Discursos Bento XVI 9112

AOS PARTICIPANTES DA 81ª ASSEMBLEIA GERAL DA INTERPOL 9 de Novembro de 2012

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Sala Paulo VI
Sexta-feira, 9 de Novembro de 2012




Ilustres Autoridades
Excelentíssimos Senhores e Senhoras

Tenho o prazer de vos acolher na conclusão da Assembleia geral da Interpol, que reuniu em Roma os representantes dos órgãos da polícia e da segurança e os líderes da política e das Instituições dos 190 Estados membros, entre os quais, a partir de 2008 foi incluído também o Estado da Cidade do Vaticano. Saúdo-vos cordialmente e através de vós desejos enviar os meus respeitosos cumprimentos às Personalidades institucionais dos vossos países e a todos os vossos concidadãos para cuja segurança vós trabalhais com profissionalismo e espírito de serviço. Em particular, saúdo os Ministros — o Ministro do Interior da República Italiana, que nos dirigiu algumas palavras — os membros dos Governos que quiseram estar presentes, o Presidente da Interpol e o Secretário-Geral, ao qual agradeço a saudação que nos transmitiu.

Neste dias de estudo e de confronto focalizastes a vossa atenção sobre o desenvolvimento da cooperação internacional na luta contra o crime. Com efeito, é importante incrementar a colaboração e o intercâmbio das experiências precisamente no momento em que, a nível global, assistimos a uma difusão das fontes de violência provocadas pelos fenómenos transnacionais que impedem o progresso da humanidade. Entre elas, a evolução da violência criminal constitui um aspecto particularmente preocupante para o futuro do mundo. Não menos importante é o facto de que este esforço de reflexão associa os responsáveis políticos da segurança e da justiça, os organismos judiciários e as forças da ordem, de modo que todos, embora seja da própria competência, possam realizar um trabalho eficaz favorecido por um intercâmbio construtivo. De facto, as instâncias políticas, com base no trabalho das forças da ordem, podem identificar mais facilmente as principais evoluções emergentes com referência aos riscos para a sociedade e, por conseguinte, são postas na condição para poder dar orientações legislativas e operacionais adequadas no âmbito da luta contra a crime.

Na nossa época a família humana sofre por causa de numerosas violações do direito e da lei, que em muitos casos levam a episódios de violência e a factos criminosos. Portanto, é preciso tutelar cada indivíduo e as comunidades através de um compromisso constante e renovado e mediante instrumentos adequados. A este propósito, a função da Interpol, que podemos definir um presídio de segurança internacional, é de grande importância em vista da realização do bem comum, porque a sociedade justa exige também ordem e respeito das normas para uma convivência civil pacífica e serena. Sei que alguns de vós cumprem o seu dever em condições, por vezes, de perigo extremo e arriscam as suas vidas para proteger as dos outros e assim permitir a construção desta coexistência pacífica.

Estamos cientes de que hoje a violência se manifesta sob novas formas. Depois da chamada Guerra Fria, entre os dois blocos ocidentais e orientais surgiram grandes esperanças, especialmente onde uma forma de violência política institucionalizada foi impedida pelos movimentos pacíficos que reivindicavam a liberdade dos povos. Todavia, não obstante algumas formas de violência pareçam diminuir, sobretudo o número de conflitos militares, outros se desenvolvem, como por exemplo a violência criminal, responsável todos os anos da maioria das mortes violentas no mundo. Hoje, este fenómeno é tão perigoso que constitui um grave factor de desestabilização da sociedade e, por vezes, põe à prova a supremacia do Estado.

A Igreja e a Santa Sé encorajam quantos se esforçam para combater a chaga da violência e do crime, nesta nossa realidade que se parece cada vez mais com uma «aldeia global». As formas mais graves das actividades criminosas podem ser identificadas no terrorismo e na criminalidade organizada. O terrorismo, uma das formas mais brutais da violência, semeia ódio, morte, desejo de vingança. Este fenómeno, da estratégia subversiva característica de algumas organizações extremistas finalizada à destruição das coisas e a assassinar pessoas, transformou-se numa rede obscura de cumplicidade política, utilizando também meios técnicos sofisticados, abundantes recursos financeiros e elaborando projectos em grande escala (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja n. 513). Por sua vez, a criminalidade organizada prolifera nos lugares da vida quotidiana e, muitas vezes, age e atinge de forma oculta, para além de qualquer regra; realiza os seus negócios através de numerosas actividades ilegais e imorais como o tráfico das pessoas — uma forma moderna de escravidão — os tráficos de bens ou de substâncias, como a droga, as armas, as mercadorias falsificadas, chegando até ao tráfico de medicamentos, utilizados principalmente pelos pobres, que matam em vez de curar. Este comércio ilegal torna-se ainda mais execrável quando diz respeito aos órgãos humanos de vítimas inocentes: elas sofrem dramas e atrocidades que esperávamos fossem terminados para sempre depois das tragédias do século XX mas que, infelizmente, se apresentam de novo através das violências geradas pelas actividades criminosas de pessoas e organizações sem escrúpulos. Estes crimes abatem as barreiras morais progressivamente erigidas pela civilização e repropõem uma forma de barbárie que nega o homem e a sua dignidade.

