base para modelos explicativos. Se esta força fundamental já não parece ser tão simples, isso desafia os pesquisadores a elaborar uma formulação mais ampla, capaz de abranger tanto os sistemas mais simples quanto os mais complexos.

Esta abordagem interdisciplinar da complexidade demonstra inclusive que as ciências não são mundos intelectuais separados uns dos outros e da realidade, mas ao contrário estão interligados e orientados para o estudo da natureza como realidade unificada, inteligível e harmoniosa na sua indubitável complexidade. Esta visão tem pontos de encontro fecundos com a visão do universo adoptada pela filosofia e pela teologia cristãs, com a noção de ser participado, no qual cada criatura, dotada da própria perfeição, participa também numa natureza específica, e isto no seio de um universo ordenado que tem origem na Palavra criadora de Deus. É precisamente esta organização intrínseca «lógica» e «analógica» da natureza que incentiva a pesquisa científica e leva a mente humana a descobrir a comparticipação horizontal entre os seres e a participação transcendente da parte do Primeiro Ser. O universo não é caos ou resultado do caos, mas parece cada vez mais claramente uma complexidade organizada que nos permite elevar-nos, através da análise comparativa e da analogia, da especialização para um ponto de vista mais universalizante e vice-versa. Enquanto os primeiros instantes do cosmos e da vida eludem ainda a observação científica, a ciência reflecte sobre um grande número de processos que revela uma ordem de constantes e correspondências evidentes e serve como componente essencial da criação permanente.

É neste contexto mais amplo que gostaria de observar quanto se demonstrou fecundo o uso da analogia na filosofia e na teologia, não só como instrumento de análise horizontal das realidades da natureza, mas também como estímulo para a reflexão criativa num plano transcendente mais elevado. Precisamente graças ao conceito da criação o pensamento cristão utilizou a analogia não só para investigar a realidade terrena, mas também como meio para passar da ordem criada à contemplação do seu Criador, com a devida consideração do princípio segundo o qual a transcendência de Deus implica que cada semelhança com as suas criaturas necessariamente comporta uma maior dessimilaridade: enquanto a criatura é estruturalmente um ser por participação, Deus é um ser por essência, ou Esse subsistens. No grande empreendimento humano de tentar trazer à luz os mistérios do homem e do universo, estou convicto da necessidade urgente de diálogo constante e de cooperação ente os mundos da ciência e da fé para edificar uma cultura de respeito da dignidade e liberdade do homem, do futuro da nossa família humana e do desenvolvimento sustentável a longo prazo do nosso planeta. Sem esta interacção necessária, as grandes questões da humanidade deixam o âmbito da razão e da verdade, e são abandonadas ao irracional, ao mito ou à indiferença, com grande desvantagem para a humanidade, para a paz no mundo e para o nosso destino último.

Queridos amigos, ao concluir estas reflexões, gostaria de chamar a vossa atenção para o Ano da fé que a Igreja está a celebrar para comemorar o cinquentenário do concílio Vaticano II. Agradecendo-vos pelo contributo específico da Academia para o fortalecimento da relação entre razão e fé, garanto-vos o meu interesse profundo pelas vossas actividades e as minhas orações por vós e vossas famílias. Invoco sobre todos as bênçãos de Deus Todo-Poderoso da sabedoria, da alegria e da paz.





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