Queridos amigos, o encontro hodierno convosco, agentes da polícia internacional, oferece-me a oportunidade para reafirmar mais uma vez que a violência, nas suas diversas formas terroristas e criminosas, é sempre inaceitável, porque fere profundamente a dignidade humana e constitui uma ofensa para a humanidade inteira. Por conseguinte, é um dever reprimir o crime, no âmbito das regras morais e jurídicas, pois a acção contra a criminalidade deve ser sempre realizada no respeito dos direitos do homem e dos princípios de um Estado de direito. Com efeito, a luta contra a violência deve ter certamente como objectivo a repressão do crime e a defesa da sociedade, mas também o arrependimento e a correcção do criminoso, que permanece sempre uma pessoa humana, sujeito de direitos inalienáveis e como tal não deve ser excluído da sociedade, mas tem que ser recuperado. Ao mesmo tempo, a colaboração internacional contra a criminalidade não pode limitar-se só a acções policiais. É essencial também que o necessário acto repressivo seja acompanhado por uma análise corajosa e lúcida das motivações subjacentes a estes acções criminosas inaceitáveis; é preciso prestar uma atenção especial aos factores de exclusão social e de pobreza que persistem na população e que constituem um veículo de violência e de ódio. É fundamental também um compromisso particular a nível político e pedagógico para resolver os problemas que podem alimentar a violência e para favorecer as condições necessárias a fim de que ela não surja e não se desenvolva. Por conseguinte, a resposta à violência e ao crime não pode ser delegada apenas às forças da ordem, mas exige a participação de todos os sujeitos que podem incidir nestes fenómenos. Derrotar a violência é um compromisso que deve envolver não só as instituições e as entidades prepostas, mas a sociedade no seu conjunto: as famílias, as instituições educativas entre as quais a escola e as realidades religiosas, os meios de comunicação social e todos os cidadãos. Cada um tem a sua parte de responsabilidade específica para um futuro de justiça e paz.

Renovo aos dirigentes e a toda a Interpol a expressão da minha gratidão pelo seu trabalho, nem sempre fácil nem compreendido por todos de acordo com a sua justa finalidade. Não posso deixar de agradecer à Interpol pela colaboração que oferece à Gendarmaria do Estado da Cidade do Vaticano, especialmente por ocasião das minhas Viagens internacionais. Deus Todo-Poderoso e misericordioso vos ilumine no desempenho das vossas responsabilidades, vos apoie no serviço à colectividade, vos proteja, assim como os vossos colaboradores e as vossas famílias. Agradeço-vos a vossa presença; o Senhor vos abençoe.





AOS PARTICIPANTES DA PEREGRINAÇÃO DAS «SCHOLAE CANTORUM» ORGANIZADA PELA ASSOCIAÇÃO ITALIANA SANTA CECÍLIA 10 de Novembro de 2012

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Sala Paulo VI
Sábado, 10 de Novembro de 2012




Queridos irmãos e irmãs!

É com grande alegria que vos recebo, por ocasião da peregrinação organizada pela Associação Italiana Santa Cecília, à qual dirijo antes de tudo as minhas felicitações, com a saudação ao Presidente, ao qual agradeço pelas gentis palavras, e a todos os colaboradores. Com afecto saúdo a vós, pertencentes a numerosas Scholae Cantorum de todas as partes da Itália! Sinto-me muito feliz por vos encontrar, e também por saber — como foi recordado — que amanhã participareis na Basílica de São Pedro na celebração eucarística presidida pelo Cardeal Arcipreste Angelo Comastri, oferecendo naturalmente o serviço do louvor com o canto.

Este vosso congresso situa-se intencionalmente na celebração do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II. E vi com prazer que a Associação Santa Cecília pretendeu deste modo repropor à vossa atenção o ensinamento da Constituição conciliar sobre a liturgia, em particular onde — no sexto capítulo — trata a música sacra. Nesta circunstância, como bem sabeis, quis para toda a Igreja um especial Ano da fé, a fim de promover o aprofundamento da fé em todos os baptizados e o comum compromisso pela nova evangelização. Por isso, ao encontrar-me convosco, queria ressaltar brevemente como a música sacra pode, antes de tudo, favorecer a fé e, além disso, cooperar para a nova evangelização.

Sobre a fé, é espontâneo pensar na vicissitude pessoal de Santo Agostinho — um dos grandes Padres da Igreja, que viveu entre o iv e o v século depois de Cristo — para cuja conversão contribuiu sem dúvida de maneira relevante a escuta do canto dos salmos e dos hinos, nas liturgias presididas por Santo Ambrósio. De facto, se a fé nasce sempre da escuta da Palavra de Deus — uma escuta naturalmente não só dos sentidos, mas que dos sentidos passa para a mente e para o coração — não há dúvida de que a música e sobretudo o canto podem conferir à recitação dos salmos e dos cânticos bíblicos maior força comunicativa. Entre os carismas de Santo Ambrósio havia precisamente o de uma aguda sensibilidade e capacidade musical, e ele, quando foi ordenado Bispo de Milão, pôs este dom ao serviço da fé e da evangelização. Em relação a isto, é muito significativo o testemunho de Agostinho, que naquele tempo era professor em Milão e procurava Deus, procurava a fé. No décimo livro das Confissões, da sua Autobiografia, ele escreve: «Quando voltam à mente as lágrimas que os cânticos da Igreja me fizeram derramar nos primórdios da minha fé reconquistada, e a comoção que ainda hoje suscita em mim não o cântico, mas as palavras cantadas, se são cantadas com voz límpida e com a modulação mais conveniente, reconheço de novo a grande utilidade desta prática» (33, 50). A experiência dos hinos ambrosianos foi tão forte, que Agostinho os levou impressos na memória e citou-os com frequência nas suas obras; aliás, escreveu uma obra precisamente sobre a música, o De Musica. Ele afirma que não aprova, durante as liturgias cantadas, a busca do mero prazer sensível, mas reconhece que a música e o canto bem feitos podem ajudar a acolher a Palavra de Deus e a sentir uma comoção saudável. Este testemunho de Santo Agostinho ajuda-nos a compreender o facto de que a Constituição Sacrosanctum Concilium, em sintonia com a tradição da Igreja, ensina que «o canto sacro, unido às palavras, é parte necessária e integrante da liturgia solene» (n. 112). Porque é «necessária e integrante»? Certamente não por motivos estéticos, num sentido superficial, mas porque coopera, precisamente pela sua beleza, para nutrir e expressar a fé e, por conseguinte, para a glória de Deus e a santificação dos fiéis, que são o fim da música sacra (cf. ibid.). Precisamente por este motivo gostaria de vos agradecer o serviço precioso que prestais: a música que executais não é um acessório ou só um embelezamento exterior da liturgia, mas ela mesma é liturgia. Vós ajudais toda a Assembleia a louvar a Deus, a fazer descer no profundo do coração a sua Palavra: com o canto rezais e fazeis rezar, e participais no canto e na oração da liturgia que abraça toda a criação na glorificação do Criador.

O segundo aspecto que proponho à vossa reflexão é a relação entre o canto sacro e a nova evangelização. A Constituição conciliar sobre a liturgia recorda a importância da música sacra na missão ad gentes e exorta a valorizar as tradições musicais dos povos (cf. n. 119). Mas também precisamente nos países de antiga evangelização, como a Itália, a música sacra — com a sua grande tradição que é própria, que é cultura nossa, ocidental — pode ter de facto uma tarefa relevante, para favorecer a redescoberta de Deus, uma renovada abordagem da mensagem cristã e dos mistérios da fé. Pensamos na célebre experiência de Paul Claudel, poeta francês, que se converteu ouvindo o canto do Magnificat durante as Vésperas de Natal na Catedral de Notre-Dame de Paris: «Naquele momento — escreve ele — deu-se o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante o meu coração comoveu-se e eu acreditei. Acreditei com uma força de adesão tão grande, com um tal elevamento de todo o meu ser, com uma convicção tão poderosa, numa certeza que não deixava lugar a espécie alguma de dúvida e que, a partir daquele momento, raciocínio algum ou circunstância da minha vida movimentada puderam abalar a minha fé nem afectá-la». Mas, sem incomodar personagens ilustres, pensemos em quantas pessoas foram tocadas no fundo do ânimo ouvindo música sacra; e ainda mais em quantos se sentiram de novo atraídos por Deus através da beleza da música litúrgica como Claudel. E aqui, queridos amigos, vós desempenhais um papel importante: comprometei-vos por melhorar a qualidade do canto litúrgico, sem ter receio de recuperar e valorizar a grande tradição musical da Igreja, que no gregoriano e na polifonia tem duas das expressões mais nobres, como afirma o Vaticano II (cf. Sacrosanctum Concilium
SC 116). E gostaria de ressaltar que a participação activa de todo o Povo de Deus na liturgia não consiste só em falar, mas também em escutar, em acolher com os sentidos e com o espírito a Palavra, e isto é válido também para a música sacra. Vós, que tendes o dom do canto, podeis fazer cantar o coração de tantas pessoas nas celebrações litúrgicas.

Queridos amigos, faço votos de que na Itália a música litúrgica tenda cada vez mais para o alto, para louvar dignamente o Senhor e para mostrar como a Igreja é o lugar no qual a beleza é de casa. Mais uma vez obrigado a todos por este encontro! Obrigado.



VISITA À CASA-FAMÍLIA DA COMUNIDADE DE SANTO EGÍDIO EM ROMA Segunda-feira, 12 de Novembro de 2012

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Amados irmãos e irmãs!

Sinto-me deveras feliz por estar convosco nesta casa-família da Comunidade de Santo Egídio dedicada aos idosos. Agradeço ao vosso Presidente, prof. Marco Impagliazzo, as calorosas palavras que me dirigiu. Com ele, saúdo o Prof. Andrea Riccardi, Fundador da Comunidade. Agradeço pela presença ao Bispo auxiliar do Centro histórico, D. Matteo Zuppi, ao Presidente do Pontifício Conselho para a Família, D. Vincenzo Paglia, e a todos os amigos da Comunidade de Santo Egídio.

Venho entre vós como Bispo de Roma, mas também como idoso em visita aos seus coetâneos. É supérfluo dizer que conheço bem as dificuldades, os problemas e os limites desta idade, e sei que estas dificuldades, para muitos, são agravadas pela crise económica. Por vezes, a uma certa idade, acontece olhar para o passado, com saudades de quando se era jovem, se gozava de energias vigorosas, se faziam projectos para o futuro. Assim por vezes o olhar entristece-se, considerando esta fase da vida como o tempo do ocaso. Esta manhã, dirigindo-me idealmente a todos os idosos, mesmo estando ciente das dificuldades que a nossa idade comporta, gostaria de vos dizer com profunda convicção: é bom ser idosos! Em cada idade é preciso saber descobrir a presença e a bênção do Senhor e as riquezas que ela contém. Nunca devemos deixar-nos aprisionar pela tristeza! Recebemos o dom de uma vida longa. Viver é bom, inclusive na nossa idade, não obstante alguns «achaques» e limites. No nosso rosto haja sempre a alegria de nos sentirmos amados por Deus, não a tristeza.

Na Bíblia, a longevidade é considerada uma bênção de Deus; hoje esta bênção difundiu-se e deve ser vista como um dom que se deve apreciar e valorizar. Mas com frequência a sociedade, dominada pela lógica da eficiência e do lucro, não o acolhe como tal: aliás, rejeita-o, considerando os idosos não produtivos, inúteis. Muitas vezes sente-se o sofrimento de quem é marginalizado, de quem vive distante da própria casa ou se encontra na solidão. Penso que se deveria agir com maior compromisso, começando pelas famílias e pelas instituições públicas, para fazer de modo que os idosos possam permanecer nas próprias casas. A sabedoria de vida da qual somos portadores é uma grande riqueza. A qualidade de uma sociedade, gostaria de dizer de uma civilização, julga-se também pelo modo como tratam os idosos e pelo lugar que lhes reservam na vida comum. Quem deixa espaço para os idosos deixa espaço à vida! Quem acolhe os idosos acolhe a vida!

A Comunidade de Santo Egídio, desde o seu início, amparou o caminho de tantos idosos, ajudando-os a permanecer nos seus ambientes de vida, abrindo várias casas-família em Roma e no mundo. Mediante a solidariedade entre jovens e idosos, ajudou a fazer compreender como a Igreja efectivamente é família de todas as gerações, na qual cada um deve sentir-se «em casa» e onde não reina a lógica do lucro e do possuir, mas a da gratuidade e do amor. Quando a vida se torna frágil, nos anos da velhice, nunca perde o seu valor e a sua dignidade: cada um de nós, em qualquer etapa da existência, é querido, amado por Deus, cada um é importante e necessário (cf. Homilia para o início do Ministério petrino, 24 de Abril de 2005).

A hodierna visita insere-se no ano europeu do envelhecimento activo e da solidariedade entre gerações. E precisamente neste contexto desejo reafirmar que os idosos são um valor para a sociedade, sobretudo para os jovens. Não pode haver verdadeiro crescimento humano e educação sem um contacto fecundo com os idosos, porque a sua existência é como um livro aberto no qual as jovens gerações podem encontrar indicações preciosas para o caminho da vida.

Queridos amigos, na nossa idade muitas vezes fazemos a experiência da necessidade da ajuda dos outros; e isto acontece também com o Papa. No Evangelho lemos que Jesus disse ao apóstolo Pedro: «Quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde tu não queres» (
Jn 21,18). O Senhor referia-se ao modo como o Apóstolo teria testemunhado a sua fé até ao martírio, mas esta frase faz-nos reflectir sobre o facto de que a necessidade de ajuda é uma condição do idoso. Gostaria de vos convidar a ver também nisto um dom do Senhor, porque é uma graça ser apoiados e acompanhados, sentir o afecto dos outros! Isto é importante em cada fase da vida: ninguém pode viver sozinho e sem ajuda: o ser humano é relacional. E nesta casa vejo, com prazer, que quantos ajudam e quantos são ajudados formam uma única família, que tem como seiva vital o amor.

Queridos irmãos e irmãs idosos, por vezes os dias parecem longos e vazios, com dificuldades, poucos compromissos e encontros; nunca desanimeis: vós sois uma riqueza para a sociedade, também no sofrimento e na doença. E esta fase da vida é um dom também para aprofundar a relação com Deus. O exemplo do Beato Papa João Paulo ii foi e ainda é iluminador para todos. Não esqueçais que entre os recursos preciosos que tendes há o essencial da oração: tornai-vos intercessores junto de Deus, rezando com fé e com constância. Rezai pela Igreja, também por mim, pelas necessidades do mundo, pelos jovens, para que no mundo deixe de haver violência. A oração dos idosos pode proteger o mundo, ajudando-o talvez de modo mais incisivo do que a fadiga de tantos. Gostaria de confiar hoje à vossa oração o bem da Igreja e a paz no mundo. O Papa ama-vos e conta com todos vós! Senti-vos amados por Deus e sabei levar a esta nossa sociedade, muitas vezes tão individualista e eficientista um raio do amor de Deus. E Deus estará sempre convosco e com quantos vos amparam com o seu afecto e ajuda.

Confio todos à intercessão materna da Virgem Maria, que acompanha sempre o nosso caminho com o seu amor materno, e concedo de bom grado a cada um a minha Bênção. Obrigado a todos vós!




À PLENÁRIA DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS Quinta-feira, 15 de Novembro de 2012

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Sala Clementina




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Queridos irmãos e irmãs!

Estou feliz por me encontrar com todos vós, Membros e Consultores do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, por ocasião da Plenária. Dirijo a cada um a minha saudação cordial, em particular ao Presidente, Cardeal Kurt Koch — ao qual agradeço as gentis palavras com as quais interpretou os sentimentos comuns — ao Secretário e aos Colaboradores do Dicastério, com o apreço pelo seu trabalho ao serviço de uma causa tão decisiva para a vida da Igreja.

Este ano a vossa Plenária focaliza a atenção sobre o tema: «A importância do ecumenismo para a nova evangelização». Com esta escolha, oportunamente colocais-vos em continuidade com quanto foi examinado na recente Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos e, num certo sentido, pretendeis dar uma forma concreta, segundo a particular perspectiva do Dicastério, a quanto se manifestou naquele encontro. Além disso, a reflexão que estais a fazer insere-se muito bem no contexto do Ano da fé que desejei como um momento propício para repropor a todos o dom da fé em Cristo ressuscitado, no ano em que celebramos o cinquentenário do início do Concílio Vaticano II. Como se sabe, os Padres conciliares pretenderam realçar o vínculo estreitíssimo que existe entre a tarefa da evangelização e a superação das divisões existentes entre os cristãos. «Esta divisão — afirma-se no início do Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio — não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas» (n. 1). A afirmação do Decreto conciliar faz eco à «oração sacerdotal» de Jesus quando, dirigindo-se ao Pai, pede que os seus discípulos «sejam um só, para que o mundo creia» (
Jn 17,21). Nesta grande oração invoca a unidade para os discípulos de então e para os do futuro por quatro vezes, e por duas indica que a finalidade dessa unidade é para que o mundo creia, que O «reconheça» como enviado pelo Pai. Portanto, existe um vínculo estreito entre o destino da evangelização e o testemunho da unidade entre os cristãos.

Um autêntico caminho ecuménico não pode ser perseguido se ignorarmos a crise de fé que vastas regiões do planeta estão a atravessar, entre essas as que em primeiro lugar acolheram o anúncio do Evangelho e onde a vida cristã prosperou durante séculos. Por outro lado, não podem ser ignorados os numerosos sinais que confirmam a permanência de uma necessidade espiritual, que se manifesta de diversos modos. A pobreza espiritual de muitos nossos contemporâneos, que já não sentem como privação a ausência de Deus nas suas vidas, representa um desafio para todos os cristãos. Neste contexto, a nós crentes em Cristo, exige-se que voltemos ao essencial, ao coração da nossa fé, para juntos darmos testemunho ao mundo do Deus vivo, isto é, de um Deus que nos conhece e nos ama, em cujo olhar vivemos; de um Deus que espera a resposta do nosso amor na vida de todos os dias. Por conseguinte, é motivo de esperança o compromisso de Igrejas e Comunidades eclesiais por um renovado anúncio do Evangelho ao homem contemporâneo. De facto, dar testemunho do Deus vivo, que se fez próximo em Cristo, é o imperativo mais urgente para todos os cristãos, e é também um imperativo que nos une, não obstante a incompleta comunhão eclesial que até agora experimentamos. Não podemos esquecer o que nos une, isto é, a fé em Deus, Pai e Criador, que se revelou no Filho Jesus Cristo, efundindo o Espírito que vivifica e santifica. Esta é a fé do Baptismo que recebemos e é a fé que, na esperança e na caridade, podemos professar juntos. À luz da prioridade da fé compreende-se também a importância dos diálogos teológicos e dos entendimentos com as Igrejas e Comunidades eclesiais nos quais a Igreja católica está comprometida. Mesmo quando não se entrevê, num futuro imediato, a possibilidade do restabelecimento da plena comunhão, eles permitem colher, juntamente com resistências e obstáculos, também riquezas de experiências, de vida espiritual e de reflexões teológicas, que se tornam estímulo para um testemunho cada vez mais profundo.

Contudo, não devemos esquecer que a meta do ecumenismo é a unidade visível entre os cristãos divididos. Esta unidade não é uma obra que nós, homens, podemos simplesmente realizar. Devemos empenhar-nos com todas as nossas forças, e também reconhecer que, em última análise, esta unidade é dom de Deus, que só o Pai pode conceder mediante o Filho, porque a Igreja é a sua Igreja. Nesta perspectiva, surge a importância de invocar a unidade visível do Senhor, mas emerge também como a busca de tal meta é relevante para a nova evangelização. O facto de caminhar juntos para esta meta é uma realidade positiva, sob a condição que as Igrejas e Comunidades eclesiais não desanimem ao longo do caminho, aceitando as diversidades contraditórias como algo normal ou o melhor que se possa obter. Só na plena comunhão na fé, nos sacramentos e no ministério, se tornará evidente de modo concreto a força presente e activa de Deus no mundo. Através da unidade visível dos discípulos de Jesus, unidade humanamente inexplicável, tornar-se-á reconhecível a acção de Deus que supera a tendência do mundo para a desagregação.

Queridos amigos, gostaria de fazer votos para que o Ano da fé contribua também para o progresso do caminho ecuménico. Por um lado, a unidade é fruto da fé e, por outro, um meio e quase um pressuposto para anunciar de modo cada vez mais crível a fé a quantos ainda não conhecem o Salvador ou que, mesmo tendo recebido o anúncio do Evangelho, quase se esqueceram deste dom precioso. O verdadeiro ecumenismo, reconhecendo a primazia da acção divina, exige antes de tudo paciência, humildade, abandono à vontade do Senhor. Enfim, ecumenismo e nova evangelização exigem o dinamismo da conversão, entendido como vontade sincera de seguir Cristo e de aderir plenamente à vontade do Pai. Agradecendo-vos mais uma vez, invoco de bom grado sobre todos a Bênção Apostólica.





AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA FRANÇA EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM» Sábado, 17 de Novembro de 2012

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Sala do Consistório


Senhor Cardeal
Amados irmãos no episcopado!

Agradeço-lhe, Eminência, as suas palavras e conservo uma recordação muito viva da minha estadia em Paris em 2008, que me permitiu momentos intensos de fé e um encontro com o mundo da cultura. Na mensagem que vos enviei por ocasião do encontro em Lourdes, organizado por vós em Março passado, recordei que «o Concílio Vaticano II foi e permanece um sinal autêntico de Deus para o nosso tempo». Isto é particularmente verdade no campo do diálogo entre a Igreja e o mundo, este mundo «com o qual ela vive e age» (cf. Gaudium et spes
GS 40 § 1) e sobre o qual ela quer difundir a luz que irradia a vida divina (Ibid., § 2) Como sabeis, quanto mais a Igreja está consciente do seu ser e da sua missão, tanto mais será capaz de amar este mundo, de manter um olhar confiante nele, inspirado no de Jesus, sem ceder à tentação do desencorajamento ou do fechamento. E «a Igreja, no cumprimento da sua missão, dá a sua contribuição e estímulo à obra de civilização» (Ibidem, n. 58 § 4), diz o Concílio.

A vossa nação é rica de uma longa história cristã que não pode ser ignorada nem diminuída, e que testemunha com eloquência esta verdade, que configura ainda hoje a sua vocação singular. Não só os fiéis das vossas dioceses, mas também do mundo inteiro, esperam muito, não duvideis, da Igreja que está na França. Como pastores, estamos sem dúvida conscientes dos nossos limites; mas, confiantes na força de Cristo, sabemos também que nos compete ser «arautos da fé» (Lumen gentium LG 50), e devemos, juntamente com os sacerdotes e os fiéis, dar testemunho da mensagem de Cristo «de tal modo que todas as actividades terrenas dos fiéis possam ser iluminadas com a luz de Cristo» (Gaudium et spes GS 43 § 5).

O Ano da fé permite-nos aumentar a nossa confiança na força e na riqueza da mensagem evangélica. Quantas vezes verificamos que são as palavras da fé, as palavras simples e directas carregadas da seiva da Palavra divina, que melhor comovem os corações e os espíritos e iluminam mais decisivamente? Portanto, não tenhamos medo de falar com um vigor totalmente apostólico do mistério de Deus e do mistério do homem, e de manifestar incansavelmente as riquezas da doutrina cristã. Ela contém palavras e realidades, convicções fundamentais e modos de raciocínio que são os únicos que podem dar a esperança da qual o mundo está sedento.

Nos debates importantes da sociedade, a voz da Igreja deve fazer-se ouvir incansavelmente e com determinação. Ela fá-lo no respeito da tradição francesa em matéria de distinção entre as esferas de competência da Igreja e do Estado. Precisamente neste contexto, a harmonia que existe entre a fé e a razão dá-vos uma certeza particular: a mensagem de Cristo e da sua Igreja não é só portadora de uma identidade religiosa que exige ser respeitada como tal; ela tem uma sabedoria que permite enfrentar com rectidão as respostas concretas às questões urgentes, e por vezes prementes, do tempo presente. Continuando a exercer, como fazeis, a dimensão profética do vosso ministério episcopal, contribuireis nestes debates com uma palavra indispensável de verdade, que liberta e abre os corações à esperança. Esta palavra, disto estou convicto, é esperada. Ela encontrará sempre um acolhimento favorável sempre que for apresentada com caridade, não como o fruto das nossas próprias reflexões, mas antes como a palavra que Deus quer dirigir a todos os homens.

A este propósito, recordo-me do encontro que teve lugar no Collège des Bernardins. A França pode honrar-se de contar entre os seus filhos e filhas um número de intelectuais de alto nível alguns dos quais olham para a Igreja com benevolência e respeito. Crentes ou não, eles estão conscientes dos imensos desafios da nossa época, na qual a mensagem cristã é um ponto de referência insubstituível. Pode acontecer que outras tradições intelectuais ou filosóficas se esgotem: mas a Igreja encontra na sua missão divina a certeza e a coragem de pregar, oportuna e inoportunamente, a chamada universal à Salvação, a grandeza do desígnio divino para a humanidade, a responsabilidade do homem, a sua dignidade e liberdade — não obstante a ferida do pecado — a sua capacidade de discernir em consciência o que é verdadeiro e o que é bom, e a sua disponibilidade à graça divina. No Collège des Bernardins eu quis recordar que a vida monástica, totalmente orientada para a busca de Deus, o quaerere Deum, é fonte de renovação e de progresso para a cultura. As comunidades religiosas, e sobretudo monásticas, do vosso país que conheço bem, podem contar com a vossa estima e com os vossos cuidados atentos, no respeito pelo carisma próprio de cada um. A vida religiosa, ao serviço exclusivo da obra de Deus, à qual nada pode ser preferido (cf. Regra de São Bento), é um tesouro nas vossas dioceses. Ela dá um testemunho radical sobre o modo como a existência cristã, precisamente quando está totalmente no seguimento de Cristo, realiza de modo pleno a vocação humana para a vida bem-aventurada. Toda a sociedade, e não só a Igreja, é enriquecida em grande medida por este testemunho. Oferecido na humildade, na mansidão e no silêncio, ele dá por assim dizer a prova de que no homem há algo mais do que o próprio homem. Como recorda o Concílio, a acção litúrgica da Igreja faz parte também da sua contribuição para a obra civilizadora (cf. Gaudium et spes GS 58 § 4). Com efeito, a liturgia é a celebração do acontecimento central da história humana, o sacrifício redentor de Cristo. Através dela, testemunha o amor com o qual Deus ama a humanidade, testemunha que a vida do homem tem um sentido e que por vocação ele está chamado a partilhar a vida gloriosa da Trindade. A humanidade precisa deste testemunho. Tem necessidade de entender, através das celebrações litúrgicas, a consciência que a Igreja tem do senhorio de Deus e da dignidade do homem. Tem o direito de poder discernir, além dos limites que marcaram sempre os seus ritos e cerimónias, que Cristo «está presente no sacrifício da Missa, e na pessoa do ministro» (cf. Sacrosanctum concilium SC 7). Conhecendo os cuidados com que procurais preparar as vossas celebrações litúrgicas, encorajo-vos a cultivar a arte de celebrar, a ajudar os vossos sacerdotes neste sentido e a trabalhar incessantemente na formação litúrgica dos seminaristas e dos fiéis. O respeito das normas estabelecidas expressa o amor e a fidelidade à fé da Igreja, ao tesouro de graça que ela conserva e transmite; a beleza das celebrações, muito mais do que as inovações e conciliações subjectivas, realiza uma obra de evangelização duradoura e eficaz.

É grande hoje a vossa preocupação pela transmissão da fé às jovens gerações. Numerosas famílias no vosso país continuam a garanti-la. Abençoo e encorajo de coração as iniciativas que promoveis para apoiar estas famílias, para as circundar da vossa solicitude e para favorecer a sua tomada de responsabilidade no campo educativo. A responsabilidade dos pais neste âmbito é um bem precioso, que a Igreja defende e promove quer como dimensão inalienável e fundamental do bem comum de toda a sociedade, quer como exigência da dignidade da pessoa e da família. Sabeis também que neste campo os desafios não faltam: quer se trate da dificuldade relacionada com a transmissão da fé recebida — familiar, social — ou da fé assumida pessoalmente no limiar da idade adulta, ou ainda, da dificuldade de uma verdadeira ruptura na transmissão, quando se sucedem várias gerações já afastadas da fé viva. Há também o enorme desafio de viver numa sociedade que nem sempre partilha os ensinamentos de Cristo, e que por vezes procura ridicularizar ou marginalizar a Igreja, pretendendo limitá-la unicamente à esfera privada. Para fazer face a estes desafios imensos, a Igreja precisa de testemunhas credíveis. O testemunho cristão enraizado em Cristo e vivido na coerência de vida e de autenticidade, é multiforme, sem um esquema preconcebido. Ele nasce e renova-se incessantemente sob a acção do Espírito Santo. Como apoio a este testemunho, o Catecismo da Igreja Católica constitui um instrumento muito útil, pois manifesta a força e a beleza da fé. Encorajo-vos a fazer com que ele seja amplamente conhecido, sobretudo neste ano no qual celebramos o vigésimo aniversário da sua publicação.

No lugar que vos compete, dais também testemunho mediante a vossa dedicação, simplicidade de vida, solicitude pastoral e acima de tudo através da vossa união com o Sucessor do Apóstolo Pedro. Conscientes da força do exemplo, sabereis encontrar também as palavras e os gestos para encorajar os fiéis a encarnar esta «unidade de vida». Eles devem sentir que a sua fé os compromete, que é para eles libertação e não peso, que a coerência é fonte de alegria e de fecundidade (cf. Exort. apost. Christifideles laici CL 17). Isto é válido também para o seu apego e fidelidade ao ensinamento moral da Igreja assim como, por exemplo, para a coragem de manifestar as suas convicções cristãs, sem arrogância mas com respeito, nos diversos ambientes nos quais vivem. Quantos estão comprometidos na vida pública têm neste campo uma responsabilidade particular. Com os bispos, eles deverão ter a preocupação de prestar atenção aos projectos de lei civis que podem danificar a protecção do matrimónio entre o homem e a mulher, e à justa orientação da bioética em fidelidade aos documentos do Magistério. É mais necessário do que nunca que numerosos cristãos empreendam o caminho de serviço do bem comum aprofundando sobretudo a Doutrina Social da Igreja.

Podeis contar com a minha oração para que os vossos esforços neste âmbito dêem frutos abundantes. Ao terminar, invoco a bênção do Senhor sobre vós, os vossos sacerdotes e diáconos, os religiosos e religiosas, as pessoas consagradas que trabalham nas vossas dioceses e os vossos fiéis. Que Deus vos acompanhe sempre! Obrigado.




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